& Moira Bianchi: Fallen woman ou a Mulher-perdida na vida Vitoriana

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Fallen woman ou a Mulher-perdida na vida Vitoriana

Olá!
trago novidades! 

Sim, livro novo da série CUPIDOS EM DEVON!

O CLUBE DE FLORENCE



Este romance, segundo livro da série, traz um tema que eu sempre quis pesquisar: 

a mulher-perdida
cortesão mostrando imagem obscena - Honthrost - sec 16

Mal falada, má-companhia, safada, rodada, desonrada, promíscua, moça da vida. Quantos termos pejorativos e depreciativos conhecemos para essa condição feminina? Quase uma doença - incurável, veja bem - e contaminosa.
Observe que o termo tem hífen. 
Mulher-perdida.
Não necessariamente uma profissional do sexo, mas a perdida é também chamada de prostituta, meretriz; mulher da rua; mulher-dama. 


A perdida é uma moça que foi pelo mau caminho pelos próprios pés, 
encaminhada por más companhias ou levada à força. 
Pouco importa a razão, importa que ela perdeu-se.

Tenho mil anotações porque essa 'condição' sempre me capturou a curiosidade. Sou de cidade pequena, lá sempre havia o fantasma rondando as meninas e de vez em quando atacando a prima-da-amiga-da-conhecida-da-escola: cedeu aos desejos, teve relação, engravidou... 
Coitada, está perdida!
Mesmo hoje em dia, anos depois que saí do interior e que a sociedade evoluiu (ah, tá!), quem tem filho de namorado desconhecido/sumido/pipa-voada, ainda é vista com maus olhos. 
a exilada, Redgrave - sec 19

O termo em Inglês 'fallen woman' ou em Português 'mulher caída' descreve a moça que, como um anjo, caiu do céu - das graças de Deus. Trocando em miúdos: "perdeu a inocência".
Note que inocência apesar de principalmente, não se refere somente à vida sexual. Uma moça solteira que perde a virgindade perde com ela a inocência, sim. Mas também é desonrada/perdida/tem má reputação a que se corresponde com um homem com quem não tem relacionamento direto - profissional ou familiar (esse era o pavor de Dora no romance Cartas à Dora). Ainda tem a mulher que se vinga de um marido infiel e comete adultério ou maridicídio ou amantecídio (qualquer tipo vingativo de homicídio) também perde a inocência. As que sucumbem aos vícios em álcool ou drogas são também perdidas, sem inocência, caídas na vida.
Espera, estou falando do século 19 ou de hoje em dia? Mudou tanto assim nesses últimos 200 anos?


Machismo?
o despertar da consciência - Hunt - séc 19
é dito que esta moça perdida está em um momento de redenção, percebeu sua desgraça e tenta fugir

Sim, claro. Porque dos homens é esperado que comecem sua vida mundana logo cedo, o mais cedo possível. É prova de virilidade masculina ter várias parceiras e entrar no casamento com bastante experiência, mesmo porque ele - o marido - é responsável pela educação sexual da esposa inocente. 
Nas minhas pesquisas eu encontrei termos curiosos como 'perda', 'rendição', 'corrupção moral' para explicar essa condição de 'mulher-perdida'. Frequentemente subentende-se que são ações involuntárias a que ela é submetida, mas que ela deve arcar com as consequências sociais.
No caso de Florence do livro 2 da série Cupidos em Devon, ela é vítima de um cavalheiro amoral que a seduz com promessas de casamento. Ela era bem jovem, ele era adulto; ambos ricos, ele sabia o quão inocente para as maldades do mundo ela era pois tinha noção da criação que ela recebia, mesmo assim enganbelou a moça. Fica tranqs, não é spoiler! O passado de Florence é contato rapidamente no livro 1 - Eclipse do coração. Enfim, ela foi abandonada depois da noite de amor e... 


O que seria feito dessa 
moça deflorada
na década de 1830?

A família conseguiu abafar o escândalo, mas tem sempre algum fofoqueiro que não deixa a história morrer. E pior, tem a depressão tomando conta de Florence ao longo dos anos.
Daí você pensa: precisava morrer aos pouquinhos por mais de uma década isolada na propriedade da família longe dos olhos de todo mundo?

Sim... Por mais cruel que seja.

Toda sociedade tem suas regras, e como o mundo é grande, as regras variam muito. Em quase todas, porém, a mulher deve ser virtuosa e casta.
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Especialmente na Grã-Bretanha do século 19, por conta das novas regras de vida marital determinadas pelo exemplo alimentado pela rainha Victoria & príncipe Albert, formou-se a crença de que, para ser social e moralmente aceitável, a mulher deveria obedecer aos padrões de boa esposa e dedicada mãe. Para isso, sua sexualidade e a experiência mundana deveriam ser inteiramente restritas ao casamento quando ela estaria sob a supervisão e o cuidado de um homem (autoritário) que substituía seu pai nesta árdua função.
Fora do matrimônio, uma moça tinha pouquíssimas oportunidades de se sustentar de forma honrada. 
Com o avanço da sociedade Vitoriana, hordas de moças solteiras chegavam às cidades caçando trabalho, casamento ou outra forma de viver mais do que sobreviver na pobreza do interior. Eram chamadas de 'mulheres-problema' pelo risco que ofereciam.
Se educada poderia ser preceptora de crianças, se mais velha poderia ser acompanhante; se prendada seria costureira trabalhando 20 horas por dia sob luz de velas ou balconista de lojas renomadas; se feia, pobre e ignorante, seria criada doméstica ou... profissional do sexo. E mesmo sem chances de lutar contra as durezas da vida, ela era jogada no ostracismo do termo 'mulher-perdida' meramente por se defender e achar maneira de sobreviver.
Usado quando a sociedade oferecia poucas oportunidades para mulheres em tempos de crise ou dificuldades, o termo era frequentemente associado à prostituição, que era considerada causa e efeito de uma mulher "caída" já que ela era espelho perigosíssimo: uma mulher dona de sua sexualidade a ponto de lucrar com ela.
Percebe a ligação?
Daí a associação com a perda ou rendição da castidade de uma mulher - fosse por ser enganada por um homem, atacada ou em ato consensual - o que levaria todas as mulheres que já haviam experimentado sexo à promiscuidade feminina.
A prostituta era (é?) uma grande ameaça social pois escancara uma vida de liberdade e sexualidade assumida tão proibitiva! Um pecado! Uma doença a ser eliminada para evitar a repetição por outras mulheres. Dumêt cita uma fonte em sua tese (achei na web) falando que a corrupção da moral feminina exibida na mulher-perdida através de seu comportamento sexualmente descontrolado, mantendo relações sexuais por dinheiro e entregando-se à masturbação, à sodomia, e práticas antinaturais do gênero, era um manual vivo da forma anti-higiênica de ser mulher.
Também suja, safada, rodada era a mulher que tinha amantes - mesmo que seu marido tivesse muitas. 
E a ladra. 
E a criminosa. 
E a que tinha opiniões sobre qualquer coisa, principalmente política.
fanpop

Na literatura clássica, temos várias:
- Lydia Bennet em Orgulho e Preconceito era liberada e atirada (talvez por sua pouca idade) sem medo de assumir a atração sexual que sente. Seu castigo é quase-pobreza ao lado do canalha com quem ela fugiu;
- Martha Endell em David Copperfield que sofre de fofoca, tenta se matar e é enviada para beeem longe, Austrália. Somente longe da sociedade civilizada ela pode recomeçar (sem que soubessem sua desgraça) e acha marido;
- Tess protagonista de Tess de Ubervilles é estuprada, mas carrega essa vergonha de ter perdido a virgindade - que lhe foi roubada, certo? Grávida, dá a luz, batiza e enterra a prova de sua vergonha sozinha. 
- Marianne em Razão e Sensibilidade passa por aquele chuvaréu, lembra? Eu sempre achei que era uma alegoria para sua perda de virtude para Willoughby, seu desespero na verdade ao perceber que o bonitão se foi e ela sifu...


Mas eu sempre me perguntei:
o que era feito de uma moça depois que ela se perdia? 
Uma 'mulher-perdida' é tipicamente apresentada como sendo muda, contrita, enigmática em seu silêncio constrangido e culpa exacerbada. Marianne casou com Cel. Brandon depois que fugir dele o tempo todo. Seria ele a saída honrada que ela teve? A perdida é um enigma, pois apesar de todos saberem que ela é perdida, muitos se perguntam o que exatamente causou sua queda. 


É fofoca que fala, né?
twitter

Machismo, você está pensando. Puxa, a garota foi estuprada e mesmo assim fica mal falada. Caramba! Como Tess, Florence também é VÍTIMA, mas carrega a vergonha social, a depressão, o medo de ser exposta ao ridículo e à violência de novo; enquanto isso... o bonitão sedutor, fonte e autor da corrupção feminina? Por aí pela vida, livre leve solto.

Achei referência na música nacional contemporânea, olha: 
O samba 'Mil réis', de Candeias.
Tentarei te esquecer, perdida
Perdida porque não honraste um homem
Manchaste o meu nome e tudo quanto te ofertei
Jogaste fora, como moeda sem valor, um grande amor
Quem me encontrou, me valorizou

O mestre Cartola, pintor de paredes e poeta, nos deixou a mais que perfeita 'O Mundo É Um Moinho' feita para sua filha que se perdia:
Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
...
Muita atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés


Na época, século 19, a única saída para a perdida era:
1- entregar os filhos em orfanatos (alguns só aceitavam o primeiro. Novos 'erros' não eram aceitos/desculpados/entendidos nem por religiosos e caridosos);
2- morrer/se matar;
3- emigrar para longe da sociedade civilizada que testemunhou seu erro.
encontrada afogada - Watts. séc 19

No entanto... no O CLUBE DE FLORENCE ela encontra uma redenção mais palatável - um final feliz! Em meio à sua depressão ela descobre maneira de dar a volta por cima e com isso, conhece um homão da po**a que... Ih, nem te conto!
Pára: esse 'clube' é um clube mesmo? Tipo o que diz o dicionário: Local de reuniões políticas, sociais, literárias ou recreativas; sociedade ou agremiação para a prática de esportes e/ou de recreação (jogos, conversas, dança etc.) de seus associados. É isso?
Bem, ela era 'MULHER-PERDIDA' e acha maneira de ajudar outras que estão na mesma situação e... *SPOILER ALERT*



Aqui está a sinopse completa, links e curiosidades da série.



Até mais!

e... outras curiosidades & pesquisas históricas, aqui

pesquisei aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e nas minhas muuuuitas anotações e estudos desde antes de escrever Florence... Lembra que postei o registro dela no EDA FBN? Faz tanto tempo que nem achei nos arquivos dos posts da novela Orgulho e Paixão...

Um comentário: