olá!
Ando pesquisando bastante pecados femininos, pequenas contravenções sociais cometidas por nossas ancestrais no século XIX; qualquer coisa desde se vestir de rapaz a se embebedar, usar força bruta ou ser inteligente demais. No ponto em que estou da composição de um novo romance (ou dois, quem sabe?), a mocinha está armando um grande golpe e para isso, ela vai burlar uma regra aqui, outra ali.
A Gibson girl, uol história |
Será a famosa...
GAROTA À FRENTE DO SEU TEMPO
O que é um clichê comum e amado em tese, porque 'na vida real' somos bem cruéis com quem é avançado. Mas isso é outra história.
Ritratto di Mme Pompadour. 1756. F Boucher. Trecho |
Aqui quero me referir aos clichês que compõem romances, especialmente de época. Tenho até um top 5 para heróis angariado em pesquisas nas redes sociais, olha:
1. O Libertino que se regenera
2. O Duque
3. O Sofrido traumatizado
4. O possessivo ciumento apaixonado
5. O divertido, de bem com a vida, debochado
Daí me deparei com esse post de 2014 da Joanne Harris, a autora de Chocolat q virou filme com o Johnny Depp e Juliette Binoche, lembra? Muito bom. É fantástico! Vou fazer uma rapida transcrição e tradução, mas sugiro que leiam o original.
1. Garota diferentona das outras (que acaba sendo terrivelmente comum.)
2. A protagonista que se descreve enquanto está diante do espelho.
3. Cabelo como substituto da personalidade. (Cabelo rebelde; cabelo selvagem; cabelo emaranhado - de qualquer maneira que você olhe para ele, ainda é apenas cabelo.)
4. O melhor amigo gay, cuja homossexualidade é a única coisa que aprendemos sobre ele.
5. O interesse amoroso, acrescentado no último minuto, que não é nem um pouco interessante.
6. Homem explicadinho, que diz coisas como: "Como você sabe, somos irmãos há vinte anos ..."
7. O herói do segredo sombrio. Mas nunca é halitose.
8. O herói que se apaixona pela única mulher no mundo que não gosta dele.
9. Mulheres que brincam com seus cabelos. Jogando; dobrando; enrolando; alisando - quase tão irritante quanto mulheres que mordem o lábio -
10. Professor de escrita criativa, de meia-idade, que dorme com suas lindas alunas. E sim, isso às vezes acontece na vida. Mas isso acontece principalmente em livros escritos por palestrantes de escrita criativa do sexo masculino, de meia-idade.
Enquanto eu lia, ia fazendo um mea culpa pensando quando e onde abusei desses clichês... me convenci que, ao menos, usei como DETALHES...
Joseph Ducreux, self portrait, sec 18 |
Mas a Joanne vai mais longe e nos oferece um micro conto e nos desafia a encontrar os clichês! Haha, muito bom!!
Lembrando que traduzi, segue a boa escrita de Joanne Harris:
>>>O alarme da cabeceira tocou alto, arrancando Lake de seus sonhos intermitentes com o estranho devastadoramente bonito e encantador que ela conhecera na noite anterior em uma festa da faculdade. Por um momento, ela se perguntou por que estava sonhando com ele. Com suas mechas charmosas de cabelo castanho, seu olhar azul desconcertantemente direto e seu hábito irritante de olhar para ela com curiosidade enquanto escovava uma partícula de poeira do punho de seu terno Armani caro, ele enfaticamente não era o tipo dela.
Ela bocejou, espreguiçou-se e, com uma falta de jeito cativante, atravessou o quarto desarrumado até o espelho, onde estudou seu reflexo. Um rosto em forma de coração a encarou de volta, emoldurado por cachos ruivos rebeldes caindo sobre seus vívidos olhos verdes. “Como eu odeio esse ritual,” ela reclamou, prendendo uma mecha de cabelo atrás de uma orelha de elfo. “Eu acordo todas as manhãs, bocejo, me espreguiço, escrutino meu reflexo e para quê? Ninguém jamais me notará, pois não sou como as outras garotas. Outras meninas são femininas e populares com os meninos. Eu tenho apenas meu Melhor Amigo Gay, que é claro, nunca pode ser meu. ” Ela suspirou cansada e procurou no meio da desordem por algo para vestir. “Graças a Deus eu não me importo nem um pouco com roupas”, ela exclamou, escolhendo um par de jeans e uma camisa de homem, que misteriosamente cabia nela melhor do que qualquer outra coisa que ela possuía. “Embora eu tenha certeza de que Karl, meu melhor amigo gay, teria muito a dizer sobre isso.”
Karl era o melhor amigo gay de Lake. Devastadoramente bonito e, no entanto, misteriosamentdesolteiro e desapegado, era ele quem levava Lake às compras, a ouvia e a impedia de cair nas coisas (eu disse que ela era cativantemente desajeitada?). De repente, o telefone tocou. "O que você está vestindo?" veio a voz profunda de Karl.
"Ah você sabe. Só jeans de novo, ”respondeu Lake casualmente.
"Isso não vai servir de jeito nenhum", fungou Karl. “Chama-se de heroína? Vou enviar uma roupa imediatamente. Teremos um novo professor hoje, e você terá que estar fabulosa. ” (Karl estava convencido de que sua amiga heterossexual estava destinada a se apaixonar por um professor. Aconteceu em oudo que ele lia para e nas aulas de redação criativa.)
Lake mordeu nervosamente seu lábio inferior carnudo. "Oh, Karl, eu não sei", disse ela. “Eu não sou como outras meninas. Eu não gosto de glamour ou romance. Além disso, sou terrivelmente desajeitada, se usasse algo frívolo, provavelmente tropeçaria e cairia aos pés do cara como uma completa desastrada, fazendo-o perceber que sou, não só cativante, mas também dolorosamente sincera e revigorantemente pouco sofisticada, ao contrário das mulheres frágeis e intrigantes da academia com as quais ele geralmente se cerca. ”
"Bobagem", exclamou Karl com desdém. "Estarei aí em dois minutos."
Dois minutos depois, Lake estava novamente examinando seu reflexo no espelho. Estava transformada; uma visão em tafetá cereja, com curvas em todos os lugares certos.
“É da minha coleção”, explicou Karl. - Mas fica ainda melhor em você, Lake. Agora, se você apenas colocar este cacho ruivo perdido atrás da orelha - ” Ele deu um passo para trás para observá-la. "Querida, você está fabulosa!"
“Mas não é um pouco demais para uma aula de redação criativa?” sussurrou Lake em dúvida.
"Absurdo!" repetiu Karl, olhando no espelho, onde seu reflexo mostrava uma jovem de uma beleza devastadora, com um sorriescmaroto meio escondido sob uma mecha de cabelo rebelde. "Além disso, ouvi dizer que este novo professor é particularmente difícil de agradar e vê seus alunos como nada mais do que mera argila de modelar, a serem forçados a quaisquer formas que sua imaginação distorcida possa conceber. Ele também tem um segredo sombrio, mas ninguém sabe o que é ainda - ”
Os olhos esmeralda de Lake se arregalaram. "Ele também tem o hábito irritante de olhar intrigado para você?" ela disse. "Cabelo castanho indomado, olhos frios e um sorriso ligeiramente torto?"
"Sim. Acho que sim ”, disse Karl.
Lake caiu sobre seus pés com isso, aterrissando esparramado no chão. “Oh, Karl,” ela respirou irregularmente. “Eu acho que estou em uma história.” <<<
Mimimi do rapazinho... aff! Obra de Arthur Von Ramberg, sec 19, Austria. |
Tá sentindo que já leu isso outras 5000 vezes?
Ou só achou engraçado?
Sabe do que? Ontem comecei a ler um romance de época de 'autora gringa muito querida aqui' que parece ser esta lista passada a limpo!!!
Tá errado gostar de CLICHÉS?
Não, acho que não. Deve ter a ver com a necessidade de crianças reverem o mesmo desenho mil vezes. "Assistir a algo familiar pode ser uma tentativa de se acalmar. As crianças recorrem a coisas familiares, como um vídeo infantil favorito, por ser reconfortante conhecer todos os personagens e o que vai acontecer a seguir."
Às vezes eu tento fazer um plot baseado em clichê, mas acabo me desviando. Comecei fazendo um romance sobre uma viúva endinheirada a caminho da NY antebellum e acabei falando de vários tipos de escravidão para mulheres no início da era Vitoriana: social, emocional, forçada, brutal, sexual, auto-imposta... Se encontro fontes e documentos que me levam por caminhos que nem imaginava, me sinto obrigada a fazer os personagens mais densos, com mais camadas...
Mas, claro, as mocinhas são valentes e os heróis cavalheiros & bem dotados. Por favor, né?
E você, quais são seus clichês favoritos?
Bj