Orgulho e Preconceito
Jane Austen
parte 6 de 6
final
Afinal o dia do casamento chegou. Jane e
Elizabeth ficaram mais comovidas do que a própria Lydia. A carruagem foi
enviada ao encontro do casal, que era esperado à hora do jantar. Jane e
Elizabeth viam com crescente apreensão se aproximar a hora da chegada. Jane
especialmente, que atribuía a Lydia os sentimentos que sentiria se estivesse no
seu lugar, se entristecia com a ideia do que a irmã iria sofrer.
Chegaram. A família estava reunida na
sala de almoço para recebê-los. Mrs. Bennet se desmanchou em sorrisos assim que
a carruagem parou à porta; Mr. Bennet tinha um olhar grave e impenetrável, e
suas filhas estavam alarmadas, ansiosas e inquietas.
Ouviram a voz de Lydia no vestíbulo. A
porta foi aberta com força e ela entrou correndo na sala. Sua mãe adiantou-se,
abraçou-a, com grandes demonstrações de alegria. Sorrindo afetuosamente ela
estendeu a mão para Wickham, desejando felicidade a ambos com uma alacridade
que demonstrava bem que não duvidara nem um minuto da realização do seu desejo.
Mr. Bennet os recebeu muito menos
cordialmente. Seu rosto se tornou ainda mais grave e mal abriu a boca. A
atitude despreocupada do jovem casal era realmente uma provocação. Elizabeth
ficou irritada e mesmo Jane ficou consternada. Lydia continuava a mesma.
Imprudente, indomável, louca, ruidosa, temerária. Cumprimentou cada uma das
suas irmãs exigindo os seus parabéns, e depois que todos se sentaram começou a
olhar em torno de si com curiosidade, notando as pequenas alterações que tinha
havido na sala; depois observou com uma risada que há muito tempo ela não via
aquele lugar. Wickham ficou mais perturbado do que ela. Mas as suas maneiras
eram sempre agradáveis e se o seu caráter fosse perfeito e o casamento tivesse
se realizado segundo as regras, seus sorrisos e suas palavras teriam
conquistado toda a família. Elizabeth nunca o supusera capaz de um tal cinismo.
Mas ela sentou-se, resolvendo consigo mesma que para o futuro nunca mais
traçaria limites à imprudência de um homem sem escrúpulos. Ela corou e Jane
também, mas os rostos que lhes causavam essa perturbação não se alteraram.
A conversação era incessante. A noiva e
a mãe competiam em exuberância. E Wickham, que estava sentado perto de
Elizabeth, começou a perguntar pelos seus conhecidos nas redondezas, com uma
tranquilidade bem-humorada, que ela sentiu jamais poder imitar nas suas
respostas. Tanto Wickham como a esposa só pareciam ter apenas lembranças
agradáveis na sua vida. Nenhum fato do passado era lembrado com amargura. Ela
própria mencionava assuntos a que as suas irmãs por coisa alguma no mundo
aludiriam.
— Imagina, já faz três meses que eu fui
embora — exclamou Lydia. — Não me parecem mais do que 15 dias. E no entanto,
aconteceram tantas coisas... Quando fui embora, nem sequer imaginava que um dia
voltaria casada! Mas pensei que seria engraçado se o fizesse...
Mr. Bennet levantou os olhos. Jane ficou
aflita e Elizabeth olhou significativamente para Lydia; esta, porém, continuou,
como se nada tivesse visto:
— Oh, mamãe, o pessoal daqui das
redondezas sabe que eu me casei hoje? Tive receio de que eles não soubessem. No
caminho encontramos William Goulding na sua charrete. E para que ficasse
sabendo, abaixei a vidraça, tirei a minha luva e apoiei a mão no rebordo da
janela para que ele visse a minha aliança. Depois, então, eu o cumprimentei e
me desmanchei em sorrisos.
Elizabeth achou que aquilo passava dos
limites. Levantou-se, saiu, e só voltou quando os ouviu passar através do hall
para ir à sala de jantar. Ao entrar, viu Lydia com sinais de ansiedade no rosto
aproximar-se do lugar à direita da mãe, dizendo para a irmã mais velha:
— Ah, Jane, eu fico agora no seu lugar,
você fica mais para baixo, pois agora sou uma mulher casada…
Não era crível que a solenidade do
jantar desse a Lydia o constrangimento que até aquele instante não demonstrara.
Ao contrário, o seu desembaraço e a sua alegria aumentaram. Estava louca de
vontade de ver Mrs. Philips, os Lucas e todos os outros vizinhos, e ouvi-los
chamá-la de Mrs. Wickham. Enquanto essas pessoas não apareciam, logo depois ela
foi mostrar a aliança para Mrs. Hill e as duas criadas.
— Bem, mamãe — disse ela, quando voltou
para a sala —, que é que você acha do meu marido? Não é mesmo um homem
encantador? Estou certa de que todas as minhas irmãs me invejam. Desejo só é
que elas tenham metade da minha sorte. Precisam todas de ir a Brighton. Lá é
que é bom lugar para se arranjar marido. Que pena, mamãe, não termos ido todas!
— É verdade, se me tivessem escutado,
teríamos ido. Mas minha querida Lydia, não gosto nada dessa ideia de você ir
para tão longe. Será mesmo necessário?
— Oh, sim, não vejo nenhum mal nisto.
Tenho muita vontade de ir. A senhora, papai e minhas irmãs precisam ir nos
visitar. Estaremos em Newcastle todo o inverno. E vai haver muitos bailes e eu
arranjarei bons pares para todas as que forem.
— Eu bem que gostaria de ir — disse Mrs.
Bennet.
— E depois, quando regressar, poderão
deixar comigo uma ou duas das minhas irmãs. Garanto que arranjarei maridos para
elas antes do fim do inverno.
— Agradeço pela parte que me toca —
disse Elizabeth. — Mas eu não aprecio muito a sua maneira de arranjar maridos.
Os visitantes não poderiam demorar mais
de dez dias. Mr. Wickham tinha sido nomeado antes de sair de Londres e haviam
lhe concedido apenas 15 dias para se reunir ao seu regimento.
A não ser Mrs. Bennet, ninguém mais
lamentou que eles demorassem tão pouco. Mrs. Bennet aproveitou o tempo da
melhor forma possível, fazendo visitas com sua filha e recebendo
frequentemente. Essas reuniões foram agradáveis para todos. Escapar ao círculo
da família era mais agradável para os que pensavam do que para aqueles que não
o faziam. A afeição de Wickham por Lydia era exatamente como Elizabeth tinha
esperado: inferior à que Lydia tinha por ele. Mesmo se não tivesse tido
oportunidade de observá-los, chegaria à conclusão lógica de que a fuga tinha
sido devido mais à paixão dela do que ao interesse dele. E se não fosse a certeza
de que ele tinha fugido porque a sua situação no lugar era insuportável,
Elizabeth se surpreenderia pelo fato de Wickham ter raptado a sua irmã, sem
possuir uma paixão violenta. Sendo este o caso, ele não resistira à
oportunidade de ter uma companheira para a sua viagem.
Lydia gostava imensamente de Wickham.
Ele continuava a ser o seu querido Wickham. Ninguém podia competir com ele no
seu coração. Fazia as coisas, segundo ela, melhor do que todo o mundo. Certa
manhã, pouco depois da sua chegada, estando sentada com as suas duas irmãs mais
velhas, Lydia disse para Elizabeth:
— Lizzy, creio que nunca lhe contei como
foi o meu casamento. Você não estava presente quando descrevi tudo para mamãe e
as outras. Não está curiosa por saber como tudo isto se passou?
— Não, para falar a verdade — replicou
Elizabeth —, penso que quanto menos se falar neste assunto, melhor.
— Ora, você é tão esquisita! Mas vou
contar como aconteceu tudo... Nós nos casamos na igreja de São Clemente, porque
a residência de Wickham era naquela paróquia. Combinamos nos encontrar lá às
onze horas. Meus tios e eu devíamos ir juntos. E os outros nos encontrariam na
igreja. Bem, chegou segunda-feira de manhã, e eu estava numa aflição que você
nem imagina! Tinha medo que acontecesse qualquer coisa e que a gente tivesse de
adiar o casamento. Eu teria ficado desesperada! Enquanto me vestia, minha tia
continuou falando todo o tempo, tal qual se estivesse fazendo um sermão. Mal
entendi uma palavra, pois como você deve supor estava pensando no meu querido
Wickham. Estava doida para saber se ele ia se casar com seu casaco azul. Bem,
almoçamos às dez, como de costume. Pensei que o almoço nunca mais ia acabar.
Entre parênteses, meu tio e minha tia foram horrivelmente severos comigo
durante todo o tempo que estive lá. Imagina que não me deixaram botar os pés
fora de casa nem uma só vez, durante os 15 dias que passei em casa deles. Nem
uma festa, nem uma reunião, nada. Naturalmente Londres estava bastante deserta.
Mas o Pequeno Teatro estava aberto. Bem, na hora em que a carruagem parou à
porta, meu tio foi chamado a negócios por um sujeito horrível chamado Mr.
Stone. E você sabe que, quando ele começa a falar de negócios, não acaba mais.
Eu estava tão assustada que não sabia o que fazer, pois era meu tio quem me
serviria de padrinho. E se a gente perdesse a hora, teria que deixar o
casamento para o dia seguinte. Mas, felizmente, ele voltou dentro de dez
minutos, e então saímos todos. Mas depois eu me lembrei que mesmo se ele fosse
impedido de ir, o casamento poderia ter se realizado, porque Mr. Darcy o
poderia ter substituído.
— Mr. Darcy? — repetiu Elizabeth, com
imenso espanto.
— Sim, ele tinha ficado de vir com
Wickham. Mas que é que eu estou dizendo! Eu me esqueci! Não devia ter dito
nada! Prometi que não diria! Que é que Wickham vai dizer? Era segredo!
— Se era segredo — disse Jane —, então
não diga mais nada. Pode ficar certa de que não faremos outras indagações.
— Decerto — disse Elizabeth, ardendo de
curiosidade. — Nada perguntaremos a você.
— Obrigada — disse Lydia —, pois se
vocês perguntassem, eu certamente diria tudo. E depois Wickham ficaria muito
zangado comigo.
Para resistir àquele encorajamento,
Elizabeth foi obrigada a fugir.
Mas era impossível viver na ignorância
daquele detalhe. Ou pelo menos era impossível não tentar se informar. Mr. Darcy
assistira ao casamento da sua irmã. Não poderia haver no mundo cena mais capaz
de atrair o seu interesse. As conjeturas mais loucas atravessaram o seu
espírito, sem que nenhuma o satisfizesse. As explicações que mais lhe
agradavam, justamente as que colocavam a conduta dele sob uma luz mais nobre,
pareciam as menos prováveis. Ela não poderia suportar essa incerteza. E tomando
uma folha de papel escreveu apressadamente uma curta missiva para a sua tia,
pedindo-lhe a explicação do fato a que Lydia aludira, caso não fosse segredo.
A senhora bem pode compreender que estou
curiosa para saber como uma pessoa que não tem relações com qualquer uma de nós
e é comparativamente um estranho para a nossa família pudesse estar presente ao
casamento. Peço que escreva imediatamente e me explique tudo, a não ser que
haja motivos muito fortes para guardar o segredo que Lydia parece achar
necessário. Neste caso, terei de me resignar à minha ignorância.
“Não, jamais me resignarei a isto”, disse
Elizabeth para si mesma. Em seguida terminou a carta: “Minha querida tia, se a
senhora não me disser isto por bem, serei obrigada a lançar mão de estratagemas
para descobri-lo.”
A delicadeza de Jane não lhe permitia
que falasse em particular com Elizabeth sobre o que Lydia tinha dito. Aliás,
isto era agradável para Elizabeth. Ela preferia não ter uma confidente até
saber se a sua curiosidade seria satisfeita.
Elizabeth teve a satisfação de receber
uma resposta da sua carta e verificou que não era possível obtê-la mais
prontamente. Assim que a carta chegou, correu para o pequeno bosque e,
sentando-se num banco, preparou-se para ler tranquilamente, sentindo-se feliz
porque, pelo número de folhas, era fácil verificar que não continha uma simples
negativa.
Gracechurch Street, 6 de setembro.
Minha querida sobrinha: Acabo de receber
a sua carta e devotarei toda esta manhã a lhe escrever a minha resposta, pois
prevejo que em poucas linhas não poderei transmitir tudo o que tenho a dizer.
Devo confessar que o seu interesse me surpreende. Não o esperava da sua parte.
Não pense que eu esteja zangada, no entanto, pois o que desejo exprimir é que
não esperava que estas informações lhe fossem necessárias. Se prefere não
compreender o que digo, perdoe a minha impertinência. Seu tio ficou tão
espantado como eu. E nada, a não ser que você seja uma parte interessada, o
teria levado a agir da maneira que fez. Mas se você é realmente inocente e
ignorante, preciso ser mais explícita. No mesmo dia em que cheguei aqui de
Longbourn, seu tio recebeu uma visita inesperada. Mr. Darcy veio à nossa casa e
ficou em conferência com ele durante várias horas. Quando cheguei, tudo isso já
tinha acabado e portanto a minha curiosidade não foi tão intensamente despertada
como a sua parece ter sido. Ele veio para dizer a seu tio que tinha descoberto
o paradeiro de Mr. Wickham e da sua irmã e que já os tinha visto e conversado
com ambos, com Wickham várias vezes e com Lydia apenas uma. Ao que parece, ele
saiu do Derbyshire um dia depois da nossa partida. E veio a Londres resolvido a
procurar os fugitivos. O motivo alegado era sua convicção de que fora por sua
causa que o caráter de Wickham não tinha sido bem conhecido, de maneira que
tornasse impossível que uma moça decente o amasse e confiasse nele.
Generosamente atribuiu tudo isto ao seu orgulho mal-entendido, pois julgava
estar acima da necessidade de expor aos outros os seus atos particulares. O seu
caráter falava por si mesmo. Ele achava portanto que era o seu dever vir a
público e tentar reparar o mal que julgava ter causado. Se tinha outro motivo,
estou certa que não era um motivo inconfessado. Passara alguns dias em Londres
antes de descobrir os fugitivos. Mas ele possui um elemento para dirigir a sua
busca que nós não possuímos: e este era o outro motivo para justificar a sua
vinda. Existe uma senhora, ao que parece uma certa Mrs. Younge, que foi durante
algum tempo a governanta de Miss Darcy, tendo sido despedida por motivos que
ele não nos contou. Depois disto ela alugou uma grande casa em Edward Street e
aí abriu uma pensão. Mr. Darcy sabia que esta Mrs. Younge era intimamente
ligada a Wickham. E se dirigiu a ela em busca de informações, assim que chegou
em Londres. Mas, levou dois dias para obter dela o que desejava. Suponho que
essa mulher não queria trair o segredo que lhe fora confiado sem receber um
suborno, pois de fato ela conhecia o paradeiro do seu amigo. Wickham realmente
a tinha procurado, logo depois de chegar a Londres, e se tivesse tido cômodos
disponíveis, seria na sua casa que teria se instalado. Afinal o nosso bom amigo
conseguiu obter o endereço desejado. Estavam na rua X. Mr. Darcy esteve com
Wickham e posteriormente insistiu para ver Lydia. O seu primeiro objetivo para
com ela, reconheceu ele, fora persuadi-la a abandonar a sua desonrosa situação
atual e voltar para os seus amigos assim que consentissem em recebê-la,
oferecendo o seu auxílio nesse sentido. Mas encontrou Lydia absolutamente
resolvida a permanecer onde estava. Ela não queria saber dos amigos, não queria
o seu auxílio e por coisa alguma deste mundo deixaria Wickham. Estava certa de
que eles se casariam mais cedo ou mais tarde e que a data não tinha
importância. Já que os seus sentimentos eram estes, pensou ele, restava apenas
fazer com que se casassem o mais rapidamente possível. Logo na primeira
conversação que teve com Wickham, ele compreendeu imediatamente que tal coisa
nunca fora sua intenção. Aquele confessou que tinha deixado o regimento devido
a algumas dívidas de honra muito urgentes. E não hesitava em atribuir
unicamente à sua própria leviandade todas as más consequências da fuga de
Lydia. Tinha também a intenção de resignar o seu posto imediatamente. E quanto
à sua futura situação, não sabia absolutamente o que fazer. Ele precisava ir
para algum lugar mas não sabia para onde. Sabia apenas que não tinha nenhum
dinheiro para viver. Darcy perguntou por que ele não se tinha casado com Lydia
imediatamente. Embora não constasse que Mr. Bennet fosse muito rico, ainda
assim poderia fazer alguma coisa por ele e a sua situação melhoraria com o
casamento. Mas em resposta a esta pergunta, Mr. Darcy descobriu que Wickham
ainda alimentava esperanças de fazer a sua fortuna pelo casamento, nalgum outro
país. Assim sendo, não seria prudente oferecer-lhe um auxílio imediato. Eles se
encontraram várias vezes, pois havia muito que discutir. Wickham, naturalmente,
queria mais do que poderia obter. Mas afinal, rendeu-se à evidência e tudo foi
combinado entre eles. Mr. Darcy em seguida procurou o seu tio para lhe
comunicar o que tinha feito. E ele esteve em Gracechurch Street na noite
anterior à minha chegada. Mas não conseguiu encontrar Mr. Gardiner e descobriu
então que seu pai ainda estava com ele, pois que somente sairia de Londres na
manhã seguinte. Julgou então que era melhor entender-se com o seu tio do que
com o seu pai. Resolveu, assim, adiar a entrevista que teria com Mr. Gardiner
para depois da partida daquele. Ele não deixou o nome e até voltar no dia
seguinte sabia-se apenas que um cavalheiro tinha procurado Mr. Gardiner a
negócios. No sábado reapareceu. Seu pai tinha partido, seu tio estava em casa
e, como eu disse antes, tiveram uma longa entrevista. Tornaram a se encontrar
no domingo, e nesse dia eu o vi também. Só na segunda-feira ficou tudo
combinado. E imediatamente um expresso foi despachado para Longbourn. Mas o
nosso visitante se mostrou muito obstinado: creio, Lizzy, que afinal de contas
a obstinação é o defeito real do seu caráter. Ele já foi acusado de muitas
faltas, mas esta é a única verdadeira. Queria fazer tudo pessoalmente; embora
eu esteja certa (e não falo nisto para receber agradecimentos e portanto não
diga para ninguém) de que seu tio arranjaria tudo rapidamente. Discutiram
juntos durante muito tempo. Mais do que as duas pessoas em questão mereciam.
Mas, afinal, seu tio foi forçado a ceder. Em vez de ser útil realmente à sua
sobrinha, teve de se contentar com a fama, coisa que não lhe agradou de maneira
alguma. E eu creio que a sua carta de hoje de manhã lhe deu um grande prazer,
porque exigia uma explicação que o despojaria das suas falsas plumagens,
restituindo a glória a quem de direito. Mas, Lizzy, isto não deve passar de
você e de Jane no máximo. Suponho que você deve saber muito bem o que foi feito
para o jovem casal. As dívidas de Wickham, que sobem, creio eu, a muito mais de
mil libras, precisam ser pagas. Outras mil são necessárias para o dote de
Lydia. E a sua fiança ao posto que pretende tem de ser paga também. O motivo
alegado para fazer tudo isto foi o que eu citei acima. Fora devido a ele, aos
seus escrúpulos excessivos, que os outros se tinham enganado a respeito do
caráter de Wickham. E daí a confiança que tinham depositado nele. Talvez haja
uma certa verdade nisto, mas eu duvido que o seu silêncio ou o silêncio de
qualquer outra pessoa possa ter sido a causa deste acontecimento. Mas apesar de
todas essas belas palavras, minha querida Lizzy, você pode ficar inteiramente
certa de que o seu tio nunca teria cedido se não tivesse julgado que Mr. Darcy
tinha um outro interesse no assunto. Quando tudo isto ficou resolvido, ele
voltou novamente para a companhia dos seus amigos que ainda estavam em
Pemberley, mas ficou combinado que voltaria a Londres novamente, no dia do
casamento, para dar a última demão aos negócios de dinheiro. Creio que agora já
lhe contei tudo. É um relato que, segundo vejo pela sua carta, lhe dará uma
grande surpresa. Espero pelo menos que não lhe causará nenhum descontentamento.
Lydia ficou morando conosco e Wickham esteve constantemente lá em casa. Achei
que ele era exatamente o mesmo rapaz que eu conheci no Hertfordshire. Mas eu
não lhe contaria como me desagradou a conduta de Lydia, enquanto esteve
conosco, se eu não tivesse percebido, pela carta de Jane que recebi na
segunda-feira passada, que o seu procedimento em Longbourn foi exatamente
equivalente. E portanto o que eu lhe confesso agora não pode lhe causar novo
desgosto. Conversei com ela várias vezes da maneira mais séria, mostrando-lhe o
mal que tinha feito e toda a infelicidade que causara à sua família. Se ela me
ouviu foi por acaso. Estou certa de que não me prestou a menor atenção. Várias
vezes fiquei muito irritada. Nestes momentos eu me lembrava das minhas queridas
Elizabeth e Jane e por causa de vocês me armei da maior paciência possível. Mr.
Darcy voltou pontualmente e, como Lydia já lhe contou, assistiu ao casamento.
Jantou conosco no dia seguinte e tencionava partir na quarta ou na
quinta-feira. Espero que não se zangará comigo, minha querida Lizzy, por eu me
aproveitar desta oportunidade para lhe dizer uma coisa que antes nunca tinha
ousado dizer: é que eu gosto muito dele. Seu procedimento para conosco foi sob
todos os aspectos tão agradável como quando estivemos no Derbyshire. Sua
maneira de ver as coisas, suas opiniões, tudo me agrada muito. Só lhe falta um
pouco mais de vivacidade. E isto, se se casar acertadamente, a sua mulher lhe
poderá ensinar. Achei-o muito astuto. Quase nunca mencionou o seu nome. Mas a
astúcia parece que está em moda. Peço-lhe que me perdoe se fui muito ousada ou
pelo menos não me castigue a ponto de me excluir de P. Nunca me sentirei
inteiramente feliz enquanto não tiver percorrido todo o parque. Com um faéton
baixo e uma boa parelha de pôneis, seria o ideal. Não posso escrever mais, as
crianças já me esperam há meia hora. Sua tia muito afetuosa.
M. Gardiner.
O conteúdo desta carta lançou o espírito
de Elizabeth numa agitação em que era difícil determinar se o prazer ou a dor
predominavam.
As vagas suspeitas acerca do que Mr.
Darcy poderia ter feito para auxiliar o casamento da sua irmã, suspeitas que
tivera receios de encorajar, pois demonstravam uma grandeza de alma que
dificilmente encontraria em alguém, suspeitas cuja confirmação ao mesmo tempo
temia por causa da obrigação que acarretariam, se tinham convertido em
realidade além das suas expectativas. Ele os seguira deliberadamente a Londres.
Assumira todos os incômodos e mortificações inerentes a uma tal pesquisa.
Tivera que suplicar a uma mulher que devia abominar e desprezar. Fora obrigado
a se encontrar frequentemente, discutir, persuadir e finalmente subornar o
homem que sempre mais desejaria evitar e cujo simples nome lhe era detestável.
Tudo isso tinha feito por uma moça que ele não podia nem admirar nem estimar.
Seu coração lhe dizia que fora unicamente por sua causa. Mas esta esperança era
logo sufocada por outras reflexões e ela sentiu que não era vaidosa a ponto de
julgar que Darcy tinha afeição por uma mulher que já o rejeitara, e que ele
seria capaz de vencer um sentimento tão natural quanto a repugnância em se
relacionar novamente com Wickham. Cunhado de Wickham! O orgulho mais elementar
se revoltaria contra isto. Decerto ele já tinha feito muito. Elizabeth até se
envergonhava de pensar em tudo o que lhe devia. Mas Darcy tinha apresentado um
motivo para a sua interferência, um motivo que não exigia sutilezas de
interpretação. Não era natural que ele sentisse que agira erradamente. Era
generoso e tinha meios de exercer a sua generosidade. E embora não se
considerasse como a causa principal dessa conduta, poderia talvez supor que um
resto de afeição por ela tivesse contribuído para os seus esforços numa causa
de que dependia diretamente a sua paz de espírito. Era doloroso, muito
doloroso, saber que deviam uma tal obrigação a uma pessoa a quem nunca poderiam
pagar. Eles deviam a reabilitação de Lydia, sua restituição ao seio da família
exclusivamente a Mr. Darcy. Elizabeth se arrependeu amargamente de todos os
desprazeres que lhe causara, de todas as palavras duras que lhe havia dirigido.
Sentia-se humilhada consigo mesma mas estava orgulhosa dele. E isto porque numa
causa de honra, movido pela compaixão, ele conseguira se dominar. E ao pensar
na certeza que tanto ela como seu tio sentiam de que a afeição de Mr. Darcy por
ela continuava a subsistir, sentia até um certo prazer, embora de mistura a
mágoa.
Elizabeth foi arrancada das suas
reflexões pela aproximação de uma pessoa. Levantou-se, mas antes de fugir pelo
outro caminho foi abordada por Wickham.
— Acha que estou interrompendo o seu
passeio solitário, minha cara irmã? — indagou ele, aproximando-se.
— Sentiria multo se o fosse. Sempre
fomos bons amigos. E agora mais do que nunca.
— É verdade. Os outros não vêm passear?
— Não sei. Mrs. Bennet e Lydia vão de
carro a Meryton.
— Então, minha cara irmã, soube pelos
meus tios que você já esteve em Pemberley.
Elizabeth respondeu afirmativamente.
— Eu quase lhe invejo o prazer. No
entanto acho que seria demasiado para mim. Sem o quê, iria até lá a caminho de
Newcastle. Naturalmente esteve com a velha caseira... Pobre Mrs. Reynolds, ela
gostava muito de mim! Mas suponho que ela não tenha falado em meu nome...
— Falou sim.
— E o que foi que disse?
— Que tinha entrado no exército e
parecia que não tinha dado boa coisa. Mas compreende, a uma tal distância as
coisas chegam bem deformadas…
— Certamente — replicou ele, mordendo os
lábios.
Elizabeth supôs que o silenciara, mas
pouco depois ele disse:
— Fiquei espantado de ver Darcy em
Londres, da vez anterior. Eu o avistei várias vezes na rua. Que será que ele
anda fazendo lá?
— Talvez preparando o seu casamento com
Miss de Bourgh — disse Elizabeth. — Ele deve ter um motivo muito especial para
vir a Londres nesta época do ano.
— Sem dúvida. Viu Mr. Darcy alguma vez
quando esteve em Lambton? Se não me engano, os Gardiner disseram-me isto.
— Sim, ele me apresentou à irmã.
— E que achou dela?
— Gostei imensamente.
— É verdade, ouvi dizer que ela melhorou
extraordinariamente nesses últimos dois anos. Da última vez que a vi não
prometia muito. Espero que ela acabe bem.
— Tenho certeza disto, pois já passou a
idade mais perigosa.
— Passaram pela aldeia de Kympton?
— Não me lembro.
— Falo nisto porque é a sede da reitoria
que devia ter sido minha. Um lugar encantador. A casa é excelente. Teria sido extremamente
conveniente para mim.
— Você teria gostado de fazer sermões
lá?
— Muito. Eu teria considerado isto parte
do meu dever e o esforço, afinal, não seria tão grande assim. A gente não deve
se queixar. Teria sido um lugar esplêndido para mim. A tranquilidade daquela
vida teria correspondido a todas as minhas ideias de felicidade. Mas não tinha
que ser. Darcy lhe falou alguma coisa sobre o caso, enquanto esteve no Kent?
— Ouvi de uma pessoa, que considero tão
bem-informada quanto ele, que a reitoria lhe foi deixada apenas
condicionalmente, ao arbítrio do atual proprietário.
— Ah, sim? Realmente, existe alguma
verdade nisto. Aliás, foi o que eu lhe disse desde o princípio, não se lembra?
— Ouvi dizer também que numa certa época
da sua vida, a necessidade de fazer sermões não lhe era tão agradável quanto
atualmente. Ouvi dizer mesmo que tinha resolvido não se ordenar. E que neste
sentido chegou a haver um acordo.
— Ah, ouviu dizer isto? E não foi sem
fundamento. Deve se lembrar do que eu lhe falei a este respeito, quando falamos
pela primeira vez neste assunto.
Estavam quase à porta da casa, pois
Elizabeth tinha andado depressa para se ver livre dele.
Não querendo mais provocá-lo, por causa
da sua irmã, ela respondeu apenas com um sorriso cordial:
— Vamos acabar com isto, Mr. Wickham,
somos agora irmãos. Não devemos brigar por causa do passado. Para o futuro,
espero que estejamos sempre de acordo.
Elizabeth estendeu a mão e ele a beijou
com galante cordialidade, embora não soubesse que expressão tomar ao entrar em
casa.
Mr. Wickham ficou tão satisfeito com a
conversação que nunca mais mencionou aquele assunto em presença de Elizabeth.
Esta, por sua vez, ficou satisfeita de ter dito o suficiente para silenciá-lo.
Breve chegou o dia da partida de Lydia.
E Mrs. Bennet foi obrigada a se submeter à separação, que provavelmente duraria
pelo menos um ano, pois Mr. Bennet se recusou terminantemente a aderir ao plano
de irem todos a Newcastle.
— Oh, minha querida Lydia — exclamou ela
—, quando nos tornaremos a ver?
— Não sei. Daqui a dois ou três anos
talvez.
— Não deixe de me escrever sempre, meu
bem.
— Escreverei sempre que puder. Mas a
senhora deve saber que as mulheres casadas não têm muito tempo para escrever.
Minhas irmãs podem, pois não têm nada que fazer.
As despedidas de Mr. Wickham foram muito
mais afetuosas do que as de sua mulher. Ele sorriu, fez pose, disse muitas
coisas bonitas.
— É um ótimo rapaz — disse Mr. Bennet
assim que o viu fora de casa. — Distribui sorrisinhos, gatimonhas e faz a corte
a todo mundo. Estou muito orgulhoso dele. Desafio o próprio Sir William Lucas a
apresentar um genro melhor do que o meu.
A perda da sua filha fez Mrs. Bennet
ficar triste vários dias.
— Muitas vezes penso — disse ela — que
não há nada mais doloroso do que o fato de se separar dos amigos. A gente se
sente tão abandonada...
— A senhora deve compreender, mamãe, que
isto é a consequência de casar uma filha — disse Elizabeth. — Deve ficar
contente, já que as suas outras quatro filhas continuam solteiras.
— Não é nada disto. Eu tenho de me
separar de Lydia não porque ela esteja casada, mas porque o regimento do marido
dela fica tão longe. Se estivesse mais próximo, não seria obrigada a partir tão
cedo.
Mas o desânimo em que este acontecimento
precipitou Mrs. Bennet foi em breve atenuado por uma notícia que começou a
circular. A caseira de Netherfield tinha recebido ordem de preparar a casa para
a chegada do patrão que viria daí a um ou dois dias, e se demoraria lá várias
semanas para caçar. Mrs. Bennet ficou muito agitada. Olhava para Jane, sorria e
movia a cabeça de vez em quando. Fora Mrs. Philips quem trouxera a notícia.
— Bem, bem, então Mr. Bingley está para
chegar? Melhor. Não que eu faça muito caso disto, nós o conhecemos muito pouco,
como sabe, e eu por mim não quero mais vê-lo. No entanto, acho que faz muito
bem de vir para Netherfield. Quem sabe o que pode acontecer? Mas você bem sabe
que há muito tempo resolvemos não falar mais nisto. Então é mesmo certa a
chegada dele?
— Pode contar com isto — replicou a
outra. — Pois Mrs. Nichols esteve em Meryton ontem à noite. Eu a vi passando e
saí de propósito para perguntar o que estava fazendo. E ela me disse que era
verdade. Deve chegar na quinta-feira o mais tardar ou talvez mesmo na quarta.
Ela estava a caminho do açougue, disse-me, justamente para encomendar carne
para quarta-feira. E ela tem três casais de patos prontos para serem mortos.
Jane, ao ouvir a notícia, não pôde
deixar de empalidecer. Havia muitos meses que ela não mencionava o nome de
Bingley a Elizabeth. Agora, estando as duas juntas, ela disse:
— Reparei que você olhou hoje para mim,
Lizzy, quando minha tia nos trouxe essa notícia. E eu sei que fiquei
perturbada. Mas não creio que tenha sido por uma causa à toa. Só me senti assim
porque vi que iam olhar para mim. Juro a você que essa notícia não me causa
alegria nem sentimento algum. Só me alegro de uma coisa, é que ele não vem
acompanhado; assim o veremos menos. Não que eu sinta medo de mim mesma, mas
tenho horror às observações das outras pessoas.
Elizabeth não sabia o que pensar. Se ela
não o tivesse visto no Derbyshire, podia aceitar o motivo que alegavam para a
sua vinda. Mas achava que Bingley ainda gostava de Jane. E hesitava diante de
duas outras explicações, que achava muito mais prováveis: se ele vinha porque o
seu amigo o permitira ou se ousara espontaneamente tomar esta resolução.
Mas às vezes Elizabeth pensava: “não
vejo porque este pobre rapaz não possa vir à casa que alugou e é dele sem
despertar tamanha curiosidade. Não pensarei mais nele, vou abandoná-lo à sua
sorte.”
Apesar do que a sua irmã lhe tinha
declarado, e acreditava que ela tivesse falado sinceramente, Elizabeth percebia
facilmente que a perspectiva da chegada de Bingley a tinha afetado
profundamente. Jane estava perturbada, agitada como poucas vezes a vira.
O assunto, que fora discutido tão
calorosamente pelos seus pais, há um ano aproximadamente, tornava agora a
apresentar-se.
— Mr. Bingley está para vir, meu caro —
disse Mrs. Bennet. — Você, naturalmente, irá visitá-lo...
— Não, não, você me forçou a visitá-lo
no ano passado e disse que, se eu o fosse ver, ele se casaria com uma das
minhas filhas. Mas isto deu em nada e não vou tornar a fazer papel de tolo.
Sua mulher procurou convencê-lo de que
isto era uma obrigação que incumbia a todos os cavalheiros que residiam na
região.
— É uma etiqueta que eu desprezo — disse
Mr. Bennet. — Se ele deseja a nossa companhia, que a procure. Sabe onde nós
moramos. Não vou perder o tempo correndo atrás dos meus vizinhos cada vez que
eles vão embora e tornam a voltar.
— Bem, tudo o que eu sei é que será uma
abominável grosseria se você não for visitá-lo. No entanto, isto não impedirá
que eu o convide a vir jantar conosco. Precisamos convidar Mrs. Long e os
Goulding em breve. Contando conosco, seremos treze à mesa. E portanto haverá
justamente um lugar para Mr. Bingley.
Consolada com esta resolução, Mrs.
Bennet se sentiu com maior força para suportar a falta de cortesia do seu
marido, embora fosse muito mortificante saber que por causa disto todos os
vizinhos poderiam ver Mr. Bingley antes dos Bennet. Poucos dias antes da sua
chegada, Jane disse para a irmã:
— Estou começando a preferir que ele não
venha. Não que eu dê importância ao fato, sou capaz de vê-lo com perfeita
indiferença. Mas não suporto ouvir falar constantemente nesse assunto. A
intenção da minha mãe é boa. Porém ela não sabe, ninguém sabe quanto eu sofro
com o que dizem. Vou dar graças a Deus quando Mr. Bingley for embora de novo.
— Eu poderia dizer alguma coisa que
consolasse você — replicou Elizabeth. — Mas nada tenho realmente a dizer. Você
deve saber disto. E a satisfação usual de recomendar paciência aos sofredores
lhe seria negada porque você já a tem de sobra.
Mr. Bingley chegou. Mrs. Bennet, por
intermédio dos criados, arranjou um meio de saber do fato o mais cedo possível,
o que aumentava o período de ansiedade e agitação, prolongando a expectativa do
jantar. Ela contou os dias que deviam decorrer antes do convite ser enviado,
pois durante esse tempo não havia esperança de vê-lo. Mas de manhã, três dias
depois da sua chegada no Hertfordshire, Mrs. Bennet, que estava à janela do seu
quarto de vestir, viu Mr. Bingley entrar a cavalo pelo portão e se aproximar da
casa.
Contentíssima, ela chamou as filhas para
participarem da sua alegria. Jane continuou sentada no seu lugar,
resolutamente. Mas Elizabeth, para contentar a sua mãe, foi até a janela,
olhou, e vendo que Mr. Darcy vinha em companhia de Bingley, voltou a sentar-se
ao lado da sua irmã.
— Vem outro cavalheiro com ele, mamãe —
disse Kitty. — Quem será?
— Deve ser um conhecido dele, meu bem,
mas não sei quem é.
— Ora, parece aquele homem que já esteve
aqui com ele uma vez. Mr...., como é que ele se chama? Aquele homem alto,
orgulhoso...
— Quem, Mr. Darcy? E é mesmo... Bem,
qualquer amigo de Mr. Bingley será sempre bem-recebido. Mas devo confessar que
odeio aquele homem.
Jane olhou para Elizabeth com surpresa e
inquietação. Jane pouco sabia a respeito dos encontros que a sua irmã tivera
com Mr. Darcy no Derbyshire. Supunha portanto que sua irmã se sentiria muito
embaraçada ao vê-lo depois da carta explicativa que recebera da sua parte. As
duas irmãs se sentiam bastante embaraçadas. Cada uma delas sentia pela outra e
naturalmente por si própria. Mrs. Bennet continuou a falar sobre a antipatia
que tinha por Mr. Darcy. E repetiu que estava disposta a tratá-lo amavelmente
apenas porque era um amigo de Mr. Bingley. Mas as suas palavras não foram
ouvidas por nenhuma das suas filhas. Elizabeth tinha motivos de inquietação de
que a sua irmã não suspeitava, pois nunca tivera a coragem de mostrar a Jane a
carta de Mrs. Gardiner nem de lhe revelar a mudança dos seus sentimentos para
com Mr. Darcy. Para Jane ele continuava a ser o homem cujas propostas ela tinha
recusado, e cujas qualidades ela subestimara. Mas para Elizabeth, que possuía
outras informações, ele era a pessoa a quem toda a família devia o maior dos
benefícios, e a quem ela própria votava uma afeição, se não tão terna quanto a
que Jane dedicava a Bingley, pelo menos tão razoável e tão justa. A surpresa
que a vinda dele a Netherfield e a sua visita a Longbourn, aonde vinha
espontaneamente para vê-la, era quase tão forte quanto a que sentira ao
perceber a transformação que se tinha operado nele no Derbyshire.
As cores que tinham desaparecido do seu
rosto tornaram a voltar com maior intensidade e um sorriso de prazer deu maior
fulgor ao brilho dos seus olhos, durante alguns minutos; e disse a si mesma que
provavelmente os sentimentos de Darcy continuavam inalterados. No entanto não
queria se precipitar.
“Vamos ver primeiro como ele me trata”,
disse ela para si mesma. “Antes disso não convém ter esperanças.”
Continuou atenta ao seu trabalho,
procurando se acalmar, e sem ousar levantar os olhos, até que uma curiosidade
ansiosa a levou a fitar o rosto da sua irmã, enquanto o criado se aproximava da
porta. Jane parecia um pouco mais pálida do que de costume, porém mais calma do
que Elizabeth esperava. Quando os cavalheiros entraram, ela enrubesceu ligeiramente.
No entanto recebeu-os com tranquilidade e maneiras igualmente livres de
qualquer sintoma de ressentimento, como de qualquer desejo exagerado de
agradar.
Sem ser descortês, Elizabeth falou o
menos possível. E voltou ao seu trabalho com um afinco que poucas vezes lhe
dedicava. Ela arriscara apenas um olhar para Darcy. A expressão dele era tão
grave como de costume. Mais talvez do que no Hertfordshire e em Pemberley.
Talvez ele não se sentisse tão à vontade na presença da sua mãe quanto na dos seus
tios. Era uma história dolorosa, porém não de todo improvável.
Bingley, também, ela só vira de relance.
E naquele instante a sua expressão era ao mesmo tempo alegre e embaraçada. Mrs.
Bennet o recebeu com uma tal cortesia, uma tão grande amabilidade, que as suas
filhas se sentiram envergonhadas. Especialmente quando viram a fria polidez com
que ela cumprimentou o seu amigo.
Elizabeth, sobretudo, que sabia quanto a
sua mãe devia a este último, cuja iniciativa salvara a sua filha favorita de
uma irremediável desonra, sentiu-se ferida e aflita com aquela distinção tão
mal-aplicada.
Darcy, depois de perguntar por Mr. e
Mrs. Gardiner, pergunta que Elizabeth não pôde responder sem um certo embaraço,
quase mais nada falou. Ele não estava sentado perto de Elizabeth; talvez fosse
este o motivo do seu silêncio. Porém no Derbyshire ele não procedera daquele
modo. Lá, ele tinha palestrado com os amigos de Elizabeth, quando não podia
fazer com ela própria. Agora decorriam vários minutos sem que se ouvisse o som
da sua voz. E quando, às vezes, incapaz de resistir a um impulso de
curiosidade, Elizabeth levantava os olhos e procurava o seu rosto, via que ele
olhava tanto para Jane como para ela própria, e frequentemente olhava apenas
para o chão. Aquela atitude exprimia evidentemente maior despreocupação, menos
ansiedade de agradar do que da última vez que tinham estado juntos. Ela ficou
desapontada e depois zangada consigo mesma por ter cedido àquele sentimento.
“Podia eu esperar que fosse de outro
modo?”, exclamou para si própria. “Mas se é assim, para que então ele veio?”
Ela não se sentia disposta a conversar
com ninguém, a não ser consigo mesma. Faltava-lhe quase completamente a coragem
para falar com Mr. Darcy. Perguntou pela irmã dele. Foi o máximo que conseguiu
de si mesma.
— Faz muito tempo, Mr. Bingley, que o
senhor foi embora — disse Mrs. Bennet.
Ele concordou prontamente.
— Eu tinha medo que o senhor não viesse
mais — continuou ela. — Andaram dizendo que tencionava abandonar Netherfield
completamente, por ocasião da festa de São Miguel. Espero que não seja verdade.
Tem acontecido muitas coisas aqui nas imediações desde que o senhor partiu.
Miss Lucas está casada e uma das minhas filhas também.
“Acho que já deve ter ouvido falar
nisto. Aliás o senhor deve ter lido nos jornais. Saiu no Times e no Courier.
Não saiu como devia, mas enfim... Dizia apenas: ‘Casamentos: Jorge Wickham,
Esquire, com Miss Lydia Bennet’, sem acrescentar nem uma sílaba a respeito do
pai dela, do lugar onde vivia, nada. O contrato foi feito por meu irmão
Gardiner e a notícia também foi dada por ele. Não sei como fez uma coisa tão
sem graça assim. O senhor leu?”
Bingley respondeu que tinha lido e lhe
deu os parabéns. Elizabeth não ousou levantar os olhos. Não sabia portanto qual
a expressão do rosto de Mr. Darcy.
— É uma coisa muito agradável ter uma
filha bem-casada — continuou Mrs. Bennet —, mas ao mesmo tempo, Mr. Bingley, é
muito duro a gente se separar de uma filha. Eles foram para Newcastle. Um lugar
situado muito para o norte, ao que parece. E eles têm que permanecer lá durante
não sei quanto tempo. E lá que é a sede do regimento. O senhor deve ter ouvido
dizer que ele saiu da milícia e entrou no exército regular. Graças a Deus ele
tem alguns amigos, embora talvez não tantos quanto mereça.
Elizabeth, que sabia que isto era
dirigido a Mr. Darcy, sentiu uma tal vergonha e confusão que por pouco não se
levantou e fugiu. Estas palavras, no entanto, conseguiram arrancá-la ao seu
silêncio. E ela perguntou a Bingley se tencionava ficar algum tempo na região.
Ele disse que ficaria algumas semanas.
— Depois que tiver matado todos os seus
pássaros, Mr. Bingley — continuou Mrs. Bennet —, venha caçar aqui, matar tantos
quanto queira. Estou certa que Mr. Bennet se sentirá muito feliz com isto. E
guardaremos todas as melhores caças para o senhor.
Essas atenções desnecessárias e
exageradas faziam crescer o mal-estar de Elizabeth. Se agora surgissem para
Jane as mesmas possibilidades que no ano anterior, tudo se precipitaria para a
mesma desastrosa confusão. Naquele instante ela sentiu que muitos anos de
felicidade não poderiam compensar os momentos desagradáveis que ela e Jane
estavam passando.
“O maior desejo do meu coração”, disse
ela a si mesma, “é nunca mais estar em companhia de nenhum desses dois, por
mais agradáveis que sejam; nada pode compensar esta miséria. Que eu nunca mais
os veja, nem a um nem a outro.” No entanto a miséria, que anos de felicidade
não poderiam compensar, pouco depois se atenuou de maneira muito sensível.
Elizabeth observou que a beleza da sua irmã tornava a inflamar rapidamente a
admiração do seu antigo namorado. A princípio ele lhe falara pouco, mas cada
minuto que passava parecia aumentar a admiração que lhe dedicava. Ele a achava
tão bela quanto no ano passado, tão simples e natural, embora menos
comunicativa. Jane se esforçava por não deixar perceber nenhuma diferença na
sua atitude, e estava realmente convencida que conversara tão animadamente como
sempre. Seus pensamentos a absorviam tanto que não reparava nos momentos em que
ficava calada.
Quando os cavalheiros se levantaram para
partir, Mrs. Bennet se lembrou do convite que tencionava fazer, e eles ficaram
comprometidos para jantar em Longbourn daí a poucos dias.
— O senhor me deve uma visita, Mr.
Bingley — acrescentou ela —, pois quando partiu para Londres no inverno passado
prometeu que tomaria parte num jantar de família assim que regressasse. Como o
senhor está vendo, eu não me esqueci. Eu lhe asseguro que fiquei muito
desapontada porque o senhor não voltou como tinha prometido.
Bingley pareceu um pouco embaraçado e
falou vagamente que negócios urgentes o tinham impedido de vir e que sentia
muito. Em seguida partiram.
Mrs. Bennet estivera fortemente
inclinada a convidar os dois para jantar naquele mesmo dia. No entanto, embora
tivesse sempre uma mesa muito boa, julgou que um jantar de menos de dois
serviços não seria digno de um homem no qual tinha tantas esperanças, nem
suficiente para satisfazer o apetite e o orgulho do outro que possuía dez mil
libras de renda por ano.
Assim que as visitas partiram, Elizabeth
saiu para readquirir a sua tranquilidade. Ou, em outras palavras, para refletir
sem interrupção nesses assuntos, que na realidade só a perturbariam ainda mais.
A atitude de Mr. Darcy a surpreendia e penalizava.
Para que teria ele vindo, perguntava a
si mesma, se era para permanecer silencioso, grave e indiferente? Ela não
encontrava uma resposta que a satisfizesse.
Ele continuou a se mostrar amável para
com os meus tios, quando esteve em Londres. Por que não o é para comigo? Se tem
medo de mim, por que veio aqui? Se ele não gosta mais de mim, por que é que
fica silencioso? Que homem misterioso! Não pensarei mais nele.
Sua resolução foi cumprida
involuntariamente por pouco tempo, devido à aproximação da sua irmã, que se
juntara a ela com um ar alegre, que mostrava ter ficado muito mais satisfeita
com a visita do que Elizabeth.
— Agora que o primeiro encontro está
passado — disse ela —, eu me sinto perfeitamente à vontade. Conheço as minhas
forças e nunca mais me sentirei embaraçada quando ele vier. Estou contente que
ele venha jantar aqui na terça-feira. Todos terão ocasião de ver que nos
encontramos apenas como conhecidos comuns e indiferentes.
— Oh, realmente muito indiferentes —
disse Elizabeth, sorrindo. — Tome cuidado, Jane.
— Minha querida Lizzy, você não há de
pensar que eu seja tão fraca que esteja agora em perigo.
— Acho que mais do que nunca você está
em perigo de fazer com que ele se apaixone por você.
* * *
Não tornaram a ver Mr. Bingley e o seu
amigo senão na terça-feira. E durante esse tempo Mrs. Bennet se entregara a
todos os planos felizes que o bom humor e a polidez habitual de Bingley em meia
hora de visita haviam reavivado.
Na terça-feira reuniu-se um grupo
numeroso em Longbourn. E as duas pessoas mais ansiosamente esperadas chegaram
pontualmente. No momento de entrar na sala de jantar, Elizabeth observou
Bingley avidamente, para ver se ele tomava lugar como antigamente, ao lado da
sua irmã. Sua mãe, que era uma pessoa prudente e ocupada com as mesmas ideias,
não o convidou para sentar-se ao seu lado. Ao entrar na sala ele pareceu
hesitar. Mas por acaso Jane olhou em torno de si e, igualmente por acaso,
sorriu. Foi suficiente para que ele se decidisse e fosse sentar ao lado dela.
Elizabeth, triunfante, olhou para Mr.
Darcy. Ele recebeu o fato com nobre indiferença e Elizabeth teria imaginado que
Bingley tinha recebido afinal licença para ser feliz se não tivesse visto que
este olhava, também, para Mr. Darcy com um ar entre sorridente e alarmado.
Durante o jantar a atitude de Bingley
para com a sua irmã persuadiu Elizabeth que a sua admiração por Jane, embora
mais reservada, levaria o caso rapidamente a uma solução feliz, caso não
houvesse interferências alheias. E embora não pudesse confiar no resultado de
olhos fechados, no entanto aquilo lhe dava um grande prazer, despertando nela
toda a animação que era possível sentir, pois não estava de humor muito alegre.
Mr. Darcy estava sentado quase na outra extremidade da mesa. Estava ao lado da
sua mãe. Ela sabia que essa situação daria muito pouco prazer a qualquer um dos
dois. Com a distância a que se encontrava, não podia ouvir o que eles diziam,
mas via que raramente falavam um com o outro e que o faziam cerimoniosa e
friamente. A hostilidade de sua mãe lembrava dolorosamente a Elizabeth tudo o
que deviam a Mr. Darcy. E às vezes ela sentia que teria feito qualquer
sacrifício para poder lhe dizer que sua bondade não era nem ignorada nem
desdenhada pela totalidade da família.
Elizabeth tinha esperanças de que, à
noite, eles tivessem oportunidade de ficar juntos. E que a visita toda não se
passaria sem lhes dar ocasião de trocar palavras mais significativas do que as
simples saudações de cortesia. Ansiosa e inquieta, o período que decorreu na
sala, antes da entrada dos cavalheiros, foi aborrecido a um ponto que quase a
tornou impolida. Ela concentrara todas as suas esperanças no momento em que
eles entrassem na sala.
“Se não se dirigir a mim”, pensou ela,
“renunciarei a esse homem para sempre.”
Os cavalheiros entraram. Por um momento
Elizabeth pensou que as suas esperanças se iam realizar, mas infelizmente as
senhoras se tinham reunido todas em volta da mesa, onde Jane estava fazendo chá
e Elizabeth servindo café e não havia lugar ao seu lado nem para uma cadeira. E
quando os cavalheiros se aproximaram, uma das moças acercou-se ainda mais dela
e lhe disse ao ouvido:
— Nós não queremos um homem aqui entre
nós, não é?
Darcy se tinha dirigido para o outro
lado da sala. Elizabeth o acompanhou com os olhos, invejando todas as pessoas
com quem ele falava. Serviu o café com impaciência e depois ficou irritada
consigo mesma por ser tão idiota.
Um homem que foi recusado uma vez! Como
podia ter esperanças de que ele tornasse a se declarar? Existiria uma só pessoa
do seu sexo que não se revoltasse contra uma tão grande fraqueza? Não existe
nada tão incompatível com o sentimento dos homens.
Elizabeth ficou mais animada, no
entanto, quando ele veio pessoalmente trazer a sua xícara de café. E aproveitou
a oportunidade para dizer:
— A sua irmã está ainda em Pemberley?
— Sim, ficará lá até o Natal.
— E ela está sozinha? Todos os seus
amigos já partiram?
— Miss Annesley está com ela. Os outros
foram para Scarborough para passar três semanas.
Elizabeth não encontrou mais nada para
dizer; mas se ele quisesse conversar, talvez fosse mais bem-sucedido. No
entanto, ficou ao seu lado, em silêncio, durante alguns minutos. E afinal,
quando as moças vieram sussurrar novamente ao ouvido de Elizabeth, ele tornou a
se afastar.
Quando o serviço de chá foi retirado e
as mesas de jogo colocadas, todas as senhoras se levantaram. E Elizabeth teve
outra vez esperança de vê-lo se aproximar. Todos os seus planos, porém, foram
novamente destruídos; viu sua mãe se apoderar dele, para parceiro de whist.
Todo o prazer estava agora acabado para ela. Seriam obrigados a passar a noite
sentados em mesas diferentes e a única esperança que lhe restava era de que
Darcy voltasse frequentemente os olhos na sua direção e jogasse portanto tão
mal quanto ela.
Mrs. Bennet tinha resolvido convidar os
dois cavalheiros de Netherfield para cear, mas infelizmente a carruagem deles
foi chamada antes de qualquer uma das outras. E ela não teve outra oportunidade
de vê-los.
— Então, meninas — disse Mrs. Bennet,
assim que ficaram sós —, que é que vocês acharam da festa? Penso que tudo
correu da melhor forma possível. O jantar estava excelente. O assado de cabrito
estava realmente bom. Todos disseram que nunca viram uma perna tão gorda. A
sopa estava incomparavelmente melhor do que a que serviram em casa dos Lucas na
semana passada. E até Mr. Darcy reconheceu que as perdizes estavam notavelmente
bem-feitas. E eu calculo que ele tenha dois cozinheiros franceses, pelo menos.
Você, minha querida Jane, estava tão bonita como nunca vi. Mrs. Long foi da
mesma opinião. E sabe o que ela disse também? “Ah, Mrs. Bennet, acho que afinal
a veremos instalada em Netherfield.” Disse isto realmente. Acho Mrs. Long uma
esplêndida criatura. E as sobrinhas dela são muito comportadas. E não são nada
bonitas. Gosto delas imensamente.
Mrs. Bennet, em suma, estava de
excelente humor. O que observava, na atitude de Bingley para com Jane, fora
suficiente para convencê-la de que ele estava mesmo conquistado. E quando Mrs.
Bennet estava de bom humor, as suas esperanças matrimoniais eram tão
ilimitadas, que no dia seguinte ficava desapontada de não ver o rapaz aparecer
para fazer o pedido.
— Foi um dia muito agradável — disse
Jane para Elizabeth. — Os convidados foram bem-escolhidos e pareciam se dar
todos admiravelmente. Espero que tornemos a nos reunir frequentemente.
Elizabeth sorriu.
— Lizzy, não faça isso. Você não deve
suspeitar de mim. Isto me mortifica. Eu lhe asseguro que aprendi a gostar da
conversa dele; trata-se de um rapaz agradável e sensato. Garanto a você que não
tenho outras intenções. Vejo perfeitamente, pela maneira como ele me trata, que
nunca desejou realmente a minha afeição. Só que é dotado de maneiras muito mais
agradáveis, e de um desejo de agradar muito mais forte do que qualquer outro
homem.
— Você está sendo cruel — disse
Elizabeth. — Você me provoca e depois não quer que eu sorria.
— Como é difícil às vezes fazer com que
os outros acreditem em nós!
— E como é impossível às vezes, para os
outros, acreditar!
— Mas, então, por que é que você quer me
persuadir que os meus sentimentos são mais complexos do que eu confessei?
— Isto é uma pergunta a que eu não sei
como responder. Todos gostamos de instruir os outros, embora só possamos
transmitir o que não é digno de ser ensinado. Perdoe, se você insistir na sua
indiferença, não me tome por confidente.
Poucos dias depois daquela visita, Mr.
Bingley tornou a aparecer e desta vez veio sozinho. Seu amigo tinha partido
naquela manhã para Londres, ficando de voltar, porém, daí a dez dias. Mr.
Bingley se demorou mais de uma hora. Estava de excelente humor. Mrs. Bennet o
convidou para jantar. Ele respondeu que sentia imensamente, declarando que
estava comprometido.
— Da próxima vez que vier — disse Mrs.
Bennet —, espero que tenhamos mais sorte.
Ele teria imenso prazer em vir em
qualquer outra ocasião, etc. etc. E se Mrs. Bennet lhe desse permissão, viria
muito breve.
— Pode vir amanhã?
— Sim.
Ele não tinha compromisso para o dia
seguinte. E o convite foi aceito com entusiasmo.
Mr. Bingley veio — e tão pontualmente
que as moças ainda não estavam vestidas quando chegou. Mrs. Bennet correu para
o quarto das meninas, enrolada num robe de chambre, o cabelo ainda por fazer, e
exclamou:
— Jane, anda depressa! Corra lá para
baixo! Ele chegou! Mr. Bingley chegou, chegou mesmo! Vá ligeiro, depressa!
Sarah, venha ajudar Miss Bennet imediatamente a pôr o vestido. Deixe o cabelo
de Miss Lizzy para depois.
— Nós desceremos assim que pudermos —
disse Jane. — Mas, entre nós, Kitty é mais ligeira do que todas. Já desceu há
meia hora.
— Oh, não se importe com Kitty, que tem
ela a ver com isto? Vamos, vá ligeiro. Depressa! Onde está a sua écharpe?
Mas depois que a sua mãe saiu, Jane se
recusou a descer sem uma das suas irmãs.
Durante a visita Mrs. Bennet mostrou a
mesma ansiedade que de costume para deixar Mr. Bingley e Jane a sós. Depois do
chá, Mr. Bennet se retirou para a biblioteca, como sempre o fazia. E Mary subiu
para estudar piano. Dos cinco obstáculos dois estavam suprimidos. Mrs. Bennet
ficou olhando e piscando para Kitty e para Elizabeth durante um espaço de tempo
considerável, sem que nenhuma das duas se impressionasse com isto. Elizabeth
fez que não via e Kitty disse inocentemente:
— Que é, mamãe? Por que é que a senhora
está piscando para mim? O que é que a senhora quer que eu faça?
— Nada, meu bem, nada, eu não pisquei
para você!
Ela então continuou sentada durante mais
cinco minutos. Mas, incapaz de perder uma ocasião tão preciosa, levantou-se e
disse para Kitty:
— Meu bem, quero falar com você!
E levou-a para fora da sala. Jane
imediatamente lançou um olhar para Elizabeth em que exprimia a contrariedade
que aquela premeditação lhe causava e o seu desejo de que pelo menos sua irmã
não se prestasse àquela comédia. Poucos minutos depois, Mrs. Bennet entreabriu
a porta e chamou:
— Lizzy, meu bem, eu quero falar com
você.
Elizabeth foi forçada a ir.
— É melhor deixá-los a sós — disse Mrs.
Bennet, assim que ela entrou no hall. — Kitty e eu vamos lá para cima a fim de
conversarmos no meu quarto de vestir.
Elizabeth resolveu não discutir com a
sua mãe, porém permaneceu tranquilamente no hall e assim que sua mãe e Kitty
tinham partido, voltou para a sala.
Naquele dia os planos de Mrs. Bennet
foram inúteis. Bingley se mostrou encantador como sempre, mas a sua atitude não
foi a de um pretendente. Seu bom humor e a sua simplicidade o tornaram um
companheiro dos mais agradáveis. E ele suportou as inoportunas cortesias com
que o cumulava Mrs. Bennet, e ouviu todas as suas observações disparatadas com
uma paciência e uma seriedade que encantaram a Jane.
Ele ficou para cear sem que fosse
preciso insistir. E antes de ir embora, graças à intervenção de Mrs. Bennet,
ele assumiu o compromisso de vir na manhã seguinte para caçar com Mr. Bennet.
Depois daquele dia Jane não falou mais
na sua indiferença. Nem uma palavra foi trocada pelas irmãs acerca de Bingley.
Mas Elizabeth foi para a cama contente com a certeza de que tudo chegaria breve
a uma conclusão feliz, a não ser que Mr. Darcy voltasse tão breve quanto havia
prometido. No entanto, ela estava até certo ponto persuadida de que tudo isto
acontecia com a aquiescência dele.
No dia seguinte Bingley chegou
pontualmente. Mr. Bennet e ele passaram a manhã juntos, conforme tinham
combinado. Mr. Bennet encontrou no outro um companheiro muito mais agradável do
que esperava; não havia em Bingley nenhuma pretensão que o tornasse ridículo
nem nenhuma insensatez que fizesse Mr. Bennet se refugiar irritadamente no
silêncio. Naquele dia ele estava mais comunicativo e menos excêntrico do que
nunca. Bingley, naturalmente, voltou com ele para jantar, e à noite Mrs. Bennet
lançou mão de todos os seus recursos para deixá-lo a sós com a sua filha.
Elizabeth, que tinha uma carta para escrever, se retirou para a sala de almoço
pouco depois do chá. Pois já que os outros iam jogar cartas, a sua presença não
seria necessária para contrabalançar os planos da sua mãe.
Mas ao voltar para a sala, depois de
acabar a carta, viu com infinita surpresa que havia vários motivos para temer
que sua mãe tivesse sido mais engenhosa do que ela. Ao abrir a porta, viu que
sua irmã e Bingley estavam juntos, ao pé da lareira, como se conversassem sobre
um assunto de extrema gravidade. E se este fato não bastasse para despertar
suspeitas, a expressão de ambos, ao se virarem rapidamente e se afastarem,
teria revelado tudo. A situação deles era bastante embaraçosa. Mas a sua
própria, pensou Elizabeth, era pior ainda. Ninguém disse uma só palavra. E
Elizabeth estava a ponto de se retirar novamente, quando Bingley, que imitando
o exemplo de Jane se tinha sentado, de súbito se levantou novamente, e
sussurrando algumas palavras para Jane, saiu apressadamente da sala.
Jane não teria reserva para com a sua
irmã. O assunto da confidência era agradável demais para que Jane se mostrasse
reservada. E, abraçando a sua irmã, imediatamente confessou com a mais viva
emoção que ela era a criatura mais feliz do mundo.
— É demasiado para mim — acrescentou
ela. — Eu não o mereço. Por que é que todos não estão felizes como eu?
Elizabeth deu os parabéns com uma
sinceridade, um calor, um entusiasmo que as palavras não poderiam exprimir.
Cada uma das suas palavras era uma nova fonte de felicidade para Jane. Porém,
esta não poderia se demorar mais junto da sua irmã, nem tinha tempo para lhe
dizer metade do que ainda lhe restava para contar.
— Preciso imediatamente ir ver mamãe —
exclamou ela. — Não quero deixá-la por mais tempo em suspense; sua solicitude
por mim é tão carinhosa! Nem quero que ela saiba de tudo senão por meu
intermédio. Ele já foi falar com papai. Oh, Lizzy, que prazer vai dar a toda a
família o que eu tenho para dizer! Como poderei suportar tamanha felicidade?
Jane correu então para junto da sua mãe,
que tinha interrompido o jogo de cartas propositadamente, e estava no alto da
escada com Kitty.
Elizabeth, que tinha ficado sozinha,
sorriu da rapidez e da facilidade com que se tinha resolvido um caso que lhes
causara ansiedade e incerteza durante tantos meses.
— E este — disse ela para si mesma — é o
fim de todos os cuidados e precauções do seu amigo, das mentiras e ardis da sua
irmã, o fim mais feliz, mais justo e mais razoável!
Poucos minutos depois, Bingley, cuja
conferência com Mr. Bennet fora curta e decisiva, veio se reunir a Elizabeth.
— Onde está Jane? — disse ele, ao abrir
a porta.
— Lá em cima com minha mãe. Ela descerá
já.
Bingley então fechou a porta e,
aproximando-se, reclamou os seus parabéns e a sua afeição de irmã. Elizabeth,
sincera e cordialmente, exprimiu a sua alegria. Eles se apertaram a mão com
grande cordialidade. Em seguida, até a sua irmã voltar, ela teve que ouvir tudo
o que ele dizia sobre a sua própria felicidade e sobre as perfeições de Jane.
E apesar de serem, aquelas, expressões
de namorados, Elizabeth acreditava realmente no bem-fundado de suas esperanças,
porque elas tinham como base a excelente compreensão, o gênio esplêndido de
Jane e uma semelhança geral de sentimentos e gostos.
Aquela foi uma noite de grande alegria
para todos. A felicidade de Jane dava ao seu rosto um brilho e uma doçura que o
tornava mais belo do que nunca. Kitty dava risinhos e sorria, com a esperança
de que a sua vez chegaria breve. Mrs. Bennet não encontrava termos bastante
calorosos para exprimir o seu consentimento e a sua aprovação. E falou só
nisto, durante meia hora. E quando Mr. Bennet apareceu, à hora da ceia, sua voz
e suas maneiras mostravam claramente o contentamento que o possuía.
Nem uma só vez, no entanto, ele aludiu
ao fato enquanto o visitante estava presente. Mas assim que ele partiu, Mr.
Bennet se virou para a sua filha e disse:
— Jane, eu lhe dou os meus parabéns.
Você será muito feliz.
Jane se aproximou dele imediatamente,
beijou-o e agradeceu a sua bondade.
— Você é uma boa menina — respondeu ele.
— E tenho prazer em vê-la bem-casada. Não tenho a menor dúvida de que vocês se
darão muito bem. Seus gênios são bastante semelhantes. Ambos são tão tolerantes
que nunca tomarão resoluções definitivas. Tão fáceis de levar, que todos os
criados os enganarão. E tão generosos que sempre hão de gastar mais do que têm.
— Espero que não. Imprudência ou
imprevidência em matéria de dinheiro seriam imperdoáveis da minha parte.
— Gastar mais do que têm! Meu caro Mr.
Bennet! — exclamou a sua mulher. — Que é que você está dizendo? Ora, ele tem
quatro ou cinco mil libras por ano e provavelmente ainda mais...
Em seguida, virando-se para a sua filha:
— Oh, minha querida Jane! Estou tão
feliz! Estou certa de que não dormirei nem um só instante esta noite! Eu sabia
que tudo ia acabar assim, eu sempre disse que isto se realizaria finalmente!
Tinha certeza de que a sua beleza acabaria triunfante! Eu me lembro que quando
ele chegou aqui no Hertfordshire, no ano passado, logo vi que era provável que
vocês se dessem bem. Ele é o mais belo rapaz que jamais vi.
Wickham, Lydia, tudo o mais estava
esquecido. Jane era, sem competição, a sua filha favorita. Naquele instante ela
não pensava em nenhuma outra. Suas irmãs mais moças começaram logo a imaginar
os proveitos e os prazeres que retirariam do casamento da sua irmã.
Mary pediu para usar a biblioteca de
Netherfield e Kitty insistiu muito para que Jane desse alguns bailes lá durante
o inverno.
De então em diante, naturalmente Bingley
veio todos os dias a Longbourn. E muitas vezes chegava antes da primeira
refeição e ficava até depois do jantar, a não ser quando algum cruel vizinho
lhe tinha enviado um convite para jantar, convite este a que ele não se podia
furtar.
Elizabeth dispunha agora de muito pouco
tempo para conversar com a sua irmã, pois enquanto Bingley estava presente Jane
não podia dar atenção a mais ninguém. No entanto Elizabeth verificou que era de
utilidade considerável para ambos, durante aquelas separações que
necessariamente ocorriam às vezes. Na ausência de Jane ele sempre se aproximava
de Elizabeth para conversar. E depois que Bingley tinha partido, Jane procurava
idêntico alívio na conversa com sua irmã.
— Ele me deu um grande prazer — disse
Jane, certa noite. — Ele me disse que ignorava totalmente que eu estivesse em
Londres na primavera passada. Eu não acreditava que isto fosse possível.
— Eu já suspeitava disso — replicou
Elizabeth. — Mas como é que ele explicou o fato?
— Deve ter sido coisa feita pelas suas
irmãs. Decerto não viam com bons olhos as suas relações comigo, coisa aliás que
eu acho muito natural, pois ele poderia ter feito uma escolha muito mais
vantajosa sob todos os pontos de vista. Mas quando virem que o irmão é feliz
comigo, espero que se resignarão e voltaremos a ficar de bem novamente, embora
nunca mais possamos ter a mesma intimidade de antes.
— Essas são as palavras mais severas que
jamais ouvi você dizer — exclamou Elizabeth. — Ainda bem, eu ficaria realmente
penalizada se a visse tornar a ser enganada pela falsa amizade de Miss Bingley.
— Imagina, Lizzy, quando ele foi para
Londres em novembro já gostava de mim. E só não voltou porque o convenceram de
que eu lhe era totalmente indiferente.
— Ele cometeu um pequeno engano,
decerto. Isto mostra pelo menos que é modesto.
Isto conduziu Jane naturalmente a fazer
um panegírico da discrição de Bingley e do pouco valor que ele atribuía às suas
boas qualidades.
Elizabeth ficou satisfeita por descobrir
que ele não tinha revelado a interferência do seu amigo, pois embora Jane
tivesse o coração mais generoso do mundo, ela sabia que aquilo dificilmente
seria perdoável.
— Sou decerto a criatura mais feliz que
jamais existiu — exclamou Jane. — Oh, Lizzy, por que é que fui eu a escolhida
na minha família para receber tão grande graça? Se ao menos eu pudesse vê-la
tão feliz quanto eu... Se existisse outro homem igual àquele para você!
— Mesmo se você me desse quarenta homens
iguais para escolher, eu nunca seria tão feliz quanto você! Seria preciso que
eu possuísse o seu gênio e a sua bondade. Não, não, deixe-me entregue ao meu
próprio destino; talvez, se tiver muita sorte, eu encontre um dia um outro Mr.
Collins.
A nova situação na família de Longbourn
não podia permanecer muito tempo em segredo. Mrs. Bennet sussurrou a novidade
ao ouvido de Mrs. Philips e esta, embora sem nenhuma autorização, fez outro
tanto para todos os vizinhos de Meryton.
Todos declararam que os Bennet eram a
família mais afortunada do mundo, embora poucas semanas antes, quando Lydia
tinha fugido, fossem considerados como pessoas marcadas pelo infortúnio.
Certa manhã, uma semana depois do noivado
de Jane, Mr. Bingley e o resto da família estavam sentados na sala de jantar,
quando a sua atenção foi despertada de súbito pelo ruído de um carruagem. E
chegando à janela, viram que era um coche puxado por quatro cavalos que se
aproximava da casa. Era demasiado cedo para uma visita e além disso aquela
equipagem não era de nenhum dos vizinhos. A carruagem era puxada por cavalos de
posta; tanto a carruagem como a libré do criado que a precedia lhes eram
desconhecidas. Como fosse certo no entanto que alguém estava chegando, Bingley
propôs a Miss Bennet, imediatamente, que evitassem o intruso e fossem dar uma
volta pelo bosque.
Eles saíram e as pessoas restantes
continuaram a fazer as suas conjeturas, até que a porta se abriu e a visita
entrou. Era Lady Catherine de Bourgh.
Todos estavam naturalmente preparados
para uma surpresa. Mas o espanto foi muito maior do que esperavam. E o de
Elizabeth foi ainda maior do que o de Mrs. Bennet e o de Kitty, embora Lady
Catherine lhes fosse completamente desconhecida.
Ela entrou na sala com um ar ainda menos
gracioso do que de costume. Limitou-se a responder à saudação de Elizabeth com
uma ligeira inclinação da cabeça e sentou-se sem dizer uma palavra. Elizabeth
mencionara o nome da visitante à sua mãe, embora Lady Catherine não tivesse
solicitado uma apresentação.
Mrs. Bennet ficou espantadíssima e ao
mesmo tempo envaidecida por receber uma visita tão importante, e acolheu-a com
a maior polidez. Depois de permanecerem sentadas durante algum tempo em
silêncio, Lady Catherine disse, muito secamente, para Elizabeth:
— Espero que esteja passando bem, Miss
Bennet. Suponho que aquela senhora seja sua mãe.
Elizabeth replicou de maneira concisa
pela afirmativa.
— E aquela deve ser uma das suas irmãs.
— Sim, minha senhora — disse Mrs.
Bennet, deliciada de poder falar com Lady Catherine em pessoa. — É a minha
penúltima filha. A mais moça se casou ultimamente. E a mais velha está
passeando aí pelo parque com um rapaz que em breve se tornará membro da
família.
— A senhora tem um parque muito pequeno
aqui — disse Lady Catherine, depois de um curto silêncio.
— Não é nada em comparação com Rosings,
mas é muito maior do que o de Sir William Lucas.
— Esta sala deve ser muito inconveniente
de tarde, no verão. As janelas dão todas para o oeste.
Mrs. Bennet acrescentou que nunca ficava
ali depois do jantar, e em seguida disse:
— Vossa Senhoria me permite a liberdade
de perguntar se deixou Mr. e Mrs. Collins bem?
— Sim, muito bem. Estive com eles a
noite atrasada.
Naquele momento Elizabeth supôs que Lady
Catherine ia tirar da bolsa uma carta de Charlotte, pois tal lhe parecia o
motivo mais provável da sua visita. No entanto a carta não apareceu e Elizabeth
ficou ainda mais intrigada.
Mrs. Bennet, com grande amabilidade,
perguntou se Lady Catherine desejava tomar alguma coisa. Mas Lady Catherine,
com grande resolução e pouca polidez, recusou. Em seguida, levantando-se, disse
para Elizabeth:
— Miss Bennet, parece que há um pequeno
bosque bastante agradável atrás da sua casa. Eu gostaria de dar uma volta por
lá, se quiser me conceder o favor da sua companhia.
— Vá, meu bem — exclamou Mrs. Bennet. —
E mostre a Lady Catherine os vários caminhos. Acho que ela gostará de ver o
caramanchão.
Elizabeth obedeceu e foi correndo para o
seu quarto buscar a sombrinha, e em seguida acompanhou a ilustre visitante. Ao
atravessarem o hall, Lady Catherine abriu as portas que davam para a sala de
jantar e para a sala de estar. Achou que eram salas bastante agradáveis e em
seguida continuou o seu caminho.
A carruagem permanecia parada à porta e
Elizabeth viu que a dama de companhia estava lá dentro. Caminharam em silêncio
pela ala ensaibrada até o bosque. Elizabeth estava resolvida a não fazer nenhum
esforço para entrar em conversação com uma mulher que naquele momento ainda se
mostrava mais insolente e desagradável do que de costume.
“Não sei como achei jamais que ela se
parecesse com seu sobrinho”, disse Elizabeth para si mesma, depois de olhar
para o rosto de Lady Catherine. Logo que entraram no bosque, Lady Catherine
começou a falar da seguinte maneira:
— Sei que compreende, Miss Bennet, a
razão da minha viagem até aqui. Seu coração, sua consciência, devem lhe revelar
por que foi que eu vim!
Elizabeth olhou para ela com sincero
espanto.
— Realmente, está enganada, minha
senhora. Não consigo absolutamente adivinhar o motivo da sua presença aqui.
— Miss Bennet — replicou Lady Catherine
num tom irritado —, deve compreender que eu não sou de brincadeiras. Se
preferir ser pouco sincera, fique certa de que eu não farei o mesmo. Meu
caráter é célebre pela sua sinceridade e franqueza. E num assunto de tamanha
importância, como o presente, eu não me mostrarei diferente do que sou. Uma notícia
da natureza mais alarmante chegou aos meus ouvidos, há dois dias. Disseram-me
não somente que a sua irmã estava às vésperas de realizar um casamento dos mais
vantajosos, mas também que a senhora, Miss Elizabeth, estaria provavelmente
muito em breve unida ao meu sobrinho, ao meu próprio sobrinho, Mr. Darcy! E
embora eu esteja certa de que isto é uma escandalosa falsidade, embora eu nunca
fizesse ao meu sobrinho a injúria de supor que esta notícia seja verdadeira,
resolvi imediatamente vir a este lugar a fim de lhe revelar claramente o que eu
penso disto.
— Se a senhora acha impossível que a
notícia seja verdadeira — disse Elizabeth, corando de espanto e desdém —, não
compreendo por que se deu ao trabalho de vir tão longe. Que pretende Lady
Catherine com isto?
— Insistir exatamente para que tal
notícia seja universalmente desmentida.
— Se esta notícia realmente existe —
respondeu Elizabeth —, friamente, o fato da senhora vir a Longbourn para me
visitar, e à minha família, constituiria antes uma confirmação.
— Sim! Pretende então ignorar a notícia?
Não foi ela posta astutamente em circulação pela sua própria família? Não sabe
que este boato corre por aí?
— Nunca ouvi falar em tal coisa.
— E pode declarar igualmente que não
existe fundamento para ele?
— Não tenho a pretensão de ter a mesma
franqueza, Lady Catherine. A senhora pode fazer perguntas que eu prefiro não
responder.
— Isto é insuportável. Miss Bennet, eu
exijo que me responda. Meu sobrinho lhe fez alguma proposta de casamento?
— Vossa Senhoria mesma declarou que isto
era impossível.
— Deve ser. É evidente, a menos que ele
não esteja no uso da sua razão. Mas os seus artifícios e astúcias o podem ter
levado a esquecer, num momento de fraqueza, o que ele deve a si próprio e a
toda a sua família. É possível que o tenha seduzido.
— Se o fiz, serei a última pessoa a
confessá-lo.
— Miss Bennet, sabe quem eu sou? Não
estou acostumada a que me falem nesse tom. Sou quase o parente mais próximo que
Mr. Darcy tem no mundo. E tenho direito de estar a par dos seus negócios mais
íntimos.
— Mas não tem esse direito quanto aos
meus. E com a sua atitude jamais conseguirá que me torne mais explícita.
— Permita que eu fale mais claramente:
esse casamento que tem a pretensão de ambicionar nunca se realizará. Mr. Darcy
está noivo da minha filha. E agora, que tem a dizer?
— Apenas isto: que sendo este o caso,
não precisa temer que ele me venha fazer uma proposta.
Lady Catherine hesitou por um momento, e
depois respondeu:
— O noivado deles é de natureza especial.
Desde a infância foram destinados um para o outro. Era o maior desejo da mãe
dele, bem como o meu. Planejamos esta união enquanto ainda estavam no berço.
“E agora, quando o desejo de ambas as
irmãs poderia ser realizado, uma moça de classe inferior, sem nenhuma
importância na sociedade e totalmente estranha à família, ousaria se interpor
entre eles, sem nenhuma consideração para com os amigos dele e o seu
compromisso tácito para com Miss de Bourgh. Terá perdido todos os sentimentos
de delicadeza e de equilíbrio? Não ouviu dizer que desde o seu nascimento ele
foi destinado à sua prima?”
— Sim, eu já ouvi dizer isto antes. Mas
que tenho a ver com isto? Se não existe outra objeção ao meu casamento com o
seu sobrinho, o simples fato de saber que sua mãe e a sua tia queriam que ele
se casasse com Miss de Bourgh não me faria renunciar a ele. Planejando o seu
casamento, fizeram tudo o que lhes era dado fazer. A sua realização depende de
outras pessoas. Se Mr. Darcy não está ligado a esse casamento nem pela honra
nem pela inclinação, por que motivo não poderá ele escolher outra pessoa? E se
esta escolha recair sobre mim, por que não hei de aceitá-la?
— Porque a honra, a decência, a
prudência e até o interesse o impedem. Sim, Miss Bennet, o interesse. Pois não
espere ser recebida pela família dele e pelos seus amigos se agir
propositadamente contra a vontade de todos. Será censurada, humilhada e
desprezada por todos os parentes de Mr. Darcy. Seu casamento será a sua
infelicidade. Seu nome nunca será mencionado por qualquer uma de nós.
— Estes são graves infortúnios —
replicou Elizabeth. — Mas a mulher de Mr. Darcy ficará numa posição tão
privilegiada e terá tantos motivos de felicidade que, em última análise, ela
não terá motivo de se arrepender.
— Menina teimosa e obstinada!
Envergonho-me de você! E esta é a gratidão com que me paga as atenções com que
a cumulei quando esteve em casa de Mr. Collins? Acha que não me deve nada por
isto? Vamos nos sentar. Deve compreender, Miss Bennet, que eu vim decidida a
resolver tudo isto. Nada me poderá dissuadir da minha resolução. Não fui
habituada a me submeter aos caprichos dos outros. Não estou habituada a que
resistam aos meus desejos.
— Isto apenas tornará a sua situação
presente mais lamentável, mais desagradável. Mas não terá nenhum efeito sobre a
minha pessoa.
— Não me interrompa. Ouça-me em
silêncio. Minha filha e meu sobrinho são feitos um para o outro. Ambos
descendem pelo lado materno de uma nobre linhagem. E do lado paterno, de
famílias respeitáveis, honradas e antigas, embora sem título. As fortunas de
ambos são excelentes. É voz unânime nas respectivas famílias que eles estão
destinados um para o outro. E quem pretende separá-los? Uma moça ambiciosa, que
não possui nem família, nem relações ou fortuna. Isto pode ser tolerado? Não
deve ser e não o será. Se pesasse os seus próprios interesses, não desejaria
sair da esfera em que foi criada.
— Não acho que se me casar com seu
sobrinho, sairei da minha esfera. Ele é um gentleman. Eu sou a filha de um
gentleman. Portanto, somos iguais.
— De fato é a filha de um gentleman. Mas
quem era a sua mãe? Quem são seus tios e tias? Não pense que eu ignoro a
situação deles.
— Qualquer que seja a situação deles —
respondeu Elizabeth —, se o seu sobrinho não faz objeção a isto, não sei em que
isto lhe pode interessar.
— Diga-me francamente: está noiva dele?
Embora Elizabeth não quisesse responder
a esta pergunta, com o único fito de fazer a vontade de Lady Catherine, ela não
pôde se impedir de dizer, depois de pensar alguns instantes:
— Não estou.
Lady Catherine pareceu ficar satisfeita.
— E promete nunca aceitar um tal
compromisso?
— Não farei nenhuma promessa dessa
espécie.
— Miss Bennet, estou ofendida e atônita.
Esperava encontrar uma moça mais razoável. Mas não se iluda pensando que eu
jamais recuarei. Não irei embora antes de receber a garantia que exijo.
— E pode estar certa de que nunca a
darei. A senhora não poderá me intimidar nem me obrigar a fazer uma coisa tão
pouco razoável. A senhora quer que Mr. Darcy se case com a sua filha. Mas se eu
lhe fizesse a promessa que deseja, isto tornaria o casamento deles mais
provável? Suponha que ele tenha afeição por mim. Seria a minha recusa
suficiente para que ele transferisse essa afeição para a sua filha? Permita-me
dizer-lhe, Lady Catherine, que os argumentos com que procurou justificar este
extraordinário pedido foram tão frívolos quanto o pedido, ele mesmo, foi
insensato. A senhora se engana redondamente acerca do meu caráter se pensa que
possa ser influída por persuasões desta natureza. Não sei até que ponto o seu
sobrinho permite que a senhora se imiscua nos negócios dele, mas a senhora não
tem o menor direito de interferir nos meus. Peço-lhe portanto que não me
importune mais a respeito deste assunto.
— Mais devagar, faça o favor. Eu ainda
não acabei. A todas as objeções que já apresentei, acrescentarei ainda uma
outra: sei tudo a respeito da infame conduta da sua irmã mais moça. Sei todos
os detalhes. Sei que o casamento foi uma coisa arranjada, às pressas, a expensas
do seu pai e do seu tio. E é possível que essa moça se torne a irmã do meu
sobrinho? E que o marido dela, que é o filho do intendente do seu pai, se torne
também um parente dele? Deus do céu, em que está pensando? Serão as sombras de
Pemberley poluídas desse modo?
— Agora já nada mais terá a dizer —
replicou Elizabeth, ressentida. — Já me insultou de todas as maneiras. Com sua
licença vou voltar para casa.
E dizendo isto ela se levantou. Lady
Catherine se levantou também, e elas regressaram. Sua Senhoria estava furiosa.
— Então não tem a menor consideração
pela honra e bom nome do meu sobrinho? Menina egoísta, não vê que o casamento
dele com você o desonrará aos olhos de todo o mundo?
— Lady Catherine, nada mais tenho a
dizer! Já conhece a minha opinião.
— Então está resolvida a obtê-lo?
— Eu não disse tal coisa. Mas estou
resolvida a agir de maneira a conquistar o que eu considero a felicidade, sem
pedir os seus conselhos e nem os de qualquer outra pessoa estranha à minha
família.
— Está bem. Então recusa atender ao meu
pedido? Recusa-se a reconhecer os direitos do dever, da honra e da gratidão?
Está decidida a destruir o bom nome do meu sobrinho na opinião de todos os seus
amigos? E torná-lo assim um objeto de desprezo para todo o mundo?
— No presente caso, nem o dever, nem a
honra, nem a gratidão têm quaisquer direitos sobre mim. Nenhum desses
princípios será violado pelo meu casamento com Mr. Darcy. E quanto à
consideração ou ressentimento da sua família, ou a indignação do mundo,
admitindo que eu a merecesse por este casamento, nada disto me daria a menor
preocupação. E além disso as pessoas em geral têm bastante bom senso para
desprezar os outros por motivo tão fútil.
— Então esta é a sua verdadeira opinião.
Esta é a sua decisão final. Muito bem, saberei agora como agir. Não imagine,
Miss Bennet, que a sua ambição jamais será satisfeita. Eu vim aqui para
experimentá-la. Esperei encontrar uma moça razoável. Pode ficar certa,
entretanto, que farei valer a minha vontade.
E Lady Catherine continuou falando deste
modo até que chegaram à porta da carruagem. Aí ela se virou de súbito e
acrescentou:
— Não me despeço de você, Miss Bennet.
Nem envio cumprimentos à sua mãe. Não merecem uma tal atenção. Estou seriamente
ofendida.
Elizabeth nada respondeu. E sem procurar
persuadir a Lady Catherine que entrasse novamente, virou as costas e se dirigiu
calmamente para casa. Enquanto subia as escadas, ouviu a carruagem partir. Sua
mãe, que estava impaciente, veio encontrá-la à porta da sala para indagar se Lady
Catherine não tornaria a entrar a fim de descansar um pouco.
— Ela não quis — respondeu Elizabeth. —
Preferiu partir.
— É uma senhora muito elegante. E a sua
visita foi uma grande amabilidade, pois suponho que ela tenha vindo apenas para
dizer que os Collins vão passando bem. Ela passou casualmente e se lembrou que
podia fazer uma visita. Suponho que ela não tivesse nada de particular para lhe
dizer, Lizzy?
Elizabeth foi obrigada a inventar uma
pequena história. Mas era impossível revelar o que se tinha passado.
A agitação que essa extraordinária visita
provocou no espírito de Elizabeth durou muito tempo. E durante várias horas ela
não pôde deixar de pensar incessantemente naquilo. Lady Catherine, ao que
parecia, tinha se dado ao trabalho de sair de Rosings com o único fito de
desmantelar o seu suposto noivado com Mr. Darcy. O plano não era mau. Mas de
onde se originava a notícia do noivado? Isto é que Elizabeth não podia
determinar. Mas afinal ela refletiu que o fato de Mr. Darcy ser um amigo íntimo
de Bingley e ela ser a irmã de Jane era suficiente para sugerir a ideia de
outro casamento. Elizabeth já compreendera naturalmente que o casamento da sua
irmã deveria aproximá-la mais de Darcy. Provavelmente, os seus vizinhos de
Lucas Lodge (e por seu intermédio, através dos Collins a notícia chegara aos
ouvidos de Lady Catherine) tinham apresentado como coisa quase certa e imediata
aquilo que ela mesma encarava como uma remota possibilidade.
Refletindo sobre as expressões de Lady
Catherine, Elizabeth não podia deixar entretanto de sentir uma certa inquietude
quanto às possíveis consequências da sua interferência. Pelo que dissera da sua
resolução de impedir o casamento, Elizabeth concluía que ela devia ter em mente
uma entrevista com o seu sobrinho. E como receberia ele a descrição que Lady
Catherine lhe faria das funestas consequências de um tal casamento? Elizabeth
não sabia até que ponto ia a afeição de Mr. Darcy por sua tia, nem a confiança
que ele depositava nos seus julgamentos. Porém era natural supor que ele
tivesse maior consideração por Lady Catherine do que ela, Elizabeth. Por outro
lado, enumerando as más consequências de um casamento com uma pessoa cujos
parentes eram tão inferiores aos seus, sua tia o atacaria pelo lado mais fraco.
Com os seus preconceitos de classe, ele sentiria provavelmente que os
argumentos que a Elizabeth tinham parecido fracos e ridículos continham bom
senso e um raciocínio sólido.
Se antes ele hesitara algumas vezes
quanto ao que devia fazer, os conselhos e as exortações de uma pessoa que era
sua parente próxima poderiam destruir todas as suas dúvidas e convencê-lo de
uma vez para sempre a procurar a sua felicidade sem ofender os seus brasões de
família. Neste caso ele não voltaria mais. Lady Catherine o encontraria em Londres
e a promessa que fizera a Bingley de voltar para Netherfield seria esquecida.
“Se portanto ele enviar qualquer
desculpa ao seu amigo dentro desses próximos dias, dizendo que está
impossibilitado de vir, eu saberei o que pensar”, disse Elizabeth para si
mesma. “Então desistirei de tudo. E se ele se limitar a lamentar a minha perda,
quando está nas suas mãos obter a minha afeição, renunciarei a ele, sem mágoa.”
* * *
A surpresa das demais pessoas da família
quando souberam quem tinha sido a visitante foi muito grande. Contentaram-se no
entanto com as mesmas suposições que haviam aplacado a curiosidade de Mrs.
Bennet. E Elizabeth não foi incomodada por causa disso.
No dia seguinte, de manhã, Elizabeth
estava descendo as escadas quando seu pai, saindo da biblioteca, veio ao seu
encontro com uma carta na mão.
— Lizzy — disse ele —, eu ia à sua
procura. Venha à biblioteca. Elizabeth acompanhou-o. E a suposição de que o
assunto que seu pai queria lhe comunicar se relacionava com a carta que ele
tinha na mão aumentava a sua curiosidade. Ocorreu-lhe de súbito que a carta
pudesse ser de Lady Catherine. Já se sentia desanimada, diante de todas as
explicações que teria que dar.
Sentaram-se diante da lareira. Então Mr.
Bennet falou:
— Recebi esta manhã uma carta que me
surpreendeu extraordinariamente. Como o assunto mais importante da carta se
refere a você, é preciso que seja informada do seu conteúdo. Eu não sabia que
tinha duas filhas próximas do casamento. Deixe que eu lhe cumprimente pela sua
conquista. É muito importante.
O sangue afluiu ao rosto de Elizabeth e
ela por um momento supôs que a carta viesse do sobrinho e não da tia. E
hesitava se devia se sentir contente porque ele se tinha explicado afinal, ou
ofendida porque a carta não lhe fora dirigida, quando seu pai prosseguiu:
— Você parece que compreendeu. As moças
mostram grande penetração em assuntos desta natureza. No entanto, acho que
posso desafiar mesmo a sua sagacidade. Não imagina quem seja o seu admirador.
Esta carta é de Mr. Collins.
— De Mr. Collins! E que é que ele tem a
dizer?
— O que ele tem a dizer vem muito a
propósito, naturalmente. Começa congratulando-se pelo próximo casamento da
minha filha mais velha. Coisa naturalmente que uma daquelas espevitadas da
família Lucas lhe comunicou. Não vou ler o que ele diz sobre isto, para não
provocar a sua impaciência. A parte que se refere à sua pessoa diz o seguinte:
Tendo desse modo oferecido as sinceras
congratulações de Mrs. Collins, bem como as minhas, pelo feliz acontecimento,
permita que eu me refira agora sumariamente a outro assunto que chegou ao nosso
conhecimento através da mesma fonte. Sua filha Elizabeth, ao que parece, não
usará por mais muito tempo o nome de Bennet, depois que a sua irmã mais velha
tiver renunciado ao mesmo. E o seu escolhido pode razoavelmente ser considerado
uma das pessoas mais ilustres deste país.
— Pode imaginar, Lizzy, quem seja esta
pessoa?
Este rapaz foi aquinhoado com tudo o que
um coração mortal pode desejar: esplêndidas propriedades, nobres parentes,
considerável influência. No entanto, apesar de todas estas vantagens, permita
que eu previna a minha prima Elizabeth e ao senhor mesmo acerca dos males que
poderão advir de um consentimento precipitado às propostas daquele cavalheiro;
propostas de que naturalmente se sentirão inclinados a tirar imediato proveito.
— Você tem alguma ideia, Lizzy, de quem
seja este cavalheiro? Mas agora surge a revelação: “O motivo que tenho para
preveni-la é o seguinte: temos razões para acreditar que sua tia, Lady
Catherine de Bourgh, não olha com bons olhos este casamento.” — Está vendo,
portanto, que se trata de Mr. Darcy. Está aí, Lizzy, creio que lhe dei uma
grande surpresa. Poderia Mr. Collins ou os Lucas terem feito uma suposição mais
absurda? Mr. Darcy, que nunca olha para uma mulher senão para criticar, e que
provavelmente nunca olhou para você em toda a sua vida! E espantoso!
Elizabeth tentou achar graça, mas pôde
apenas sorrir com relutância. Nunca o espírito de seu pai lhe parecera menos
agradável.
— Você não está achando graça?
— Estou, sim, continue a ler.
Tendo eu mencionado a possibilidade deste
casamento a Lady Catherine ontem à noite, ela imediatamente exprimiu o que
sentia acerca desse assunto, com a sua usual condescendência. Ela então
proclamou que devido a certas objeções de família, jamais daria o seu
consentimento para o que, segundo a sua expressão, era um péssimo casamento.
Achei que era do meu dever comunicar isto à minha prima para que ela e seu
nobre admirador saibam o que estão fazendo e não se precipitem num casamento
que não foi convenientemente sancionado.
“E Mr. Collins acrescenta o seguinte:”
Causa-me muita alegria saber que o triste
caso da minha prima Lydia conseguiu ser abafado tão depressa! E o que me
preocupa apenas é que outros tenham ficado sabendo que eles tenham vivido
juntos antes de se casarem. Não posso, entretanto, esquecer os deveres do meu
estado, nem deixar de manifestar o espanto que senti ao ouvir dizer que o
senhor recebeu o jovem casal na sua casa logo após o matrimônio. Considero isto
um encorajamento ao vício e se fosse o reitor de Longbourn ter-me-ia oposto a
isto terminantemente. É certo que como cristão os devia ter perdoado, porém
jamais devia admiti-los em sua presença nem permitir que os seus nomes lhe
fossem mencionados.
— Esta é a noção que ele tem do perdão
cristão das ofensas. O resto da carta trata apenas da situação da sua querida
Charlotte e das esperanças que ele tem de um herdeiro. Mas, Lizzy, você parece
que não está gostando. Espero que não leve a sério e nem vá ficar ofendida por
causa deste boato tolo. Não vejo por que não possamos rir, de nosso lado, com o
ridículo dos nossos vizinhos...
— Oh — exclamou Elizabeth —, estou
achando muita graça. Mas tudo isto é tão estranho!
— Sim, mas aí é que está a graça. Se eles
tivessem escolhido outro homem qualquer, não haveria nada de estranho. Mas a
perfeita indiferença de Mr. Darcy e a sua manifesta antipatia tornam essa
suposição tão absurda! Abomino escrever, mas por coisa alguma deste mundo
desistiria da minha correspondência com Mr. Collins! Quando me chega uma carta
dele, não posso deixar até de preferi-lo a Wickham. E eu prezo imensamente a
impudência e a hipocrisia do meu genro... Conte-me, Lizzy, que disse Lady
Catherine acerca deste boato? Ela veio vê-la para recusar o seu consentimento?
A esta pergunta, sua filha respondeu
apenas com uma risada. E como ele de nada suspeitasse, Elizabeth não ficou
embaraçada, mesmo quando ele repetiu a pergunta. Jamais ela sentira tamanha
dificuldade em esconder os seus sentimentos. Era necessário rir e ela teria
preferido chorar. Seu pai a tinha mortificado cruelmente pelo que dissera a
respeito da indiferença de Mr. Darcy. Aquela falta de penetração e espantava.
Por outro lado ela temia que em vez do seu pai ter visto pouco, ela é que
tivesse esperado demasiadamente.
Mr. Bingley não recebeu nenhuma carta de
escusas do seu amigo, como Elizabeth receava. Em vez disso, trouxe o seu amigo
Darcy em visita a Longbourn, poucos dias depois do aparecimento de Lady
Catherine. Os cavalheiros chegaram cedo. Elizabeth, por um momento, teve medo
de que Mrs. Bennet lhes contasse que tinham recebido a visita da sua tia. No
entanto, antes que Mrs. Bennet pudesse falar, Bingley, que queria ficar a sós
com Jane, propôs que todos saíssem a passear. Assim foi combinado. Mrs. Bennet
não tinha o hábito de caminhar. Mary não podia perder tempo. E os cinco
restantes partiram. Bingley e Jane, entretanto, deixaram os outros se
distanciarem. Elizabeth, Kitty e Darcy foram na frente. Os três conversaram muito
pouco. Kitty tinha medo de Darcy. Elizabeth tomava em segredo uma resolução
desesperada. E ele talvez fizesse o mesmo.
Caminharam em direção à casa dos Lucas,
pois Kitty queria fazer uma visita a Maria. E depois que Kitty os deixou,
Elizabeth continuou resolutamente com Darcy. Chegara agora o momento de
executar o seu plano. E antes que a sua coragem fraquejasse, ela falou:
— Mr. Darcy, sou uma criatura muito
egoísta. E a fim de aliviar as incertezas dos meus sentimentos vou talvez ferir
os seus. Não posso adiar por mais tempo a obrigação de lhe agradecer a sua
inestimável intervenção a favor de minha irmã. Desde que soube o que o senhor
tinha feito, fiquei ansiosa por uma ocasião de lhe manifestar a minha gratidão.
E se as outras pessoas da minha família o soubessem, não lhe falaria apenas em
meu nome.
— Sinto imensamente — replicou Darcy,
num tom de surpresa e emoção — que tenha sido informada de um fato que,
mal-interpretado, poderia causar-lhe contrariedade. Julguei que podia confiar
na discrição de Mrs. Gardiner.
— Não deve culpar a minha tia. Foi por
uma leviandade de Lydia que eu soube que o senhor se tinha envolvido no caso; e
naturalmente não descansei até conhecer todos os detalhes. Deixe-me agradecer
novamente, em meu nome e no da minha família, pela generosidade com que agiu,
sofrendo toda a sorte de incômodos e mortificações.
— Se quiser me agradecer — respondeu ele
—, faça-o apenas em seu próprio nome. Não nego que o desejo de lhe causar
prazer tenha contribuído também para o que fiz. Mas a sua família não me deve
nada. Respeito-a muito, mas creio que foi só em você que pensei.
Elizabeth ficou tão embaraçada que não
soube o que responder. Depois de uma curta pausa, seu companheiro acrescentou:
— Tenho certeza de que é generosa demais
para fazer pouco caso dos meus sentimentos. Se os seus são ainda os mesmos que
manifestou em abril passado, diga-o imediatamente. Minha afeição permanece
inalterada; basta porém uma única palavra sua para fazer com que me cale para
sempre.
Elizabeth, sentindo a difícil e aflitiva
situação em que Darcy se encontrava, se esforçou para falar. E embora de forma
hesitante, deu-lhe a entender imediatamente que os seus sentimentos tinham
passado por tão grande transformação, desde o período a que ele aludira, que agora
podia aceitar as suas declarações com prazer e gratidão. A felicidade que essa
resposta causou a Darcy foi a maior que até então conhecera. E ele a exprimiu
nos termos mais calorosos que o seu coração de apaixonado pôde encontrar. Se
Elizabeth tivesse podido levantar os olhos, teria visto que a felicidade de
Darcy se refletia no seu rosto, infundindo-lhe uma animação que o tornava belo.
Se não podia ver, Elizabeth, no entanto, podia ouvir. E Darcy lhe revelou a
importância que o afeto de Elizabeth tinha para ele. E a cada momento o seu
amor crescia de importância aos olhos de Elizabeth.
Continuaram a caminhar sem uma direção
precisa. Seus pensamentos os absorviam, e além disso tinham muito a sentir e a
dizer. Elizabeth ficou sabendo que deviam o seu atual entendimento aos esforços
da tia de Darcy. Lady Catherine, com efeito, de passagem por Londres fora
visitar o sobrinho e lhe relatara a sua viagem a Longbourn, suas causas e a
conversa que tivera com Elizabeth, repetindo enfaticamente cada uma das expressões
desta última, expressões que aos olhos de Lady Catherine denotavam a
perversidade e o cinismo da moça, com o intuito de desacreditá-la perante o seu
sobrinho. Infelizmente para Sua Senhoria o efeito tinha sido exatamente o
oposto.
— Eu, que não tinha mais esperanças,
voltei a tê-las — acrescentou Darcy. — Conhecendo seu caráter, sabia que, se
estivesse absoluta e irrevogavelmente decidida a me recusar, tê-lo-ia dito a
Lady Catherine com toda a franqueza.
Elizabeth enrubesceu e sorriu.
— Sim, conhecia suficientemente a minha
franqueza para saber que se eu tinha sido capaz de tratá-lo de maneira tão
abominável pessoalmente, não hesitaria em fazê-lo perante toda a sua família.
— Não acho que me tenha tratado mal. Não
disse nada que eu não merecesse. Embora suas acusações repousassem sobre
premissas falsas, minha atitude naquele tempo merecia as mais severas censuras.
Era imperdoável. Não posso lembrar dela sem horror.
— Não discutiremos a quem cabe a maior
culpa na desavença daquela noite — disse Elizabeth. — A conduta de nenhuma das
partes foi irrepreensível. Mas desde então creio que progredimos em cortesia.
Pelo menos espero.
— Não posso me reconciliar tão
facilmente comigo mesmo. A recordação de tudo o que eu disse, da minha conduta,
das minhas maneiras e expressões tem sido durante muitos meses e continua a ser
indizivelmente dolorosa. Nunca me esqueci da sua admoestação, que considero tão
justa: “se tivesse agido de forma mais cavalheiresca...” Foram estas as suas
palavras. Não sabe, não pode nem de longe imaginar como essas suas palavras me
torturaram. Custei a lhes reconhecer a justiça.
— E eu estava muito longe de supor que
elas lhe produziriam uma impressão tão forte.
— Acredito. Naquele tempo pensava que eu
era destituído de todos os sentimentos humanos. Disso tenho certeza. Nunca me
esquecerei da expressão do seu rosto quando me disse que nada a poderia ter
persuadido a aceitar a minha mão.
— Oh, não repita o que eu disse. Essas
coisas não devem ser lembradas. Juro-lhe que há muito tempo que penso nelas com
imensa vergonha.
Darcy mencionou a sua carta.
— Queria saber — perguntou ele — se a
carta me justificou aos seus olhos. Acreditou no que eu dizia?
Elizabeth lhe explicou os efeitos que a
sua carta tinham produzido e como, aos poucos, a sua má vontade se dissipara.
— Eu sabia — continuou ele — que o que
estava lhe escrevendo ia magoá-la, mas era necessário. Espero que tenha
destruído a carta. Não descansarei enquanto não tiver a certeza de que não a
pode mais ler, especialmente o começo da carta. Lembro-me de certas expressões
que provocariam o seu ódio contra mim.
— A carta será queimada se acredita que
isto seja essencial para a preservação da minha estima. Mas embora tenhamos
ambos razões para pensar que as minhas opiniões não são inteiramente
inalteráveis, não creio por outro lado que sejam tão facilmente influenciáveis
como parece supor.
— Quando escrevi aquela carta — replicou
Darcy — pensava que me encontrava num estado de espírito perfeitamente calmo e
frio. Mas depois vi que estava extremamente amargurado e triste.
— Talvez no princípio a carta fosse
amarga, mas o final era uma caridosa despedida. Mas não pense mais na carta. Os
sentimentos da pessoa que a recebeu e da pessoa que a escreveu são agora tão
diferentes do que eram, que todas as circunstâncias dolorosas relativas a ela
devem ser esquecidas. E é preciso que aprenda um pouco da minha filosofia.
Lembre-se apenas daquilo que lhe causa prazer.
— Não creio que encontre dificuldade em
aplicar esta filosofia à sua própria vida. As suas lembranças devem ser tão
desprovidas de toda a mácula que não é preciso nenhuma filosofia para sentir o
contentamento que se origina delas. Mas comigo não é assim: quando penso no
passado intervêm muitas recordações dolorosas que não podem e não devem ser
repelidas. Toda a minha vida fui um ser egoísta, se não na prática, pelo menos
nos meus princípios. Em criança me ensinaram o que era direito, mas não me
ensinaram a corrigir o meu gênio. Deram-me bons princípios. Mas deixaram-me
praticá-los orgulhosamente. Infelizmente, sendo durante muito tempo único
filho, e mais tarde único filho homem, fui mimado pelos meus pais e, embora
eles fossem bons, meu pai sobretudo, que era a benevolência em pessoa,
permitiram, encorajaram e quase me ensinaram a ser egoísta e tirânico, a pensar
apenas nas pessoas da minha família e desprezar todos os outros e a pensar com
desprezo no bom senso e valor das outras pessoas, comparados com os meus. Assim
fui eu dos oito aos vinte anos. E se não fosse a minha querida e adorável
Elizabeth, talvez ainda não me tivesse mudado. Que é que não lhe devo? A lição
que me deu foi certamente a princípio muito dura, mas muito vantajosa. Por suas
mãos recebi a humilhação que devia. Aproximei-me de você sem duvidar de que
seria aceito. Revelou-me como eram insuficientes as minhas pretensões de
agradar uma mulher digna de ser amada.
— Estava mesmo persuadido de que
realmente me sentiria lisonjeada?
— Confesso que estava. Que acha da minha
vaidade? Eu acreditava que estava mesmo desejando e esperando as minhas
propostas.
— A culpa talvez caiba às minhas
maneiras, mas não agi intencionalmente. Posso lhe jurar, jamais tencionei
enganá-lo. Como deve ter me odiado depois daquela noite!
— Odiá-la? Talvez a princípio eu
estivesse encolerizado. Mas logo dirigi esta cólera contra quem a merecia.
— Tenho quase medo de lhe perguntar o
que pensou de mim quando nos encontramos em Pemberley. Achou que eu tinha feito
mal em vir?
— Não, de modo algum, senti apenas
surpresa.
— A sua surpresa não foi menor do que a
minha ao verificar que ainda se interessava por mim. Minha consciência me dizia
que eu não merecia grandes cortesias e confesso que não contava receber mais do
que me era devido.
— Meu fito naquela ocasião — replicou
Darcy — era lhe mostrar, por todos os meios, que não guardava um rancor
mesquinho do passado. Eu esperava obter o seu perdão e apagar o mau conceito
que tinha de mim, dando-lhe a perceber que eu tinha levado em conta as suas
censuras. Não posso lhe dizer exatamente em que momento outros desejos nasceram
em mim, mas creio que foi meia hora depois de tê-la visto.
Darcy contou-lhe então o prazer que
Georgiana tivera em conhecê-la e o desapontamento que sentira com a súbita
interrupção da sua visita. Isto o levou naturalmente a falar nas causas desta
interrupção. E Elizabeth ficou sabendo que ele tomara a resolução de segui-la e
de partir em busca da sua irmã, antes mesmo de sair da hospedaria.
E que se naquela ocasião se mostrava
grave e pensativo, era porque debatia consigo mesmo a respeito desta ideia. Ela
tornou a exprimir a sua gratidão, mas o assunto era demasiado penoso para ambos
para que insistissem nele.
Depois de caminharem várias milhas sem
destino, sem repararem para onde se dirigiam, viram nos seus relógios que era hora
de ir para casa.
— Que teria sido feito de Mr. Bingley e
Jane?
Esta observação os levou naturalmente a
discutir este caso. Darcy estava encantado com o noivado. Seu amigo lhe dissera
tudo imediatamente.
— Ficou surpreendido? — perguntou
Elizabeth.
— De modo algum. Quando parti, já sabia
que isto devia acontecer.
— Quer dizer que deu o seu
consentimento? Desconfiava disto também.
Embora ele protestasse contra a
expressão, Elizabeth compreendeu que a sua suposição não estava muito longe da
verdade.
— Na noite anterior à minha partida para
Londres — disse Darcy —, eu fiz a Bingley uma confissão que, acredito, já devia
ter feito há muito tempo. Contei-lhe tudo o que tinha ocorrido e disse que
esses fatos me tinham feito compreender que a minha interferência no caso dele
e de Jane tinha sido desastrosa. A sua surpresa foi grande. Ele não suspeitava
de nada. Disse, ainda mais, que tinha razões para acreditar que me tinha
enganado quando dissera que a sua irmã lhe era indiferente. E como vi
imediatamente que a sua afeição por ela continuava inalterada, não tinha dúvida
de que viessem a ser muito felizes juntos.
Elizabeth não pôde deixar de sorrir da
facilidade com que ele conduzia o seu amigo.
— Foi a sua própria observação que lhe
convenceu que a minha irmã amava Bingley ou se baseou apenas na minha
informação?
— Foi a minha observação. Durante as
duas últimas visitas que fiz aqui ultimamente, observei-a com atenção. Fiquei
convencido de que ela o amava sinceramente.
— E Bingley acreditou de imediato na sua
afirmação?
— Acreditou. Bingley é de uma
extraordinária modéstia. Foi o que o impediu de confiar no seu próprio
julgamento, mas a confiança que ele tem em mim tornou tudo fácil. Fui obrigado
a confessar uma coisa que o fez ficar ofendido comigo durante alguns dias. Não
pude deixar de dizer que eu sabia que a sua irmã tinha estado em Londres
durante três meses no inverno passado e que eu propositadamente escondera este
fato dele. Ficou zangado, mas estou persuadido de que a sua cólera durou apenas
enquanto tinha dúvidas acerca dos sentimentos da sua irmã. Ele agora me perdoou
de todo o coração.
Elizabeth teve vontade de observar que
Mr. Bingley tinha sido um amigo encantador. Sendo ele, como era, tão fácil de
conduzir, possuía como amigo um valor inestimável. No entanto ela se conteve
porque lembrou que Darcy ainda não aprendera a ser menos susceptível. Era ainda
cedo para começar. Darcy continuou a falar sobre a felicidade que antecipava
para Bingley, e que seria apenas menor do que a sua, até que chegaram em casa.
No hall eles se separaram.
— Querida Lizzy, onde é que você tem
andado? — Tal foi a pergunta que Elizabeth recebeu de Jane, assim que entrou na
sala. E a mesma pergunta lhe foi dirigida por todas as pessoas, antes de se
sentarem à mesa. Ela disse apenas que tinha se distraído e caminhado mais longe
do que esperava. E embora ela corasse ao dizer estas palavras, ninguém
suspeitou da verdade.
A tarde passou calmamente sem que nada
de extraordinário ocorresse. Os noivos oficiais falaram e riram. Os não
oficiais ficaram calados. Darcy não era dessas pessoas em que a felicidade
transborda em alegria; Elizabeth, agitada e confusa, tinha consciência da sua
felicidade mas não a sentia propriamente. Além dos obstáculos imediatos ainda
existiam outros à sua frente. Ela antecipava as reações da sua família quando
soubesse da sua decisão. Temia mesmo que a antipatia dos outros fosse de tal
ordem que nem toda a fortuna e importância de Darcy a poderiam dissipar.
À noite ela abriu o seu coração para Jane.
Embora Jane fosse uma pessoa muito pouco desconfiada, dessa vez Elizabeth
esbarrou com a sua incredulidade.
— Você está brincando, Lizzy. Não pode
ser! Noiva de Mr. Darcy! Não, não, você não me engana! Eu sei que é impossível!
— Este começo não é de fato muito
animador. A única pessoa com quem eu contava era você. E se você não acreditar,
sei que ninguém mais o fará! Sim, de fato eu falo seriamente. Digo apenas a
verdade. Ele ainda me ama e estamos noivos.
Jane olhou para ela, incredulamente.
— Oh, Lizzy, não pode ser! Bem sei como
você o detesta...
— Você não sabe coisa alguma. Aquilo
está tudo esquecido. Talvez eu não o amasse antigamente tanto como agora, mas
em casos como este a boa memória é um fato imperdoável. Esta é a última vez que
recordo estas coisas.
Jane continuava atônita. Elizabeth
tornou a lhe assegurar com a maior seriedade que estava falando a verdade.
— Será possível?! Mas agora tenho de
acreditar no que diz! — exclamou Jane. — Minha querida, querida Lizzy! Eu a
felicito. Mas você tem certeza? Perdoe a minha pergunta, você tem certeza de
que pode ser feliz com ele?
— Quanto a isto não pode haver a menor
dúvida. Ficou decidido entre nós que seremos o casal mais feliz do mundo. Mas
você está contente, Jane? Você gostará de tê-lo como irmão?
— Muito mesmo. Nada poderia causar mais
prazer a Bingley e a mim. Nós até já conversamos sobre isto e achamos que era
impossível. E você realmente gosta dele? Oh, Lizzy, prefira tudo a se casar sem
afeição. Você tem certeza de que o ama como deve?
— Oh, sim. Quando eu lhe contar tudo
você até achará que a minha afeição excede os limites.
— Que é que você quer dizer?
— Ora, eu tenho que confessar que o amo
mais do que a Bingley. Você vai ficar zangada?
— Minha querida irmã, fale seriamente:
quero conversar com você muito a sério. Conte-me imediatamente tudo o que você
acha que eu devo saber. Há quanto tempo você gosta dele?
— Isto aconteceu tão gradualmente que eu
nem sei como começou. Mas acredito que a minha afeição data da primeira vez em
que vi o belo parque de Pemberley.
Seguiu-se outra súplica para que ela
falasse seriamente. Desta vez o pedido obteve o efeito desejado. E Elizabeth
deu à sua irmã as mais solenes garantias da sua afeição por Darcy.
Tranquilizada quanto a este ponto, Jane ficou satisfeita.
— Agora sinto-me contente — disse ela. —
Pois você será tão feliz quanto eu. Sempre o apreciei muito. Bastava aliás o
amor dele por você para fazer com que eu o estimasse para sempre, mas agora,
como amigo de Bingley e seu marido, só Bingley e você mesma terão precedência
na minha afeição. Mas Lizzy, você foi muito sonsa, muito reservada comigo. Você
não me contou quase nada do que aconteceu em Pemberley e em Lambton. Devo tudo
o que sei a outra pessoa.
Elizabeth lhe explicou por que tinha
guardado segredo. Não quisera falar no nome de Bingley. E a incerteza dos seus
próprios sentimentos fazia com que ela evitasse falar no nome de Darcy. Mas
agora Elizabeth não podia esconder por mais tempo da sua irmã a participação de
Darcy no caso de Lydia. Contou tudo. Passaram metade da noite em conversa.
* * *
— Arre — exclamou Mrs. Bennet ao se
aproximar da janela na manhã seguinte. — Não é que aquele homem desagradável já
vem aí com o nosso querido Bingley? Que deseja ele, com essas visitas contínuas?
Não vê que nos importuna? Por que não vai caçar ou fazer outra coisa em vez de
nos impingir a sua companhia? Que faremos com ele? Lizzy, é melhor você ir
passear novamente com ele, para que não se meta no caminho de Bingley.
Elizabeth não pôde deixar de rir diante
de proposta tão conveniente. No entanto ela estava realmente contrariada com
aquelas manifestações de sua mãe.
Assim que entrou, Bingley olhou para
Elizabeth tão significativamente e lhe apertou as mãos com tanto calor que não
podia haver dúvida de que estivesse bem-informado. E pouco depois ele disse, em
voz alta:
— Mrs. Bennet, a senhora não tem no seu
parque outros caminhos em que Lizzy possa se perder?
— Aconselho Mr. Darcy, Lizzy e Kitty —
disse Mrs. Bennet — a darem um passeio até Oakham Mount. É um belo e longo
passeio e Mr. Darcy nunca apreciou a vista.
— Está muito bem para os outros —
replicou Mr. Bingley —, mas estou certo que é longe demais para Kitty. Não é,
Kitty?
Kitty confessou que preferia ficar em
casa. Darcy declarou que estava muito curioso para ver o lugar, e Elizabeth
consentiu, em silêncio. Enquanto subia as escadas para ir se aprontar, Mrs.
Bennet a acompanhou, dizendo:
— Sinto muito, Lizzy, que você tenha de
fazer companhia àquele homem tão desagradável. Mas espero que você não faça
caso. É para o bem de Jane, você sabe... E depois, não precisa conversar muito
com ele. Só de vez em quando. Portanto, não se dê muito trabalho.
Durante o passeio ficou resolvido que o
consentimento de Mr. Bennet seria solicitado naquela mesma noite. Elizabeth se
encarregou de falar com a sua mãe. Não sabia como Mrs. Bennet receberia aquela
comunicação. E às vezes ela duvidava de que toda a fortuna e importância de
Darcy fossem suficientes para vencer a antipatia que sua mãe tinha por ele. Mas
quer Mrs. Bennet se declarasse violentamente contra o casamento, ou
violentamente a favor, Elizabeth estava certa de que a sua atitude seria pouco
conveniente e sensata. E Elizabeth não poderia tolerar que Mr. Darcy ouvisse as
primeiras manifestações da sua alegria ou a primeira veemência da sua
desaprovação.
* * *
À noite, pouco depois de Mr. Bennet se
levantar da mesa e entrar na sua biblioteca, Elizabeth viu Mr. Darcy se
levantar igualmente e acompanhá-lo. Naquele momento a sua agitação foi extrema.
Ela não receava a oposição de seu pai. Mas tinha certeza de que isto ia
desgostá-lo. E a ideia de que ela, a sua filha favorita, lhe causaria uma
grande decepção com a sua escolha, enchendo-o de preocupação quanto ao seu
futuro, fez com que ela ficasse angustiada e aflita até que Mr. Darcy tornou a
aparecer. O sorriso que ele teve, ao vê-la, aliviou-a um pouco. Poucos minutos
depois ele se aproximou da mesa onde Elizabeth estava sentada com Kitty e,
fingindo admirar o trabalho que ela fazia, sussurrou ao seu ouvido:
— Vá à biblioteca. Seu pai quer falar
com você.
Elizabeth partiu imediatamente.
Mr. Bennet caminhava de um lado para
outro na biblioteca, e sua expressão era grave e ansiosa.
— Lizzy — disse ele —, que é que você
está fazendo? Você está no seu juízo perfeito aceitando este homem? Você não o
odiava?
Naquele momento Elizabeth desejou
ardentemente que seu pai tivesse exprimido as suas opiniões mais moderadamente.
Isto lhe teria poupado explicações embaraçosas. Mas agora era preciso falar. E
Elizabeth lhe assegurou, um tanto confusa, que tinha afeição por Mr. Darcy.
— Ou, em outras palavras, você está
decidida a se casar com ele. Ele é rico, certamente, e você pode ter roupas e
carruagens ainda mais belas do que as de Jane. Mas você será feliz?
— O senhor tem outra objeção a não ser a
sua suposição de que eu lhe seja indiferente?
— Nenhuma. Todos sabemos que ele é um
homem orgulhoso e desagradável. Mas isto não teria importância se você
realmente o amasse.
— Eu o amo — replicou Elizabeth, com
lágrimas nos olhos —, eu o amo sinceramente. Asseguro-lhe que ele não tem
nenhum orgulho injustificado. É um homem muito bom. O senhor, na realidade, não
o conhece. Portanto, não me magoe falando nestes termos a seu respeito.
— Lizzy — respondeu Mr. Bennet —, eu já
dei o meu consentimento. Ele é realmente um desses homens a quem eu nunca
recusaria alguma coisa que ele condescendesse em pedir. E agora torno a lhe dar
o meu consentimento, se a isto está decidida. Mas eu a aconselho a pensar
melhor. Conheço o seu gênio, Lizzy, penso que jamais você seria feliz e
equilibrada a não ser que estime realmente o seu marido, a não ser que possa
considerá-lo como o seu superior. Sua vivacidade e inteligência a colocariam
numa situação de grande perigo num casamento desigual. Ser-lhe-ia difícil
salvar a sua reputação e a sua felicidade. Minha filha, não me dê o desgosto de
vê-la impossibilitada de respeitar o seu companheiro de vida. Você não sabe a
seriedade do passo que está dando.
Elizabeth, ainda mais emocionada, respondeu
solene e gravemente. E afinal, afirmando repetidamente que Mr. Darcy era
realmente o homem que ela tinha escolhido, explicando-lhe a mudança gradual por
que tinha passado a sua estima por ele, relatando a absoluta certeza que tinha
da sua afeição, que não era uma coisa de momento, mas tinha resistido à
experiência de muitos meses de incerteza, enumerando com energia todas as
qualidades do seu futuro marido, ela acabou convencendo o pai e reconciliando-o
com a ideia do casamento.
— Bem, minha querida — disse ele quando
Elizabeth acabou de falar. — Nada mais tenho a dizer. Se este é o caso, ele a
merece. Eu não me poderia separar de você, minha querida Lizzy, entregando-a a
alguém que fosse menos digno da sua estima.
Para completar a impressão favorável do
seu pai, ela então lhe relatou o que Mr. Darcy tinha feito voluntariamente por
Lydia. Ele a ouviu com grande espanto.
— Realmente, esta é uma noite de
surpresas. Então Darcy fez tudo! arranjou o casamento, deu dinheiro, pagou as
dívidas do rapaz e lhe arranjou um posto? Tanto melhor. Poupa-me inúmeros
incômodos e grande soma de dinheiro. Se tudo tivesse sido feito por seu tio,
ficaria na obrigação de lhe pagar e de fato lhe pagaria. Mas estes jovens
violentamente apaixonados fazem tudo de acordo com a sua vontade. Amanhã lhe
proporei pagamento. Ele protestará furiosamente, alegando o seu amor por você e
assim acabará a história.
Mr. Bennet se lembrou então do embaraço
com que Elizabeth ouvira poucos dias antes a leitura da carta de Mr. Collins; e
depois de caçoar com ela durante algum tempo, deixou-a partir, dizendo, ao
vê-la sair da sala:
— Se chegarem rapazes para Mary ou
Kitty, pode mandar entrar, pois não tenho nada que fazer.
Elizabeth se sentiu aliviada de um
grande peso. E depois de refletir calmamente no seu quarto durante meia hora,
voltou para junto dos outros com o rosto tranquilo. Tudo aquilo ainda era muito
recente para que a sua alegria transbordasse. A noite passou tranquilamente.
Não havia mais nada a temer e a calma voltaria aos poucos.
Quando a sua mãe subiu para o quarto,
Elizabeth a acompanhou e fez a importante comunicação. O efeito foi
extraordinário, pois ao ouvi-la Mrs. Bennet permaneceu completamente imóvel,
incapaz de dizer uma só palavra. Só depois de muitos e muitos minutos ela pôde
compreender o que tinha ouvido, embora estivesse sempre atenta a tudo o que
redundasse em proveito para a família, ou que se apresentasse sob o aspecto de
um noivo para qualquer uma das suas filhas. Finalmente ela começou a voltar a
si, a se mexer na cadeira; levantou-se, tornou a sentar, abriu a boca,
persignou-se:
— Meu Deus do céu! Deus me abençoe!
Imagine! Ora essa! Mr. Darcy! Quem poderia supor? É verdade mesmo? Oh, minha
querida Lizzy! Como você será rica e importante! Que mesadas, que joias, que
carruagens você terá! O casamento de Jane não é nada em comparação com o seu!
Estou tão feliz, tão contente! Um homem tão encantador! Tão bonito! Tão alto!
Oh, minha querida Lizzy! Perdoe-me por ter antipatizado com ele no princípio!
Espero que ele me perdoará. Minha querida Lizzy... Uma casa em Londres! Tudo o
que há de melhor! Três filhas casadas! Dez mil libras por ano! Meu Deus do céu,
que será de mim? Vou ficar louca...
Essas exclamações eram suficientes para
mostrar a Elizabeth que não precisava duvidar da aprovação de sua mãe. E
congratulando-se por ser a única testemunha daquela efusão, Elizabeth se
retirou para o seu próprio quarto. Três minutos depois Mrs. Bennet apareceu.
— Minha querida filha — exclamou ela —,
não posso pensar noutra coisa. Dez mil libras por ano e provavelmente mais! É
como se fosse um lord! E vocês se casarão com uma licença especial. Faço
questão de uma licença especial. Mas, meu bem, diga-me qual é o prato que Mr.
Darcy prefere. Eu o farei amanhã.
Isto era um triste prenúncio do que
poderia ser o comportamento da sua mãe para com o seu noivo. E Elizabeth
descobriu que, embora de posse do mais caloroso dos afetos e tranquila quanto
ao consentimento dos pais, havia ainda alguma coisa a desejar. Mas o dia
seguinte passou muito melhor do que tinha esperado. Mrs. Bennet, por sorte,
tinha tanto respeito por seu futuro genro, que só se atreveu a lhe dirigir a
palavra para lhe dizer alguma amabilidade ou manifestar a deferência que sentia
pelas suas opiniões.
Elizabeth teve a satisfação de ver seu
pai fazer esforços para entrar em comunicação com Darcy. Mr. Bennet lhe
assegurou que a sua estima por ele crescia a cada momento.
— Admiro altamente todos os meus três
genros. Wickham, talvez, seja o meu favorito, mas acho que acabarei gostando do
seu marido tanto quanto do de Jane.
Sentindo-se tranquila, Elizabeth começou
logo a gracejar. Pediu a Mr. Darcy que explicasse como se tinha apaixonado por
ela.
— Como pôde começar? — perguntou ela. —
Posso compreender perfeitamente que tenha continuado uma vez feito o primeiro
passo, mas que foi que o impulsionou?
— Não posso fixar a hora ou o lugar.
Isto já foi há muito tempo. Eu já estava no meio e ainda não sabia que tinha
começado.
— Minha beleza você a tinha negado desde
o princípio. E quanto às minhas maneiras, meu comportamento para com você
sempre beirou a falta de educação. E quase sempre, quando me dirigia a você,
era com o intuito de feri-lo. Agora seja sincero: foi por causa da minha
impertinência que me admirou?
— Pela vivacidade da sua inteligência,
sim.
— É melhor chamar logo de impertinência.
Era pouco menos. O fato é que estava farto de amabilidades, deferências e
atenções. Sentia-se enojado com as mulheres que falavam, agiam e pensavam com o
único fito de conquistá-lo. Despertei a sua atenção porque era tão diferente
delas. Se você não fosse realmente bom, teria me odiado. Mas apesar do trabalho
que teve para disfarçar os seus sentimentos, estes sempre foram nobres e
justos. E no seu coração sempre desprezou as pessoas que o cortejavam tão
assiduamente. Aí está: já lhe poupei o trabalho de uma explicação; e realmente,
pensando bem, acho a minha hipótese muito razoável. Para falar a verdade, não
conhecia nenhuma boa qualidade em mim. Mas ninguém pensa nisto quando se
apaixona.
— Então não havia bondade no que fez por
Jane quando ela esteve doente em Netherfield?
— Jane é uma pessoa querida. Quem não
teria feito outro tanto por ela? Mas faça disso uma virtude, se quiser; minhas
boas qualidades estão sob a sua proteção. Pode exagerá-las quando quiser. Em
troca cabe-me o direito de provocá-lo e discutir com você todas as vezes que me
apetecer. E eu começarei imediatamente, perguntando por que é que à última hora
se mostrou tão indeciso. Por que se mostrou tão tímido comigo por ocasião da
sua primeira visita e depois quando jantou aqui? E especialmente, por que a sua
atitude era tão distante e fria?
— Porque você estava grave, silenciosa e
não me deu nenhum encorajamento.
— Mas eu estava embaraçada.
— E eu também.
— Podia ter conversado comigo quando
veio jantar.
— Um homem menos apaixonado o teria
feito.
— É pena que encontre para tudo uma
resposta razoável e que eu tenha o bom senso de aceitá-la. Mas eu pergunto a
mim mesma quanto tempo teria levado para se declarar se eu nada lhe tivesse
perguntado. Minha resolução de lhe agradecer a sua bondade para com Lydia teve
certamente um grande efeito. Receio que até mesmo demasiado. Que será da moral
se o nosso entendimento for devido a uma quebra de promessa? Já que eu não
deveria ter mencionado o assunto. Isto assim não está bem.
— Não precisa ficar preocupada. A moral
está salva. As injustificáveis tentativas de Lady Catherine para nos separar
foram um meio de remover todas as minhas dúvidas. Não é ao seu ávido desejo de
exprimir a sua gratidão que devo a minha atual felicidade. Eu não teria
esperado. A comunicação de minha tia renovara as minhas esperanças. Eu estava
decidido a saber de tudo imediatamente.
— Lady Catherine nos foi de imensa
utilidade. E isto devia torná-la feliz, pois ela gosta de ser útil. Mas
diga-me, por que veio a Netherfield? Foi apenas para passear em Longbourn e
ficar embaraçado? Ou tinha intenções mais sérias?
— Meu fito real foi vê-la e verificar se
eu poderia um dia ter a esperança de fazer com que me amasse. O motivo
declarado ou pelo menos aquele que confessei a mim mesmo foi verificar se a sua
irmã ainda gostava de Bingley e, caso ainda gostasse, fazer ao meu amigo a
confissão que mais tarde eu realmente lhe fiz.
— Você jamais terá coragem de anunciar a
Lady Catherine o que nos espera?
— É mais fácil faltar-me o tempo do que
a coragem. Mas já que tem de ser feito, dê-me uma folha de papel e escreverei
imediatamente.
— E se eu não tivesse também uma carta a
escrever, sentaria ao seu lado e admiraria a regularidade da sua caligrafia
como certa moça, um dia, já fez. Mas eu tenho também uma tia e estou em falta
com ela.
Para não responder que seus tios tinham
exagerado o seu interesse por Mr. Darcy, Elizabeth ainda não respondera a carta
de Mrs. Gardiner. Agora, porém, sabendo que ela receberia da melhor maneira
possível a comunicação que tinha a fazer, Elizabeth se sentia quase
envergonhada ao refletir que seu tio e sua tia já tinham perdido três dias de
felicidade, e imediatamente respondeu o seguinte:
Eu já teria escrito antes, minha querida
tia, para lhe agradecer, como devia, a sua longa e boa carta, cheia de detalhes
satisfatórios, se, para falar a verdade, não estivesse aborrecida demais para
escrever. A senhora supôs mais do que realmente existia, mas agora suponha
tanto quanto quiser. Solte as rédeas da sua fantasia e entregue-se à sua
imaginação, para os voos mais arrojados. E a não ser que suponha que já estou
realmente casada, não poderá errar muito. Escreva-me novamente muito breve e
faça a ele muito mais elogios do que na sua última carta. Não me canso de lhe
agradecer por não me ter levado aos Lagos. Não sei como pude ter a tolice de
desejar esse passeio. A sua ideia dos pôneis é encantadora. Faremos a volta do
parque todos os dias. Sou a criatura mais feliz do mundo. Talvez outras pessoas
já o tenham dito antes mas não com tanta justiça. Sou mais feliz até do que
Jane. Ela apenas sorri e eu rio. Mr. Darcy lhe envia todo o amor que ainda lhe
resta. Estão todos convidados para vir a Pemberley pelo Natal. Sua, etc.
A carta de Mr. Darcy para Lady Catherine
foi escrita em estilo diferente. Diferente também de ambas foi a carta que Mr.
Bennet escreveu para Mr. Collins, em resposta à última daquele cavalheiro.
Caro senhor:
Venho incomodá-lo mais uma vez com
participações. Elizabeth será em breve a esposa de Mr. Darcy. Console Lady
Catherine como puder. Mas se estivesse em seu lugar, ficaria do lado do
sobrinho. Ele tem mais a dar. Seu, sinceramente, etc.
Os parabéns que Miss Bingley mandou para
o seu irmão pelo seu próximo casamento foram tudo o que havia de mais afetuoso
e insincero. Ela escreveu até para Jane, nesta ocasião, a fim de exprimir o seu
contentamento e repetir todas as suas anteriores declarações de estima. Jane
não se iludiu, mas ficou tocada. E embora não tendo confiança nela, não pôde
deixar de lhe escrever uma carta muito mais amável e carinhosa do que ela sabia
que a outra merecia.
A alegria que Miss Darcy exprimiu ao
receber uma informação semelhante foi tão sincera quanto a do seu irmão ao
enviá-la. Quatro páginas de papel foram insuficientes para conter toda a
alegria que ela queria exprimir e o seu sincero desejo de ser estimada pela sua
futura irmã.
Antes de chegar qualquer resposta de Mr.
Collins, ou parabéns de Charlotte para Elizabeth, a família de Longbourn soube
que os Collins em pessoa tinham chegado a Lucas Lodge. O motivo dessa súbita
viagem tornou-se logo evidente. Lady Catherine se tinha enfurecido de tal modo
com a carta do seu sobrinho, que Charlotte, que na realidade se alegrava com o
casamento, ficou ansiosa para ir embora até que a tempestade passasse. Naquele
momento a chegada da sua amiga causou um sincero prazer a Elizabeth, muito
embora, todas as vezes que estivessem juntas, esse prazer tivesse de ser pago a
alto preço, quando veria Mr. Darcy exposto a todas as cortesias obsequiosas e
pomposas de Mr. Collins. Darcy no entanto suportou tudo aquilo com uma calma
admirável. Ouviu até com serenidade as palavras de Sir William Lucas, que o
cumprimentou por ter conquistado a mais bela joia do país e exprimiu a
esperança de que se encontrassem todos frequentemente em St. James. Se ele
chegou a erguer os ombros, foi só depois que Sir William Lucas lhe tinha
voltado as costas.
A vulgaridade de Mrs. Philips foi outra
sobrecarga para a sua paciência, talvez ainda maior do que as outras. Embora
Mrs. Philips, como a sua irmã, Mrs. Bennet, se sentisse atemorizada diante de
Darcy, que não tinha o bom humor de Bingley, todas as vezes que abria a boca,
era só para dizer coisas vulgares. Elizabeth fez tudo o que pôde para
protegê-lo das frequentes atenções de ambas, procurando guardá-lo para si mesma
e para as pessoas da sua família com quem ele podia conversar sem se sentir
mortificado. E embora as contrariedades resultantes de tudo isso estragassem
muito o prazer do seu noivado, faziam Elizabeth pensar com maior satisfação no
futuro, antecipando a vida confortável que teriam em Pemberley, longe daquela
sociedade tão pouco agradável para ambos.
Grato para os seus sentimentos maternais
foi o dia em que Mrs. Bennet se viu livre de duas das suas mais queridas
filhas. É fácil imaginar com que orgulho ela visitava, mais tarde, Mrs.
Bingley, e conversava com Mrs. Darcy. Eu desejaria poder acrescentar, para bem
da família, que a realização dos seus mais caros desejos tivera o feliz efeito
de torná-la uma mulher sensata, discreta e interessante para o resto da sua
vida. No entanto foi bom para o seu marido que assim não acontecesse, pois
talvez ele não tivesse apreciado uma felicidade doméstica tão excepcional. Mrs.
Bennet continuou invariavelmente nervosa e ocasionalmente tola.
Mr. Bennet sentiu grandemente a falta da
sua segunda filha. A sua afeição por ela foi um dos motivos que daí por diante
mais o obrigaram a sair de casa. Ele gostava muito de ir a Pemberley,
principalmente quando não era esperado. Mr. Bingley e Jane ficaram em
Netherfield apenas mais um ano. Tamanha proximidade da sua mãe e dos seus
conhecidos de Meryton não era desejável, mesmo levando em conta o gênio fácil
de Bingley e o coração afetuoso de Jane. O grande desejo das irmãs de Bingley
foi satisfeito: ele comprou uma propriedade nas proximidades do Derbyshire. E
em acréscimo a todas as suas outras felicidades, Jane e Elizabeth tiveram a de
residir a trinta milhas uma da outra.
Kitty passava a maior parte do seu tempo
com as duas irmãs mais velhas. E isto foi de grande vantagem para ela. Numa
sociedade tão superior à que ela tinha conhecido, fez grandes progressos. Kitty
não tinha um gênio tão rebelde quanto Lydia. E longe da influência e do exemplo
da irmã, graças a certos cuidados e atenções, ela se tornou menos irritável,
menos ignorante e menos insípida. A sua família julgou dever preservá-la de
qualquer nova influência da parte de Lydia. E embora Mrs. Wickham
frequentemente a convidasse para vir passar tempos em sua casa, com promessas
de bailes e de rapazes, seu pai jamais consentia que ela fosse.
Mary foi a única filha que permaneceu em
casa. E como Mrs. Bennet não suportasse a solidão, ela foi de qualquer modo
impedida de prosseguir no aperfeiçoamento dos seus talentos. Obrigada a
frequentar mais assiduamente a sociedade, continuou no entanto a tirar
conclusões morais de cada visita que fazia. E como Mary não se mortificasse
mais com as comparações entre a beleza das suas irmãs e a sua própria, seu pai
desconfiou que ela aceitava sem muita relutância essa alteração dos seus
hábitos.
Quanto a Wickham e Lydia, o casamento
pouco os alterou. Wickham se resignou filosoficamente à convicção de que Elizabeth
sabia agora de todas as suas ingratidões e mentiras. E, apesar de tudo isto,
continuava a alimentar a esperança de que ela um dia pudesse convencer Darcy a
fazer a sua fortuna. A carta que Elizabeth recebeu de Lydia por ocasião do seu
casamento, lhe revelou que tal esperança era acalentada pela mulher, senão pelo
próprio marido. A carta dizia o seguinte:
Minha querida Lizzy: desejo-lhe todas as
felicidades possíveis. Se o seu amor por Mr. Darcy é apenas metade do que o que
eu sinto pelo meu marido Wickham, você deve ser muito feliz. É um grande
consolo saber que você é tão rica. E quando não tiver mais nada a fazer, espero
que pensará em nós. Wickham gostaria muito de ter uma situação na Justiça. Não
creio que tenhamos bastante dinheiro para viver sem algum auxílio. Qualquer
lugar de trezentas ou quatrocentas libras por ano serviria. No entanto não fale
sobre isto a Mr. Darcy, se prefere ficar calada. Sua, etc.
Como Elizabeth preferia muito ficar
calada, procurou, na sua resposta, pôr um termo a todos os pedidos desta
natureza. No entanto ela lhes enviava tudo o que podia economizar das suas
despesas particulares. Sempre lhe parecera evidente que a renda que eles
tinham, dirigida por pessoas tão extravagantes nos seus desejos e tão
descuidadas do futuro, seria insuficiente para o seu sustento. E quando o casal
mudava de residência, Jane ou Elizabeth podiam estar certas de receber um
pedido de auxílio, pois havia sempre contas a pagar. Sua maneira de viver,
mesmo quando possuíam uma casa, era a mais irregular possível. Estavam
continuamente de mudança, de lugar para lugar, em busca de uma situação barata
e gastavam sempre mais do que possuíam. A afeição de Wickham por Lydia em breve
se transformou em indiferença. A de Lydia resistiu por mais algum tempo. Apesar
da sua mocidade e das suas maneiras ela conservou intacta a reputação que o
casamento lhe havia assegurado.
Embora Darcy nunca se pudesse resignar
com a ideia de receber Wickham em Pemberley, no entanto, graças à interferência
de Elizabeth, ele o ajudou na sua carreira. Lydia os visitava, ocasionalmente,
quando o seu marido tinha ido a Londres ou a Bath, para se divertir.
Em casa dos Bingley, no entanto, eles se
demoravam muito mais tempo, a ponto de esgotar o bom humor de Bingley. Uma vez
ele chegou a dizer que ia lançar uma indireta para que eles fossem embora.
Miss Bingley ficou profundamente
mortificada com o casamento de Darcy; mas como julgava aconselhável conservar o
direito de frequentar Pemberley, sufocou todos os seus ressentimentos. Continuou
a gostar de Georgiana, como antes, mostrou-se quase tão atenciosa para com
Darcy como antigamente, e pagou com juros todas as cortesias que devia a
Elizabeth.
Georgiana foi residir em Pemberley. A
afeição das duas novas irmãs correspondeu a todas as expectativas de Darcy, e
até mesmo às intenções das duas moças. Georgiana tinha uma grande admiração por
Elizabeth. A princípio ouvira com assombro e um pouco de terror os gracejos e
brincadeiras de Elizabeth. O irmão sempre lhe inspirara um respeito que quase
sufocava a sua afeição. Começou a saber de coisas que ignorava. Elizabeth lhe
explicou que uma esposa pode se permitir liberdades com o marido que um irmão
nem sempre poderia tolerar na sua irmã dez anos mais moça do que ele.
Lady Catherine ficou extremamente
indignada com o casamento do seu sobrinho. Dando largas à franqueza que a
caracterizava, ela enviou uma resposta em termos tão violentos, especialmente
contra Elizabeth, à carta de participação do seu sobrinho, que durante algum
tempo todas as relações foram cortadas. Mas afinal, Elizabeth conseguiu que o
marido perdoasse a ofensa e procurasse uma reconciliação. Depois de alguma
resistência, o ressentimento de Lady Catherine cedeu, talvez diante da afeição
que tinha pelo seu sobrinho ou da curiosidade de ver como a sua esposa se
conduzia; e ela consentiu em ir visitá-los em Pemberley, apesar da ofensa que
seus ilustres antepassados tinham recebido, não somente pela presença de uma
esposa de tão baixa extração, como pelas visitas dos seus tios de Londres.
Com os Gardiner eles ficaram sempre em
termos muito íntimos. Darcy, a exemplo de Elizabeth, tinha a maior afeição por
eles. E além disso nunca se esqueceram da gratidão que deviam às pessoas por
cujo intermédio eles tinham reatado as suas relações, durante aquele passeio
pelo Derbyshire.
fim
e daí me vem toda a inspiração....