& Moira Bianchi: Orgulho e Preconceito - Jane Austen parte 3

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Orgulho e Preconceito - Jane Austen parte 3

Orgulho e Preconceito
Jane Austen

parte 3 de 6

21

A discussão do oferecimento de Mr. Collins estava agora quase encerrada. Elizabeth sofria apenas do inevitável mal-estar que tudo aquilo lhe causava e ocasionalmente das indiretas amargas da sua mãe. Quanto a Mr. Collins, os seus sentimentos se exprimiam principalmente, não por embaraço, ou depressão, nem pelo desejo de evitar a companhia de Elizabeth, mas pela secura das suas maneiras e por um silêncio rancoroso. Quase não dirigiu a palavra a Elizabeth e as assíduas atenções de que tinha tanta consciência foram transferidas durante o resto do dia para Miss Lucas, cuja paciência e amabilidade foram um grande alívio para todos, especialmente para Elizabeth.
 No dia seguinte Mrs. Bennet continuou indisposta e mal-humorada. Mr. Collins estava igualmente no mesmo estado de orgulho ferido. Elizabeth tivera esperança de que o seu rancor pudesse abreviar a visita; mas esse sentimento não pareceu alterar os seus planos. Ele tencionara partir no sábado e continuava decidido a ficar até aquele dia.
 Depois do café da manhã as meninas foram a Meryton indagar se Mr. Wickham já tinha voltado e lamentar a sua ausência no baile de Netherfield. Encontraram-no ao entrar na cidade, e ele as acompanhou até a casa da sua tia, onde exprimiu a decepção que sentira por não ter podido assistir ao baile. Suas palavras foram discutidas e comentadas por todos. Para Elizabeth, entretanto, ele admitiu que a sua ausência tinha sido voluntária...
 — À medida que a hora do baile se aproximava — disse ele —, achei que era melhor não me encontrar com Mr. Darcy. Que necessidade tinha eu de ficar num salão com ele, na mesma festa, durante tantas horas? Isto representava um esforço superior às minhas forças e poderia dar lugar a cenas desagradáveis para mim e para todo mundo.
 Elizabeth aprovou calorosamente a sua prudência; tiveram tempo para discuti-la plenamente, bem como para trocar mutuamente todos os elogios, pois Wickham e outro oficial acompanharam as meninas de volta para Longbourn. O fato de Mr. Wickham acompanhá-las oferecia uma dupla vantagem: não só isto revelava a Elizabeth a importância que ela adquirira aos olhos de Mr. Wickham, como lhe dava uma ocasião muito favorável de apresentá-lo a seu pai e a sua mãe.
 Pouco depois do regresso, chegou uma carta para Miss Bennet. Vinha de Netherfield e foi aberta imediatamente. O envelope continha uma pequena folha de papel elegante, escrita em caracteres ornados, por mão feminina. Elizabeth viu que a expressão do rosto de sua irmã se alterara, enquanto ela lia. E que fixava com atenção certos trechos. Jane dominou logo os seus sentimentos, e pondo a carta de lado, procurou tomar parte na conversa com a sua costumeira alegria, mas Elizabeth sentiu nela uma ansiedade que desviava a sua atenção até mesmo de Wickham. E assim que este e o seu companheiro partiram, Jane, com um olhar, convidou a irmã a acompanhá-la ao seu quarto. Aí, mostrou a carta, dizendo:
 — É de Caroline Bingley. O seu conteúdo me surpreendeu muito. O grupo todo já deve ter partido de Netherfield a esta hora, a caminho de Londres. E eles não têm intenção de voltar. Ouça o que ela diz:
 Jane leu então a primeira frase: esta continha a informação de que Caroline havia resolvido acompanhar o seu irmão e tencionava jantar naquele mesmo dia em “Grosvenor Street”, onde morava Mr. Hurst. A frase seguinte continha estas palavras: “não vou mentir-lhe, dizendo que sentirei falta daquilo que deixo no Hertfordshire, a não ser da sua companhia, minha cara amiga. Espero que ainda nos encontraremos algum dia para gozar a repetição das muitas conversas interessantes que tivemos e até lá procuremos atenuar a dor da separação com uma correspondência frequente e cordial. Conto com você para isto.” Elizabeth ouviu estas pretensiosas expressões com a frieza que lhe inspirava a sua desconfiança; e embora o caráter súbito daquela partida a surpreendesse, nada encontrava nela que lamentar. Não era a ausência de suas irmãs que impediria Mr. Bingley de morar em Netherfield. E, quanto à perda daquela companhia, estava convencida de que Jane se consolaria facilmente, gozando a do próprio Mr. Bingley.
 — É de fato triste que você não tenha podido ver as suas amigas antes delas partirem — disse Elizabeth, depois de uma curta pausa. — Mas espero que o período de felicidade futura a que Miss Bingley se refere chegará mais cedo do que ela pensa. Espero também que os agradáveis momentos que conheceram como amigas serão repetidos com maior satisfação ainda do que dantes. Mr. Bingley não ficará retido em Londres por causa delas.
 — Caroline diz claramente que nenhum deles voltará para o Hertfordshire este inverno. Vou ler para você: “Quando o meu irmão nos deixou ontem, imaginava que o negócio que o chamava a Londres pudesse ser concluído em três ou quatro dias, mas como estamos certas de que isto não pode ser assim e ao mesmo tempo estamos convencidas de que, quando Charles chegar à cidade, não terá pressa em tornar a deixá-la, resolvemos acompanhá-lo, para que não seja obrigado a passar as suas horas de folga num hotel sem conforto. Muitos dos nossos conhecidos já estão lá para o inverno. Desejaria que v., minha cara amiga, tivesse a intenção de fazer parte deste grupo, mas quanto a isto não tenho muita esperança e desejo sinceramente que o seu Natal no Hertfordshire seja repleto das alegrias que esta festa em geral nos traz, e que seus admiradores sejam tão numerosos que não sentirá falta dos três que lhe arrebatamos.” É evidente, portanto, acrescentou Jane, que ele não voltará mais este inverno.
 — O que é evidente, apenas, é que Miss Bingley não quer que ele volte.
 — Você pensa assim? A iniciativa deve ter partido de Mr. Bingley. Ele é dono de si mesmo. Mas você não sabe de tudo. Vou ler a mensagem que me magoou particularmente. Não esconderei nada de você: “Mr. Darcy está impaciente para ver a irmã e, para falar a verdade, nós não estamos menos impacientes do que ele. Acho realmente que Georgina Darcy não tem igual em elegância, beleza e cultura. E à afeição que ela inspira a Louisa e a mim mesma acresce alguma coisa mais importante: a esperança que ousamos alimentar de que se torne mais tarde a nossa irmã; não sei se, antes, eu já lhe manifestei os meus sentimentos a este respeito. Mas não quero deixar este lugar sem confiar a você os meus desejos. E espero que não os considere insensatos. Meu irmão já a admira muito — ele terá agora frequentes oportunidades de travar íntimas relações com ela. Todos os seus parentes desejam a aliança do mesmo modo que nós, e penso que não me deixo iludir pela afeição que dedico à irmã, dizendo que acho Charles capaz de conquistar o coração de qualquer mulher. Com todas estas circunstâncias a favor desse casamento e nenhuma que lhe seja contrária, acho, minha cara Jane, que não erro ao alimentar a esperança de um acontecimento que fará a felicidade de tantas pessoas.” O que é que você acha desta última frase? — indagou Jane, ao terminar a leitura. — Não é bastante transparente? Não declara ela expressamente que Caroline não espera nem deseja que eu me torne sua irmã? E que está perfeitamente convencida da indiferença do seu irmão e que suspeitando a natureza dos meus sentimentos por ele, tenciona bondosamente avisar-me? Pode haver outra opinião a este respeito?
 — Sim, pode. A minha é totalmente diferente. Quer ouvi-la?
 — De boa vontade.
 — Eu a direi em poucas palavras: Miss Bingley viu que o seu irmão está apaixonado por você e quer que ele se case com Miss Darcy. Ela o acompanhou a Londres com a esperança de detê-lo lá e procurará persuadi-lo que não gosta de você.
 Jane sacudiu a cabeça.
 — É verdade, Jane, você deve me acreditar. Nenhuma pessoa que os tenha visto juntos pode duvidar da afeição de Mr. Bingley por você. Estou certa de que Miss Bingley não pode ter nenhuma dúvida a este respeito. Não é tão simplória assim. Se ela tivesse recebido metade das demonstrações de amor que Mr. Bingley lhe dirigiu, teria encomendado o enxoval. Mas o caso é o seguinte: não somos suficientemente ricos e importantes para eles. E ela está tanto mais ansiosa de casar Miss Darcy com seu irmão que espera que esta aliança entre as duas famílias favoreça uma segunda no mesmo sentido; acho que há nisto uma certa ingenuidade. Ela teria alguma probabilidade de êxito se não houvesse Miss de Bourgh. Mas minha querida Jane, você não pode imaginar seriamente que só porque Miss Bingley disse que o seu irmão admira Miss Darcy ele seja agora menos sensível aos seus méritos do que quando se despediu de você na terça-feira. Ou que está nas mãos de Miss Bingley fazer com que em vez de ter amor por você ele se apaixone por sua amiga.
 — Se pensássemos a mesma coisa de Miss Bingley — replicou Jane —, a ideia que você fez de tudo isto me tranquilizaria. Mas eu sei que a base do seu raciocínio é injusta. Caroline é incapaz de enganar alguém propositadamente. Tudo o que eu posso esperar no caso é que ela se tenha enganado a si mesma.
 — Está certo. Você não podia encontrar uma ideia mais feliz, já que não quer se consolar com a minha. Acredite que ela se tenha enganado. Você já fez o seu dever quanto a ela e não precisa mais se preocupar com isto.
 — Mas, querida Lizzy, você acredita que mesmo no melhor dos casos eu possa ser feliz aceitando um homem cujas irmãs e amigos desejem todos que ele se case com outra pessoa?
 — Você deve decidir por si mesma — disse Elizabeth —; e se depois de madura deliberação achar que a infelicidade de descontentar as suas duas irmãs vale mais do que a felicidade de ser a esposa de Mr. Bingley, aconselho-a a recusá-lo sem hesitação.
 — Como você pode falar assim? — disse Jane, sorrindo levemente. — Você sabe que embora me doesse excessivamente a desaprovação delas, eu não hesitaria.
 — Nunca acreditei que você hesitasse. É por isto mesmo que não posso considerar a sua situação com muita piedade.
 — Mas se ele não voltar mais este inverno, minha escolha nunca será solicitada. Mil coisas podem acontecer em seis meses.
 Elizabeth considerou com o maior desprezo essa ideia de que ele não voltasse mais. Pareceu-lhe ser apenas uma sugestão do interesse de Caroline. E nem por um momento pôde supor que esses desejos, por mais astutamente que fossem manifestados, pudessem influenciar um rapaz tão totalmente diverso de todos.
 Ela exprimiu à sua irmã o que sentia com toda a convicção de que era capaz e teve o gosto de constatar dentro em pouco o efeito das suas palavras. Jane não tinha tendência a se deprimir e aos poucos recuperou a esperança, embora a sua desconfiança, às vezes, sobrepujasse o anseio de que Bingley voltasse a Netherfield e correspondesse aos desejos do seu coração.
 Elizabeth e Jane resolveram comunicar à sua mãe apenas a partida da família, sem alarmá-la quanto à conduta de Mr. Bingley. Mas, mesmo esta notícia incompleta causou graves preocupações a Mrs. Bennet. E ela lamentou a infelicidade da família ter partido justamente quando todos estavam se tornando tão íntimos. Depois de se lamentar durante algum tempo, consolou-se com a ideia de que Mr. Bingley voltaria brevemente para jantar em Longbourn e a conclusão de tudo aquilo foi a consoladora declaração de que, embora tivesse sido convidado apenas para um jantar de família, ela, Mrs. Bennet, tivera o cuidado de preparar um jantar de vários pratos.

22

Os Bennet foram convidados a jantar com os Lucas e novamente, durante a maior parte do dia, Miss Lucas teve a bondade de dar atenção a Mr. Collins. Elizabeth achou uma oportunidade para agradecer à amiga.
 — Conserve-o de bom humor — disse ela. — Fico-lhe ais agradecida do que você imagina.
 Charlotte assegurou à sua amiga que tinha muita satisfação em lhe ser útil, e que isto lhe pagava plenamente o pequeno sacrifício do seu tempo. Apesar destas palavras serem muito amáveis, a bondade de Charlotte ia além do que Elizabeth supunha. O seu objetivo era nada menos do que preservar Elizabeth de qualquer possível recrudescimento das atenções de Mr. Collins, provocando-as para si mesma. Tal foi o plano de Miss Lucas. E aparentemente foi tão bem-sucedida que, quando se separaram à noite, ela se teria sentido quase segura do seu êxito se Mr. Collins não tivesse de partir de Hertfordshire dentro de prazo tão curto. Mas neste ponto fazia injustiça ao ímpeto e à independência do caráter de Mr. Collins, pois essas qualidades o levaram a escapar sorrateiramente de Longbourn House na manhã seguinte e a correr até Lucas Lodge para se atirar aos seus pés. Mr. Collins evitou cuidadosamente atrair a atenção das suas primas, pois estava certo de que se o vissem partir não poderiam deixar de adivinhar a sua intenção. E não queria que a tentativa fosse conhecida até que o seu êxito o pudesse ser igualmente, pois, embora estando quase seguro da vitória, e com razão, visto Charlotte o ter encorajado bastante, se sentia relativamente tímido desde a aventura de quarta-feira. Sua recepção, no entanto, foi das mais amáveis. Miss Lucas o avistou de uma janela de cima e imediatamente saiu para encontrá-lo casualmente na aleia. Apenas ela não ousara esperar que tanto amor e tanta eloquência aguardassem ali o seu aparecimento.
 Num espaço de tempo tão curto quanto o permitiram os longos discursos de Mr. Collins, tudo foi combinado satisfatoriamente para ambos. E ao entrar em casa, pediu gravemente que ela marcasse o dia que o faria o mais feliz dos homens. Ainda que uma tal solicitação devesse ser afastada no momento, a moça não se sentiu inclinada a arriscar a sua felicidade. A impermeabilidade com que o dotara a natureza devia privar a sua corte de qualquer encanto que pudesse fazer uma mulher desejar prolongá-la. Miss Lucas, que o aceitara por puro e desinteressado desejo de firmar a sua situação na vida, se preocupava pouco com a data em que isto acontecesse.
 O consentimento de Sir William e de Lady Lucas foi rapidamente solicitado, e concedido com a maior boa vontade. A situação atual de Mr. Collins o tornava um partido muito desejável para a sua filha, a quem só podiam deixar uma pequena fortuna e as probabilidades que tinha Mr. Collins de herdar uma fortuna eram bastante evidentes. Lady Lucas começou a calcular diretamente, com um interesse que jamais tivera pelo assunto, quantos anos provavelmente viveria ainda Mr. Bennet, e Sir William manifestou a opinião de que, quando Mr. Collins entrasse na propriedade de Longbourn, seria altamente conveniente que ambos, ele e a esposa, se apresentassem em St. James. Em suma, toda a família se sentiu profundamente feliz. As filhas mais moças começaram a ter esperança de entrar na vida social, um ano ou dois mais cedo do que de outro modo poderiam fazê-lo e os rapazes se sentiram aliviados da sua apreensão de que Charlotte morresse solteirona. Charlotte, pessoalmente, se mostrou bastante discreta. Conseguira o que almejava e tinha tempo para refletir no assunto. Suas reflexões foram em geral satisfatórias. Mr. Collins não era a bem dizer nem sensato nem agradável. A sua companhia era cansativa. E a sua afeição por ela devia ser imaginária. Mas mesmo assim seria seu marido. Sem ter grandes ilusões a respeito dos homens ou do matrimônio, o casamento sempre fora o seu maior desejo; era a única posição tolerável para uma moça bem-educada, de pouca fortuna. E por mais incertas que fossem as perspectivas de felicidade, era ainda a forma mais agradável de ficar ao abrigo da necessidade. Esta proteção, agora a obtivera. Tinha 27 anos e jamais fora bela. Sabia portanto que tivera sorte. A circunstância menos agradável era a surpresa que aquilo devia causar a Elizabeth Bennet, cuja amizade ela precisava mais do que a de qualquer outra pessoa. Elizabeth ficaria espantada e provavelmente a censuraria. Embora isto não afetasse a sua resolução, ela se sentiria ferida com semelhante desaprovação. Resolveu comunicar-lhe pessoalmente a sua decisão e, assim, recomendou a Mr. Collins, quando voltasse a Longbourn para jantar, que tivesse a maior discrição. Mr. Collins prometeu guardar segredo. Mas uma tal promessa só poderia ser cumprida com muita dificuldade, pois a curiosidade produzida pela sua longa ausência explodiu em perguntas tão diretas, que era necessário uma grande habilidade a fim de iludi-las e ao mesmo tempo exigiam dele um grande sacrifício, pois ardia do desejo de revelar o seu êxito.
 Como ele estivesse de partida na manhã seguinte muito cedo, a cerimônia da despedida foi realizada na hora em que as senhoras se retiravam para dormir; e Mrs. Bennet, com grande cortesia e cordialidade, exprimiu a felicidade que todos sentiriam em tornar a vê-lo em Longbourn, quando os seus deveres permitissem uma nova visita.
 — Minha cara senhora — replicou ele —, o convite é particularmente agradável, porque é o que eu esperava receber, e pode estar certa de que eu o aceitarei tão depressa quanto me for possível.
 Todos ficaram surpresos. Mr. Bennet, que não desejava de modo algum uma volta tão rápida, disse imediatamente:
 — Mas não haverá perigo da desaprovação de Lady Catherine? Seria melhor desdenhar os seus parentes do que correr o risco de ofender a sua protetora.
 — Meu caro senhor — replicou Mr. Collins —, agradeço-lhe a sua amável previdência; pode ficar certo de que não tomarei uma tal decisão sem o consentimento de Sua Senhoria.
 — Todo o cuidado é pouco. Arrisque tudo menos incorrer no descontentamento daquela senhora. E, se o senhor achar provável que o fato de nos tornarmos a ver possa acarretar algum aborrecimento, coisa que eu acho extremamente provável, fique sossegado em sua casa e esteja certo de que não nos ofenderemos.
 — Acredite, meu caro amigo, que lhe fico muito grato pela sua tão cordial atenção. E pode ficar certo de que o senhor receberá em breve uma carta minha, agradecendo esta e todas as demais provas de afeição que recebi durante a minha visita no Hertfordshire. Quanto às minhas encantadoras primas, embora a minha ausência seja curta, tomo a liberdade de lhes desejar saúde e felicidade, sem excetuar a minha prima Elizabeth.
 As senhoras então se retiraram, com as cortesias habituais, muito surpreendidas com a intenção que ele manifestara de voltar em breve. Mr. Bennet interpretou-a como o desejo de fazer a corte a uma das suas filhas mais moças. E Mary poderia ter sido levada a aceitá-lo. Ela prezava os talentos de Mr. Collins, muito mais do que qualquer uma das outras. Havia uma solidez nas reflexões de Mr. Collins que frequentemente a impressionava. E embora não o achasse nem de longe tão inteligente quanto ela própria, pensava que, se o encorajasse a ler e a se ilustrar como o fizera, ele poderia tornar-se um companheiro muito agradável. Mas na manhã seguinte todas as esperanças dessa natureza foram dissipadas. Miss Lucas veio em visita pouco depois do café da manhã e a sós com Elizabeth relatou os acontecimentos do dia anterior.
 A possibilidade de imaginar Mr. Collins apaixonado pela sua amiga já tinha ocorrido a Elizabeth nesses últimos dias, mas não podia crer que Charlotte o encorajasse. Isto lhe parecia quase tão impossível para a sua amiga quanto para ela própria. E a sua surpresa foi assim tão grande que ultrapassou a princípio os limites da discrição e não pôde deixar de exclamar:
 — Noiva de Mr. Collins? Minha cara Charlotte, não é possível!
 A expressão grave com que Miss Lucas contava a sua história se alterou momentaneamente com a confusão que sentia por receber uma censura tão direta. Mas como Charlotte já contava com aquilo, recuperou logo a calma e respondeu:
 — Por que é que você está espantada, minha cara Eliza? Acha incrível que Mr. Collins agrade a uma mulher? E isso só porque ele não teve a felicidade de lhe agradar?
 Mas Elizabeth já tinha recuperado o domínio sobre si mesma. E fazendo um grande esforço — conseguiu assegurar a Charlotte com certa firmeza que a perspectiva de se tornarem parentes lhe era muito agradável e que ela lhe desejava todas as felicidades imagináveis.
 — Eu sei o que você está sentindo — replicou Charlotte —; você está admirada porque Mr. Collins há tão pouco tempo ainda desejava se casar com você. Mas quando você tiver tempo de pensar sobre o assunto, espero que aprovará a minha decisão. Bem sabe que não sou romântica. Nunca fui. Desejo apenas um lar confortável. E considerando o caráter de Mr. Collins, as suas relações e a sua situação na vida, estou convencida de que tenho as mesmas possibilidades de ser feliz no casamento que a maioria das mulheres.
 Elizabeth respondeu calmamente:
 — Sem dúvida.
 Depois de uma pausa embaraçosa, as duas amigas se reuniram ao resto da família. Charlotte não se demorou mais por muito tempo. E Elizabeth teve o ensejo de refletir sobre o que acabara de ouvir. Mas só muito tempo depois é que se reconciliou com a ideia de um casamento tão disparatado. A extravagância de Mr. Collins, fazendo duas propostas de casamento em três dias, não era nada em comparação com o consentimento de Charlotte. Elizabeth sempre desconfiara de que a opinião de Charlotte sobre o casamento não se parecia muito com a sua. Mas nunca poderia ter suposto que no instante de confrontar as suas ideias com a realidade ela fosse capaz de sacrificar todos os seus melhores sentimentos às vantagens mundanas. Charlotte, mulher de Mr. Collins, era um quadro humilhante. E à dor de ver uma amiga se rebaixar assim na sua estima acrescia a triste convicção de que era impossível que aquela mesma amiga fosse feliz no caminho que escolhera.

23

Elizabeth estava sentada com sua mãe e suas irmãs, pensando no que ouvira e em dúvida sobre se devia mencioná-lo, quando Sir William Lucas em pessoa apareceu, enviado pela sua filha para anunciar o seu noivado. Depois de muitos cumprimentos e congratulações pelas perspectivas da união entre as duas famílias, ele abordou o assunto, para uma audiência não somente atônita, mas também incrédula. Pois Mrs. Bennet, com mais perseverança do que polidez, retrucou que ele devia estar completamente enganado. E Lydia, que era às vezes muito atirada e quase sempre malcriada, exclamou:
 — Arre, Sir William, como é que o senhor pode contar uma história destas? Então não sabe que Mr. Collins quer se casar com Lizzy?
 Só um cavalheiro, munido de toda a sua tolerância, poderia suportar uma tal desconsideração sem se zangar. Mas a boa educação de Sir William conseguiu fazer com que relevasse tudo aquilo. E embora insistisse para que a família acreditasse na verdade da sua informação, suportou todas aquelas impertinências com a mais perfeita cortesia.
 Elizabeth, sentindo que lhe cabia o dever de salvá-lo daquela situação incômoda, adiantou-se e confirmou as suas palavras, mencionando o conhecimento prévio que tivera de Charlotte pessoalmente. E procurou pôr um termo às exclamações de sua mãe e de suas irmãs, dando os mais sinceros parabéns a Sir William, atitude que Jane imediatamente secundou, fazendo diversas observações sobre a felicidade que poderia trazer aquela aliança, o caráter excelente de Mr. Collins e a distância conveniente que separava Hunsford de Londres.
 Mrs. Bennet ficou tão ofuscada que nada pôde dizer enquanto Sir William estava presente. Mas apenas tinha saído, os seus sentimentos transbordaram. Em primeiro lugar persistiu em duvidar da verdade daquelas afirmações. Em segundo lugar ela tinha certeza de que Mr. Collins tinha sido iludido. Em terceiro lugar tinha certeza de que nunca seriam felizes. E em quarto, que o compromisso poderia ser rompido. Duas coisas no entanto se podiam claramente deduzir do assunto: primeiro, que era Elizabeth a causa de todo aquele mal e segundo, que ela, Mrs. Bennet, tinha sido tratada infamemente por todos. E foi sobre estes dois pontos, principalmente, que ela se expandiu durante o resto do dia. Nada a podia consolar ou aplacar e aquele dia passou sem que o seu ressentimento diminuísse. Durante uma semana não pôde ver Elizabeth sem ralhar com ela. Só depois de decorrido um mês pôde conversar novamente com Sir William e Lady Lucas, sem ser grosseira, só perdoando Charlotte muitos meses depois.
 Os sentimentos de Mr. Bennet eram muito mais tranquilos. Ele achou que a situação era muito agradável, pois se sentia satisfeito, dizia, por descobrir que Charlotte Lucas, pessoa que ele julgara toleravelmente sensata, era, na realidade, tão tola quanto a sua mulher e mais tola ainda do que a sua filha.
 Jane se confessou um tanto surpreendida. Mas falou menos em seu espanto do que no desejo sincero de que eles fossem felizes. Elizabeth não conseguiu persuadi-la de que aquela felicidade era pouco provável. Kitty e Lydia estavam longe de invejar Miss Lucas. Para elas Mr. Collins era apenas um pastor, e a notícia afetou-as apenas como uma novidade que podiam espalhar em Meryton.
 Lady Lucas não poderia ter resistido ao triunfo de falar a Mrs. Bennet sobre o conforto que representava para ela o fato de ter uma filha bem-casada. Veio a Longbourn com mais frequência do que de costume, para dizer o quanto se sentia feliz, embora os olhares irados de Mrs. Bennet e as suas observações rancorosas ameaçassem, por vezes, estragar a sua felicidade...
 Entre Elizabeth e Charlotte havia certo constrangimento, que as impedia mutuamente de abordar aquele assunto; e Elizabeth se sentiu persuadida de que nenhuma confiança real poderia subsistir daí por diante entre elas. O desapontamento que sofrera fez Elizabeth aproximar-se mais da irmã, em cuja retidão e delicadeza de sentimentos tinha absoluta confiança e cuja felicidade cada dia mais a preocupava, pois fazia uma semana que Bingley partira e ainda ninguém falara na sua volta.
 Jane enviara a Caroline uma resposta imediata à sua carta e contava os dias que tinha de esperar, até que outra lhe chegasse. A prometida carta de agradecimento de Mr. Collins chegou na terça-feira. Era dirigida a Mr. Bennet e escrita com tanta solenidade e gratidão como se ele tivesse residido um ano com a família. Depois de tranquilizar a sua consciência quanto a este tópico, servindo-se das expressões mais calorosas, Mr. Collins passava a informá-lo da sua felicidade de ter conquistado o coração daquela vizinha tão amável, Miss Lucas, e explicava que era apenas com a intenção de gozar a companhia de sua prometida que ele manifestara com tanta insistência o desejo de voltar a Longbourn, onde esperava chegar daquela segunda-feira a 15 dias. Lady Catherine, acrescentava ele, aprovava tanto o seu casamento, que desejava que o acontecimento se desse o mais cedo possível. Com esse argumento, que julgava decisivo, esperava convencer Charlotte a marcar uma data próxima para o dia que havia de torná-lo o mais feliz dos homens.
 A volta de Mr. Collins para o Hertfordshire já não parecia mais tão agradável a Mrs. Bennet. Ao contrário, estava muito disposta a se queixar ao marido. Achava muito curioso que ele viesse a Longbourn em vez de se hospedar em Lucas Lodge. A visita era também muito inconveniente e principalmente incômoda. Não gostava de ter hóspedes em casa quando a sua saúde não era muito boa. E os noivos eram as pessoas mais desagradáveis do mundo. Esses murmúrios de Mrs. Bennet continuaram, até que surgiu a preocupação muito maior a respeito da ausência prolongada de Mr. Bingley. Nem Jane nem Elizabeth se sentiam tranquilas quanto a isto. Os dias passavam sem trazer nenhuma notícia dele, a não ser o boato que circulou em Meryton de que Mr. Bingley não voltaria para Netherfield durante todo o inverno. Boato esse que enfureceu Mrs. Bennet e que ela nunca deixava de contradizer como se se tratasse da mais escandalosa das mentiras.
 Elizabeth, por sua vez, começou a temer, não que Bingley fosse indiferente a Jane, mas que as suas irmãs conseguissem impedir o seu regresso. Apesar da sua relutância em admitir uma hipótese tão desfavorável para a felicidade de Jane e tão pouco honrosa para o seu namorado, não podia impedir que tal ideia lhe ocorresse frequentemente. Os esforços reunidos daquelas criaturas maldosas que eram as suas duas irmãs e do seu autoritário amigo, somados aos atrativos de Miss Darcy e aos divertimentos de Londres, seriam talvez superiores ao seu interesse por Jane. Quanto a esta última, a sua ansiedade durante aquele período de incerteza era naturalmente mais dolorosa do que a de Elizabeth. Mas queria esconder tudo o que sentia e entre as duas irmãs, portanto, nunca se fazia qualquer alusão àquele assunto. Mas como nenhuma delicadeza daquela espécie refreava Mrs. Bennet, não se passava uma hora sem que ela falasse em Bingley, sem que exprimisse a sua impaciência pela sua chegada ou mesmo sem que exigisse que Jane declarasse de uma vez por todas que se Bingley não voltasse ela se consideraria ofendida. Foi necessária toda a doçura e firmeza de Jane para suportar esses ataques com relativa tranquilidade.
 Mr. Collins voltou pontualmente no dia marcado, mas a sua recepção em Longbourn não foi tão amável quanto da primeira vez. Mas ele se sentia tão feliz que não precisava de muita atenção e felizmente para os outros as suas atribuições de noivo os aliviavam grandemente da sua companhia. Ele passava a maior parte do tempo em Lucas Lodge e muitas vezes voltava a Longbourn apenas o tempo de desculpar-se pela sua ausência antes da família se retirar para os seus aposentos.
 Mrs. Bennet estava realmente num estado lamentável. A simples alusão a qualquer detalhe relativo ao casamento precipitava-a num acesso de mau humor. Em qualquer lugar onde se encontrasse tinha certeza de ouvir falar naquele assunto. A presença de Miss Lucas era-lhe insuportável. Olhava-a com ciúme, despeito e horror, como a sua sucessora naquela casa. Cada vez que Charlotte vinha visitá-los, ela concluía que a sua intenção era antecipar a hora da posse e cada vez que Charlotte falava em voz baixa a Mr. Collins, tinha certeza de que falavam da propriedade de Longbourn e planejava expulsá-la e às suas filhas da casa, assim que Mr. Bennet morresse. Queixava-se amargamente de tudo aquilo ao marido.
 — Realmente, Mr. Bennet — dizia ela —, é muito duro pensar que Charlotte Lucas será um dia dona desta casa e que eu serei forçada a lhe ceder o meu lugar!
 — Não pense nestas coisas tristes, meu bem. Tenhamos confiança no futuro. Encaremos a possibilidade de que eu sobreviva a você.
 Isto não era muito consolador para Mrs. Bennet. E portanto, em vez de responder, continuou como antes.
 — Não posso suportar a ideia de que eles possuirão toda esta propriedade. Se não fosse esta questão de sucessão, eu não me importaria.
 — De que é que você não se importaria?
 — De nada.
 — Então vamos agradecer a Deus, porque você está preservada de cair num tal estado de insensibilidade.
 — Não posso ser grata a nada que se refira a esta sucessão, Mr. Bennet. Como é que alguém pode ficar tranquilo ao saber que suas filhas vão ficar privadas da propriedade que possuem? E em favor de quem? De Mr. Collins! Por que ele e não uma outra qualquer pessoa?
 — Confio-lhe a resolução deste problema — disse Mr. Bennet.

24

A carta de Miss Bingley chegou e pôs fim a todas as dúvidas. Logo à primeira frase evidenciava que eles tinham se instalado em Londres para todo o inverno e concluía transmitindo os sentimentos do seu irmão por não ter tido tempo de apresentar os seus respeitos aos seus amigos de Hertfordshire antes da sua partida.
 Todas as esperanças estavam perdidas, completamente perdidas. E quando Jane pôde continuar a leitura, nada encontrou para consolá-la a não ser as expressões de afeto da missivista. O elogio de Miss Darcy era o assunto principal da carta. Seus muitos atrativos eram novamente descritos. Caroline se gabava alegremente da crescente intimidade entre elas; arriscava-se a predizer a realização dos desejos que exprimira na sua carta anterior. Comunicava também, com grande alegria, que seu irmão era hóspede de Mr. Darcy, e mencionava com entusiasmo os planos deste último, relativos a uma nova mobília que encomendara.
 Elizabeth, a quem Jane comunicou tudo isso sem demora, ouviu-a, cheia de silenciosa indignação. Seus sentimentos estavam divididos entre a preocupação pela irmã e o seu ressentimento contra todos os outros. Não deu crédito à afirmação de Caroline de que seu irmão se interessava por Miss Darcy. Continuava a acreditar, mais do que nunca, na sinceridade da afeição que Bingley tinha por Jane. Apesar da simpatia com que sempre o considerara, não podia pensar, sem cólera e quase com desprezo, naquela maleabilidade de gênio, na falta de iniciativa pessoal que o tornava um joguete entre as mãos dos seus intrigantes amigos e o levava a sacrificar a sua própria felicidade ao capricho das inclinações alheias. Se a única coisa em jogo fosse a sua própria felicidade, poderia arriscá-la como entendesse, mas a sua irmã estava envolvida naquilo, e ele devia ter consciência disso. Enfim, era um assunto ao qual seria necessário dedicar uma longa reflexão sem que se pudesse chegar realmente a nenhum resultado. Não encontrava outra hipótese. E no entanto, quer a afeição de Bingley tivesse realmente declinado, sufocada ou não pela interferência dos seus amigos, quer ele tivesse consciência da afeição de Jane, ou ao contrário, a ignorasse, em qualquer um dos casos, e embora a sua opinião acerca de Bingley variasse forçosamente segundo essas hipóteses, a situação da sua irmã permanecia a mesma, a sua paz de espírito igualmente perturbada. Passaram-se um ou dois dias, antes que Jane adquirisse coragem para falar a Elizabeth acerca dos seus sentimentos; mas afinal, um dia em que Mrs. Bennet, depois de se queixar com mais irritação do que de costume sobre Netherfield e seu proprietário, as deixara sozinhas, Jane não pôde se impedir de dizer à irmã:
 — Oh, eu queria que mamãe tivesse mais domínio sobre si mesma. Ela não tem ideia da dor que me causa, falando continuamente nisto. Mas eu não me queixarei; não pode durar muito tempo. Ele será esquecido e todos seremos felizes como antes.
 Elizabeth olhou para a irmã com solicitude e incredulidade, mas não disse nada.
 — Você duvida de mim? — exclamou Jane, corando ligeiramente. — Você não tem razão. Talvez ele continue a viver na minha memória como o homem mais atraente das minhas relações. Mas é tudo. Nada tenho que esperar ou que temer. E não tenho nenhum motivo para censurá-lo. Graças a Deus não tenho esta dor. Dê-me um pouco de tempo e certamente eu tentarei esquecê-lo.
 Numa voz mais forte acrescentou, pouco depois:
 — Eu tenho desde já este consolo. É que tudo não foi mais do que um erro da minha imaginação, e que esse erro não fez mal a ninguém a não ser a mim mesma.
 — Minha querida Jane — exclamou Elizabeth —, você é boa demais. Sua doçura e seu desinteresse são realmente angélicos. Sinto que nunca lhe fiz a devida justiça e que nunca a amei como você merece.
 Miss Bennet protestou com veemência contra os méritos extraordinários que lhe conferiam e atribuiu o elogio à viva afeição da sua irmã.
 — Não — disse Elizabeth —, isto não está direito. Você quer pensar que todas as pessoas são respeitáveis e se sente ferida se eu falo mal de alguém. Quero apenas pensar que você é perfeita e você se volta contra mim. Não tenha medo de que eu caia em algum excesso, nem lance mão do seu privilégio de boa vontade universal. Seria inútil. São poucas as pessoas a quem eu quero realmente, e menos ainda aquelas das quais eu tenho uma boa opinião. Quanto melhor eu conheço o mundo, menos ele me satisfaz; e cada dia vejo confirmada a minha crença na inconsistência de todos os caracteres humanos e na pouca confiança que se pode depositar nas aparências do mérito ou do bom senso. Ultimamente encontrei dois exemplos; um deles eu não mencionarei — o outro é o casamento de Charlotte. É inexplicável! Sob todos os pontos de vista, é inexplicável.
 — Querida Lizzy, não se entregue a sentimentos desta espécie. Eles arruinarão a sua felicidade. Você não deixa nenhuma margem para diferenças de situação e de temperamento. Pense na respeitabilidade de Mr. Collins, no caráter prudente e firme de Charlotte. Lembre-se de que a família dela é muito grande; que quanto à fortuna é um partido muito desejável. E mostre-se pronta a acreditar, para bem de todo o mundo, que Charlotte possa sentir realmente respeito e estima pelo nosso primo.
 — Para lhe fazer a vontade, eu tentarei acreditar em quase tudo. Mas ninguém se beneficiará disto. Pois se eu estivesse persuadida de que Charlotte o respeita, realmente ela desceria no conceito que tenho da sua inteligência, o mesmo que perdeu antes no valor que eu atribuía ao seu coração. Minha querida Jane, Mr. Collins é um homem tolo, pomposo, pretensioso e de ideias estreitas. Você sabe que ele é tudo isto tão bem quanto eu. E você deve sentir como eu que uma mulher que se casar com ele não pode ter uma visão muito justa das coisas. Você não há de querer defendê-la só porque ela é Charlotte Lucas. Você não pode, por causa de um caso individual, mudar o sentido das palavras “bom senso” e “integridade”, nem procurar persuadir a você mesma ou a mim que o egoísmo é a prudência, e a insensibilidade diante do perigo, certeza de felicidade.
 — Acho que as suas expressões são muito fortes, e espero que você se convencerá disso, vendo-os casados e felizes. Quanto a isto, basta. Mas você aludiu a outra coisa. Você mencionou dois exemplos. Sei o que você está pensando. Mas eu lhe peço, querida Lizzy, que não me cause mágoa, julgando que aquela pessoa é culpada. Nem dizendo que ela perdeu no seu conceito. Não devemos ser precipitadas e julgar que fomos intencionalmente feridas. Não podemos exigir que um rapaz despreocupado seja sempre prudente e circunspecto. Muitas vezes é apenas a nossa vaidade que nos engana. As mulheres sobre-estimam facilmente a admiração dos homens.
 — E os homens fazem tudo para mantê-las nesta ilusão.
 — Se o fazem propositadamente, não pode haver justificativa. Mas eu creio que não há tanta má vontade no mundo quanto as pessoas acreditam.
 — Estou longe de atribuir qualquer aspecto da conduta de Mr. Bingley a uma intenção perversa — disse Elizabeth —; mas mesmo sem o propósito deliberado de errar, ou de tornar os outros infelizes, pode haver enganos e tristezas. Pouco caso, falta de atenção para com os sentimentos de outras pessoas, ou falta de firmeza, produzem os mesmos efeitos.
 — E você atribui qualquer desses defeitos a ele?
 — Sim, todos. Mas se continuar incorrerei no seu desagrado, dizendo o que penso acerca das pessoas que você estima. Detenha-me enquanto é tempo.
 — Você persiste então em supor que as irmãs dele o influenciaram?
 — Sim, de combinação com o amigo dele.
 — Não posso acreditar nisto. Por que tentariam influenciá-lo? Só podem desejar a sua felicidade, e se ele me ama, nenhuma outra mulher pode lhe trazer esta felicidade.
 — A sua primeira suposição é falsa. Podem desejar muitas coisas além da felicidade dele. Podem desejar o aumento da sua fortuna e da sua importância. Podem desejar que ele se case com uma moça que tenha importância social, dinheiro, relações de alta classe e orgulho.
 — Sem dúvida. Eles desejam que escolha Miss Darcy. Mas isto pode se originar de sentimentos melhores do que você supõe. Eles a conhecem há muito mais tempo do que a mim. Não é de espantar que a prefiram. Mas quaisquer que sejam os seus desejos, é muito pouco provável que elas pudessem se opor à vontade do irmão. Que irmã se sentiria justificada em fazer uma coisa destas, a não ser que existisse um motivo muito mais forte? Se acreditassem que ele gosta realmente de mim, não tentariam nos separar, pois se tal fosse o caso, não o conseguiriam. Mas supondo tal afeição, você faz todo mundo agir maldosa e erradamente e a mim torna muito infeliz. Não discuta esta minha ideia. Não estou envergonhada por me ter enganado, ou pelo menos a vergonha é pouca. Não é nada em comparação com o que eu sentiria se pensasse mal dele ou das suas irmãs. Deixe-me ver as coisas sob o seu melhor aspecto, um aspecto capaz de esclarecê-las.
 Elizabeth não podia se opor a um tal desejo. E a partir desse dia, o nome de Mr. Bingley quase nunca mais foi mencionado entre elas. Mrs. Bennet continuou ainda a estranhar e a queixar-se de que ele não voltava mais. E embora não se passasse um dia sem que Elizabeth desse uma explicação razoável, parecia haver pouca probabilidade de que Mrs. Bennet jamais considerasse aquele fato com menos perplexidade. Sua filha procurava convencê-la de uma coisa em que ela mesma não acreditava: de que as atenções de Bingley tinham sido o efeito de uma simpatia transitória, cessando depois que a perdera de vista. Mas embora a probabilidade dessa afirmação fosse admitida no momento, Jane era obrigada a repeti-la no dia seguinte. O melhor consolo de Mrs. Bennet era lembrar-se de que Bingley tornaria a voltar para o verão.
 Mr. Bennet pensava de maneira diferente.
 — Então, Lizzy — disse um dia —, sua irmã teve um desgosto amoroso, creio eu. Ela merece os meus parabéns. Depois do casamento, o que uma moça mais gosta é de um desgosto amoroso de vez em quando. É uma coisa que dá o que pensar e lhe confere uma espécie de distinção entre as suas companheiras. Quando chegará a sua vez? Você não há de querer ser suplantada por Jane. Chegou a sua hora. Há bastantes oficiais em Meryton, para desapontar todas as moças da região. Escolha Wickham. É um sujeito simpático e lhe daria o fora agradavelmente.
 — Obrigada, meu pai, mas um homem menos agradável seria suficiente para mim. Não devemos todas esperar a boa sorte de Jane.
 — É verdade — disse Mr. Bennet —, mas é um conforto pensar que o que quer que lhe suceda nesse gênero, você tem uma mãe afetuosa que saberia tirar o melhor partido disto.
 A companhia de Mr. Wickham ajudava eficientemente a dissipar a tristeza que as últimas ocorrências tinham trazido para muitos dos habitantes de Longbourn. Viam-no frequentemente agora e às suas outras qualidades acrescia a de uma franqueza absoluta. O que Elizabeth já sabia, as suas queixas de Mr. Darcy e o que sofrera por sua causa, tudo era agora publicamente discutido. E todos se sentiam contentes de pensar que sempre tinham antipatizado com Mr. Darcy, mesmo antes de saber qualquer coisa contra ele.
 Jane era a única criatura que supunha que pudessem existir circunstâncias atenuantes no caso, desconhecidas para a sociedade do Hertfordshire. Com doce e firme candura invocava sempre a tolerância e a possibilidade de enganos. Mas todos os outros condenavam Mr. Darcy como ao pior dos homens.

25

Depois de uma semana passada em declarações de amor e projetos de felicidade, a chegada do sábado veio privar Mr. Collins da companhia da sua amada Charlotte. A dor da separação, no entanto, poderia ser aliviada quando chegasse em Hunsford, pelos preparativos para a recepção da sua noiva. E logo em seguida ao seu próximo regresso ao Hertfordshire, seria fixado o dia que havia de torná-lo o mais feliz dos homens. Ele se despediu dos seus parentes em Longbourn com tanta solenidade quanto da primeira vez; tornou a desejar às suas encantadoras primas saúde e felicidades e prometeu a Mr. Bennet nova carta de agradecimentos.
 Na segunda-feira seguinte, Mrs. Bennet teve o prazer de receber seu irmão e sua cunhada, que vieram como de costume passar o Natal em Longbourn. Mr. Gardiner era um homem fino e sensato, muito superior à sua irmã, tanto em natureza como em educação. As senhoras de Netherfield dificilmente acreditariam que um homem que vivia no comércio e morava próximo aos seus armazéns pudesse ser tão bem-educado e agradável. Mrs. Gardiner, que era muitos anos mais moça do que Mrs. Bennet ou Mrs. Philips, era uma mulher elegante, agradável e inteligente e muito querida pelas suas sobrinhas de Longbourn. Entre ela e as duas mais velhas, especialmente, existia uma forte amizade. As meninas tinham morado muitas vezes em casa dela na cidade.
 A primeira parte dessa atividade de Mrs. Gardiner ao chegar consistiu na distribuição dos presentes que trazia e na descrição das modas mais recentes. Feito isto, o seu papel se tornou menos ativo. Chegou a sua vez de ouvir. Mrs. Bennet tinha muitas queixas a relatar. Ela tinha sofrido grandes decepções desde a última vez em que vira a sua irmã. Duas das suas filhas tinham estado a ponto de se casar e afinal tudo tinha dado em nada.
 — Eu não culpo Jane — continuou ela —, pois Jane teria aceitado Mr. Bingley. Mas Lizzy! Oh, é muito duro pensar que podia ser agora a esposa de Mr. Collins se não fosse tão insensata. Ele fez uma proposta aqui mesmo nesta sala. E ela o recusou. A consequência disto é que Lady Lucas casará uma das filhas antes de mim. E a propriedade de Longbourn está mais do que nunca destinada a passar para mãos estranhas. Os Lucas são gente muito esperta, minha irmã, só pensam nas vantagens que podem obter. Sinto muito dizer isto deles, mas é verdade. Causa-me um grande nervosismo ser assim contrariada na minha própria família e ter vizinhos que pensem mais em si mesmos do que nos outros. No entanto, a sua visita neste momento é o maior consolo que eu poderia receber, e muito me alegro de saber o que você acaba de nos contar a respeito das mangas compridas.
 Mrs. Gardiner, a quem a maior parte dessas notícias já fora transmitida por Jane e por Elizabeth na correspondência que mantinham com ela, deu à sua irmã uma resposta evasiva. E com pena das suas sobrinhas, mudou o assunto da palestra.
 Mais tarde, sozinha com Elizabeth, tornou a abordar o assunto:
 — É provável que tenha sido um partido desejável para Jane — disse ela. — Sinto que o projeto tenha fracassado. Mas estas coisas acontecem tanto! Um rapaz como Mr. Bingley, a julgar pela descrição que me fizeram, se apaixona facilmente por uma moça bonita durante algumas semanas e quando um acaso os separa, esquece-a facilmente. Inconstâncias dessa espécie são muito frequentes.
 — De certo modo isso é um excelente consolo — disse Elizabeth. — Mas não serve para nós. Não sofremos por acaso. Não acontece assim tão frequentemente que um rapaz independente se deixe persuadir pelos amigos a esquecer uma moça que ele amava apaixonadamente poucos dias antes.
 — Mas esta expressão amar apaixonadamente é tão gasta, tão duvidosa, tão indefinida... Ela não me faz nenhuma imagem clara. Muitas vezes é aplicada a sentimentos que surgem depois de meia hora apenas de contato, como igualmente a afeições reais e fortes. Diga-me, qual era o grau de violência do amor de Mr. Bingley?
 — Nunca vi uma inclinação mais promissora. Ele estava se tornando esquecido das outras pessoas e inteiramente absorto por Jane. Cada vez que se encontravam, isto se tornava mais claro. No baile que ele próprio ofereceu, ofendeu duas ou três moças, esquecendo-se de tirá-las para dançar! E eu mesma falei com ele duas vezes sem ter resposta. Podem existir melhores sintomas? Não é a desatenção geral a própria essência do amor?
 — Oh, sim, dessa espécie de amor que suponho tenha sido o dele. Pobre Jane! tenho pena dela, porque com o seu feitio talvez não o esqueça imediatamente. Seria melhor que isto lhe tivesse acontecido, Lizzy, pois graças ao seu bom humor, você teria esquecido mais depressa. Mas você acha que podemos convencê-la a voltar conosco? As mudanças de lugar podem ser úteis. E talvez a sua ausência de casa, por algum tempo, faça um grande bem a Jane.
 Elizabeth ficou extremamente contente com esta proposta e plenamente convencida da pronta aquiescência da sua irmã.
 — Espero — acrescentou Mrs. Gardiner — que nenhuma consideração por esse rapaz a influencie. Moramos em pontos tão afastados da cidade, todas as nossas relações são tão diferentes e, como você sabe, saímos tão raramente, que é muito pouco provável que se encontrem. A não ser que ele venha realmente visitá-la.
 — E isto é inteiramente impossível, pois ele está sob a vigilância do seu amigo, e Mr. Darcy não toleraria que ele fosse visitá-la num quarteirão de Londres tão pouco elegante. Minha cara tia, como pode a senhora supor tal coisa? Mr. Darcy talvez tenha ouvido falar em Gracechurch-Street, mas se alguma vez entrasse lá, creio que levaria bem um mês se purificando.
 — Tanto melhor. Espero que eles não se encontrarão. Mas Jane não se corresponde com a irmã de Mr. Bingley? Esta pessoa não poderá deixar de visitá-la.
 — Ela cortará relações completamente.
 Mas apesar da certeza com que Elizabeth fingia acreditar no que diziam, bem como na possibilidade de Bingley ser impedido de visitar Jane, esse assunto a preocupava de tal maneira que, depois de refletir, convenceu-se de que não considerava o caso inteiramente perdido. Parecia-lhe possível e algumas vezes até mesmo provável que a afeição de Mr. Bingley recrudescesse e que a influência dos seus amigos pudesse ser contrabalançada com êxito pelas influências mais naturais dos atrativos de Jane.
 Miss Bennet aceitou o convite da tia com prazer. E se ao mesmo tempo se lembrava dos Bingley, era apenas para desejar que lhe fosse possível ocasionalmente passar uma ou outra manhã com a sua amiga. E podia fazê-lo sem correr o perigo de ver Bingley, já que Caroline não morava com o irmão.
 Os Gardiner ficaram uma semana em Longbourn. E não se passou um dia sem compromissos sociais, sem visitarem ou receberem visitas dos Philips, dos Lucas e dos oficiais. Mrs. Bennet tinha planejado tão cuidadosamente esses divertimentos para os seus parentes, que nem uma só vez eles se sentaram juntos para um jantar de família. Quando havia convidados em casa, entre eles se encontravam sempre alguns oficiais e um deles era sempre Mr. Wickham. E nessas ocasiões, Mrs. Gardiner, em cujo espírito os calorosos elogios de Elizabeth tinham despertado suspeitas, observava os dois com grande atenção. Sem supor, pelo que estava vendo, que eles estivessem seriamente apaixonados, a preferência que manifestavam um pelo outro era suficiente para inquietá-la; resolveu falar a Elizabeth sobre o assunto antes de partir do Hertfordshire e fazer-lhe ver a imprudência que ela cometia, encorajando aquela inclinação. Wickham possuía um meio de interessar a Mrs. Gardiner, independente dos seus múltiplos encantos. Há uns dez ou 12 anos, antes do seu casamento, Mrs. Gardiner residira muitos anos na mesma região do Derbyshire em que nascera Mr. Wickham. Tinham portanto muitos conhecidos em comum. E embora Mr. Wickham só tivesse ido lá poucas vezes, depois da morte do pai de Mr. Darcy, há cinco anos, ele podia dar notícias mais recentes dos antigos amigos de Mrs. Gardiner do que as que ela poderia obter de outro modo. Mrs. Gardiner tinha estado em Pemberley e conhecia de nome o falecido Mr. Darcy; aí estava portanto um assunto inesgotável. Comparando as suas lembranças de Pemberley com as descrições minuciosas que Wickham lhe fazia, e prestando ao caráter do seu antigo possuidor o seu tributo de admiração, Mrs. Gardiner deliciava a si mesma e a seu interlocutor. Ao ser informada do tratamento que o atual Mr. Darcy lhe dispensara, ela procurou se lembrar da reputação que ele tinha em criança. E acreditou afinal recordar-se de ter ouvido dizer que Mr. Fitzwilliam Darcy tinha sido um menino muito orgulhoso e de mau caráter.

26

As recomendações de Mrs. Gardiner a Elizabeth foram transmitidas cordialmente na primeira oportunidade favorável que encontrou de falar a sós com a sua sobrinha; depois de dizer francamente o que pensava, continuou da seguinte maneira:
 — Você é uma moça sensata demais, Lizzy, para se apaixonar por um rapaz apenas porque alguém lhe previne de que não o faça. E portanto, não tenho medo de falar abertamente. Seriamente, queria que você estivesse prevenida. Não se comprometa nem procure comprometê-lo numa afeição que a ausência de fortuna tornaria muito imprudente. Nada tenho contra o rapaz. É dos mais interessantes. E se ele tivesse a situação que deveria ter, acho que você não poderia encontrar melhor. Mas não sendo este o caso, você não deve se deixar levar pela sua imaginação. Você tem bom senso e todos nós esperamos que você o utilize. Seu pai confia na sua resolução e na sua boa conduta. Você não pode desapontá-lo.
 — Minha cara tia, a senhora está tomando as coisas muito a sério.
 — Sim, e espero que você as considere com a mesma seriedade.
 — Bem, neste caso não precisa se alarmar. Eu tomarei conta de mim mesma e de Mr. Wickham também. Se isto depender de mim, ele não se apaixonará.
 — Elizabeth, você não está falando sério.
 — Desculpe, vou tentar novamente. No momento, não estou apaixonada por Mr. Wickham; não, certamente não estou. Mas, ele é sem comparação, o homem mais agradável que eu jamais conheci. E se realmente se interessar por mim, acredito que é melhor que ele não se apaixone. Vejo perfeitamente a imprudência que há nisto. Oh, aquele abominável Mr. Darcy! A opinião que meu pai tem de mim me orgulha muito. E eu seria uma criatura indigna se a traísse. No entanto, meu pai simpatiza muito com Mr. Wickham. Em suma, minha cara tia, eu ficaria mesmo muito triste se causasse algum aborrecimento a algum de vocês. Mas como estamos vendo todos os dias que, quando existe uma afeição real, os jovens dificilmente se deixam separar pelas condições imediatas de fortuna, como poderei lhe prometer que serei mais prudente do que tantas das minhas semelhanças, se eu for tentada, como posso mesmo saber que a prudência consiste em resistir? Tudo o que posso lhe prometer, portanto, é que não agirei precipitadamente. Não terei pressa em me considerar o mais alto objeto da afeição de Mr. Wickham. Em suma, farei o possível.
 — Talvez fosse melhor que você não o encorajasse a vir aqui tantas vezes. Pelo menos você não devia lembrar a sua mãe de convidá-lo.
 — Como fiz no outro dia — disse Elizabeth, com um sorriso intencional. — E verdade, será mais prudente não o fazer. Mas não imagine que ele vem aqui tão frequentemente assim. Foi só por sua causa que ele foi convidado tantas vezes esta semana. A senhora sabe que mamãe gosta de ter muita gente em casa a fim de distrair os seus convidados. Mas eu lhe dou a minha palavra de honra que seguirei o caminho que achar mais prudente. E agora espero que esteja satisfeita.
 Sua tia lhe assegurou que estava, e Elizabeth agradeceu o carinho das suas sugestões. Em seguida elas se separaram. Belo exemplo de conselhos referentes a um tal assunto, serem aceitos sem ressentimentos.
 Mr. Collins voltou para o Hertfordshire pouco depois da partida de Jane e dos Gardiner. E desta vez a sua chegada não causou grandes transtornos a Mrs. Bennet, pois ele se hospedou em casa dos Lucas.
 O dia do seu casamento estava próximo. Mrs. Bennet se resignara enfim ao inevitável. Costumava até dizer com insistência, num tom amargo, que ela desejava que eles fossem felizes. O casamento seria realizado na quinta-feira seguinte. E na quarta, Miss Lucas veio fazer a sua visita de despedidas. Quando ela se levantou para sair, Elizabeth, envergonhada com os parabéns forçados de sua mãe, e sinceramente comovida, acompanhou a sua antiga amiga até a porta. Quando desciam as escadas, juntas, Charlotte disse:
 — Espero que você me escreva frequentemente, Eliza.
 — Você pode contar com isto.
 — E eu tenho outro favor a lhe pedir. Você virá me visitar?
 — Espero que nos encontremos muitas vezes aqui no Hertfordshire.
 — Não é provável que eu possa sair do Kent durante algum tempo. Prometa-me portanto que você virá a Hunsford.
 Elizabeth não pôde recusar, embora não encarasse aquela visita com prazer.
 — Meu pai e Maria irão me visitar em março — acrescentou Charlotte. — E espero que você consinta em ir na companhia deles. Realmente, Eliza, você será tão bem-recebida quanto qualquer um deles.
 Enfim aconteceu o casamento. O noivo e a noiva partiram para o Kent diretamente da igreja. E todos tiveram muita coisa que dizer e que ouvir, como de costume nessas ocasiões. Elizabeth recebeu logo uma carta da sua amiga, e a correspondência entre elas continuou tão regular e frequente como sempre. Mas era-lhe impossível manter o mesmo tom de franqueza de antigamente. Elizabeth nunca se dirigia à sua amiga sem sentir que todo o prazer e intimidade que havia nas suas relações tinham cessado. E, embora decidida a não desleixar da sua correspondência, quando escrevia, pensava no passado mais do que no presente.
 As primeiras cartas de Charlotte foram recebidas com muita ansiedade. Elizabeth estava curiosa para saber como a sua amiga falaria da nova casa, o que tinha achado de Lady Catherine e até que ponto ela ousaria se declarar feliz. Porém, quando as cartas chegaram, Elizabeth sentiu que Charlotte se externava sobre todos esses pontos, exatamente como tinha previsto. Escrevia alegremente, parecia rodeada de conforto e só mencionava o que podia louvar. A casa, a mobília, a vizinhança, as estradas, tudo achava a seu gosto. E Lady Catherine se mostrara benevolente e amável. Era o mesmo quadro de Hunsford e de Rosings que Mr. Collins pintara. Apenas, mais esbatido. Elizabeth compreendeu que teria de esperar até o dia da sua visita para saber o resto.
 Jane já tinha escrito algumas linhas à sua irmã, anunciando a sua chegada a Londres, sem novidades. Elizabeth tinha esperança de que quando ela tornasse a escrever pudesse transmitir alguma notícia dos Bingley.
 A sua impaciência pela segunda carta foi recompensada como costuma sê-lo. Jane tinha estado uma semana em Londres sem ver Caroline e sem ter notícias dela. Explicava o fato, no entanto, supondo que a sua última carta de Longbourn para a amiga se extraviara. “Minha tia”, continuou ela, “vai amanhã para aqueles lados da cidade. E eu terei a oportunidade de fazer uma visita em Grosvenor Street.” Depois da visita ela tornou a escrever dizendo que tinha visto Miss Bingley. “Não creio que Caroline estivesse de bom humor”, dizia ela. “Mas pareceu muito contente de me ver e censurou-me por não a ter avisado da minha chegada a Londres. Portanto eu tinha razão. Ela não recebeu a minha última carta. Perguntei como estava o seu irmão, é claro. Estava bem, mas tão ocupado com Mr. Darcy que quase nunca suas irmãs tinham ocasião de vê-lo. Soube que Miss Darcy estava sendo esperada para o jantar. Eu desejava conhecê-la. Minha visita não foi longa, pois Caroline e Mrs. Hurst estavam para sair. Espero que elas virão em breve visitar-me aqui.”
 Elizabeth sacudiu a cabeça. A carta lhe provava que só por um acaso Mr. Bingley descobriria que sua irmã estava em Londres.
 Passaram-se as quatro semanas e Jane nem uma só vez o viu. Tentou persuadir a si mesma de que não o lamentava. Mas não podia continuar cega às intenções de Miss Bingley. E depois de esperar em casa todas as manhãs durante 15 dias, recebendo todas as noites novas desculpas, finalmente a visitante apareceu. Mas a brevidade da visita, e sobretudo a mudança das suas maneiras não deixaram a Jane nenhuma ilusão. A carta que escreveu à sua irmã naquela ocasião mostrava bem o que sentia:
Minha querida Lizzy:
 Estou certa de que você é incapaz de regozijar-se à minha custa se eu lhe confessar que me enganei inteiramente quanto à afeição de Miss Bingley por mim. Mas, minha cara irmã, embora o que se passou tenha provado que você tinha razão, não me acuse de obstinação se eu continuo a sustentar que, considerando a conduta antiga de Caroline, a minha confiança era tão natural quanto as suas suspeitas. Não compreendo absolutamente as razões que ela tinha para desejar ter relações íntimas comigo, mas se estas mesmas circunstâncias se repetissem, estou certa de que eu tornaria a ser iludida. Caroline não retribuiu a visita senão ontem; não recebi no intervalo nem uma nota, nem um bilhete, nem uma linha. E quando ela veio tornou-se evidente que não tinha nenhum prazer em me ver. Deu ligeiras desculpas, inteiramente formais e não disse uma só vez que desejava tornar a ver-me; achei-a sob todos os aspectos tão indiferente que, quando ela partiu, eu estava perfeitamente resolvida a cortar relações. Tenho pena dela mas não posso deixar de culpá-la. Fez muito distinguindo-me a princípio, como aconteceu. Posso dizer com certeza que tomou todas as iniciativas, mas tenho pena dela porque deve sentir que procedeu erradamente e porque tenho plena certeza de que a causa de tudo isso foi a preocupação que tem com o irmão. Não preciso me explicar melhor. E embora eu e você saibamos que esta preocupação é inteiramente inútil, se ela a sente de fato, ficará facilmente explicada a sua conduta para comigo. E se tem tanta afeição pelo irmão, afeição que ele aliás merece, qualquer preocupação que sinta por ele será natural e louvável. No entanto espanta-me que continue ainda a ter estes receios, pois se ele gostasse realmente de mim já nos teríamos encontrado há muito tempo. Ele sabe que eu estou em Londres, pois ouvi-a se referir a isto. E no entanto, a maneira como fala dá a entender que deseja persuadir a si mesma de que o irmão se interessa realmente por Miss Darcy. Não posso compreendê-la. Se eu não tivesse receio de fazer um julgamento precipitado, estaria quase tentada a dizer que em tudo isto há uma forte aparência de duplicidade. Mas procurarei banir todos os pensamentos dolorosos e pensar somente no que me pode tornar feliz: a sua afeição, e a inalterável bondade dos meus caros tios. Escreva-me breve. Miss Bingley disse alguma coisa a respeito de nunca mais voltar a Netherfield, de desistir da casa, mas não deu toda a certeza. É melhor não falar nisto. Estou extremamente satisfeita por você ter recebido notícias tão agradáveis dos nossos amigos de Hunsford. Peço-lhe que vá visitá-los com Sir William e Maria. Estou certa de que você se sentirá muito bem lá.
 Sua. etc.
Esta carta causou certa tristeza a Elizabeth; mas a coragem lhe voltou ao considerar que, pelo menos, Jane não seria mais enganada pela irmã de Bingley. Quanto a este, todas as esperanças estavam agora perdidas. Jane nem sequer desejaria tornar a receber as suas atenções. Sob todos os pontos de vista ele baixava no conceito dos outros. E como castigo para Mr. Bingley, bem como para uma possível compensação para Jane, Elizabeth desejava sinceramente que na verdade ele se casasse com a irmã de Mr. Darcy, pois segundo a descrição que da mesma lhe fizera Wickham, ela o faria se arrepender amargamente de ter rejeitado Jane.
 Nessa ocasião Mrs. Gardiner relembrou por carta a Elizabeth a promessa que esta lhe fizera a respeito de Wickham. E as notícias que Elizabeth lhe mandou em resposta eram mais satisfatórias para a sua tia do que para ela mesma. O interesse de Mr. Wickham parecia ter-se desvanecido. Suas atenções, dedicava-as a outra pessoa. Elizabeth observara tudo, mas podia escrever a respeito disto com certo desprendimento. O seu coração fora apenas ligeiramente afetado. E seu amor próprio se aplacava com a reflexão de que se a fortuna o tivesse permitido, ela, Elizabeth, teria sido a escolhida. A súbita aquisição de dez mil libras era o encanto mais notável da jovem que ele agora cortejava.
 Mas Elizabeth, menos arguta neste caso do que no de Charlotte, não censurou a Wickham o seu desejo de independência. Nada, ao contrário, poderia ser mais natural. E embora tivesse razões para supor que Mr. Wickham não renunciara a ela sem algumas lutas, estava pronta a admitir que aquela renúncia era uma medida sensata e desejável para ambos. E queria sinceramente a felicidade do seu antigo admirador.
 Tudo isto foi comunicado a Mrs. Gardiner; e depois de relatar estas circunstâncias continuou da seguinte maneira:
Estou convencida, agora, minha cara tia, de que nunca me apaixonei realmente. Pois se eu tivesse experimentado essa paixão pura e elevada, detestaria agora a simples menção do seu nome. E desejaria a Mr. Wickham todos os males. Mas não só os meus sentimentos continuam cordiais para com ele, mas são até mesmo imparciais para com Miss King. Não consigo encontrar em mim nenhum ódio para com ela e continuo a pensar que ela é uma moça muito decente. Em tudo isto não pode haver amor. Minha intenção foi coroada de êxito. Embora eu me tornasse um objeto de maior interesse por todos os meus conhecidos, caso estivesse perdidamente apaixonada, não posso dizer que lamente a minha comparativa insignificância. A importância custa às vezes um preço demasiado elevado. Kitty e Lydia tomam essa traição muito mais a sério do que eu. São ainda muito ignorantes acerca dos caminhos do mundo e não chegaram ainda à mortificante convicção de que os belos rapazes precisam tanto de dinheiro para viver quanto os menos favorecidos pela beleza.

27

E sem maiores acontecimentos na família de Longbourn, janeiro e fevereiro, algumas vezes frios e não raro lamacentos, passaram sem outras diversões senão passeios ocasionais a Meryton. Março deveria levar Elizabeth para Hunsford. Ela não tinha encarado a princípio com muita seriedade a possibilidade de ir, mas Charlotte contava com ela e aos poucos Elizabeth se habituou a pensar na visita com mais interesse, bem como com mais certeza. A ausência aumentara o desejo de rever Charlotte e enfraquecia a sua repugnância por Mr. Collins. Havia também o sabor da novidade. E além disso, com a mãe que tinha, e irmãs tão pouco camaradas, a sua casa não seria um lugar muito divertido. Além disso a viagem lhe daria a oportunidade de se avistar com Jane. Em suma, à medida que o dia se aproximava, menos desejava adiar a partida. Tudo pois ficou combinado de acordo com os planos de Charlotte. E Elizabeth iria em companhia de Sir William e da sua segunda filha. Ao plano primitivo acrescentou-se um novo detalhe: eles passariam a noite em Londres.
 Elizabeth sentia apenas ter de deixar o seu pai, que certamente sentiria a sua falta; e que, chegado o dia, se mostrou tão pouco satisfeito com a sua partida, que recomendou à filha que lhe escrevesse e quase prometeu responder a sua carta. A despedida entre Elizabeth e Mr. Wickham foi perfeitamente cordial. E da parte dele, ainda mais do que isto. Os seus planos atuais não o faziam esquecer que Elizabeth fora a primeira a despertar e a merecer a sua admiração. A primeira que o ouvira e se compadecera dele; e quando disse adeus a Elizabeth, desejou-lhe todos os prazeres, lembrou-lhe a descrição que fizera de Lady Catherine de Bourgh e disse que esperava que a opinião de ambos a respeito daquela senhora, bem como sobre todas as outras pessoas, coincidisse. Em todas as suas palavras transpareciam, enfim, solicitude e interesse. Elizabeth sentiu que esses sentimentos sempre a uniriam a ele numa sincera afeição. E separou-se de Mr. Wickham convencida de que, casado ou solteiro, ele sempre representaria a seus olhos o ideal de uma pessoa agradável e sedutora.
 Os seus companheiros de viagem não eram capazes de fazer empalidecer a lembrança de Mr. Wickham. Sir William Lucas e sua filha Maria, moça bem-humorada mas de cabeça tão oca quanto o pai, nada tinham a dizer que fosse digno de atenção, e o que eles falavam produzia em Elizabeth o mesmo prazer que o arrastar de uma cadeira. Elizabeth gostava de observar os ridículos, mas conhecia Sir William demasiado bem. Nenhuma das maravilhas que contava a respeito do seu título e de sua apresentação na Corte eram novidades para ela. E as suas amabilidades eram tão gastas quanto as suas informações.
 Era uma viagem de 24 milhas apenas. E eles partiram tão cedo que chegaram a Gracechurch Street ao meio-dia. Ao se aproximarem da casa de Mr. Gardiner, avistaram Jane na janela da sala. Quando chegaram na entrada, ela estava lá para saudá-los. Elizabeth, perscrutando ansiosamente a fisionomia da irmã, teve o prazer de constatar que o seu rosto continuava saudável e lindo como sempre. Sobre os degraus da escada, estavam vários meninos e meninas, que não tinham podido resistir à tentação de ver a sua prima chegar e não tinham tido a paciência de esperar na sala. Mas, tímidos, pois há um ano não a viam, não ousavam descer. Tudo foi alegria e doçura. O dia passou da forma mais agradável. De manhã, fizeram compras e à noite foram ao teatro.
 Afinal Elizabeth conseguiu conversar com a sua tia. O seu primeiro assunto foi Jane. E sentiu mais tristeza do que espanto, ao ouvir, em resposta às suas minuciosas perguntas, que embora Jane sempre lutasse para conservar a sua coragem, atravessava períodos de depressão. Era razoável no entanto acreditar que não durariam muito tempo. Mrs. Gardiner deu também os detalhes da visita de Miss Bingley. E repetiu conversas que ela, Mrs. Gardiner, tinha tido com Jane, e que provavam que esta última tinha renunciado de coração àquelas relações. Mrs. Gardiner, então, gracejou com a sobrinha a respeito da deserção de Wickham e deu-lhe os seus parabéns por suportá-la tão bem.
 — Mas, minha querida Elizabeth — acrescentou ela —, que espécie de moça é Miss King? Ficaria triste de pensar que o nosso amigo é interesseiro.
 — Por favor, minha tia, diga-me qual é a diferença para os negócios matrimoniais entre os motivos interesseiros e os motivos da prudência? Até onde vai a discrição e onde começa a cobiça? No Natal passado, a senhora tinha medo de que Wickham se casasse comigo porque seria uma imprudência. E agora quer achá-lo interesseiro porque ele está tentando conquistar uma moça que tem dez mil libras de fortuna.
 — Se você me disser que espécie de moça é Miss King, eu saberei o que pensar.
 — É uma moça muito boa, creio eu; nada sei de mal a seu respeito.
 — Mas Wickham não lhe deu a menor atenção, até que a morte do avô a tornou herdeira da sua fortuna.
 — Não, nada mais natural. Se não lhe era permitido conquistar a minha afeição porque eu não tinha dinheiro, por que iria ele fazer a corte a uma moça de quem não gostava e que era igualmente pobre?
 — Mas parece pouco delicado da parte dele ter-se lançado a isto tão pouco tempo depois de lhe ter feito a corte.
 — Um homem em situação desesperada não tem tempo para todas essas delicadezas elegantes que outros podem manter. Se ela não se importa, por que nos importaremos nós?
 — O fato dela não se importar não o justifica. Mostra apenas que lhe falta também alguma coisa. Bom senso ou delicadeza de sentimentos.
 — Bem — exclamou Elizabeth —, faça a sua escolha. Ele é interesseiro e ela doida.
 — Não, Lizzy, isto é o que eu não escolho. Muito me entristeceria, você sabe, pensar mal de um rapaz que viveu tanto tempo no Derbyshire.
 — Oh, se isto é tudo, tenho uma fraca opinião a respeito dos rapazes que moram no Derbyshire. E seus íntimos amigos que moram no Hertfordshire não são muito melhores. Estou farta deles todos. Graças a Deus irei amanhã para um lugar onde não encontrarei nenhum homem amável e de belas maneiras. Os homens estúpidos são os únicos que vale a pena conhecer.
 — Cuidado, Lizzy, essas suas palavras cheiram fortemente a despeito.
 Antes que o fim da peça a que assistiam os separasse, Elizabeth teve o prazer inesperado de receber um convite para acompanhar os seus tios numa excursão de recreio que eles se propunham fazer no verão.
 — Ainda não decidimos onde terminará o nosso passeio — disse Mrs. Gardiner. — Mas talvez iremos até os lagos.
 Nenhum plano poderia ter sido mais agradável a Elizabeth e o seu aceite ao convite foi pronto e entusiasta.
 — Minha querida tia — exclamou ela, deliciada. — Que encanto, que felicidade! A senhora me inspira nova vida e vigor. Adeus, desapontamentos e tristezas. Que importam os homens aos rochedos e às montanhas? Oh, quantas horas agradáveis vamos passar! E quando voltarmos, não faremos como os outros viajantes que nada podem descrever com precisão. Nós nos lembraremos dos lugares que visitamos e das coisas que vimos. Lagos, montanhas e rios não se confundirão nas nossas lembranças. Nem quando tentarmos descrever uma cena, discutiremos a respeito da sua localização. E que as nossas primeiras efusões sejam menos insuportáveis do que as da maioria dos viajantes!

28

No dia seguinte, durante a viagem, tudo pareceu a Elizabeth novo e interessante. Sua disposição era excelente. Encontrara a sua irmã tão bem, que todas as preocupações sobre a sua saúde se tinham dissipado. E as perspectivas da sua viagem para o Norte eram uma fonte permanente de prazer.
 Quando deixaram a estrada principal para entrar no caminho que levava a Hunsford, todos os olhos estavam atentos para divisar a reitoria, e a cada volta esperavam vê-la surgir. A cerca do parque de Rosings limitava a estrada de um lado. Elizabeth sorria ao lembrar-se de tudo o que lhe tinham dito a respeito de seus habitantes.
 Afinal a reitoria apareceu. O jardim, descendo em rampa suave pela estrada, a casa que o encimava, a cerca verde, as sebes de loureiro, tudo declarava que estavam chegando. Mr. Collins e Charlotte apareceram à porta e a carruagem parou junto ao pequeno portão; uma aleia ensaibrada conduzia até à casa. Num instante saltaram todos do carro, contentes de se reverem. Mrs. Collins acolheu a sua amiga com muita alegria e Elizabeth, ao ver-se tão afetuosamente recebida, estava cada vez mais satisfeita de ter vindo. Viu imediatamente que os modos do seu primo não se tinham alterado com o casamento. A sua amabilidade convencional permanecia exatamente a mesma. E ele a deteve alguns instantes no portão, para fazer perguntas a respeito de cada uma das pessoas da sua família. Foram então conduzidos ao interior da casa. Mr. Collins fez ressaltar a beleza da entrada, e assim que chegaram à sala, tornou a dar as boas vindas com pomposa formalidade e repetiu meticulosamente todas as recomendações da sua esposa para que os visitantes se pusessem à vontade.
 Elizabeth estava preparada para vê-lo em toda a sua glória. E não pôde deixar de imaginar, ao ouvi-lo elogiar o tamanho da sala, seu aspecto e sua mobília, que se dirigia a ela particularmente, como se desejasse fazer-lhe sentir tudo o que tinha perdido ao recusar a sua mão. Mas embora tudo tivesse bom aspecto, Elizabeth não podia contentá-lo mostrando qualquer sinal de arrependimento, antes se espantava de que a sua amiga pudesse se mostrar tão alegre, vivendo com um tal companheiro. Quando Mr. Collins dizia alguma coisa de que sua mulher podia, com razão, se envergonhar, o que aliás era bastante frequente, Elizabeth voltava os olhos involuntariamente para Charlotte. Uma ou duas vezes ela pôde perceber um leve rubor. Mas em geral Charlotte, sensatamente, fingia que não tinha ouvido. Depois de ficarem sentados na sala o tempo suficiente para admirar cada peça da mobília, desde o guarda-louça até a grade da lareira, e contarem a sua viagem e tudo o que tinha acontecido em Londres, Mr. Collins convidou-os para um passeio no jardim, que era grande e bem-traçado, e de cujo trato se encarregava pessoalmente. Trabalhar no jardim era um dos seus prazeres mais respeitáveis. E Elizabeth se admirou da seriedade com que Charlotte se referiu àquele exercício saudável e admitiu que ela o encorajava nisto o mais que podia. Aí, conduzindo-os através de todos os caminhos e atalhos, sem lhes deixar tempo de exprimir os elogios que ele próprio desejava, fazia ressaltar cada detalhe do jardim com uma minúcia que destruía toda a beleza. Sabia enumerar os campos em todas as direções e sabia quantas árvores havia nos maciços mais distantes. Mas de todas as vistas de que o seu jardim, o condado ou o reino inteiro se podiam gabar, nenhuma se podia comparar com a vista de Rosings descortinada através das árvores que bordejavam o parque, quase defronte da sua casa. Era um belo edifício moderno, bem-situado numa elevação. Do jardim, Mr. Collins queria conduzi-los para uma volta em torno dos seus dois prados. Mas as senhoras, que não tinham os sapatos adequados para andar nos campos, ainda recobertos por um resto de geada, preferiam voltar. E enquanto Sir William acompanhava Mr. Collins, Charlotte conduziu a sua irmã e a sua amiga para lhes mostrar a casa, contente por ter uma oportunidade de fazê-lo sem o auxílio do marido. A casa era pequena, porém bem-construída e cômoda. E tudo estava arrumado com uma simplicidade e uma lógica que Elizabeth atribuiu inteiramente a Charlotte. Abstraindo a presença de Mr. Collins, reinava realmente em tudo um ar de conforto. E a julgar pelo prazer com que Charlotte mostrava tudo aquilo, Elizabeth supôs que a presença de Mr. Collins era frequentemente esquecida.
 Já lhe tinham informado que Lady Catherine continuava ainda no campo. Tornaram a falar nisto ao jantar e Mr. Collins observou:
 — Sim, Miss Elizabeth terá a honra de ver Lady Catherine de Bourgh domingo que vem na igreja. E não preciso dizer que ficará encantada com Lady Catherine. Ela é toda afabilidade e condescendência. E eu não duvido de que Miss Elizabeth seja honrada com a sua atenção, depois que terminar o serviço. Não hesito em afirmar que ela a incluirá, bem como a minha irmã Maria, em todos os convites com que nos honrar durante a sua visita aqui. A sua atitude para com a minha cara Charlotte é encantadora. Costumamos jantar em Rosings duas vezes por semana e Lady Catherine nunca permite que voltemos a pé para casa. Sempre nos oferece a sua carruagem, ou melhor, uma das suas carruagens, pois tem várias.
 — Lady Catherine é uma senhora muito respeitável e de muita sensibilidade — acrescentou Charlotte. — E uma vizinha muito atenciosa.
 — É verdade, minha cara, é exatamente o que eu digo. Ela é dessas senhoras que a gente não pode deixar de tratar com a maior deferência.
 Passaram a maior parte da noite falando sobre as novidades do Hertfordshire, e repetindo verbalmente o que já tinha sido comunicado por carta. E mais tarde, na solidão do seu quarto, Elizabeth teve que meditar sobre o extraordinário contentamento de Charlotte, a fim de compreender a serenidade e a habilidade com que ela conduzia o marido; pensou também nos dias que passaria ali, nos calmos divertimentos que os encheriam, nas irritantes interrupções de Mr. Collins e nas alegrias das visitas a Rosings. A sua imaginação traçou uma imagem viva de tudo isto.
 No dia seguinte, depois do almoço, enquanto Elizabeth se aprontava no seu quarto para o passeio, um ruído súbito lá embaixo pareceu lançar a casa em confusão. Depois de ficar atenta um minuto, Elizabeth ouviu alguém subir as escadas correndo, gritando o seu nome. Abriu a porta e no patamar encontrou Maria, que, sem fôlego, de tanta agitação, exclamou:
 — Oh, Eliza, apronte-se depressa e desça para a sala de jantar. Você não sabe quem está aí. Não vou lhe dizer quem é. Venha depressa, desça imediatamente.
 Elizabeth fez várias perguntas em vão. Maria se recusou a lhe dar resposta. Correram para baixo e entraram na sala de jantar que ficava defronte da alameda. No portão do jardim estava estacionado um faéton baixo com duas senhoras.
 — É só isto? — exclamou Elizabeth. — Eu supus no mínimo que os porcos tinham entrado no jardim. E nada vejo a não ser Lady Catherine e sua filha.
 — Oh — exclamou Maria, escandalizada com o engano. — Não é Lady Catherine; aquela senhora é Mrs. Jenkinson, que mora com eles. A outra é Miss de Bourgh. Olha para ela, como é pequena, quem imaginaria que pudesse ser assim tão miúda e tão magra?
 — Eu acho uma grande falta de cortesia da parte dela obrigar Charlotte a ficar lá fora com esse vento. Por que é que ela não entra?
 — Charlotte disse que quase nunca entra. É o maior favor que pode conceder.
 — A sua aparência me agrada — disse Elizabeth, a quem outros pensamentos tinham ocorrido. — Ela parece doentia e triste. Sim, serve para ele muito bem. Convém-lhe perfeitamente como esposa.
 Mr. Collins e Charlotte estavam ambos em conversa com as senhoras. E para alegria de Elizabeth, Sir William estava postado na porta de entrada, absorto pela grandeza que tinha diante de si, e inclinando-se constantemente, cada vez que Miss de Bourgh olhava para aquele lado.
 Finalmente a conversação se esgotou; o carro partiu e os outros voltaram para casa. Assim que Mr. Collins avistou as duas moças, pôs-se a cumprimentá-las pela sorte que tinham; Charlotte explicou que todos tinham sido convidados para jantar em Rosings no dia seguinte.

29

O triunfo de Mr. Collins com aquele convite foi completo. A possibilidade de mostrar a grandeza da sua protetora e a amabilidade com que Lady Catherine o tratava, bem como a sua esposa, era exatamente o que tinha desejado. O que mais lhe agradava, lançando-o numa admiração sem limites, era a condescendência que Lady Catherine mostrara, convidando-os tão cedo.
 — Confesso — disse ele — que eu não teria ficado surpreso se Lady Catherine nos convidasse para tomar chá e passar a tarde em Rosings no sábado. A experiência que tenho da sua afabilidade me autorizava a fazer essa suposição. Mas quem poderia ter previsto tamanha atenção? Quem poderia ter imaginado que iríamos receber um convite para jantar, um convite aliás que abrange todo o grupo, tão imediatamente depois da vossa chegada?
 — A mim não me surpreende tanto — replicou Sir William —, pois eu conheço os hábitos dos grandes, graças à minha situação na vida. Na corte, por exemplo, essas coisas não são raras.
 Durante o resto do dia, e na manhã seguinte, não se falou quase em outro assunto. Mr. Collins teve a precaução de lhes descrever as maravilhas que os esperavam para que o espetáculo dos salões, dos inúmeros criados e do opulento jantar não os ofuscasse inteiramente.
 Antes das senhoras se retirarem para os seus quartos a fim de se preparar, ele disse a Elizabeth:
 — Não fique inquieta, minha cara prima, a respeito da sua toalete. Lady Catherine está longe de exigir de nós a elegância que ela e sua filha ostentam. Eu lhe aconselho apenas a pôr o seu vestido mais elegante. Não é necessário mais do que isto. Lady Catherine não ficará aborrecida de vê-la vestida com simplicidade. Ela gosta de manter as distinções de classe.
 Enquanto as moças se vestiam, Mr. Collins veio bater duas ou três vezes em cada porta, para recomendar que se apressassem, pois Lady Catherine não gostava que a fizessem esperar para o jantar. Maria Lucas, que tinha pouca prática da sociedade, estava assustada com as formidáveis descrições da suntuosidade de Lady Catherine e do seu estilo de vida. E a sua apreensão não era menor do que a que seu pai sentira antes da sua apresentação em St. James.
 Como o tempo estava bom, o passeio através do parque foi muito agradável. Todos os parques têm as suas belezas e as suas perspectivas. Elizabeth o achou bonito, embora não visse motivos para os êxtases de Mr. Collins. A enumeração que este fez das janelas da fachada da frente e a sua revelação da soma que tudo aquilo custara a Sir Lewis de Bourgh a impressionaram pouco.
 Enquanto subiam as escadas para o hall, a emoção de Maria crescia a olhos vistos. E mesmo Sir William não parecia perfeitamente calmo. A coragem de Elizabeth não lhe faltou. Pelo que ouvira falar a respeito de Lady Catherine, não acreditava que ela impusesse graças a talentos extraordinários ou virtudes miraculosas. E acreditava poder contemplar sem desfalecer a simples pompa do dinheiro e da ostentação social.
 Do hall de entrada, cujas belas proporções e ricos ornamentos Mr. Collins fez ressaltar com ar extático, as visitas acompanharam os criados através de uma antecâmara até uma sala onde estavam Lady Catherine, sua filha e Mrs. Jenkinson. Ao vê-los entrar, Lady Catherine, com grande condescendência, levantou-se para recebê-los. E como Mrs. Collins tinha combinado com o marido que a formalidade das apresentações deveria ficar a cargo da esposa, a cerimônia decorreu corretamente, sem todas aquelas desculpas e agradecimentos que Mr. Collins teria julgado necessários.
 Apesar de já ter sido recebido em St. James, Sir William estava tão impressionado que se limitou a fazer profundas reverências e a sentar na sua cadeira sem dizer uma palavra. E sua filha, quase fora de si de medo, sentou na beirada da sua cadeira, sem saber para que lado olhar. Elizabeth não se sentiu absolutamente perturbada e pôde observar serenamente as três damas à sua frente.
 Lady Catherine era uma senhora alta, bastante gorda, com traços fortemente marcados, que outrora deveriam ter sido bonitos. O seu ar não era conciliador, nem a sua maneira de receber as visitas era tal que lhes fizesse esquecer a sua inferioridade social. Os seus silêncios não a tornavam formidável, mas tudo o que ela dizia era pronunciado num tom tão autoritário que revelava a sua pretensão; Elizabeth lembrou-se imediatamente da descrição de Mr. Wickham. E achou que Lady Catherine deveria ser exatamente como ele a tinha descrito.
 Quando, depois de examinar a mãe, em cujo rosto e gestos percebeu logo uma forte parecença com Mr. Darcy, voltou os olhos para a filha, achou-a tão mirrada que quase lhe escapou dos lábios a mesma exclamação de espanto que Maria tivera. Não havia a menor semelhança entre a mãe e a filha, nem no tipo nem no rosto. Os traços de Miss de Bourgh, embora não fossem desagradáveis, eram insignificantes. Falava muito pouco e só em voz baixa para Mrs. Jenkinson, cuja aparência nada tinha de excepcional e que se ocupava exclusivamente em ouvir o que ela dizia e em colocar um quebra-luz em situação conveniente diante dos olhos da moça.
 Depois de ficarem sentados durante alguns minutos, eles se dirigiram até a janela para admirar a vista; Mr. Collins se encarregava de lhes detalhar as belezas enquanto Lady Catherine tinha a bondade de informar a seus convidados que a vista era muito mais bela no verão.
 O jantar foi dos melhores. Mr. Collins não tinha exagerado o número de pratos e de criados. Como previra igualmente, ele se sentou na extremidade da mesa, por desejo expresso de Lady Catherine, mas a sua atitude era a de um homem a quem nada de melhor na vida pudesse suceder. Serviu-se, comeu e elogiou tudo com deliciada alegria; e todos os pratos foram louvados, primeiro por ele, em seguida por Sir William que, agora mais tranquilo, repetia tudo o que o seu genro dizia, como um eco, de tal modo que Elizabeth perguntou a si mesma se Lady Catherine não o acharia cacete. Mas Lady Catherine parecia satisfeita com a admiração excessiva dos seus hóspedes e sorria da maneira mais graciosa, especialmente quando era servido algum prato que eles não conheciam. Os outros conversavam pouco. Elizabeth estava sempre pronta para falar quando encontrava uma ocasião. Estava sentada entre Charlotte e Miss de Bourgh. A primeira seguia com atenção as palavras de Lady Catherine, e a segunda não deu uma palavra durante todo o jantar. Mrs. Jenkinson fiscalizava o apetite de Miss de Bourgh, e se mostrava preocupada porque ela comia tão pouco, insistindo para que provasse dos vários pratos e temerosa de que Miss de Bourgh estivesse indisposta. Maria nunca se atreveria a falar. E os cavalheiros nada mais faziam senão comer e admirar.
 Em seguida as senhoras voltaram para a sala. E até a hora do café tiveram que ficar ouvindo Lady Catherine falar. Ela falava sem interrupção, dando a sua opinião sobre cada assunto, com uma segurança que mostrava que não estava habituada a que lhe contestassem as palavras. Fez perguntas a Charlotte a respeito de assuntos domésticos, com familiaridade e minúcia. E deu-lhe muitos conselhos; disse-lhe como tudo deveria ser regulado numa família pequena como a sua e ensinou-lhe a cuidar das vacas e das aves domésticas. Elizabeth verificou que nenhum assunto, por mais humilde que fosse, escapava à atenção de Lady Catherine, contanto que encontrasse neles uma oportunidade para doutrinar. Nos intervalos das recomendações a Mrs. Collins, fazia uma série de perguntas a Maria e Elizabeth, especialmente a esta última, que conhecia menos e que, observou ela para Mrs. Collins, era uma mocinha muito gentil e bonita. Perguntou-lhe várias vezes quantas irmãs tinha, se eram mais moças ou mais velhas do que ela, se era provável que alguma se casasse, se eram bonitas, onde tinham sido educadas, qual era a situação do seu pai e qual o nome de solteira de sua mãe. Elizabeth sentiu toda a impertinência contida nessas perguntas, mas respondeu com grande simplicidade. Lady Catherine então observou:
 — A propriedade do seu pai está destinada, pela sucessão, a cair nas mãos de Mr. Collins. Alegro-me por sua causa — continuou ela, virando-se para Charlotte. — Mas não vejo a necessidade de privar a descendência feminina do direito de herdar propriedades. Na família de Sir Lewis de Bourgh, isto não foi julgado necessário. Sabe tocar piano e cantar, Miss Bennet?
 — Um pouco.
 — Então, um dia destes precisa nos dar este prazer. O nosso instrumento é dos melhores. Provavelmente superior ao... Precisa experimentá-lo qualquer dia. As suas irmãs também sabem tocar e cantar?
 — Uma delas sabe.
 — Por que as outras também não aprenderam? Deviam todas saber música. As irmãs Webb todas sabem tocar. E o pai delas não tinha tanto rendimento quanto o seu. Sabe desenhar?
 — Não, senhora.
 — O quê? Nenhuma de vocês?
 — Nenhuma.
 — Isto é muito curioso. Mas com certeza não tiveram oportunidade. Sua mãe devia ter levado vocês todas as primaveras para a cidade, para tomar lições.
 — Minha mãe não faria objeção a isto, mas meu pai detesta Londres.
 — A sua governanta foi despedida?
 — Nós nunca tivemos governanta.
 — Nunca tiveram governantas? Como é isto possível! Educar cinco filhas sem uma governanta! Nunca ouvi tal coisa! Sua mãe deve ter ficado escravizada à educação de vocês!
 Elizabeth não pôde deixar de sorrir ao responder que este não fora o caso.
 — Então quem ensinou a vocês? Quem se encarregou da sua educação? Sem uma governanta, ela deve ter sido relaxada.
 — Em comparação com a de certas famílias, acredito que sim. Mas lá em casa, às meninas que quiseram aprender nunca lhes faltou meios para isto. Sempre nos encorajaram a ler e tivemos todos os professores necessários. Mas às que preferiram não estudar foi-lhes feita a vontade.
 — Sem dúvida, mas isto justamente é o que uma governanta teria evitado. Se tivesse conhecido a sua mãe, eu a teria aconselhado com muita insistência a que tomasse uma governanta. Eu sempre digo que não é possível fazer nada em educação sem uma instrução constante e regular, e só uma governanta pode fazer isto. É espantoso o número de famílias para as quais eu arranjei governantas. É sempre com prazer que eu coloco uma moça bem-educada. Graças aos meus cuidados, quatro sobrinhas de Mrs. Jenkinson foram magnificamente colocadas. E outro dia mesmo eu recomendei outra jovem cujo nome ouvi apenas acidentalmente e a família ficou muito satisfeita com ela. Mrs. Collins, eu já lhe contei que Lady Metcalf veio me visitar ontem para me agradecer? Ela acha Miss Pope um tesouro. “Lady Catherine”, disse ela, “a senhora me deu um tesouro.” Alguma das suas irmãs mais moças já foi apresentada à sociedade, Miss Bennet?
 — Sim, minha senhora, todas.
 — O quê? Todas cinco de uma vez? É muito estranho. E você é apenas a segunda! As mais moças já frequentam a sociedade antes das mais velhas se casarem! Suas outras irmãs são muito moças?
 — A mais moça ainda não fez dezesseis anos. Talvez seja um pouco cedo demais para fazer vida social. Mas realmente, minha senhora, eu acho que seria uma crueldade recusar-lhes a sua parte de distrações e sociedade, só porque a mais velha não teve os meios ou a inclinação para se casar mais cedo. As mais moças têm os mesmos direitos aos prazeres da mocidade que as mais velhas. E trancá-las em casa, creio que não seria um bom meio de promover a afeição fraternal ou delicadeza de sentimentos.
 — Sob minha palavra — disse Lady Catherine —, você dá a sua opinião muito decididamente para uma pessoa de tão pouca idade. Diga-me, quantos anos tem?
 — Com três irmãs mais moças já crescidas — replicou Elizabeth —, Vossa Senhoria não pode esperar que eu lhe dê uma resposta.
 Lady Catherine pareceu ficar atônita com a resposta e Elizabeth suspeitou que ela tinha sido a primeira pessoa que jamais ousara fazer pouco de uma tão pomposa impertinência.
 — Você não pode ter mais de vinte anos, portanto não precisa esconder a sua idade.
 — Ainda não fiz 21 anos.
 Depois do chá, quando os cavalheiros se reuniram a elas, as mesas de jogo foram colocadas. Lady Catherine, Sir William, Mr. e Mrs. Collins sentaram-se para jogar quadrille. E como Miss de Bourgh preferisse jogar casino, as duas moças e Mrs. Jenkinson tiveram a honra de formar uma segunda mesa com ela. Esta mesa foi extremamente cacete.
 Não se ouviu uma sílaba que não se referisse ao jogo, exceto quando Mrs. Jenkinson exprimia os seus receios de que Miss de Bourgh estivesse agasalhada demais ou de menos ou que a luz estivesse deficiente ou em excesso. A outra mesa era muito mais animada. Lady Catherine em geral estava sempre falando, apontando os erros dos três outros, ou contando algum caso a respeito de si mesma. Mr. Collins estava ocupado em concordar com tudo o que Lady Catherine dizia, agradecendo-lhe cada ponto que ganhava e pedindo desculpas se achava que estava ganhando demais. Sir William pouco dizia. Ele estava sondando na sua memória anedotas e nomes nobres que conhecia.
 Quando Lady Catherine e sua filha se fartaram de jogar, as mesas foram carregadas, a carruagem foi oferecida a Mrs. Collins, aceita com gratidão e imediatamente chamada. Todos se reuniram em torno da lareira para ouvir Lady Catherine lançar os seus oráculos sobre o tempo que faria no dia seguinte. A chegada da carruagem a interrompeu.
 E depois de muitas tiradas de agradecimentos da parte de Mr. Collins e outras tantas reverências de Sir William, partiram. Mal tinham passado a porta, Mr. Collins pediu à sua prima que desse a sua opinião sobre tudo o que tinham visto em Rosings. Para o bem de Charlotte, Elizabeth deu uma resposta mais favorável do que realmente tinha vontade de dar. Os seus louvores, embora lhe custassem algum trabalho, de nenhum modo foram julgados suficientes por Mr. Collins e imediatamente ele se sentiu obrigado a tomar a seu cuidado o elogio de Lady Catherine.

30


Sir William ficou apenas uma semana em Hunsford; mas sua visita foi suficiente para convencê-lo de que sua filha estava instalada da maneira mais confortável e que possuía um marido e uma vizinha difíceis de encontrar iguais. Enquanto Sir William ficou em Hunsford, Mrs. Collins lhe consagrou as suas manhãs. Passeava com ele no seu cabriolé para lhe mostrar a região; mas depois que ele partiu, a família voltou para as suas ocupações habituais e Elizabeth ficou satisfeita porque não tinha que ficar tão constantemente com seu primo, pois a maior parte das horas, entre o café da manhã e o almoço, ele passava agora trabalhando no jardim, lendo ou escrevendo e olhando pela janela da biblioteca, que confrontava a estrada. A sala das senhoras ficava nos fundos. Elizabeth a princípio se espantou de que Charlotte não preferisse a sala de almoço para uso comum; era maior e de aspecto mais agradável. Mas logo compreendeu que a sua amiga tinha um excelente motivo para o que fazia, pois sem dúvida Mr. Collins passaria muito menos tempo na sua biblioteca se elas ficassem numa sala igualmente agradável.
 Da sala de visitas nada se podia ver da estrada. E dependiam de Mr. Collins para saber quais as carruagens que surgiam e quantas vezes Miss de Bourgh passava no seu faéton, coisa que ele jamais deixava de anunciar. E embora isto acontecesse quase todos os dias, muitas vezes Miss de Bourgh parava na reitoria e conversava alguns minutos com Charlotte. Mas quase nunca ela descia. Poucos dias decorriam sem que Mr. Collins fosse a Rosings. E frequentemente a sua esposa achava que devia acompanhá-lo. E Elizabeth só compreendeu o sacrifício de tantas horas quando se lembrou que possivelmente existiam outros cargos eclesiásticos que dependiam da família. De vez em quando Lady Catherine os honrava com uma visita. E nessas ocasiões, nada do que se passava na sala escapava à sua atenção. Ela observava as ocupações das moças, olhava para os seus trabalhos e aconselhava que os fizessem de maneira diferente. Achava errada a disposição dos móveis ou descobria uma negligência da criada. E se ficava às vezes para as refeições, era só para observar que os assados de Mrs. Collins eram grandes demais para a família.
 Elizabeth logo descobriu que a grande senhora, embora não fosse comissionada com o título de juiz de paz para o condado, era um magistrado muito ativo para a sua própria paróquia e levava as menores coisas ao conhecimento de Mr. Collins; e quando qualquer dos aldeões se mostrava descontente ou caía na miséria, ou quando surgia uma contenda, ela corria para a aldeia, a fim de dirimir as questões, silenciar as queixas e harmonizar as disputas e as desgraças com reprimendas e dinheiro. Os jantares em Rosings foram repetidos duas vezes por semana e se não fosse a ausência de Sir William e o fato de só haver uma mesa de jogo seriam uma repetição exata do primeiro. Os outros compromissos sociais eram mínimos, pois o gênero de vida das famílias da vizinhança estava em geral além dos meios da família Collins. Isto entretanto não desagradava a Elizabeth que, em suma, passava o tempo bastante agradavelmente. Havia horas de conversação interessante com Charlotte e como fizesse um tempo excepcionalmente belo para aquela época do ano, podia passear frequentemente ao ar livre. O seu passeio favorito, que fazia em geral enquanto os outros visitavam Lady Catherine, era no bosque aberto que limitava aquele lado do parque, onde havia uma bela alameda coberta que ninguém mais parecia apreciar e onde se sentia protegida da curiosidade de Lady Catherine.
 Dessa maneira tranquila, passaram os primeiros 15 dias da visita. A Páscoa estava se aproximando e durante a semana que a precedia devia chegar uma pessoa a Rosings; e como a família era tão pequena, esse acréscimo devia ser importante. Pouco depois da sua chegada, Elizabeth ouviu dizer que Mr. Darcy estava sendo esperado em Rosings daí a poucas semanas. E embora ela preferisse qualquer outra pessoa do seu conhecimento, a chegada de Mr. Darcy viria contribuir para o aparecimento de um rosto comparativamente novo nos jantares em Rosings. Além disso teria ocasião de observar pela sua atitude para com a prima, a quem ele estava evidentemente destinado por Lady Catherine, até que ponto os desígnios de Miss Bingley eram infundados. Lady Catherine falava na sua chegada com a maior satisfação, referia-se a ele nos termos mais elogiosos e quase ficou zangada ao saber que Miss Lucas e Elizabeth já o conheciam. Sua chegada foi logo sabida na reitoria, pois Mr. Collins passou a manhã inteira passeando perto dos portões do parque, a fim de ser o primeiro a ver. Ao surgir a carruagem, fez uma reverência e depois correu para casa.
 Na manhã seguinte, apressou-se a visitar Rosings para apresentar os seus respeitos. E teve que apresentá-los duas vezes, pois havia dois sobrinhos de Lady Catherine. Mr. Darcy tinha trazido consigo o coronel Fitzwilliam, o filho mais moço do seu tio, o Lord...; com grande surpresa para todos, quando Mr. Collins voltou para casa, vira-os atravessar a estrada. E, imediatamente, correndo para o outro quarto, avisou as meninas da honra que as esperava, acrescentando:
 — É a você, Eliza, que agradeço esta amabilidade. Mr. Darcy não viria aqui tão cedo por minha causa.
 Elizabeth ainda não acabara de protestar contra esta homenagem, quando a chegada dos dois cavalheiros foi anunciada pela campainha da porta e pouco depois eles entraram na sala. O coronel Fitzwilliam, que vinha na frente, parecia ter aproximadamente trinta anos de idade; não era bem-apessoado mas tinha as atitudes e os modos de um verdadeiro gentleman. Mr. Darcy não tinha mudado. Apresentou os seus cumprimentos a Mrs. Collins com a reserva habitual e quaisquer que fossem os seus sentimentos para com a amiga da dona da casa, ele a cumprimentou discretamente. Elizabeth fez uma curta reverência, sem dizer uma só palavra. O coronel Fitzwilliam começou a palestrar imediatamente, com a simplicidade de um homem bem-educado. A sua conversa era muito agradável, mas seu primo, depois de dirigir uma ligeira observação sobre a casa e o jardim, permaneceu sentado durante algum tempo em silêncio. E afinal ele julgou que devia indagar da saúde dos parentes de Elizabeth. Ela lhe respondeu com a simplicidade de sempre e depois de uma curta pausa, acrescentou:
 — Minha irmã mais velha tem estado em Londres nestes últimos três meses. Nunca lhe aconteceu encontrá-la?
 Sabia perfeitamente que nunca a tinha encontrado. Mas queria ver se ele deixaria transparecer que estava informado do que se tinha passado entre os Bingley e Jane. Pareceu-lhe que Mr. Darcy se mostrava um pouco confuso ao responder que nunca tivera a boa sorte de encontrar Miss Bennet. O assunto não foi mais mencionado e pouco depois os dois cavalheiros partiram.
continua

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