& Moira Bianchi: Orgulho e Preconceito - Jane Austen parte 1

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Orgulho e Preconceito - Jane Austen parte 1

Olá,
toda hora releio um pedacinho de O&P por saudade ou para conferir uma passagem que me inspira. E toda hora fico procurando... Agora peguei na Minhateca e posto meu livro favorito de todos os tempos que apesar de estar em domínio público, esta tradução é de alguém que talvez não tenha cem anos ainda. 
Respeite os direitos autorais e compre para ter pertinho de vc quando estiver off line (tenho várias edições!).
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Orgulho e Preconceito
Jane Austen


parte 1 de 6

1

É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, possuidor de uma boa fortuna, deve estar necessitado de esposa.
 Por pouco que os sentimentos ou as opiniões de tal homem sejam conhecidos, ao se fixar numa nova localidade, essa verdade se encontra de tal modo impressa nos espíritos das famílias vizinhas, que o rapaz é desde logo considerado a propriedade legítima de uma das suas filhas.
 — Caro Mr. Bennet — disse-lhe um dia a sua esposa —, já ouviu dizer que Netherfield Park foi alugado afinal?
 Mr. Bennet respondeu que não sabia.
 — Pois está —, assegurou ela. — Mrs. Long acabou de sair daqui e me contou tudo.
 Mr. Bennet não respondeu.
 — Afinal não deseja saber quem é o locatário? — gritou a mulher, impacientemente.
 — Você é quem está querendo me dizer e eu não faço nenhuma objeção a isto.
 Este convite foi suficiente.
 — Pois, meu caro, você deve saber que Mrs. Long disse que Netherfield foi alugada por um rapaz de grande fortuna, oriundo da Inglaterra. E que além disso ele chegou segunda-feira numa elegante caleça a fim de visitar a propriedade. Ficou tão encantado que entrou imediatamente em negócio com Mr. Morris; Mrs. Long disse também que ele entrará na posse do prédio antes do dia de S. Miguel. Alguns dos seus criados devem chegar já na próxima semana.
 — Como se chama ele?
 — Bingley.
 — É casado ou solteiro?
 — Oh, solteiro, naturalmente, meu caro. Solteiro e muito rico! Quatro ou cinco mil libras por ano. Que boa coisa para as nossas meninas, hein?
 — Como assim? De que modo pode isso afetá-las?
 — Meu caro Mr. Bennet —, replicou a sua esposa —, como você, às vezes, é enfadonho! Deve saber que ando pensando em casar uma delas...
 — Será este o projeto do homem ao se instalar aqui?
 — Projeto? Tolice... Como é que você pode dizer uma coisa destas? É até muito provável que ele se apaixone por uma delas. Portanto, assim que chegue você deve ir visitá-lo.
 — Não vejo motivo para isto. Você pode ir com as meninas, ou pode até mandá-las sozinhas, o que talvez ainda seja melhor, pois como você é tão bela quanto qualquer uma delas, Mr. Bingley pode preferi-la.
 — Você está me lisonjeando. Decerto já tive o meu quinhão de beleza, mas não ambiciono ser nada de extraordinário agora. Quando uma mulher tem cinco filhas crescidas, deve deixar de pensar em vaidades.
 — Em casos como esses, em geral, uma mulher não tem muito que pensar em beleza.
 — Mas meu caro, você deve realmente ir ver Mr. Bingley, quando ele chegar.
 — Não quero tomar esse compromisso.
 — Mas lembre-se das suas filhas. Pense que partido seria para uma delas! Sir William e Lady Lucas estão decididos a ir. E exclusivamente por motivo idêntico, pois você sabe que em geral eles não visitam recém-chegados. Deve ir, pois a nós, mulheres, será impossível fazê-lo, se antes você não o fizer.
 — Creio que isto é excesso de escrúpulos da sua parte. Tenho certeza que Mr. Bingley terá muito prazer em vê-la. Além disso eu lhe enviarei algumas linhas por seu intermédio, assegurando-lhe que darei o meu consentimento para que ele se case com qualquer das meninas que escolher, embora devesse acrescentar um elogio para a minha pequena Lizzy.
 — Desejo que não faça tal coisa. Lizzy não é melhor do que as outras. Estou convencida de que não tem nem metade da beleza de Jane. E nem sequer metade do bom humor de Lydia. Mas você não cessa de manifestar a sua preferência por ela.
 — Nenhuma delas tem muito o que se lhes recomende —, respondeu Mr. Bennet —; são tolas e ignorantes como as outras moças. Mas Lizzy é realmente um pouco mais viva do que as irmãs.
 — Como é que pode falar mal assim dos próprios filhos, Mr. Bennet? Você se compraz em aborrecer-me; não tem nenhuma pena dos meus pobres nervos.
 — Está enganada, minha cara. Tenho muito respeito pelos seus nervos. São meus velhos amigos. Venho escutando você falar a respeito deles com grande consideração, pelo menos durante esses últimos vinte anos.
 — Ah, você não sabe o que eu sofro!
 — Espero que você se restabeleça e viva bastante tempo para ver muitos rapazes com quatro mil libras anuais de rendimento se instalarem na vizinhança.
 — Pouco nos adiantará que venham vinte deles se você se recusar a visitá-los.
 — Pode ficar certa, minha querida, de que quando chegarem os vinte eu os visitarei a todos.
 Mr. Bennet era um misto tão curioso de vivacidade, humor sarcástico, reserva e capricho, que a experiência de 23 anos tinha sido insuficiente para que a sua esposa lhe conhecesse o caráter. O espírito de sua mulher era menos difícil de compreender; tratava-se de uma senhora dotada de inteligência medíocre, pouca cultura e gênio instável. Quando se aborrecia imaginava que estava nervosa. A única preocupação da sua vida era casar as filhas. Seu consolo, fazer visitas e saber novidades.

2

Mr. Bennet foi uma das primeiras pessoas que visitaram Mr. Bingley. Sempre fora esta a sua intenção, embora continuasse a assegurar até o fim à sua esposa que não iria de forma alguma; nada lhe disse até à noite do dia em que fez a visita. Só aí ele o revelou, da seguinte maneira: vendo a sua segunda filha ocupada em reformar um chapéu, dirigiu-lhe de súbito estas palavras:
 — Espero que Mr. Bingley goste do chapéu, Lizzy.
 — Não temos nenhum modo de saber as preferências de Mr. Bingley já que não podemos visitá-lo — interveio a mãe, ressentida.
 — Mas você se esquece, mamãe — disse Elizabeth —, de que nós o encontraremos em reuniões e que Mrs. Long nos prometeu apresentá-lo.
 — Não creio que Mrs. Long faça tal coisa. Ela tem duas sobrinhas e é uma mulher egoísta e hipócrita. A minha opinião sobre ela não é boa.
 — Nem a minha tampouco — disse Mr. Bennet. — Alegra-me saber que você não depende dos serviços dela.
 Mrs. Bennet não se dignou responder. Incapaz de dominar-se por mais tempo, entretanto, pôs-se a ralhar com uma das filhas:
 — Não tussa desse modo, pelo amor de Deus, Kitty. Tenha um pouco de piedade dos meus nervos... Você está dilacerando-os!
 — Kitty não sabe tossir discretamente — disse o pai. — Não tem noção do momento oportuno.
 — Não tusso para distrair-me — respondeu Kitty, irritada. — Quando será o nosso próximo baile, Lizzy?
 — De amanhã a 15 dias.
 — É verdade — gritou a mãe. — E Mrs. Long só estará de volta na véspera desse dia. Logo, ser-lhe-á impossível fazer a apresentação do estranho, pois ela tampouco o terá conhecido.
 — Portanto, minha cara, você poderá adiantar-se à sua amiga e apresentar Mr. Bingley a ela.
 — Impossível, Mr. Bennet, impossível! Se eu não tenho relações com ele! Como pode você ser tão provocante?
 — Respeito a sua discrição. Quinze dias de conhecimento decerto não são suficientes. Não se pode conhecer realmente um homem em tão curto espaço de tempo. Mas se não arriscarmos, outra pessoa o fará. E afinal de contas, Mrs. Long e as suas sobrinhas devem ter também a sua oportunidade. E como lhe será fácil pensar que é um ato de caridade da sua parte recusar tal incumbência, eu assumirei a responsabilidade.
 As meninas olharam fixamente para o pai. Mrs. Bennet disse apenas:
 — Tolice, tolice.
 — Qual é o significado dessa exclamação enfática? — perguntou o pai. — Considera tolice as formas de apresentação e a importância que lhes emprestamos? Neste ponto não posso concordar com você. Que é que acha, Mary? Sei que é uma moça de juízo; lê grandes livros e faz resumos de tudo o que lê.
 Mary quis fazer uma observação sensata mas não pôde.
 — Enquanto Mary ajusta as suas ideias — continuou Mr. Bennet —, voltemos a Mr. Bingley.
 — Estou enjoada de Mr. Bingley —, exclamou Mrs. Bennet.
 — Causa-me pena saber isto. Por que não me disse antes? Teria assim evitado que eu me desse ao trabalho de visitá-lo. Foi pouca sorte. Mas como tudo está feito, não podemos agora evitar relações.
 O ar estupefato das senhoras era exatamente o que ele desejava causar. O de Mrs. Bennet talvez sobrepujasse os outros. Entretanto, ao desvanecer-se o primeiro tumulto de alegria, ela começou declarando que era aquilo mesmo o que esperava.
 — Que bondade da sua parte, caro Mr. Bennet! Tinha certeza que acabaria por convencê-lo, pois estava certa do seu amor pelas suas filhas. Sabia portanto que não iria desprezar assim uma tão grande oportunidade. Nem sabe a alegria que sinto... E com que espírito você nos enganou até o último momento!
 — Agora, Kitty, pode tossir à vontade — disse Mr. Bennet, ao deixar o quarto, enfastiado pelas demonstrações exageradas da esposa.
 — Que excelente pai vocês têm, meninas — continuou ela, logo que a porta se fechou. Não sei como poderão jamais compensar tamanha bondade. Nem eu tampouco, aliás. Posso assegurar-lhes que na nossa idade não é tão agradável assim travar novas relações todos os dias... Entretanto, por vocês, faríamos todos os sacrifícios. Lydia, meu bem, embora seja você a mais moça, ouso profetizar que Mr. Bingley dançará com você no próximo baile.
 — Oh — exclamou Lydia, orgulhosa — não tenho medo. Embora seja a mais moça, sou também a mais alta.
 Passaram o resto da noite conjeturando qual seria o dia provável em que o estranho viria pagar a visita de Mr. Bennet e procurando determinar aquele em que o convidariam para jantar.

3

Entretanto todas as perguntas que Mrs. Bennet, com auxílio das suas cinco filhas, fez sobre o assunto foram insuficientes para extrair do marido uma descrição satisfatória de Mr. Bingley. Atacaram-no de vários modos, com perguntas diretas, engenhosas suposições e hipóteses distantes. Ele desafiou a habilidade de todas elas. Afinal foram obrigadas a aceitar as informações de segunda mão da sua vizinha Lady Lucas. O relatório desta última foi altamente favorável. Sir William tinha ficado encantado com ele. Era jovem, elegantíssimo, extremamente agradável. E para coroar tudo, tencionava ir ao próximo baile em companhia de grande número de conhecidos. Nada poderia ser mais delicioso. Gostar de dança era o primeiro passo para se apaixonar. E vivas esperanças de conquistar o coração de Mr. Bingley foram bafejadas.
 — Se eu pudesse ver uma das minhas filhas instalada em Netherfield, alegre e feliz — disse Mrs. Bennet ao marido —, e todas as demais igualmente bem-casadas, nada mais teria a desejar.
 Daí a poucos dias Mr. Bingley veio retribuir a visita de Mr. Bennet. Conversaram na biblioteca durante dez minutos. Mr. Bingley tinha alimentado a esperança de ver uma das moças, sobre cuja beleza tanto ouvira falar. Mas viu apenas o pai. As senhoras tiveram mais sorte: olhando por detrás de uma janela do sobrado, conseguiram saber que ele usava casaco azul e montava um cavalo preto.
 Pouco depois, um convite para jantar foi-lhe enviado. Mrs. Bennet já tinha planejado os pratos à altura da fama da sua cozinha, quando chegou uma resposta adiando tudo. Mr. Bingley se via obrigado a partir para a cidade no dia seguinte e portanto não podia aceitar a honra daquele convite, etc. Mrs. Bennet ficou desolada. Não sabia que negócio poderia tê-lo atraído à cidade, tão pouco tempo depois da sua chegada no Hertfordshire. Começou a temer que Mr. Bingley estivesse sempre em trânsito de um lugar para outro, e que nunca se demorasse em Netherfield, como devia. Lady Lucas acalmou um pouco os seus receios, sugerindo a ideia de que Mr. Bingley tinha partido para Londres apenas para buscar conhecidos que o acompanhassem ao baile. As meninas lamentaram a vinda de tão grande número de senhoras. Mas, na véspera do baile, consolaram-se ao saber que em vez de doze, Mr. Bingley tinha trazido apenas seis senhoras de Londres, cinco irmãs e uma prima. E quando o grupo entrou no salão, consistia apenas em cinco pessoas: Mr. Bingley, suas duas irmãs, o marido da mais velha e outro rapaz.
 Mr. Bingley era simpático e fino de maneiras. A sua aparência era agradável, os seus gestos sem afetação. Quanto às suas irmãs, era visível que se tratava de pessoas distintas. Vestiam-se à última moda. O cunhado, Mr. Hurst, era o que se pode chamar um gentleman, sem outras características. Mas o amigo, Mr. Darcy, atraiu desde logo a atenção da sala, pela sua estatura, elegância, traços regulares e nobre atitude e também pela notícia que circulou, cinco minutos depois da sua entrada, de que possuía um rendimento de dez mil libras por ano. Os cavalheiros declararam que ele era uma bela figura de homem, as senhoras foram de opinião que era muito mais elegante do que Mr. Bingley. Todos o olharam com grande admiração durante metade do baile, até que finalmente a sua atitude provocou um certo desapontamento que alterou a sua maré de popularidade, pois descobriram que era orgulhoso, permanecia afastado do seu grupo e parecia impossível de contentar. E nem mesmo toda a sua grande propriedade, no Derbyshire, pôde salvá-lo da opinião que começava a formar-se a seu respeito, de que ele tinha modos antipáticos e desagradáveis, e de que era indigno de ser comparado ao amigo. E Mr. Bingley em pouco tempo travou relações com as principais pessoas da sala. Era animado e franco, dançava todas as vezes e mostrou-se aborrecido por ter o baile terminado tão cedo. Chegou mesmo a falar em dar outro em Netherfield. Qualidades tão amáveis falam por si mesmas. Que contraste entre ele e seu amigo! Mr. Darcy dançou apenas uma vez com Mrs. Hurst e outra com Miss Bingley. Recusou-se a ser apresentado a qualquer outra moça e passou o resto da noite andando pelo salão, conversando ocasionalmente com uma ou outra pessoa do seu próprio grupo. Seu caráter estava fixado. Era o homem mais orgulhoso, mais desagradável do mundo. E todos pediram a Deus que ele nunca mais voltasse. Entre as pessoas que estavam contra ele, a mais violenta era Mrs. Bennet, a cuja antipatia pela sua conduta se somava o despeito de ver uma das suas filhas desprezada por ele.
 Devido à falta de pares, Elizabeth Bennet fora obrigada a ficar sentada durante duas danças; e parte desse tempo ela o passou suficientemente próxima a Mr. Darcy para ouvir uma palestra entre ele e Mr. Bingley. Este último, que acabara de dançar, vinha animar o amigo a imitá-lo.
 — Venha, Darcy — disse ele —, você precisa dançar. Incomoda-me vê-lo aí sozinho, de um modo tão estúpido. Seria muito melhor que você dançasse.
 — Por coisa alguma deste mundo; bem sabe como eu detesto dançar, a não ser conhecendo intimamente o meu par. Numa festa como esta seria insuportável. Suas irmãs estão ocupadas e não existe outra mulher na sala com quem eu dançaria sem sacrifício.
 — Jamais eu seria tão exigente — exclamou Bingley —; palavra de honra, eu nunca encontrei tantas moças interessantes na minha vida... E você está vendo que algumas são excepcionalmente belas!
 — Você está dançando com a única moça realmente bonita que existe nesta sala — disse Mr. Darcy, olhando para a mais velha das irmãs Bennet.
 — Oh, é a mais bela moça que já vi na minha vida, mas bem atrás de você está uma das suas irmãs, que é muito bonita e agradável. Deixe-me pedir ao meu par que o apresente a ela?
 — Qual? — perguntou ele, voltando-se e detendo um momento a vista em Elizabeth até que, encontrando os seus olhos, desviou os seus e disse, friamente: — É tolerável, mas não tem beleza suficiente para tentar-me. Não estou disposto agora a dar atenção a moças que são desprezadas pelos outros homens. É melhor você voltar ao seu par e se deliciar com os seus sorrisos, pois está perdendo tempo comigo.
 Mr. Bingley seguiu o conselho. Mr. Darcy se afastou e os sentimentos de Elizabeth para com ele não permaneceram muito cordiais. No entanto, ela contou a história com muita graça às suas amigas, pois era de espírito alegre e brincalhão e se deleitava com tudo o que era ridículo.
 De um modo geral a noite decorreu agradavelmente para toda a família. Mrs. Bennet vira a sua filha mais velha ser muito admirada pelo grupo de Netherfield. Mr. Bingley tinha dançado duas vezes com ela. E as irmãs dele a tinham tratado com muita amabilidade. Jane ficou tão contente quanto a sua mãe, embora manifestasse os seus sentimentos de maneira mais discreta. Elizabeth se alegrou com o prazer de Jane. Mary ouvira o seu nome mencionado por Miss Bingley como sendo o da moça mais dotada da reunião. Katherine e Lydia tinham tido a sorte de nunca ficarem sem par, a única coisa que elas consideravam importante num baile. Todos voltaram, pois, de bom humor para Longbourn, aldeia onde residiam e da qual eram os principais habitantes. Encontraram Mr. Bennet ainda acordado. Com um livro na mão ele perdia a noção do tempo. Naquele momento manifestou grande curiosidade em saber a causa de tão grande alegria. Antes de sua mulher sair para o baile, julgara que as esperanças dela seriam destruídas, mas verificou logo que a história era muito diferente.
 — Meu caro Mr. Bennet — disse ela, entrando na sala —, tivemos uma noite deliciosa, um baile excelente! Pena é que você não estivesse lá. Jane foi tão admirada! Nada podia ter acontecido melhor... Todos disseram que ela estava muito bonita. Mr. Bingley achou-a linda e dançou duas vezes com ela. Imagine, meu caro! Dançou com ela duas vezes! Foi a única moça na sala com quem ele repetiu uma dança. Primeiro dançou com Miss Lucas. Fiquei desapontada, mas no entanto ele não pareceu muito entusiasmado com ela. Aliás ninguém o pode... Mr. Bingley parecia muito impressionado com Jane, ao vê-la dançar com outro rapaz. Foi aí que ele perguntou quem era ela, pediu que o apresentassem e solicitou as duas próximas danças. Depois dançou com Miss King as duas terceiras, com Maria Lucas as duas quartas, as duas quintas com Jane novamente, as duas sextas afinal com Lizzy e a Boulanger.
 — Se ele tivesse tido qualquer espécie de compaixão por mim — exclamou o marido, impaciente —, não teria dançado nem sequer a metade! Pelo amor de Deus, não continue a lista dos pares de Mr. Bingley. Antes ele tivesse torcido o pé na primeira dança.
 — Oh, meu caro — continuou Mrs. Bennet —, fiquei encantada com ele. É um lindo rapaz e as suas irmãs são encantadoras. Nunca na minha vida vi nada tão elegante quanto os vestidos que elas usavam. A renda do vestido de Mrs. Hurst...
 Aí foi ela novamente interrompida. Mr. Bennet protestou contra qualquer descrição de toilettes. Mrs. Bennet foi então obrigada a procurar outro aspecto do assunto e relatou com muita acrimônia e algum exagero as chocantes malcriações de Mr. Darcy.
 — Mas eu lhe asseguro — acrescentou ela —, que Lizzy não perde muito por não corresponder às preferências deste homem, pois ele é desagradável, horrível; pouco adianta cativá-lo. Tão orgulhoso e tão convencido que é impossível aturá-lo. Andava de um lado para outro, pensando na sua própria importância. Não é suficientemente simpático para que se tenha prazer em dançar com ele. Queria que você estivesse lá e lhe desse uma das suas respostas. Detesto aquele homem.

4

Quando Jane e Elizabeth ficaram sozinhas, a primeira, que anteriormente fora mais discreta nos seus elogios de Mr. Bingley, confessou à sua irmã quanto o admirava.
 — Ele é exatamente o que um rapaz deve ser — acrescentou. — Ajuizado, alegre, animado. Nunca vi maneiras tão distintas, tanta espontaneidade e tão boa educação.
 — Também é bonito — replicou Elizabeth —, qualidade que um rapaz deve possuir se possível. Assim a sua personalidade se torna completa.
 — Fiquei muito lisonjeada por ele me ter pedido para dançar uma segunda vez. Não esperava tal galanteio.
 — Não? Pois eu o esperava por você. Mas esta é uma das grandes diferenças entre nós. Os galanteios sempre a surpreendem. A mim, nunca. Nada mais natural do que ele pedi-la para outra dança. Não podia deixar de reconhecer que você era cinco vezes mais bonita do que qualquer outra moça na sala. Não lhe fique grata por isso. Na verdade, ele é muito agradável, e eu lhe dou licença de gostar dele. Você já gostou de muitas pessoas mais estúpidas.
 — Minha querida Lizzy!
 — Você bem sabe que tem uma inclinação para gostar em geral das pessoas. Nunca encontra defeito em ninguém. A seus olhos todos são bons e agradáveis. Nunca ouvi você falar mal de quem quer que seja em toda a minha vida.
 — Não desejaria censurar ninguém irrefletidamente. Mas sempre digo o que penso.
 — Eu sei, e é isso o que me espanta. Sensata como você é, deixar-se enganar tão simploriamente pela loucura e pelo absurdo dos outros! A candura afetada é bastante comum; encontra-se por toda a parte, mas ser cândida sem ostentação ou artifício, ver o lado bom do caráter de todo o mundo, torná-lo ainda melhor, ignorar o lado mau são coisas que lhe pertencem exclusivamente. E você gostou também das irmãs daquele homem, não é? As maneiras delas não são tão agradáveis quanto as de Mr. Bingley...
 — Decerto que não. A princípio... Mas são moças muito agradáveis quando se conversa com elas. Miss Bingley vai morar com o irmão e dirigir a sua casa; se não me engano, encontraremos nela uma excelente vizinha.
 Elizabeth nada respondeu, mas não ficou convencida. O comportamento daquelas moças durante o baile não fora calculado para agradar a todo o mundo. Dotada de maior rapidez de observação do que a irmã e de menos docilidade de gênio e possuindo, além disso, uma faculdade de julgamento que nenhuma complacência consigo mesma obscurecia, Elizabeth se sentia pouco disposta a aceitar aquelas pessoas. Eram de fato moças distintas; não lhes faltava bom humor quando estavam contentes, nem o poder de agradar quando o desejavam; porém eram orgulhosas e convencidas. Além disso eram bastante bonitas e tinham sido educadas num dos principais colégios particulares de Londres. Possuíam uma fortuna de vinte mil libras, costumavam gastar mais do que deviam e associar-se com pessoas de classe: tinham portanto as aptidões necessárias para pensar bem de si mesmas e mediocremente dos outros. Provinham de uma família respeitável do Norte da Inglaterra; coisa que guardavam mais profundamente impressa em sua memória do que o fato de sua fortuna, bem como a do irmão, terem sido adquiridas no comércio.
 Mr. Bingley herdara do pai uma fortuna calculada em cem mil libras. Este tencionara comprar uma propriedade, mas morrera antes de realizar o seu projeto. Mr. Bingley alimentava a mesma ideia e às vezes escolhia o seu condado; mas como dispunha agora de uma boa propriedade e da liberdade de uma casa senhorial, muitos daqueles que lhe conheciam o gênio acomodatício desconfiavam de que acabasse o resto dos seus dias em Netherfield, incumbindo da compra a próxima geração.
 Suas irmãs estavam ansiosas para que ele possuísse um domínio particular; no entanto, embora Mr. Bingley estivesse agora estabelecido apenas como locatário, Miss Bingley de modo algum se recusava a presidir a sua mesa; e Mrs. Hurst, que se tinha casado mais pela importância social do que pela fortuna do marido, não se encontrava menos disposta a considerar a casa do irmão como a sua própria, desde que a mesma lhe conviesse. Havia apenas dois anos que Mr. Bingley atingira a maioridade, quando, devido a uma recomendação ocasional, se sentira tentado a visitar Netherfield House. E de fato a visitou durante meia hora, ficando satisfeito com a situação e os quartos principais, ouviu os elogios da proprietária e alugou-a imediatamente. Entre ele e Darcy havia uma amizade muito firme, apesar dos seus caracteres serem opostos. Bingley era caro a Darcy pela doçura, franqueza e maleabilidade do seu gênio, embora essas qualidades contrastassem de modo absoluto com as suas, e Darcy não parecesse nada descontente com as que lhe tinham cabido por sorte. Bingley confiava cegamente na força dos sentimentos de Darcy, e tinha a mais alta opinião das suas ideias. Em inteligência Darcy era superior. Bingley não era de modo nenhum deficiente em força mental, mas Darcy era mais vivo. Era ao mesmo tempo altivo, reservado, desdenhoso, e suas maneiras, apesar de bem-educado, eram pouco convidativas. A esse respeito, o seu amigo levava grande vantagem: Bingley tinha a certeza de agradar, onde quer que aparecesse. Darcy estava sempre ofendendo os outros.
 A maneira pela qual eles se referiam ao baile de Meryton era bastante característica. Bingley dizia que nunca encontrara gente mais agradável, nem moças mais bonitas em toda a sua vida. Todos tinham sido amáveis e atenciosos com ele; não tinha havido formalidade nem friezas e sentira-se logo à vontade com todos na sala; quanto a Miss Bennet não podia conceber que um anjo fosse mais belo. Darcy, ao contrário, afirmava que havia assistido a uma reunião em que não havia beleza nem elegância; não sentira o menor interesse por nenhuma pessoa e tampouco recebera a atenção de alguém. Reconhecia que Miss Bennet era bonita, embora sorrisse demais. Mrs. Hurst e a sua irmã concordaram com isto. Mas ainda assim admiravam Miss Bennet e declararam que era uma moça encantadora e que não se oporiam a entrar em relações mais estreitas com ela. Ficou estabelecido portanto que Miss Bennet era uma moça encantadora e Bingley se sentiu autorizado com esses elogios a pensar nela da forma que mais desejasse.

5

A pouca distância de Longbourn, vivia uma família com que os Bennet mantinham relações particularmente íntimas. Sir William Lucas fora antigamente comerciante em Meryton, onde acumulara uma fortuna regular e onde, também, fora agraciado pelo rei com um título de cavaleiro, enquanto exercia as funções de prefeito. A honra fora talvez demasiadamente apreciada. Ela lhe inspirara uma repulsa pelo seu negócio e pela pequena cidade comercial em que habitava. Abandonando as duas coisas, mudou-se com a família para uma casa situada a mais ou menos uma milha de Meryton, lugar que depois ficou sendo chamado “Lucas Lodge”, onde podia pensar com prazer na sua própria importância e, livre dos negócios, dedicar-se inteiramente à sociedade. Embora orgulhoso da sua posição, esta não o tornou desdenhoso; ao contrário, Sir William era todo atenção para os outros. Por natureza inofensivo, amável e prestativo, a sua apresentação em St. James o tornara polido e cortês.
 Lady Lucas era uma mulher de bons sentimentos, cuja inteligência não era demasiadamente brilhante para impedir que fosse uma vizinha preciosa para Mrs. Bennet. Tinha vários filhos. A mais velha de todos, uma moça ajuizada e inteligente, de cerca de 27 anos, era a amiga mais íntima de Elizabeth.
 Era absolutamente necessário que Mrs. Lucas e Mrs. Bennet se encontrassem para discutir um baile a que tivessem comparecido. E na manhã seguinte, Mrs. Lucas e sua filha se dirigiram para Longbourn, a fim de trocar impressões.
 — Você começou bem a noite, Charlotte — disse Mrs. Bingley para Miss Lucas. — Foi a primeira que Mr. Bingley escolheu para dançar.
 — Sim, mas ele pareceu gostar mais do segundo par.
 — Oh, você se refere a Jane, suponho eu, porque Mr. Bingley dançou com ela duas vezes? Isto decerto leva a crer que ele a achou interessante. Aliás estou certa de que este foi o caso. Ouvi falar a respeito disso, mas não me lembro exatamente o que foi — qualquer coisa sobre Mr. Robinson.
 — Talvez a senhora se refira ao que eu ouvi numa conversa entre ele e Mr. Robinson: já não lhe contei isto? Mr. Robinson perguntou o que ele achava do baile de Meryton, se não achava que havia grande número de mulheres bonitas na sala. E perguntou também qual era a que ele achava mais bonita. Mr. Bingley respondeu imediatamente: “oh, a mais velha das irmãs Bennet, sem dúvida. Não pode haver duas opiniões a este respeito.”
 — Palavra de honra — bem, a resposta foi de fato muito pronta — parece até que... No entanto tudo pode dar em nada, você sabe.
 — Você é que não ouviu conversas tão agradáveis, Eliza — disse Charlotte. — As palavras de Mr. Darcy não foram tão amáveis quanto as de seu amigo, não é? Pobre Eliza! Ser julgada apenas tolerável...
 — Peço-lhe que não incite Lizzy a ficar ressentida com a grosseria de Mr. Darcy, pois é um homem tão desagradável que seria uma infelicidade ser cortejada por ele. Mrs. Long me disse ontem que ele ficou sentado ao seu lado durante meia hora sem abrir a boca uma só vez.
 — A senhora tem certeza? Não haverá aí um pequeno engano? — indagou Jane. — Estou certa que vi Mr. Darcy falando com ela.
 — Sim, porque ela perguntou afinal se gostava de Netherfield e ele não teve outro remédio se não responder. Mas Mrs. Long disse que ele ficou muito aborrecido porque lhe dirigira a palavra.
 — Miss Bingley me disse — comentou Jane — que ele é muito calado, exceto com as pessoas mais íntimas. Com estas mostra-se notavelmente agradável.
 — Não acredito numa só palavra. Se fosse assim tão agradável, teria conversado com Mrs. Long. Mas eu compreendo tudo; todo mundo diz que ele é terrivelmente orgulhoso, e com certeza ouviu dizer que Mrs. Long não tem carruagem e que teve de ir ao baile num carro alugado.
 — Pouco me importa que ele não tenha conversado com Mrs. Long — disse Miss Lucas —, mas eu queria que tivesse dançado com Eliza.
 — Se eu fosse você, Lizzy — disse a mãe —, na próxima vez me recusaria a dançar com ele.
 — Creio que posso lhe prometer com segurança que nunca mais dançarei.
 — O seu orgulho não me ofende tanto — disse Miss Lucas — como o orgulho em geral, porque existe um motivo para ele. Não é de admirar que um rapaz tão distinto, com família, fortuna, tudo a seu favor, tenha de si mesmo uma alta opinião. Se posso exprimir-me assim, ele tem o direito de ser orgulhoso.
 — Isto é bem verdade — replicou Elizabeth —, e eu perdoaria facilmente o seu orgulho se Mr. Darcy não tivesse mortificado o meu.
 — O orgulho — observou Mary, que se gabava da solidez das suas reflexões — é um defeito muito comum, creio eu. Por tudo o que tenho lido, estou mesmo convencida de que é muito comum, que a natureza humana manifesta uma tendência muito acentuada para o orgulho, que são pouquíssimos os que não alimentam esse sentimento, fundados nalguma qualidade real ou imaginária! A vaidade e o orgulho são coisas diferentes, embora as palavras sejam frequentemente usadas como sinônimos. Uma pessoa pode ser orgulhosa sem ser vaidosa. O orgulho se relaciona mais com a opinião que temos de nós mesmos, a vaidade com o que desejaríamos que os outros pensassem de nós.
 — Se eu fosse tão rico quanto Mr. Darcy — gritou um jovem Lucas, que tinha vindo com as suas irmãs — não me importaria de ser orgulhoso, teria uma matilha de perdigueiros e beberia uma garrafa de vinho todos os dias.
 — Nesse caso você beberia muito mais do que deveria — disse Mrs. Bennet. — E se eu o visse ocupado desse modo, arrebatar-lhe-ia a garrafa imediatamente.
 O menino contestou que ela fizesse tal coisa. Mrs. Bennet continuou a declarar que o faria e a discussão só terminou com a visita.

6

As senhoras de Longbourn breve foram visitar as de Netherfield. A visita foi paga segundo a etiqueta. As maneiras agradáveis de Miss Bennet incrementaram a boa vontade de Mrs. Hurst e Miss Bingley; e embora a mãe fosse julgada intolerável e as irmãs mais moças indignas de atenção, as irmãs de Mr. Bingley manifestaram desejo de estreitar relações com as duas filhas mais velhas dos Bennet. Jane recebeu esta atenção com o maior prazer, porém Elizabeth continuou a achar desdenhosa a maneira pela qual elas tratavam todo o mundo, sem excetuar mesmo a sua irmã e não conseguiu simpatizar com essas pessoas. A amabilidade com que tratavam Jane se originava provavelmente na influência que a admiração de Mr. Bingley exercia sobre as duas irmãs. Era evidente, sempre que se encontravam, que ele de fato admirava Miss Bennet e para Elizabeth era igualmente evidente que Jane cedia à preferência que Mr. Bingley começara a manifestar por ela desde o início, e que devia estar de certo modo muito apaixonada. Elizabeth refletia, com prazer, que não era provável que alguém o descobrisse, pois Jane unia uma grande força de sentimentos a uma discrição de gênio e a uma disposição uniformemente alegre que a preservaria da suspeita de pessoas impertinentes. Ela fez essas reflexões à sua amiga Miss Lucas.
 — Deve ser talvez agradável — replicou Charlotte — poder enganar o público em tais casos, mas às vezes é desvantajoso ser tão reservada. Se uma mulher esconde a sua afeição com igual habilidade àquele que constitui o objeto dessa afeição, pode perder a oportunidade de conquistá-lo. E neste caso é um parco consolo refletir que os outros permanecem na mesma ignorância. Existe tanta gratidão e vaidade em quase todas as afeições que é perigoso abandoná-las à sua sorte — todos podemos começar livremente, uma ligeira preferência é bastante natural, mas são poucos os que têm o coração bastante firme para amar sem receber alguma coisa em troca. Em noventa por cento dos casos, uma mulher deve mostrar mais afeição do que a que ela realmente sente. É evidente que Bingley gosta da sua irmã, mas ele pode nunca passar disto se ela não o auxiliar.
 — Mas Jane o auxilia tanto quanto a sua natureza o permite. Se eu posso perceber a preferência que ela tem por ele, Bingley seria um homem bem simplório se não o descobrisse também.
 — Lembre-se, Lizzy, de que ele não conhece o temperamento de Jane como você.
 — Mas se uma mulher manifesta preferência por um homem e não se esforça por encobrir os seus sentimentos, ele acabará sabendo.
 — Talvez acabe se a vir frequentemente. Mas embora Bingley e Jane se encontrem bastante frequentemente, nunca estão muitas horas juntos. E como sempre se veem no meio de muitas outras pessoas, é impossível que estejam a cada momento conversando um com o outro. Jane, portanto, devia tirar o maior partido de cada meia hora em que pode dispor da atenção de Bingley. Quando estiver certa dele, haverá tempo bastante para se apaixonar tanto quanto ela o deseja.
 — Seu plano é bom — replicou Elizabeth — quando está em jogo apenas o desejo de se casar bem; e se eu estivesse decidida a arranjar um marido rico, ou um marido qualquer, seria este o plano que adotaria. Mas estes não são os sentimentos de Jane; ela não está agindo por plano. Por enquanto não tem certeza nem mesmo do grau da sua afeição e nem está segura de que seja uma coisa razoável. Há 15 dias apenas que o conhece. Dançou quatro vezes com ele em Meryton e viu-o uma vez na sua própria casa. Além disso, jantou com ele em companhia de outras pessoas quatro vezes. Não é bastante para formar juízo acerca do seu caráter.
 — Não como você conta as coisas. Se tivesse apenas jantado com Bingley, poderia somente ter descoberto se ele tem bom apetite; mas você deve se lembrar que durante quatro noites seguidas eles estiveram juntos — quatro noites podem levar muito longe.
 — Sim, essas quatro noites lhes permitiram verificar que ambos preferem o vingt et un ao “jogo do comércio” — mas não creio que tenham conseguido descobrir muita coisa a respeito de outras características importantes das suas pessoas.
 — Bem — disse Charlotte —, desejo a Jane, de todo o coração, o mais completo êxito; e creio que, se se casasse com ele amanhã, teria tanta probabilidade de ser feliz como se passasse um ano a estudar-lhe o caráter. A felicidade no casamento é apenas uma questão de sorte. Mesmo que os noivos conheçam mutuamente as suas tendências, mesmo que essas tendências sejam semelhantes, isto em nada contribui para a sua felicidade posterior. As diferenças, que se acentuam com o tempo, são sempre suficientes para que se venha a sofrer o seu quinhão de amargura; é melhor conhecer o menos possível os defeitos da pessoa com a qual temos de passar a vida.
 — Você me faz rir, Charlotte; mas a sua teoria não é sensata. Você sabe que ela não o é e que você nunca adotaria pessoalmente esses princípios!
 Ocupada em observar as atenções de Mr. Bingley para com a sua irmã, Elizabeth estava longe de suspeitar que estava se tornando o objeto de algum interesse aos olhos do amigo de Mr. Bingley. A princípio, Mr. Darcy nem sequer tinha concordado com os que achavam que ela era bonita. Olhara-a no baile sem admiração. E da outra vez em que se encontraram, fitara a moça apenas para criticá-la. Mas logo que declarara a si mesmo e aos amigos que Elizabeth não possuía um só traço agradável no rosto, começou a achar que a bela expressão dos seus olhos negros dava àquele rosto um ar excepcionalmente inteligente. A esta descoberta sucederam outras igualmente humilhantes. Embora o seu olhar crítico houvesse descoberto mais de um defeito na simetria das suas formas, foi forçado a reconhecer que as linhas do seu corpo eram de grande pureza; e apesar da sua afirmação de que as maneiras dela não eram as do mundo elegante, sentiu-se fascinado pela sua encantadora naturalidade. Elizabeth ignorava tudo isto; a seus olhos Mr. Darcy era apenas o homem que não sabia ser agradável em parte alguma e que não a achara suficientemente elegante para dançar com ele. Começou a querer conhecê-la mais intimamente e, para conseguir conversar pessoalmente com Elizabeth, começou a interessar-se pela palestra dela com os outros. Essa sua atitude atraiu a atenção de Elizabeth. O fato se passou em casa de Sir William Lucas, onde grande número de pessoas estavam reunidas.
 — Que motivo levou Mr. Darcy — perguntou Elizabeth a Charlotte — a vir escutar a minha conversa com o coronel Forster?
 — Esta é uma pergunta que somente Mr. Darcy poderá responder.
 — Mas se continua com este jogo, eu lhe farei certamente saber que estou percebendo o que quer com isto. Ele é muito sarcástico e se eu não começar a ser impertinente também, dentro em pouco terei medo dele.
 Quando Mr. Darcy se aproximou pouco depois, embora sem a intenção aparente de lhes falar, Miss Lucas desafiou a amiga a mencionar diante dele o assunto que estavam discutindo. Aceitando a provocação, Elizabeth se virou para ele e disse:
 — O senhor não acha, Mr. Darcy, que ainda agora eu me exprimi com grande felicidade? Quando eu brinquei com o coronel Forster sobre a possibilidade de ele oferecer-nos um baile em Meryton?
 — Com grande energia. Mas este é um assunto que sempre infunde energia a uma senhora.
 — O senhor nos trata com severidade.
 — Breve vai chegar a vez de brincarem com ela — disse Miss Lucas. — Eu vou abrir o piano, Eliza, e você sabe o que lhe espera.
 — Você é uma estranha amiga; sempre querendo que eu toque e cante diante de todo mundo. Se a minha vaidade tivesse tendência musical, você seria preciosa, mas como este não é o caso, eu preferia não me exibir diante de pessoas que estão habituadas a ouvir os melhores concertistas.
 E como Miss Lucas insistisse, ela acrescentou:
 — Muito bem. Se não há outro jeito...
 E olhando gravemente para Mr. Darcy continuou:
 — Há um velho provérbio que todos aqui naturalmente conhecem: “Guarde o seu sopro para esfriar o seu caldo”, eu conservarei o meu para cantar.
 A sua atuação como cantora foi agradável, embora de nenhum modo excepcional. Depois de uma ou duas canções, e antes que ela pudesse responder aos pedidos de várias pessoas que queriam ouvi-la novamente, Elizabeth teve de ceder o lugar à sua irmã Mary, que esperava com impaciência, pois, faltando-lhe todos os atrativos, estudara com grande aplicação e estava portanto sempre pronta a exibir-se.
 Mary não tinha talento, nem gosto. Embora a vaidade lhe tivesse dado perseverança, dera-lhe igualmente um ar pedante e maneiras convencidas, coisas suficientes para obscurecer triunfos maiores do que aqueles que era capaz de alcançar.
 Embora não tocasse tão bem, Elizabeth agradara muito mais, graças à sua naturalidade; e Mary, depois de um longo concerto, pôde considerar-se feliz por alcançar alguns elogios, graças a algumas canções escocesas e irlandesas que executou a pedido das suas irmãs mais moças, que na outra extremidade do salão tinham entrado evidentemente na dança, com alguns dos Lucas e dois ou três oficiais.
 Mr. Darcy ficou próximo a eles, cheio de silenciosa indignação, diante de uma maneira tão grosseira de passar a noite, impossibilitando toda conversação. Estava tão absorto nos seus pensamentos que só reparou que Sir William se tinha aproximado dele no momento em que este começou a falar:
 — Que divertimento encantador para os jovens, Mr. Darcy! Não há nada como a dança. Eu a considero uma das formas mais requintadas de divertimento das sociedades cultas.
 — Decerto, Sir William; e a dança tem também a vantagem de estar em moda entre sociedades menos requintadas do mundo. Todos os selvagens sabem dançar.
 Sir William apenas sorriu.
 — Seu amigo dança muito bem — continuou, depois de uma ligeira pausa, ao ver Bingley reunir-se ao grupo dos que dançavam —; e eu duvido de que o senhor seja um adepto dessa arte, Mr. Darcy.
 — O senhor deve ter-me visto dançar em Meryton.
 — É verdade. E tive grande prazer. O senhor dança frequentemente em St. James?
 — Nunca, Sir William.
 — Não acha que seria uma homenagem digna daquele lugar?
 — É uma homenagem que eu não concedo a nenhum lugar, se puder evitar.
 — O senhor tem uma casa em Londres, não é assim?
 Mr. Darcy se inclinou.
 — Já tive projetos de me fixar também na cidade — prosseguiu Sir William —, pois aprecio muito a sociedade. Mas tive receio de que o ar de Londres não conviesse a Lady Lucas.
 Ele se deteve, com a esperança de que o outro lhe respondesse. Mas o seu companheiro não estava disposto a isto. E como Elizabeth se aproximasse naquele instante, Sir William pensou praticar um ato muito galante chamando-a.
 — Minha cara Eliza, por que não está dançando? — Mr. Darcy, permita-me apresentar-lhe esta jovem senhora como um par bastante desejável. O senhor, estou certo, não poderá se recusar a dançar, quando se encontra ante tão grande beleza...
 E tomando a mão de Elizabeth, Sir William a teria dado a Mr. Darcy, que embora extremamente surpreso não se teria recusado a aceitá-la, quando a moça recuou subitamente e disse um pouco bruscamente para Sir William:
 — Sir William, não tenho a menor intenção de dançar. Suplico-lhe que não suponha que me dirigi para este lado a fim de arranjar um par.
 Mr. Darcy, com grande amabilidade, pediu-lhe que lhe concedesse a honra da sua mão; pediu em vão. Elizabeth estava decidida; Sir William tampouco conseguiu abalar a sua decisão, com a sua tentativa de persuadi-la:
 — A senhora dança tão bem, Miss Eliza, que seria cruel negar-me a felicidade de apreciá-la; e embora esse gentleman não aprecie esse divertimento, em geral, não fará nenhuma objeção, estou certo.
 — Mr. Darcy é muito amável — disse Elizabeth, sorrindo.
 — De fato; mas considerando a tentação, minha cara Miss Eliza, não podemos surpreender-nos de que ele se mostre disposto, pois quem faria objeção a um par como a senhora?
 Elizabeth lançou-lhe um olhar malicioso e virou-se. A sua resistência não ofendera Mr. Darcy; pelo contrário, ele estava pensando na moça com certa complacência, quando foi abordado por Miss Bingley.
 — Creio que conheço o objeto do seu devaneio.
 — Penso que não.
 — O senhor está pensando como seria insuportável passar muitas noites deste modo, numa sociedade como esta. Aliás, estou de acordo com o senhor. Nunca me aborreci tanto! A insipidez, apesar deste barulho, a futilidade, apesar do ar de importância de toda esta gente. O que eu não daria para ouvi-lo falar com severidade...
 — Asseguro-lhe que a sua conjetura é inteiramente falsa. Estava pensando em coisas muito mais agradáveis. Estive meditando no prazer que nos pode dar um par de belos olhos no rosto bonito de uma mulher.
 Miss Bingley imediatamente fixou o seu olhar no rosto de Mr. Darcy, e exprimiu o desejo de que ele dissesse o nome da senhora que lhe inspirara tais reflexões. Mr. Darcy respondeu intrepidamente:
 — Miss Elizabeth Bennet.
 — Miss Elizabeth Bennet! — repetiu Miss Bingley. — Estou assombrada. Desde quando Miss Elizabeth se tornou a sua favorita? Quando lhe poderei desejar felicidades?
 — Esta é exatamente a pergunta que esperava da sua parte. A imaginação das mulheres é muito veloz. Salta da admiração para o amor. Do amor para o casamento, num instante. Sabia que ia me desejar felicidades.
 — Se fala tão seriamente, considerarei o assunto absolutamente decidido. Terá uma encantadora sogra e naturalmente ela há de estar sempre em Pemberley consigo.
 E enquanto ela se divertia desse modo, Mr. Darcy a ouvia com perfeita indiferença; e como a sua tranquilidade a convencesse de que nada estava perdido, Miss Bingley deu livre curso à sua ironia.

7

A fortuna de Mr. Bennet consistia quase que exclusivamente numa propriedade que lhe rendia duas mil libras por ano. Infelizmente para as suas filhas, esta propriedade estava legada a um parente distante, pois não havia herdeiros masculinos diretos; e a fortuna da sua mãe, embora suficiente para a sua situação na vida, mal bastava para suprir as deficiências da fortuna de seu pai. O pai de Mrs. Bennet tinha sido um advogado em Meryton e lhe deixara quatro mil libras. Ela tinha uma irmã casada com um certo Mr. Philips, que fora empregado de seu pai e lhe sucedera no negócio. Tinha igualmente um irmão estabelecido em Londres com um respeitável ramo de comércio.
 A aldeia de Longbourn distava apenas uma milha de Meryton. Essa distância convinha perfeitamente às moças, que gostavam muito de passear nesta última localidade, três ou quatro vezes por semana, para visitar a tia e a loja de uma modista, que ficava situada no caminho. As mais jovens da família, Katherine e Lydia, eram as que mais frequentemente faziam aquele trajeto; tinham menos coisas que as preocupassem e quando nada mais interessante se oferecia, necessitavam de uma caminhada até Meryton, a fim de preencher as horas da manhã e fornecer assunto para as conversações da noite. E por mais insuficientes que fossem as novidades que encontrassem pelo caminho, conseguiam sempre extrair algumas da sua tia. Presentemente, aliás, elas se encontravam bem-supridas, quer de notícias, quer de felicidade, graças à chegada recente de um regimento da milícia. O regimento deveria permanecer em Meryton durante todo o inverno, e lá estava a sede do comando. As visitas das meninas a Mrs. Philips eram agora bem divertidas. Cada dia acrescentava novas informações ao que já sabiam acerca dos nomes dos oficiais e das suas relações. O lugar onde esses oficiais residiam não permaneceu muito tempo em segredo. E, finalmente, elas começaram a travar conhecimento com os próprios oficiais. Mr. Philips os visitou a todos e isto abriu para as suas sobrinhas as portas de uma felicidade até então desconhecida.
 Não falavam de outro assunto; e a grande fortuna de Mr. Bingley, tema que invariavelmente despertava uma grande animação no meio das moças, era indiferente aos olhos de Katherine e de Lydia, perto dos assuntos que se referissem ao regimento.
 Depois de ouvir, certa manhã, as suas efusivas discussões sobre isso, Mr. Bennet observou, friamente:
 — Pelo que eu deduzo das suas conversas, vocês devem ser duas das moças mais tolas do país. Já o suspeitava, mas agora estou convencido.
 Katherine ficou embaraçada e não deu resposta; mas Lydia, com perfeita indiferença, continuou a exprimir a admiração que sentia pelo capitão Carter e a esperança que tinha de vê-lo ainda naquele dia, pois ele devia partir para Londres na manhã seguinte...
 — Espanta-me, meu caro — disse Mrs. Bennet —, a facilidade com que você diz que as suas próprias filhas são tolas. Se eu quisesse menoscabar os filhos de alguma pessoa, não escolheria decerto os meus.
 — Se minhas filhas são tolas, espero nunca me iludir a este respeito.
 — Sim, mas acontece que todas são muito inteligentes.
 — Este é o único ponto — e disto eu me gabo — sobre o qual não estamos de acordo. Eu tinha tido esperança de que os nossos sentimentos coincidissem em tudo, porém, sou obrigado a diferir de você neste ponto. Acho que as nossas duas filhas mais moças são excepcionalmente tolas...
 — Meu caro Mr. Bennet, você não deve esperar que as meninas tenham o mesmo juízo que o pai e a mãe. Quando elas atingirem a nossa idade, eu lhe asseguro que não pensarão mais em oficiais. Lembro-me do tempo em que eu gostava também de uma túnica vermelha e, aliás, no fundo do coração, ainda gosto. E se algum jovem coronel com cinco ou seis mil libras por ano pedir uma das minhas filhas, eu não lha recusarei; achei o coronel Forster muito distinto no seu uniforme, no dia em que estive na casa de Sir William.
 Não é? — gritou Lydia. — Minha tia contou que o coronel Forster e o capitão Carter não estão mais indo tão frequentemente em casa de Miss Watson, como o faziam logo depois que chegaram. Minha tia os vê agora frequentemente na livraria do Clarke.
 A entrada de um criado que trazia um bilhete para Miss Jane impediu que Mrs. Bennet respondesse. O bilhete vinha de Netherfield, e o criado esperava uma resposta. Os olhos de Mrs. Bennet brilhavam de prazer e ela perguntava repetidamente, enquanto sua filha lia:
 — Bem, Jane, de quem é o bilhete? De que se trata? Que é que diz o bilhete? Vamos, Jane, leia depressa e nos conte. Depressa, meu bem.
 — É de Miss Bingley — respondeu Jane.
 Em seguida leu a missiva, em voz alta:
Minha cara amiga: se você não tiver pena de nós e não vier jantar comigo e com Louisa hoje à noite, correremos o risco de nos odiarmos pelo resto da vida, pois duas mulheres não podem passar um dia inteiro em tête-à-tête sem brigar. Venha assim que tiver recebido o presente bilhete. Meu irmão e os outros senhores vão jantar com os oficiais. Sua amiga de sempre,
Caroline Bingley.
— Com os oficiais! — gritou Lydia. — Por que será que a minha tia não nos disse isto?
 — Vão jantar fora —, disse Mrs. Bennet —; isto é realmente uma pena.
 — Posso usar a carruagem? — perguntou Jane.
 — Não, meu bem, é melhor você ir a cavalo, pois parece que vai chover; e neste caso você terá que pernoitar lá.
 — Seria um bom plano — disse Elizabeth — se a senhora tivesse a certeza de que eles não se ofereceriam para acompanhá-la de volta.
 — Oh, mas os cavalheiros terão que usar a carruagem de Mr. Bingley para ir até Meryton; e os Hursts não possuem cavalo para a sua.
 — Eu preferia ir de carro.
 — Mas, meu bem, seu pai não pode dispensar os cavalos. Eles são necessários para o serviço da fazenda, não são, Mr. Bennet?
 — Eles são precisos para a fazenda muito mais vezes do que consigo obtê-los.
 — Mas se precisar hoje — disse Elizabeth — o projeto de minha mãe estará realizado.
 E ela conseguiu afinal extorquir do pai um atestado de que os cavalos estavam ocupados. Jane foi obrigada a ir a cavalo e sua mãe a acompanhou até a porta, com muitos prognósticos alegres de mau tempo. Suas esperanças foram correspondidas. Não havia muito que Jane tinha partido quando começou a chover fortemente. Suas irmãs ficaram inquietas por Jane, mas a mãe ficou radiante. A chuva continuou toda a noite sem parar. Jane decerto não podia voltar.
 — Foi uma feliz ideia que eu tive — disse Mrs. Bennet mais de uma vez, como se lhe coubesse também a glória de ter feito chover. Entretanto, foi só na manhã seguinte que compreendeu até que ponto o seu plano tinha sido feliz. Mal terminara o café da manhã, quando o criado de Netherfield trouxe o seguinte bilhete para Elizabeth:
Minha querida Lizzy: Sinto-me muito indisposta esta manhã, e creio que isto é devido ao fato de ter me molhado muito ontem à noite. Meus amigos se recusam a deixar-me partir enquanto não esteja melhor. Insistem também para que eu chame Mr. Jones. Portanto, não se alarmem se ouvirem contar que ele veio ver-me. E a não ser dor de garganta e dor de cabeça, não tenho nada de mais. Sua, etc.
— Bem, minha cara mulher — disse Mr. Bennet, depois que Elizabeth acabou de ler o bilhete em voz alta —, se a sua filha caísse gravemente doente, se morresse, seria um conforto saber que foi tudo para conquistar Mr. Bingley e por ordem sua.
 — Oh, não tenho medo que ela morra. Ninguém morre de um pequeno resfriado. Ela será bem-tratada. Enquanto estiver lá, tudo vai muito bem. Eu iria vê-la se pudesse usar a carruagem.
 Elizabeth, sentindo-se realmente ansiosa, tinha decidido ir ver a irmã, embora a carruagem não pudesse ser usada. Mas como não sabia montar, a única alternativa era ir a pé.
 — Que tolice — gritou a mãe —, ir a pé com toda esta lama! Você chegará lá num estado lamentável.
 — Chegarei lá em estado de ver Jane e isto é tudo o que desejo.
 — Isto é uma indireta para mim — falou o pai —, para que eu mande buscar os cavalos?
 — Não, de nenhum modo. Não me importo de ir a pé. A distância é curta quando se tem um bom motivo; apenas três milhas. Estarei de volta para o jantar.
 — Admiro a atividade da sua benevolência — observou Mary. — Mas cada impulso ou sentimento devia ser guiado pela razão. E no seu modo de ver as coisas, o esforço devia sempre ser relativo ao fim que a gente se propõe alcançar.
 — Iremos juntas com você até Meryton — disseram Katherine e Lydia.
 Elizabeth aceitou a companhia e as três moças partiram juntas.
 — Se andarmos mais depressa — disse Lydia enquanto caminhava —, talvez ainda cheguemos a tempo de ver o capitão Carter antes da sua partida.
 Em Meryton as moças se separaram. As duas mais jovens se dirigiram para a residência da esposa de um dos oficiais e Elizabeth continuou a andar sozinha, atravessando campo após campo, pulando cercas e saltando por sobre poças d’água, com impaciência, e afinal encontrou-se a pouca distância da casa, com os tornozelos doídos, as meias sujas e o rosto corado pelo exercício.
 Foi introduzida numa sala de almoço onde todos estavam reunidos com exceção de Jane. O seu aparecimento causou bastante surpresa. Mrs. Hurst e Miss Bingley acharam incrível que ela tivesse caminhado três milhas tão cedo, com tanta umidade e sozinha; e Elizabeth ficou convencida que elas a desprezaram por isto. Receberam-na, entretanto, muito amavelmente. Quanto ao irmão dessas senhoras, havia nas suas maneiras mais do que simples polidez; havia bom humor e bondade. Mr. Darcy falou muito pouco e Mr. Hurst não disse nada. O primeiro estava em dúvida sobre se devia admirar as belas cores que o exercício emprestara ao rosto da moça ou se refletir que o motivo talvez não justificasse a sua vinda sozinha, de tão longe. O segundo pensava apenas no seu café da manhã.
 As perguntas que Elizabeth fez a respeito da sua irmã não foram favoravelmente respondidas. Miss Bennet tinha dormido mal, e embora estivesse de pé, sentia-se muito febril e não podia sair do quarto. Elizabeth disse que gostaria de vê-la imediatamente; e Jane, a quem apenas o medo de causar incômodo e de produzir inquietude impedira de exprimir no seu bilhete o quanto ansiava por uma visita, ficou encantada ao ver a irmã entrar. Não estava entretanto em estado de conversar muito e quando Miss Bingley as deixou, juntas, Jane pouco mais pôde exprimir além da gratidão que sentia pela extraordinária bondade com que era tratada. Elizabeth a ouviu em silêncio.
 Depois que o café da manhã estava terminado, as irmãs de Mr. Bingley entraram no quarto; e Elizabeth começou a simpatizar com elas quando viu com quanta afeição e solicitude tratavam Jane. O farmacêutico veio e, tendo examinado a paciente, disse, como era de supor, que ela tinha apanhado um violento resfriado, e que necessitava de tratamento. Aconselhou que voltasse para a cama e prometeu que lhe enviaria remédios. O conselho foi seguido, pois os sintomas da febre se agravaram, bem como a dor de cabeça. Elizabeth não saiu nem uma só vez do quarto; nem as outras senhoras tampouco ficaram muito tempo ausentes: como os cavalheiros estivessem fora, não tinham de fato outra coisa a fazer. Quando o relógio bateu três horas, Elizabeth sentiu que devia partir. E muito contra a sua vontade, disse o que sentia. Miss Bingley lhe ofereceu a carruagem, e ela estava quase aceitando, quando Jane se mostrou tão pouco disposta a separar-se da irmã que Miss Bingley foi obrigada a converter a oferta da carruagem num convite para pernoitar em Netherfield. Elizabeth consentiu com gratidão e um criado foi mandado a Longbourn a fim de prevenir a família e trazer de volta um sortimento de roupas.

8

Às cinco horas, as duas senhoras se retiraram para vestir-se e às seis e meia Elizabeth foi chamada para jantar. Às amáveis perguntas com que a cumularam, entre as quais teve o prazer de distinguir a solicitude muito superior de Mr. Bingley, não pôde ela dar uma resposta muito favorável. Jane não estava nada melhor. As irmãs, ouvindo isto, repetiram três ou quatro vezes que sentiam muito e que era bastante desagradável resfriar-se, e que detestavam ficar doentes. E depois não pensaram mais no assunto. A indiferença que manifestaram para com Jane, longe da sua presença imediata, restituiu a Elizabeth o prazer de detestá-las como antigamente.
 Mr. Bingley era aliás o único do grupo que ela podia olhar com alguma complacência. O seu cuidado com Jane era evidente. As atenções com que cumulava Elizabeth eram bastante agradáveis. E essas atenções a impediam de sentir-se como a intrusa que a seu ver as outras pessoas a consideravam. E a não ser de Mr. Bingley não recebeu atenções de mais ninguém: Miss Bingley estava fascinada por Mr. Darcy, sua irmã pouco menos do que ela e, quanto a Mr. Hurst, que Elizabeth tinha a seu lado, era um homem indolente, que vivia apenas para comer, beber e jogar cartas; quando ele verificou que Elizabeth preferia um prato mais simples a um ragout, perdeu toda vontade de conversar com ela.
 Depois do jantar Elizabeth voltou imediatamente para perto de Jane e, assim que saiu da sala, Miss Bingley começou a falar mal dela. Não achava boas as suas maneiras. Revelaram, a seu ver, um misto de orgulho e impertinência. Ela não sabia conversar, não tinha estilo, gosto e nem beleza. Mrs. Hurst pensava a mesma coisa e acrescentou:
 — Nada tem, em suma, que a recomende, senão ser uma excelente andarilha. Nunca esquecerei de como nos apareceu hoje de manhã. Parecia quase uma selvagem.
 — É verdade, Louisa, quase não pôde impedir-me de rir. Que absurdo ela ter vindo. Que sentido tem vir correndo pelo campo só porque a irmã apanhou um resfriado? O cabelo dela estava tão desarrumado, tão despenteado!
 — Sim, e a saia dela? Espero que você tenha visto a sua saia. A barra estava toda suja de lama.
 — Sua descrição pode ser muito exata, Louisa — disse Bingley —, mas não reparei nada disso. Achei que Miss Elizabeth Bennet estava muito bonita quando hoje de manhã entrou na sala. As saias sujas de lama escaparam à minha atenção.
 — O senhor viu, com certeza, Mr. Darcy — disse Miss Bingley. — E eu estou inclinada a pensar que o senhor não gostaria que sua irmã se exibisse deste modo.
 — Decerto que não.
 — Andar três ou quatro milhas, ou cinco milhas, ou lá o que seja, com os tornozelos metidos na lama, e sozinha, inteiramente sozinha! Que significa isto? Parece-me mostrar um conceito abominável de independência, uma indiferença toda campestre da mais elementar decência.
 — Mostra a afeição que ela tem pela irmã — disse Bingley.
 — Creio, Mr. Darcy — observou Miss Bingley, quase num sussurro —, que esta aventura deve ter afetado a admiração que o senhor tinha pelos seus belos olhos.
 — De modo algum — replicou ele. — Achei que o exercício os tornaram ainda mais brilhantes.
 Depois de uma curta pausa, Mrs. Hurst recomeçou a falar:
 — Eu gosto imensamente de Jane Bennet, ela é realmente uma ótima menina. Desejaria de todo o coração que ela se casasse. Mas, com um pai daqueles, com uma mãe daquelas e com relações tão baixas, creio que não tem nenhuma probabilidade de se casar.
 — Creio que ouvi dizer que o tio é advogado em Meryton.
 — Sim, e outro tio dela mora perto de Cheapside.
 — Isto é definitivo — acrescentou a irmã.
 E ambas riram cordialmente.
 — Se elas tivessem tantos tios que bastassem para encher todo o Cheapside — exclamou Bingley —, isto não as tornaria nem um pingo menos agradáveis.
 — Mas é lógico que deve diminuir muito as probabilidades de se casarem com homens de importância social — replicou Darcy.
 A esta declaração, Bingley nada respondeu. Mas suas irmãs concordaram com entusiasmo e durante algum tempo caçoaram das relações vulgares da sua cara amiga.
 Com uma ternura renovada, entretanto, voltaram para o quarto assim que saíram da sala de jantar, e fizeram companhia a Jane, até que foram chamadas para o café. Jane ainda estava muito fraca e Elizabeth não podia sair nem um momento do seu lado. Finalmente, tarde, ao anoitecer, quando viu que a irmã dormia, Elizabeth achou que devia descer para se distrair um pouco. Ao entrar no salão, encontrou o grupo todo jogando loo e foi imediatamente convidada a tomar parte no jogo; mas, desconfiando de que eles estavam jogando muito alto, recusou e, dando como desculpa o estado da sua irmã, disse que se distrairia com um livro durante os poucos instantes que passasse ali embaixo.
 Mr. Hurst olhou para ela com grande espanto.
 — Prefere ler a jogar cartas? — disse ele. — Isto é estranho.
 — Miss Elizabeth Bennet — disse Mr. Bingley — despreza os jogos de cartas. Lê muito e não encontra prazer noutra coisa.
 — Não mereço nem o elogio nem a censura — exclamou Elizabeth. — Não sou uma grande leitora e encontro prazer em muitas outras coisas.
 — Estou certo que tem prazer em tratar da sua irmã — disse Bingley. — Espero que breve será recompensada com o seu completo restabelecimento.
 Elizabeth agradeceu de coração e em seguida dirigiu-se para a mesa sobre a qual havia alguns livros. Bingley imediatamente se ofereceu para ir buscar mais alguns, todos os de que dispunha na sua biblioteca.
 — Desejaria para seu benefício e meu próprio crédito que a coleção fosse maior; mas sou um sujeito preguiçoso e, embora não possua muito livros, ainda não os li todos.
 Elizabeth lhe assegurou que aqueles que estavam na sala eram mais do que suficientes.
 — Causa-me espanto — disse Miss Bingley — ter meu pai nos deixado uma tão pequena coleção de livros. Que magnífica biblioteca o senhor tem em Pemberley, Mr. Darcy!
 — Não é de estranhar — replicou ele —, é o trabalho de muitas gerações.
 — E depois o senhor aumentou muito a biblioteca; está sempre comprando livros!
 — Não compreendo o pouco caso com que se tratam as bibliotecas de família, hoje em dia. Estou certa que o senhor não se esquece de nada do que possa aumentar as belezas daquele nobre lugar. Charles, quando você construir a sua casa, desejaria que fosse tão aprazível quanto Pemberley.
 — Eu também desejo.
 — Aconselho-o a comprar uma propriedade naquelas redondezas e tomar Pemberley como uma espécie de modelo. Não há condado mais aprazível na Inglaterra do que o Derbyshire.
 — De todo o coração. Comprarei o próprio Pemberley se Darcy quiser vendê-lo.
 — Estou falando de possibilidades, Charles.
 — Palavra de honra, Caroline, acho que é mais possível comprar Pemberley do que imitá-lo.
 Elizabeth estava tão interessada no que estavam dizendo que não podia prestar muita atenção ao livro; e daí a pouco, largando-o, aproximou-se da mesa de jogo, colocando-se entre Mr. Bingley e sua irmã mais velha, a fim de observar o jogo.
 — Miss Darcy cresceu muito desde a primavera? — perguntou Miss Bingley. — Ela vai ficar da minha altura?
 — Penso que sim. Está agora da altura de Miss Elizabeth Bennet ou talvez um pouco mais alta.
 — Queria muito tornar a vê-la. Nunca encontrei uma pessoa tão encantadora. Que modos, que delicadeza... E como é prendada para a sua idade! Ela toca piano divinamente.
 — Espanta-me a capacidade que têm as moças de se tornarem tão prendadas — disse Bingley.
 — Todas as moças são prendadas! Meu caro Charles, que quer você dizer com isto?
 — Sim, todas desenham mesas, forram biombos e fazem bolsas de tricô. Não conheço uma só moça que não saiba fazer todas estas coisas. E nunca ouvi mencionar o nome de uma moça pela primeira vez sem que me informassem que era muito prendada.
 — A sua lista dos talentos comuns — disse Darcy — é verdadeira demais. A palavra prendada é aplicada a muitas moças somente porque sabem tricotar uma bolsa ou forrar um biombo. Mas estou longe de concordar com você no seu julgamento sobre as moças em geral. Apesar do grande número das minhas relações, não posso gabar-me de conhecer mais de meia dúzia de moças que são realmente prendadas.
 — Nem eu — disse Miss Bingley.
 — Nesse caso — observou Elizabeth —, deve exigir muitas qualidades para o seu ideal de mulher perfeita.
 — De fato, exijo muitas qualidades.
 — Oh, certamente — exclamou a sua fiel aliada. — Nenhuma mulher pode ser realmente considerada completa se não se elevar muito acima da média. Uma mulher deve conhecer bem a música, deve saber cantar, desenhar, dançar e falar as línguas modernas a fim de merecer esse qualificativo, e além disso, para não o merecer senão pela metade, é preciso que possua um certo quê em sua maneira de andar, o tom da voz e no modo de exprimir-se.
 — Sim, deve possuir tudo isso — acrescentou Darcy. — E acrescentar ainda alguma coisa mais substancial: o desenvolvimento do seu espírito pela leitura intensa.
 — Já não me espanto de que conheça apenas seis mulheres completas, espanto-me é de que conheça alguma.
 — Julga com tanta severidade o seu sexo, que duvida da possibilidade de tudo isto?
 — Eu nunca vi uma tal mulher. Nunca vi tanta capacidade de aplicação, gosto e elegância reunidas numa só pessoa.
 Mrs. Hurst e Miss Bingley protestaram juntas contra a injustiça contida naquela dúvida. E ambas declararam que conheciam muitas mulheres que correspondiam àquelas exigências. Nesse momento Mr. Hurst chamou-as à ordem, queixando-se amargamente da pouca atenção com que jogavam. A conversa cessou de súbito e Elizabeth, logo depois, voltou para o quarto.
 — Eliza Bennet — disse Miss Bingley, assim que a porta se fechou — é uma dessas moças que procuram se fazer aos olhos das pessoas do outro sexo falando mal do seu próprio; e muitos homens se deixam enganar por isto. Mas, na minha opinião, é um estratagema muito baixo.
 — Sem dúvida — replicou Darcy, a quem principalmente se dirigia a observação —, existe baixeza em todos os estratagemas que as senhoras às vezes condescendem em empregar para cativar. Tudo o que tem afinidade com a astúcia é desprezível.
 Miss Bingley não se sentiu inteiramente satisfeita com esta resposta, que não a encorajava a prosseguir no assunto.
 Elizabeth tornou a entrar para avisar que a irmã estava pior e que não podia deixá-la. Bingley insistiu para que Mr. Jones fosse chamado imediatamente; suas irmãs, convencidas de que os recursos médicos da aldeia não eram suficientes para o caso, recomendaram que se enviasse um expresso para a cidade, chamando um dos médicos mais eminentes de Londres. Elizabeth recusou, mostrando-se no entanto disposta a aceitar a sugestão de Bingley. Ficou decidido que Mr. Jones seria chamado no dia seguinte de manhã cedo, caso Miss Bennet não amanhecesse francamente melhor. Bingley mostrou-se muito inquieto; suas irmãs declararam que estavam inconsoláveis. Consolaram entretanto a sua tristeza cantando duetos depois da ceia, enquanto Bingley tranquilizava as suas inquietudes dando ordens à sua caseira para que todas as atenções possíveis fossem dispensadas à moça doente e à sua irmã.

9

Elizabeth passou a maior parte da noite no quarto da irmã e de manhã teve o prazer de poder enfim mandar respostas mais tranquilizadoras aos recados que recebera muito cedo de Mr. Bingley, por intermédio de uma criada e, algum tempo depois, pelas elegantes damas de companhia das irmãs do dono da casa. Apesar dessas melhoras, Elizabeth pediu que enviassem um bilhete a Longbourn pedindo que sua mãe viesse visitar Jane e tomasse pessoalmente as providências que a situação exigia. O bilhete foi despachado imediatamente e a resposta não tardou. Mrs. Bennet, acompanhada pelas suas duas filhas mais moças, chegou a Netherfield pouco depois do almoço.
 Se tivesse encontrado Jane aparentemente em perigo, Mrs. Bennet teria ficado extremamente desolada; mas vendo que a doença não era grave, não desejou que ela se restabelecesse imediatamente, pois isto significaria provavelmente o seu regresso de Netherfield. Repeliu portanto a proposta que lhe fez Jane, que desejava ser transportada para casa. O farmacêutico tampouco achou a ideia razoável. E, depois de se ter demorado algum tempo com Jane, Mrs. Bennet e suas três filhas aceitaram o convite que lhes veio fazer Miss Bingley para que fossem almoçar.
 Bingley veio ao encontro de Mrs. Bennet, exprimindo-lhe a sua esperança de que não tivesse encontrado Miss Bennet pior do que esperava.
 — Realmente, eu a encontrei pior do que esperava — respondeu Mrs. Bennet. — O seu estado não permite que ela seja transportada. Mr. Jones disse que nem devemos pensar nisto. Seremos obrigadas a abusar mais algum tempo da sua hospitalidade.
 — Transportá-la? — exclamou Bingley — nem devemos pensar nisto. Minha irmã, estou certo, não o permitirá.
 — Pode ficar certa, madame — disse Miss Bingley com fria amabilidade —, que Miss Bennet receberá todas as atenções enquanto estiver em nossa casa.
 Mrs. Bennet agradeceu efusivamente.
 — Estou certa — acrescentou ela — de que se não fossem os bons amigos que tem, a sua situação seria muito grave, pois está realmente muito doente; sofre muito, embora com uma paciência admirável; aliás, é sempre assim, pois ela tem, sem nenhuma dúvida, o gênio mais dócil do mundo. Eu sempre digo às minhas outras filhas que nada são perto de Jane. O quarto em que ela está, Mr. Bingley, é muito agradável e tem uma encantadora vista sobre a aleia principal. Não conheço outro lugar no país que seja tão agradável quanto Netherfield. Espero que o senhor não se apresse a abandoná-lo, embora o tenha alugado por pouco tempo.
 — Tudo o que faço — replicou ele — é às pressas e, portanto, se resolvesse deixar Netherfield, eu o faria provavelmente em cinco minutos.
 — Isso é exatamente o que eu supunha da sua parte — disse Elizabeth.
 — Está começando a compreender-me? — exclamou, virando-se para Elizabeth.
 — Compreendo-o perfeitamente.
 — Desejaria poder aceitar a sua declaração como um elogio, mas acho que ser tão transparente é lamentável.
 — Em geral é assim, mas não se segue necessariamente que um caráter profundo e complicado seja mais estimável do que o seu.
 — Lizzy, gritou a sua mãe —, lembre-se de onde está e não se precipite como se estivesse em casa.
 — Não sabia — continuou Bingley imediatamente — que a senhorita era uma tão grande estudiosa dos caracteres. Deve ser um estudo absorvente.
 — Sim, mas os caracteres complexos são os mais interessantes. Pelo menos têm a vantagem de ser complicados.
 — O campo — disse Darcy — oferece em geral poucos exemplares para um tal estudo. A sociedade em que nos movemos no campo é em geral muito limitada e monótona.
 — Mas as pessoas em si mudam tanto que sempre existe nelas alguma coisa de novo a observar.
 — Realmente — exclamou Mrs. Bennet, ofendida pela maneira como ele se referia aos moradores do campo. — Asseguro-lhes que existe tanta monotonia na cidade como no campo.
 Todos ficaram surpreendidos e Darcy, depois de fitá-la um instante, virou-se para o outro lado em silêncio.
 Mrs. Bennet, que imaginava ter ganho uma vitória completa sobre o outro, continuou, triunfante:
 — Não vejo em que Londres tenha tão grande vantagem sobre o campo, exceto quanto às lojas e lugares públicos. O campo é muito mais agradável, não é, Mr. Bingley?
 — Quando estou no campo — respondeu este — nunca desejo ir embora. E quando estou na cidade, acontece a mesma coisa. Cada lugar tem as suas vantagens. Eu me sinto igualmente bem em ambos.
 — Sim, isto é porque o senhor tem boa vontade. Mas aquele gentleman — disse, olhando para Darcy — parece que detesta o campo.
 — Você está enganada, mamãe — disse Elizabeth, envergonhada com a simplicidade da sua mãe. — Você não compreendeu Mr. Darcy. Ele quis apenas dizer que não há tão grande variedade de tipos no campo quanto na cidade. E você tem de reconhecer que isto é verdade.
 — Certamente, meu bem, ninguém disse o contrário. Mas, quanto ao pequeno número de pessoas que moram nesta redondeza, creio que existem poucas regiões mais habitadas. Sei que nos damos com 24 famílias.
 Se não fosse a sua vontade de agradar Elizabeth, Bingley teria estourado de rir. Sua irmã foi menos delicada e lançou para Mr. Darcy um olhar acompanhado de um sorriso muito expressivo. Elizabeth, a fim de desviar as ideias de sua mãe, perguntou-lhe se Charlotte Lucas estivera em Longbourn desde que ela, Elizabeth, saíra de lá.
 — Sim, Charlotte veio ontem com o pai. Que homem agradável, Sir William, não acha, Mr. Bingley? E um homem tão moderno, tão educado, tão gentil... Para todo o mundo ele sempre tem alguma coisa que dizer. É assim que eu entendo a boa educação. E essas pessoas que se imaginam muito importantes e nunca abrem a boca estão inteiramente enganadas.
 — Charlotte jantou lá em casa?
 — Não, ela preferiu ir embora. Creio que estavam precisando dela por causa dos croquetes. Quanto a mim, Mr. Bingley, sempre tomo criados que sabem fazer os seus serviços. Minhas filhas são educadas de modo diferente. Mas cada um sabe o que faz... E as meninas Lucas são realmente muito boas meninas, posso lhe assegurar. E pena que não sejam bonitas. Não que ache Charlotte assim tão feia; mas também é nossa amiga particular.
 — Ela parece uma moça muito agradável — disse Bingley.
 — Oh, decerto, mas o senhor precisa reconhecer que é muito pouco graciosa. A própria Lady Lucas já o tem dito muitas vezes. Ela disse também que muito me inveja a beleza de Jane. Não gosto de me gabar das minhas filhas, mas, para dizer a verdade, Jane... Não é muito frequente a gente ver uma moça mais bonita. É o que todos dizem. Não confio inteiramente nessa parcialidade. Quando ela tinha apenas 15 anos, havia um cavalheiro que frequentava a casa de meu irmão Gardiner, em Londres. Estava tão apaixonado por ela que minha cunhada estava certa de que ia fazer uma proposta antes de nos mudarmos para cá. No entanto, ele não fez. Talvez a julgasse muito jovem. Apesar de tudo, escreveu-lhe uns versos, que aliás eram muito bonitos.
 — E assim acabou a afeição daquele senhor — disse Elizabeth, impaciente. — Suponho que tenha havido muitos no mesmo caso. Eu queria saber quem descobriu a eficácia que tem a poesia de afugentar o amor.
 — A mim sempre me disseram que a poesia é o alimento do amor.
 — De um amor sincero, sólido, sadio, pode ser. Tudo serve de alimento ao que já tem força. Mas quando se trata de uma ligeira e fraca inclinação, estou convencida que um bom soneto é suficiente para fazê-la morrer de inanição.
 Darcy contentou-se em sorrir. E a pausa geral que se seguiu fez Elizabeth tremer de medo à ideia de que sua mãe se tornasse novamente ridícula. Ela queria dizer alguma coisa mas não conseguiu encontrar nenhum assunto. E depois de um curto silêncio, Mrs. Bennet começou a repetir os agradecimentos que fizera a Mr. Bingley, pela sua bondade com Jane, desculpando-se igualmente do incômodo que lhe dava com Lizzy. Mr. Bingley respondeu com toda a amabilidade e obrigou a sua irmã mais moça a ser igualmente cortês e a responder de acordo com a situação. Esta desempenhou o seu papel, aliás de má vontade, mas Mrs. Bennet ficou satisfeita. Pouco depois mandou chamar a sua carruagem. Nesse momento, a mais moça das suas filhas se adiantou. Kitty e Lydia, as duas filhas menores, tinham conversado em voz baixa uma com a outra durante toda a visita. E tinha ficado resolvido entre elas que a mais moça devia lembrar a Mr. Bingley que, logo depois de sua chegada, ele prometera que daria um baile em Netherfield.
 Lydia tinha 15 anos e era uma moça forte e desenvolvida. Tinha o rosto agradável e uma expressão jovial; era a favorita da sua mãe que, devido a essa afeição, a tinha introduzido na sociedade muito cedo ainda para a sua idade. Era dotada de muita vitalidade e de uma espontaneidade que se transformara em segurança graças à atenção que os oficiais lhe dispensavam. Estes eram atraídos, aliás, não só pela sua naturalidade como pelos bons jantares de seu tio. Ela se sentiu, pois, autorizada a dirigir-se a Mr. Bingley sobre o assunto do baile e a lembrar-lhe abruptamente a sua promessa, acrescentando que ele cometeria o ato mais vergonhoso do mundo se não a cumprisse. A resposta de Bingley a este súbito ataque foi deliciosa para os ouvidos de Mrs. Bennet.
 — Asseguro-lhe que estou pronto a cumprir a minha promessa. E assim que a sua irmã estiver restabelecida, a senhorita me fará o favor de marcar pessoalmente o dia do baile. Penso que não gostaria de dançar enquanto sua irmã estiver doente.
 Lydia se declarou satisfeita. — Oh, sim, seria muito melhor esperar até que Jane estivesse restabelecida, e nesse dia, provavelmente, o capitão Carter já estaria em Meryton novamente.
 — E depois que o senhor tiver dado o seu baile — acrescentou — eu insistirei para que os oficiais lhe ofereçam um também. Direi ao coronel Forster que será uma vergonha se eles não o fizerem.
 Mrs. Bennet e suas filhas partiram e Elizabeth voltou imediatamente para perto de Jane, deixando a sua própria conduta e a da sua família à mercê das críticas das duas senhoras da casa e de Mr. Darcy; este último, porém, não pôde ser persuadido a juntar as suas às censuras que faziam a Elizabeth na sala, apesar de todas as ironias com que Miss Bingley se referia aos seus belos olhos.

10

O dia decorreu quase exatamente como o anterior. Mrs. Hurst e Miss Bingley passaram algumas horas da manhã com a enferma, que, embora lentamente, continuava a melhorar. E à noite Elizabeth veio reunir-se ao grupo na sala de estar. Nesse dia, porém, não houve mesa de loo. Mr. Darcy estava escrevendo, e Miss Bingley, sentada a seu lado, observava os progressos da carta que ele estava escrevendo, desviando continuadamente a sua atenção, com as observações que transmitia para a sua irmã. Mr. Hurst e Mr. Bingley estavam jogando piquet, e Mrs. Hurst observava o jogo.
 Elizabeth fazia um trabalho de agulha; divertia-se com o que se estava passando entre Darcy e a sua companheira. Os contínuos elogios da moça, a respeito da letra, da igualdade das linhas, ou do comprimento da carta, em contraste com a perfeita indiferença com que o outro os recebia, formavam um curioso diálogo, confirmando exatamente a opinião que Elizabeth tinha a respeito de ambos.
 — Miss Darcy vai ficar encantada com a carta!
 Ele não respondeu.
 — Escreve muito depressa!
 — Está enganada, escrevo até devagar.
 — Quantas cartas o senhor não escreverá por ano! Cartas de negócios também. Penso que deve ser odioso escrevê-las!
 — Felizmente para a senhora, é a mim que incumbe escrevê-las.
 — Não se esqueça de dizer à sua irmã que eu tenho muitas saudades dela.
 — Já o disse uma vez, a seu pedido.
 — Acho que o senhor não está gostando da sua pena. Deixe-me apará-la para o senhor. Eu sei aparar penas muito bem.
 — Obrigado. Mas eu sempre aparo as minhas próprias penas.
 — Como consegue escrever tão regularmente?
 Darcy ficou em silêncio.
 — Diga à sua irmã que estou radiante de saber que ela tem feito progressos na harpa. Escreva-lhe também que fiquei encantada com o lindíssimo desenho que fez para uma mesa e que o acho infinitamente superior ao de Miss Grantley.
 — A senhora me dará licença de deixar os seus entusiasmos para a próxima carta? No momento não tenho espaço para exprimi-los condignamente.
 — Oh, não tem importância, eu a verei em janeiro. Mas o senhor sempre escreve cartas assim tão longas e encantadoras para a sua irmã, Mr. Darcy?
 — Em geral as minhas cartas são longas, mas não me cabe julgar se são encantadoras.
 — Considero como regra que uma pessoa que escreve uma carta longa com facilidade não pode escrever mal.
 — Isto não serve como elogio para Darcy, Caroline — exclamou seu irmão —, pois ele não escreve com facilidade. Ele se esforça demais para encontrar quatro sílabas, não é verdade, Darcy?
 — O meu estilo é muito diferente do seu.
 — Oh — gritou Miss Bingley —, Charles escreve da maneira mais descuidada, escreve as coisas pela metade e depois risca o resto.
 — As ideias me ocorrem tão rapidamente que não tenho tempo de exprimi-las. É por isso que, às vezes, as minhas cartas não transmitem nenhuma ideia aos meus correspondentes...
 — Sua humildade, Mr. Bingley — disse Elizabeth —, deve desarmar toda censura.
 — Nada é mais enganoso do que a aparência da humildade — disse Darcy. — Às vezes é apenas pouco caso e, outras vezes, uma maneira indireta de se gabar.
 — E qual dessas duas explicações você acha que cabe à minha modéstia, neste caso?
 — A maneira indireta de se gabar. Na realidade você se orgulha realmente das suas deficiências no escrever, porque considera que esses defeitos procedem de uma rapidez de pensamento e descuido na execução, coisas que você acha, se não estimáveis, pelo menos altamente interessantes. A capacidade de fazer as coisas rapidamente é sempre muito apreciada pelo possuidor, que frequentemente não repara nas imperfeições da execução. Quando você disse a Mrs. Bennet esta manhã que se algum dia resolvesse deixar Netherfield partiria em cinco minutos, estava fazendo uma espécie de panegírico ou de elogio a si mesmo. E no entanto, não há nada muito louvável numa precipitação que acarretaria, forçosamente, a necessidade de deixar coisas importantes inacabadas, e não pode trazer nenhuma vantagem real, nem para você próprio, nem para ninguém mais.
 — Isto é demais — respondeu Bingley —; lembrar-se, de noite, de todas as tolices que eu disse de manhã! No entanto dou-lhe a minha palavra de que falei sinceramente e de que ainda neste momento acredito no que lhe disse. Pelo menos, portanto, eu não me atribuí esse traço de precipitação inútil apenas para me gabar diante das senhoras.
 — Acredito na sua sinceridade; mas não estou absolutamente convencido de que se resolveria a partir com tanta rapidez. Sua conduta estaria tão à mercê do acaso como a de qualquer outro homem; e se no momento, no instante de montar a cavalo, um amigo lhe dissesse: “Bingley, é melhor você ficar até a próxima semana”, você aceitaria imediatamente o conselho. E se lhe fizessem outra sugestão, ficaria provavelmente um mês.
 — Com isto apenas prova que Mr. Bingley não fez justiça ao seu próprio caráter. O senhor o pintou com muito mais exatidão do que ele próprio.
 — Sinto-me extremamente grato — disse Bingley — pela sua maneira de converter o que o meu amigo disse num elogio à doçura do meu gênio, mas creio que está atribuindo àquele senhor uma intenção que ele não tinha, pois ele decerto pensaria que, em tais circunstâncias, eu deveria recusar certamente a sugestão e partir imediatamente, como tinha resolvido.
 — Consideraria, Mr. Darcy, a precipitação da sua decisão original compensada pela sua obstinação em aderir a ela?
 — Dou-lhe a minha palavra que não posso explicar exatamente o que ele quis dizer. Darcy deve falar por si mesmo.
 — A senhora está querendo que eu justifique uma opinião que resolveu me atribuir, e a qual não subscrevo. Aceitando, porém, o caso tal como a senhora o coloca, é preciso que não se esqueça, Miss Bennet, de que o suposto amigo que desejou que Bingley ficasse em casa e adiasse os seus planos contentou-se em exprimir o seu desejo sem oferecer nenhum argumento que justificasse o seu pedido.
 — Ceder facilmente, prontamente, à persuasão de um amigo não é, então, um mérito aos seus olhos?
 — Ceder sem convicção não depõe a favor do bom senso de nenhuma dessas pessoas.
 — Mr. Darcy, o senhor não me parece conceder nenhuma importância à influência da amizade e da afeição. A consideração por um amigo faz com que a gente ceda prontamente a um pedido, mesmo que esse amigo não ofereça argumentos em apoio do que pede. Não estou considerando, particularmente, o caso em discussão. Devemos esperar, talvez, até que ele ocorra, para discutir o acerto do seu procedimento. Mas em geral, nos casos comuns entre amigos, quando um deles é solicitado pelo outro para que altere uma decisão de pouca monta, pensa o senhor que aquela pessoa que cedeu, sem exigir outros argumentos, procedeu realmente mal?
 — Não será preferível, antes de continuar no assunto, que determinemos com mais precisão o grau de importância real do pedido? Bem como o grau de intimidade existente entre as partes?
 — Sem dúvida — exclamou Bingley —; vamos particularizar, e não esqueçamos a estatura comparativa dos amigos, pois isto tem mais importância do que supõe Miss Bennet. Asseguro-lhe que se Darcy não fosse tão alto em relação à minha pessoa, eu não o trataria com tanta deferência. Declaro que não conheço nada mais temível do que Darcy em certas ocasiões e em determinados lugares; especialmente na sua própria casa e numa noite de domingo, quando ele não tem nada a fazer.
 Mr. Darcy sorriu, mas Elizabeth acreditou perceber que ele tinha ficado ofendido e por isso conteve a sua risada. Miss Bingley, ressentida com o ridículo que o outro sofrera, censurou violentamente o irmão pelas tolices que dissera.
 — Eu compreendo a sua intenção, Bingley — disse o amigo —, você detesta discussões e quer acabar com esta.
 — Talvez. As discussões se assemelham às disputas. Se você e Miss Bennet quiserem adiar a sua até que eu saia da sala, ficarei muito agradecido. Depois poderão falar o que quiserem a meu respeito.
 — O que o senhor pede — disse Elizabeth — não é um sacrifício da minha parte, e quanto a Mr. Darcy, acho que precisa acabar a sua carta.
 Mr. Darcy aceitou o conselho e terminou a carta.
 Finda esta ocupação ele pediu a Miss Bingley e a Elizabeth que fizessem um pouco de música. Miss Bingley se dirigiu alegremente para o piano e depois de um amável oferecimento a Elizabeth para que ela começasse, oferecimento que a outra rejeitou, com a mesma amabilidade e maior ênfase, sentou-se e começou. Mrs. Hurst cantou com a irmã e, enquanto isto, Elizabeth, que folheava cadernos de música, que estavam sobre o piano, não pôde deixar de observar que os olhos de Mr. Darcy se voltaram frequentemente na sua direção. Não podia supor que fosse um objeto de admiração para um homem tão importante. No entanto, achava ainda mais estranho que ele a estivesse olhando por antipatia. Acabou imaginando, entretanto, que o que atraía a sua atenção era algo errado e repreensível que existia na sua pessoa, e que contrastasse, aos olhos de Mr. Darcy, com as qualidades dos outros presentes. A suposição não a penalizou. Darcy lhe era indiferente demais para que desejasse a sua aprovação.
 Depois de tocar algumas canções italianas, Miss Bingley atacou uma alegre canção escocesa e pouco depois Mr. Darcy, aproximando-se de Elizabeth, disse-lhe:
 — A senhora não se sente inclinada a aproveitar esta oportunidade para dançar? — perguntou.
 Ela sorriu, porém não disse nada. Repetiu a pergunta, um pouco espantado com o seu silêncio.
 — Oh — disse Elizabeth —, ouvi o que perguntou antes, mas não pude determinar imediatamente o que deveria responder. O senhor queria que eu o fizesse afirmativamente para ter o prazer de desprezar as minhas preferências; mas eu sempre gosto de perturbar esses estratagemas e roubar às pessoas o lance que premeditam. Resolvi portanto responder-lhe que não desejo absolutamente dançar; e agora despreze-me, se ousar.
 — Asseguro-lhe que não ouso.
 Elizabeth, que tencionava ofendê-lo, ficou espantada com a sua amabilidade. Mas havia no tom de Elizabeth um misto de doçura e de malícia que dificilmente ofenderia alguém. E Darcy nunca se sentira tão fascinado por uma mulher como estava por aquela. Acreditava realmente que se não fosse a inferioridade das relações de Elizabeth encontrar-se-ia certamente em perigo.
 Miss Bingley viu, ou suspeitou o bastante para se enciumar, e a sua grande ansiedade pelo restabelecimento da sua querida amiga Jane crescia com o desejo de se ver livre de Elizabeth. Tentava frequentemente provocar a antipatia de Darcy pela sua hóspede, falando no seu suposto casamento e planejando a felicidade que Darcy encontraria numa tal aliança.
 — Espero — disse ela, enquanto passeavam juntos, no dia seguinte, pelo pequeno bosque —, espero que dê a entender à sua sogra, quando tiver lugar este desejável acontecimento, a vantagem de ser menos tagarela; e se o puder, também, cure as meninas mais moças da mania de perseguir os oficiais. E se me permite abordar um assunto tão delicado, procure reprimir aquele pequeno toque de pretensão e impertinência que a sua dama possui.
 — Tem alguma outra proposta a fazer em prol da minha felicidade doméstica?
 — Oh, sim, faça pendurar os retratos do seu tio e da sua tia Philips na sua galeria de Pemberley. Ponha-os ao lado do seu tio-avô, o juiz. São da mesma profissão, se bem que trabalhem em ramos diferentes. Quanto ao retrato da sua Elizabeth, nem deve tentar mandar pintá-lo, pois, que pintor poderia fazer justiça àqueles belos olhos?
 — Não seria realmente fácil reproduzir a sua expressão, mas a cor, o desenho, os cílios, tão delicados, podem ser copiados.
 Neste momento encontraram-se com Mrs. Hurst e Elizabeth, que vinham por outro caminho.
 — Não sabia que estava passeando — disse Miss Bingley, confusa, temerosa de que as suas palavras pudessem ter sido ouvidas.
 — Você nos tratou abominavelmente — disse Mrs. Hurst —, saindo assim sem nos avisar.
 E tomando o braço de Mr. Darcy, deixou Elizabeth sozinha. O caminho dava apenas para três pessoas. Mr. Darcy percebeu a grosseria e disse imediatamente:
 — Este caminho não é suficientemente largo para nós todos. Seria melhor passearmos na avenida.
 Mas Elizabeth, que não tinha a menor vontade de ficar com eles, respondeu, com um sorriso:
 — Não, não, fiquem onde estão. Formam assim um grupo encantador. Uma quarta pessoa estragaria o pitoresco. Adeus...
 Em seguida ela se afastou correndo, satisfeita com a ideia de que daí a um ou dois dias estaria novamente em casa. Jane estava tão melhor que tencionava sair do quarto, naquela noite, durante algumas horas.




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