& Moira Bianchi: O silêncio de Maria Antonia Marisguia

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

O silêncio de Maria Antonia Marisguia

Seu livro 'Preconceito, orgulho & CAFÉ' tem um silêncio muito pesado de Toni entre as páginas 187 e 192, então te convido a ler online esse momento tão tenso no romance.

Sendo assim...




14 Agosto

‘Cancelei uma viagem a Miami por isso, porque acho que não posso sair de perto de você quando está assim.’

Sentiu o peito arder. ‘Deveria ir.’

‘Quer que eu vá? Duas semanas fora?’

‘Não sou sua responsabilidade, você não é minha esposa, nem vai ser.’ Disse olhando diretamente nos olhos cor de mel, se sentindo um idiota por falar e por ter que repetir tal coisa. ‘Aqui não é sua casa.’

A cabeça girou momentaneamente e apertou os olhos com raiva, como sempre se enchendo de coragem quando era atacada, ameaçada. ‘Já sou. Já é.’ Ele sacudiu a cabeça e na intenção de sentar, se jogou no sofá em frente a ela. O braço imobilizado ainda o deixava com o equilíbrio prejudicado. ‘Você sempre fez questão que eu dormisse aqui, que trouxesse minhas roupas, me deu a chave e pediu uma reserva do meu carro. Se isso não é um tipo de casamento, não sei o que é. Eu nunca te escondi que quero isso, não pode negar.’

Sacudiu a cabeça. ‘E eu sempre disse que não quero me casar. Nunca.’

‘Está aborrecido.’ Prendeu os olhos nele que não resistiu à pressão e desviou primeiro. ‘Insistiu muito até me convencer a ficar aqui com você, Mau. Mesmo quando eu resisti, você me pediu, antes do assalto até. Pensei que-’

‘Não pense.’

Silêncio pesado.

‘Você me chamou aqui.’

‘Chamei, mas não te dei minha mão em casamento.’ Era uma batalha de egos fortes, de mentes confusas e apaixonadas que infelizmente não falavam a mesma língua. ‘Não quero casar com você.’ Disse cruelmente. ‘Nem com ninguém.’ Completou por covardia.

‘Nunca pensei que casaria com alguém estranho aos meus círculos de amizade, que não viesse de onde venho, mas você me conquistou aos poucos, venceu minhas barreiras. Se esforçou nisso.’ Disse sinceramente, seus olhos o implorando para alcançá-la. ‘Claro, haveria muito mais esforço, a epopeia de unir sua tia e irmã com minha mãe e irmãs, quando você fica contrariado é quase insuportável. Tudo acho que é contornável; como eu, você gosta disso que temos, fez força para construirmos isso, esse casamento informal. Tudo bem, até poderia abrir mão de oficializar a união por um tempo, se você quisesse. Mas sabe que eu não poderia ter uma união estável sem garantir a separação total de bens.’

‘Não temos um casamento. Isso- ’ Apontou dele para ela. ‘Não vai ser um casamento.’ Falou ofendido, magoado.

‘Está terminando comigo?’ Desafiou vendo que não havia mais o que ser dito, tudo estava claro. ‘De maneira tão grosseira?’ Encostou as duas mãos fechadas em punho na boca, cotovelos nos joelhos, olhos fixos nele.

Sempre foi suscetível ao poder dos olhos de mel e vê-los assim magoados, cheios de ressentimento e desespero – sabendo que era sua culpa e que era necessário esclarecer mais uma vez o que na cabeça dele era verdade inabalável – o quebrou, mas sob dura pena manteve-se firme. ‘Não foi grosseria me insultar dizendo que decidiu querer casar comigo apesar da minha inferioridade, da necessidade de se proteger caso eu quisesse roubar seus bens como o outro cara quase fez, que minha tia e irmã são mal-educadas?’

‘Acha que tenho que agradecer pelos comentários maldosos e intrometidos?’ Apertou os olhos. ‘Sua tia está criando sua irmã tão... Fora da realidade-’

Estava muito aborrecido, o estômago fraco e em jejum fez a cabeça rodar e se recostou no braço do sofá. ‘Ela não teve a vida fácil da sua mãe, sofreu muito. Abriu mão de tudo por minha irmã e por mim!’

‘E se ressente por isso. É maliciosa, rancorosa, está estragando sua irmã!’

‘Chega, Antonia!’

Ficou de pé indignada com a voz elevada para ela mais uma vez. ‘Tem razão. Chega.’ Fosse outra a situação, teria corrido para acudi-lo, beijar a testa, a boca, deitar com ele. Agora o olhava e via um homem preconceituoso e cabeça dura. Estar ali naquele apartamento lhe fez mal.

Irritado, aborrecido, magoado viu sua Lindona sair da sala e sumir no quarto, mas não ouviu barulho. Pensou em juntar as forças e a paciência, ir atrás dela, conversar abraçados na cama, esclarecer que a adorava, mas que não seria ele a dar-lhe um sobrenome e uma aliança. Não que ‘Noronha’ parecesse ser um sobrenome que ela achava digno de adicionar a Maria Antonia Marisguia Froes. Sentiu o sangue ferver, a mente conturbada achou novas ofensas no que ela havia dito com sinceridade, com o coração dolorido – ao menos isso era claro para ele. Era uma tola, uma garotinha mimada cismada com a ideia infantil de casamento.

Mas enquanto pensava sem chegar a nenhuma conclusão de como e quando levantar para falar com ela, Maria Antonia voltou para a sala, apoiou sua bolsa de viagem na mesa da sala para calçar os sapatos e vestir o casaqueto acinturado.

A cabeça rodava a ponto de grunhir e precisou sentar para recostar no sofá.

‘Deveria estar em Miami, atrasei negócios sérios por você. Fiz força para não me meter no seu trabalho, apesar de deixar você se intrometer no meu. Inacreditável como tive mais consideração por você do que por mim mesma.’

‘Seu pai não é Deus, ele não tem poder sobre a advocacia, muito menos sobre mim.’ Rugiu indignado. ‘Nunca tive um relacionamento importante o suficiente para influir no meu trabalho, você não seria a primeira.’

Balançou a cabeça. ‘A repetição é sempre mais eloquente, aprendi minha lição.’ Pegou o chaveiro preso na bolsa e tirou a chave dele, mostrou e colocou sobre a mesa. Sem mais uma palavra, pegou as bolsas e saiu.

Maurício pensou na dramaticidade feminina, em como sua Lindona era ainda mais bonita irada e só então se lembrou da jaguatirica. Fazia semanas que não a via, achava que ela estava se retraindo porque ele estava adoentado e isso fez uma nova onda de irritação o atacar. Levantou com calma e tomou o resto do café frio, passou pela cozinha e pegou o pão que ela tinha lhe preparado e a caminho da cama, por costume, desviou os olhos para o closet e banheiro. Parou e olhou com atenção, chegou perto para ver melhor. Vestidos, camisetas, jeans, perfumes, maquiagem, lingerie e as fotos que ele tinha admirado há pouco: tudo havia sumido.

14 a 18 Agosto

Saiu tremendo de raiva, de ódio.

“Que bostinha! Para que insistiu se não me queria?”

Dirigiu sem rumo, pegou a Lagoa-Barra que incrivelmente estava desobstruída e de repente estava em Grumari. Manhã fria, praia vazia, pensou em parar o carro, enxugar as lágrimas de raiva e escrever uma carta. Um e-mail longo. E mandar do telefone mesmo explicando tudo que ele tinha entendido de errado, o bosta. Mas se decidiu contra. Não tinha que se explicar, ele não merecia saber de nada. Não merecia nada mais dela. Tinha consciência de um defeito que possuía, talvez o mais proeminente em sua personalidade: a habilidade de cortar laços sem titubear quando uma pessoa provava não merecer sua boa opinião. Sua boa vontade uma vez perdida estava perdida para sempre.

Tinha um bom pinto, mas era um merda. Havia pintos bons em pencas e homens merda a cada esquina. Para sua surpresa, pegou-se rindo da imagem de uma penca de pintos bons, grandes, rijos, poderia dar essa ideia para aquela artista plástica que colocava pênis de madeira em tudo. Até poderia fazer uma encomenda.

Deu meia volta e dirigiu em direção à Zona Sul, no caminho parou no shopping de decoração para comprar uma penca de bananas de madeira que tinha visto na grande loja de móveis quando compraram a poltrona do quarto do gravatinha pingado de merda.

Tirou os sapatos no elevador e preparou a chave para entrar em casa o mais rápido possível. Já era meio da tarde do dia nublado, não bateu na porta do pai, não acendeu as luzes nem fez barulho para não chamar atenção de Don, mas foi ao abajur de pé caríssimo e pendurou o cacho de bananas nanicas, bem à vista. Assim, cada vez que acendesse o foco de luz veria a sombra de vários pintos bons e se lembraria de que existem vários à disposição. Achou um vinho, abriu, escolheu uma taça bonita de cristal e sentou no chão perto da janela vendo o Cristo.

Não chorou, não se permitiu. Terminar com o gravatinha pingado de merda não era nada se comparado com desfazer o noivado com Saulo um mês antes do casamento. Apartamento montado, festa pronta, já dormiam juntos na casa nova ensaiando a vidinha conjugal no apartamento da Vieira Souto. Ele era o homem certo para ela, aceitava ir a São Paulo provar um novo fornecedor de macarons quando já tinham escolhido os que serviriam no casamento; na verdade, ria dos seus devaneios casamenteiros, chorou quando ela terminou com ele. Pediu que ela não fizesse, que lhe desse uma chance de acertar as coisas nos negócios, disse que a amava.

Maurício nunca disse que a amava.

O gravatinha não era nada. Foi só um veículo onde ela mais uma vez depositou suas esperanças vazias de uma vidinha conjugal medíocre, suas frustrações emocionais, seus sonhos infantis de felizes para sempre. Tudo ilusório. Claramente forçou uma situação com um cara que não era dos seus círculos, que não se encaixava, era um cubo sendo enfiado em um tubo. O gravatinha não era nada. Foi só um delírio.

Tentou imaginar se o vô Marisguia aprovaria o gravatinha e achou várias razões para acreditar que não, a principal era a dor no seu peito. Enganou-se repetindo para si mesma que como Saulo era do seu nível, do Clube de Vela, da escola, dos amigos, ele é que era para ela; aquele é que foi um golpe duro, difícil de lidar. Ainda era.

Louca de dor, meio bêbada, triste, pegou o telefone sem pensar e ligou sem se importar que já era mais de meia noite. Escolheu o rosto dele tão bonito, tão viril e ligou. Uma mulher atendeu rindo e Antonia ficou muda. A garganta fechou, o coração ardeu e em seguida, os olhos vazaram.

“Me dá isso aqui!” Ouviu a voz alterada. “Princesa?” Saulo disse feliz que ela finalmente tinha ligado de volta, esperava ansiosamente por ela. “Princesa, fala comigo...”

Cortou a ligação, desligou o telefone e chorou muito. Quando secou o estoque de tristeza que certamente estaria cheio novamente pela manhã, lavou o rosto, tomou um remédio para a ressaca de uma garrafa inteira de vinho no estômago vazio e deitou. Incrivelmente dormiu um sono pesado, sonhos confusos, inquietos.

Por volta do meio dia, o pai preocupado usou sua chave como não fazia nunca e a viu na cama, recolheu a garrafa vazia, a roupa jogada no chão e saiu em silêncio para cruzar o corredor e tranquilizar a mãe.

Acordou, tomou um banho quente e demorado, comeu uma fruta e um iogurte, olhou em volta e vendo tudo vazio exceto pelas bananas que a convidaram a continuar fugindo, foi para Duc Mare, para os braços da lembrança afetuosa do avô.

Ficou de pijamas e meias de tricô daquelas que machucam os pés quando se anda vendo o rio correr ao longe. Até comeu bananas, mas não chorou mais. Considerou que deveria mesmo mudar de ares, talvez outra temporada fora do país cuidando das importações. Seria bom.

Quando voltou ao Rio depois do final de semana prolongado, decidiu ir para o escritório de São Paulo. Tinha amigos lá, não tinha namorados lá, faria novos conhecimentos lá. São Paulo era seguro.


Arrumou a vida e a mala e foi na mesma semana sem olhar para trás.



E, já que você está aqui, passe um café novo para acompanhar esse maravilhoso BOLO DE CAFÉ
achei online e agradeço - bem simples, até eu consigo fazer!

Se a este ponto você está do lado da Toni ou do Mau, espere até o fim para se decidir... 
Chegando lá, não esqueça que ainda há bastante a contar no...
 
~somente ebook~

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