& Moira Bianchi: outubro 2022

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Lady Susan de Jane Austen - um romance petulante e audacioso

 Olá!

Hoje começo uma série de posts sobre LADY SUSAN.

.

Esse romance epistolar é o meu segundo romance favorito na obra de Jane Austen. Eu gosto do ritmo, da sensação de ouvir segredos, descobrir coisas escondidas de mim. É excitante!

Sem dúvida, Lady Susan é um ponto fora da curva na obra de Austen para quem não conhece a Juvenília. Mas, na verdade, LS encaixa perfeitamente no refinamento do estilo da autora.

Como eu tive a oportunidade de trabalhar na Juvenília, eu pude pesquisar easter eggs e referências que a então Jovenzinha Jane embutiu na produção literária que ela começava a criar, e principalmente, li na íntegra e na ordem que ela deixou seus cadernos numerados. Sugiro que você leia também, no original ou na minha tradução. Por que?

⭐ Primeiro: 

Porque é mimo para fãs de Austen

⭐ Segundo: 

Porque tem várias pistas e esboços de Orgulho e Preconceito, Razão e Sensibilidade e Emma

⭐ Terceiro: 

Porque vai te ajudar a entender melhor os romances de Jane Austen


Te mostro aqui uma linha do tempo das criações de Austen para localização da evolução dela como contadora de histórias. LS está em amarelo.


Então, analisando pela vertente de QUANDO LS foi criada, vemos que Austen usou muito da narrativa exagerada da Juvenília, mas agora refinada - mesmo que ainda muito longe da delícia de "Você é muito generosa para brincar comigo. Se seus sentimentos ainda são os mesmos de abril passado, diga-me imediatamente. Minhas afeições e desejos não mudaram, mas uma palavra sua me silenciará sobre esse assunto para sempre." O&P, cap 16

Uma idéia clara da evolução do estilo de Austen pode ser vista, por exemplo, na leitura dessas 4 obras (seleção minha):

Se lidas em sequência, essas obras mostram que com a maturidade, ela refinou seu estilo. Ela fala de morte em Jack & Alice de maneira jocosa e de forma melancólica em Persuasão.

Mas aqui neste post quero falar de como Lady Susan é uma continuação perfeita da Juvenília. Te explico meu raciocínio:

 4 mulheres para falar da situação feminina 

Em Catherine ou o caramanchão, Austen conta a história de 4 mulheres: Catherine, Sra. Percival (a tia), Sra. Stanley (parente) e Camilla Stanley (parente). Conhecemos Catherine como um garota profunda, leitora voraz e muito preocupada com a situação de vizinhas amigas que tiveram a vida alterada com o falecimento do pai. A tia é mostrada como uma senhora preocupada e rancorosa com a situação da sobrinha solteira e reputação. Sra. Stanley é uma mulher casada e confortável com sua situação social. Camilla é uma garota da mesma idade de Catherine, mas como tem uma família estruturada e rica, é leve e despreocupada.

De início, Catherine nos faz crer que Camilla é fútil, mas depois aprendemos que a visão de Catherine nem sempre reflete a verdade - assim como Elizabeth Bennet e Emma, por exemplo. Depois, com o andamento da trama, Catherine muda conforme ela reage às pessoas à sua volta.

'Catherine' fala de possibilidades na vida social feminina

Em Lady Susan, de novo Austen nos dá 4 mulheres: Lady Susan (a viúva), Frederica (filha da viúva), Sra. Vernon (a cunhada) e Sra. Alicia Johnson (amiga e comparsa de Susan). Aqui somos apresentados a uma viúva impiedosa em suas tentativas de garantir uma vida segura e confortável. Nesta batalha, a filha é um meio - assim como Elizabeth é para Mrs. Bennet. Apesar de querer segurança para a filha, essas mães querem estender esse cobertor sobre elas mesmas.

Frederica então é um peão movida de lado para lado no tabuleiro de interesses. Sra. Vernon é uma mulher segura na vida porque tem pais de fortuna e marido vivo (este é o herdeiro do marido falecido de Susan, o que nos faz entender porque ela acha que tem o direito de tirar vantagem do cunhado). Alicia Johnson já conseguiu assegurar um marido velho e rico e por isso está segura socialmente, mas precisa eventualmente responder ao marido que tem certa aversão ao poder perverso de Susan.

⭐ Lady Susan fala da luta feminina pela sobrevivência  

Não sabemos na verdade se Catherine foi o último conto escrito na juventude dela, apenas que é o último que ela incluiu nos cadernos da Juvenília. Mas se acreditarmos que a ordem em que Austen passou a limpo seus escritos juvenis foi a mesma em que ela os criou, a transição de narrativas e assuntos é natural, suave.

A garota Jane tinha todas as possibilidades abertas a ela, observava os destinos de suas parentes e amigas se descortinando à sua volta. A jovem mulher Jane tem noção da corda bamba que era a situação social da mulher nos séculos 18-19.  Já falei disso aqui no blog, leia aqui e aqui entre outros.

Enfim, eu gosto tanto de Lady Susan porque vejo nesta obra pequena e petulante uma audácia em crítica social que Austen parece manter sob controle no restante de sua obra.

Laetitia, Lady Lade, on horseback de G. Stubbs - 1793
.

Veja uma análise curtíssima que achei em Jane Austen, her life in letters - a family record de William Austen-Leigh. Ele era sobrinho-neto de Jane e organizou (muitos anos depois do falecimento dela) um carinhoso livro que detalha sua vida com minúcias cotidianas de sua vida, circunstâncias em que ela escreveu seus romances, e sua morte prematura. Usando as próprias cartas de Jane, este livro ajuda a construir a reputação literária e pessoal de um ícone literário pela visão de seus familiares.

Cito aqui o cap 5:

"Em Memórias, o autor cedeu com relutância às muitas solicitações de incluir Lady Susan em sua segunda edição como uma etapa no desenvolvimento da autora (Jane). Estritamente falando, não é uma história, mas um estudo. Quase não há tentativa de enredo ou agrupamento de personagens; as que existem são mantidas em segundo plano e servem principalmente para realçar a figura completa, altamente acabada e totalmente sinistra que ela (a personagem principal) ocupa na trama, mas que parece, com a conclusão do estudo, desaparece inteiramente da mente de sua criadora. É igualmente notável que uma menina inexperiente tenha tido independência e ousadia suficientes para compor em detalhes uma mulher do tipo de Lady Susan, e que, depois de fazê-lo, a pureza de sua imaginação e a delicadeza de seu gosto a impediram que repetisse o experimento."

Está certo, não é?


Apesar de ter escrito Razão e Sensibilidade em cartas, Austen reescreveu depois e ficamos sem saber o quanto ela mudou já que as irmãs Marianne e Elinor não ficam afastadas e portanto, as cartas deveriam ser de outras pessoas falando delas...

Pela Nossa Senhora do Print, quem resiste à exposição de uma conversa de Whatsapp? Imagino que cartas eram igualmente comprometedoras e por isso Lady Susan seja tão suculenta.

goodreads


Com estes posts eu quero aprender mais da obra e de Jane, te convido a vir comigo nesta jornada que, se tudo der certo, é um embrião para um novo projeto bacana em Austen Nation.

Se você ainda não viu, aqui estão minhas pesquisas de Austen Nation e pesquisas históricas aqui.

Agora me fala, você já leu LS

Gostou da obra ou detestou tanto a personagem que o romance todo é impossível de engolir?

Bjs, e até mais!

M.


Garante seu BOX DE LIVROS DA JUVENÍLIA

antes que esse projeto chegue ao fim!