& Moira Bianchi: 2023

domingo, 26 de março de 2023

Ouro de tolo: será esta a verdadeira definição para Meghan?

 olá!

Faz um tempo que não posto um rambling aqui, tenho me dedicado a estudos de aprofundamento da obra de Jane Austen. Engrandecimento da alma e do intelecto e tal. Mr. Darcy diz que uma mulher tem que aprimorar a mente com a boa leitura, não é mesmo?

Mas com as loucuras do país, fujo dos noticiários e prefiro me dedicar a algo completamente irrelevante. Poderia ser a família Kardashian (credo), mas perco meu tempo com os Harkles.

tumblr

Sei, você vai dizer que eles são absolutamente desnecessários, que a Família real Inglesa é zero à esquerda para nós aqui no Brasil, isso e aquela outra verdade universalmente conhecida. Mas eu vou argumentar que tem um lado diferente nessa treta:


Já falei em ser enganado com gosto neste post aqui. Chegamos a um ponto que gaslighting é a norma, a gente aceita, engole, repete e nem questiona.

Meu caso com Príncipe Harry e Meghan Markle é esse: me enganaram e tentam, a cada nova treta, fazer gaslighting comigo. 

EU. NÃO. ACEITO.

Sei que eles não sabem que eu existo, que neste post e no Podcast Sincericídio literário eu e Vânia reforçamos os planos desse casal de alcançar fortuna & fama (ou infâmia), mas eles têm feito parte do meu dia-a-dia a ponto de escrever um livro (mal) inspirado neles. O PRÍNCIPE QUE SOBROU PARA MIM é um romance fofo onde as tretas mais famosas deles guiam a narrativa.

Moira, esse post é para falar do livro ou o livro é desculpa para falar dos Harkles?

Tanto faz, acho. Te conto:

Eu escrevo romances de época, você sabe. Adoro ler, pesquisar e compor histórias de um tempo onde tudo era mais poético e menos ativista. Por conta disso, sempre estou enfiada em pesquisas sobre a Inglaterra. A Família real faz parte deste universo, especialmente Victoria, a rainha moderna mãe de todas as famílias reais da Europa. Dela para os Windsors de hoje em dia é um pulo na história, meros 200 anos. 

Lady Diana foi um ícone para mim por conta do seu casamento famoso, grandioso, cinematográfico. Pena foi o noivo dela. Príncipe Charles na época, hoje Rei Charles III, na entrevista oficial de divulgação do noivado, mostrou a real e ninguém deu importância. Olhe o video, transcrevo para você.

entrevistador: E suponho que estão apaixonados.

Diana: Claro. *olha com a cabeça baixa, constrangida, apaixonadinha*

Charles: Seja lá o que signifique estar apaixonado.

Diana: Hehehe *muito constrangida*

Bem, o casamento foi um desastre de público e crítica. Fofoca, traições, chororô, divórcio, dois filhos, morte prematura dela, casamento tardio dele com a amante, rei de pouca credibilidade. 

E não é que, 40+ anos depois, o filho deles nos vendeu o mesmo ouro de tolo?! 

Na ocasião do casamento de Harry, Meghan também não disfarçou suas intensões, eu é que não soube ler. Trouxa, eu! Na época, início de 2018, fiz esse post aqui no blog elogiando a coragem de Meghan (a rainha da treta) que ia entrar sozinha na igreja porque seu pai tinha tentado lucrar com seu futuro casamento. Eu, otária romântica, escolhi não levar a sério as críticas do twitter ou as comparações com Wallis Simpson. Bem, agora sabemos que as armações são sórdidas.

Hoje, março de 2023, ainda não sabemos a real razão para esse shit show que Meghan e seu marido armam para o mundo. 

  • Ele sempre quis sair da Família real e ela foi goiabada para o queijo dele?
  • Ela é uma agente da Nova Ordem Mundial enviada para ruir a monarquia de dentro para fora?
  • Ele é só um junkie fácil de ser manipulado?
  • Ela quer ser a mulher mais famosa do mundo?
  • Eles se conheciam desde a época da Ilha da fantasia do tio Andy?

Tudo é mistério e teoria da conspiração, tratamos de várias no podcast. O que me mata é o gaslighting. Me permita te dar duas definições que se complementam no meu raciocínio deste post.

OURO DE TOLO: expressão que significa enganar, ludibriar. Refere-se a pirita (dissulfeto de ferro) que é dourada, mas vale quase nada. Faz alusão à idade média quando falsos alquimistas prometiam transformar chumbo em ouro confundindo incautos.

GASLIGHTING: manipulação psicológica, fazer com que uma pessoa questione sua percepção da realidade gerando dependência. 'Não acredite nos seus olhos, acredite no que eu te falo.' Vem de um filme de 1944 que liga a brutal manipulação que a protagonista sofre com a penumbra causada pelas luminárias a gás (gaslight).

Percebe que as duas coisas estão ligadas?

São um tipo de sinônimo nesses dias atuais.

Harry e Meghan foram um casal real por menos de 2 anos. Desde que saíram da 'firm', eles vêm difamando a instituição e a família. Alimento de fofoca, adoramos, ueba! Mas fofoca boa é fofoca verdadeira. O que eles fazem é mau-caratismo.

west australian

Na famosa entrevista para Oprah, supostamente a única vez que eles iam falar da nefasta vida real dentro dos muros da realeza, foram mais de 20 mentiras. 'Conversas e preocupações sobre a cor da pele do meu filho.' Isso foi em março de 2021, 1 ano depois de saírem da firm. Em janeiro de 2023, o papo é outro. 'Nunca falei de racismo, minha família tem preconceito enraizado.'

daily mail

No torturante documentário para Netflix, passam de 30. Realmente, Meghan, a rainha da treta, tem muita coragem para mentir daquela forma deslavada. 'Ninguém nunca me ensinou a fazer a mesura.' Mas e essa cena do seriado que ela fazia?

Conversamos sobre isso no podcast e entre amigos, pensamos: 'ah, mas todo mundo sabe que eles são mentirosos, ninguém leva a sério!'

O triste é que levam. Já ouvi de pessoas aqui no Brasil opiniões muito inflamadas sobre como a rainha da treta sofreu na mão 'daquela gente', que ela foi expulsa da família real, que as crianças são vítimas. Juro. Ouvi de pessoas próximas que, apesar de serem bem informadas, não têm o interesse de pesquisar se o que é dito confere com o que vêem. 

Está na cara, mas dá menos trabalho seguir uma ordem. Pensar toma tempo, deixa para lá.

As pessoas escolhem ser enganadas e os enganadores, colhem os lucros.


Com esse post, eu quero te contar que minha vingança resposta para os Harkles é o livro O PRÍNCIPE QUE SOBROU PARA MIM. Nele eu inseri as melhores tretas, babaquices, mimimis e vergonhas que esses dois fizeram até hoje enquanto desenvolvo um romance fofo entre duas pessoas de bom caráter

Se você segue os Harkles, vai chorar de rir identificando as tretas.

Se não perde tempo com eles, mas chegou até aqui neste post, vai curtir o romancinho sessão da tarde/comédia romântica netflix.

Mas já te aviso: com a coroação de Charles se aproximando, tenho certeza que Harry e Meghan vão me dar tretas para um segundo romance!

LEIA MEU LIVRO NOVO!

bj

M.





pesquisei em: Brasil escola, Wikipedia, Youtube, Merriam-webster, meus arquivos pessoais,

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Lady Susan de Jane Austen: temas

 olá, feliz 2023!

Eu começo o ano cheia de planos e muita força de vontade para vencer a procrastinação.

Lady Susan ainda merece uns 3 posts, e depois dela, vou partir para mares nunca dantes navegados - ao menos aqui no blog!

Bem, vamos então aprofundar o estudo das tramoias da viúva mais coquete da Inglaterra:



❤️ 6 TEMAS ❤️

1️⃣ A NATUREZA DA VERDADE

Independente da verdadeira razão de Jane Austen em brincar conosco contando várias versões da mesma circunstância – ou deixando de nos contar detalhes importantes – Lady Susan alimenta a discussão da natureza da verdade.

Nem vamos entrar na filosofia da verdade, muito menos na esquizofrenia de ‘minha verdade’ x ‘sua verdade’, mas acho importante mencionar os usos de "verdadeiro" porque várias análises de Lady Susan dizem que há um luta central na trama:

Cada personagem lutam pelo poder de ser dono da verdade.

Em LS, Jane Austen menciona ‘true’ (verdade e verdadeiro) 12 vezes. Tanto protagonista (Susan) quanto antagonista (Catherine) usam 5 vezes. Essa tola estatística serve para reforçar a relatividade dessa ‘posse’.

Wikipedia fala de teorias da verdade e dois usos de "verdadeiro".

Uso objetual

Algumas vezes atribuímos verdade a objetos materiais, como quando dizemos "isso é ouro verdadeiro".

“... Na ausência dele (meu marido) nós podermos decidir com quem sair e ter alegria verdadeira.” Carta 26 de Alicia para Susan.

Mas há uma distinção essencial entre esse uso do predicado "é verdadeiro" e o uso em que atribuímos a verdade a coisas que dizemos. Ouro falso não é um ‘tipo de ouro’. Ouro verdadeiro é um metal que não apenas parece ouro, mas é ouro. Nesse uso, "verdadeiro" é sinônimo de "genuíno".

Uso semântico

Uma frase falsa não deixa de ser uma frase por ser falsa. Nesse uso  "verdadeiro" não é sinônimo de "genuíno". Há relações sistemáticas entre o uso objetual e o semântico de "verdadeiro". Eles podem aparecer na mesma frase. Por exemplo: "A frase 'Esse pedaço de metal é ouro verdadeiro' é verdadeira".

‘Eu estava errada, é verdade, mas eu acreditei que estava certa.’ Carta 24 de Catherine para a mãe.

Lembre que Jane faria essa brincadeira com a verdade verdadeira e quem tem o poder de ser dono dela várias vezes na sua obra,  como em O&P (Darcy x Wickham, R&S (Lucy Steele x Elinor), NA (Isabella x John).

2️⃣ OS PERIGOS DO PRECONCEITO

Todos estão no processo de decodificar rumores e mentiras para alcançar seus próprios fins.

A Sra. Vernon procura expor Lady Susan provando que as alegações contra ela são verdadeiras;

Reginald De Courcy está dividido entre seu amor por Lady Susan e a verdade sobre seu caráter;

Lady Susan procura ofuscar a verdade tanto quanto possível para que ela possa conquistar o coração de Reginald para seu próprio prazer egoísta e para que ela possa casar Frederica para garantir um futuro financeiro.

A verdade está mergulhada na complexa dinâmica vitoriana de interação social e nas várias letras que formam a estrutura do romance. As letras são então codificadas em níveis de subtexto e mentiras.

3️⃣ IMPORTÂNCIA DO CASAMENTO

Ao longo da novela, Austen demonstra o quão importante é o casamento no que diz respeito à posição social de alguém, um aspecto de seu caráter que é de extrema importância para a baixa nobreza do século XVIII.

As mulheres da classe rica dependiam do casamento para garantir sua posição social, bem como sua segurança econômica. Quando Susan escreve para Alicia sobre a possibilidade de se casar com Reginald, ela menciona essa dependência.

Mais do que tudo, Susan constrói o casamento como um evento quase transacional, no qual a mulher ganharia segurança financeira e aumentaria sua posição social em troca de sua parceria. Susan acredita que o casamento deve servir apenas para beneficiá-la materialmente e, portanto, não é um convênio no qual ela possa entrar levianamente. Susan retrata uma visão cínica do casamento, pois reconhece sua importância e, ao mesmo tempo, considera suas muitas desvantagens.

Uma dessas desvantagens é a liberdade que as mulheres abrem mão em troca de estabilidade. Susan gosta muito da liberdade de fazer o que quiser depois que o marido morre, já que não tem mais um homem a quem deva responder. Pena não ter ficado com renda suficiente para garantir seu sustento confortável.

Repare que Susan nunca considera casamento por amor, Alicia (amiga de Susan) casou por dinheiro.

Mas do outro lado dos personagens, todas as uniões são felizes: Os DeCourcy, Catherine e Charles, Frederica e Reginald.

O tempo todo ficamos entre dois times de personagens.

leia sobre idade que as moças casavam aqui

leia sobre o casamento ideal aqui

4️⃣ GÊNERO, PODER E MANIPULAÇÃO

A personagem titular de Lady Susan é uma mulher de 30+ anos, atraente, inteligente e cruel. O enredo começa com a necessidade de Susan de sair da casa dos Mainwaring por ter seduzido o dono da casa (homem casado) e por isso, ela se convida para passar uma temporada com os Vernon, parentes de seu marido falecido (que ela despreza).

Ao chegar na casa dos Vernons, Lady Susan continua a criar esquemas de manipulação de poder sobre outras pessoas, ao mesmo tempo em que tornam essas pessoas miseráveis. Mas sua crueldade é aparentemente sem motivo, somente tédio, mas tem raízes mais profundas na frustração e sua verve vingativa. Como uma mulher na Grã-Bretanha do século 18 com menos direitos e oportunidades do que os homens, seu aparente poder sobre os outros é amplamente ilusório - na realidade, ela depende das próprias pessoas que manipula e tira vantagem.

Ao apresentar Lady Susan como uma personagem feminina monstruosa que ainda é impotente, Jane diz que, na verdade, ela é vítima das limitações sociais impostas às mulheres na época.

Embora Lady Susan diga à sua amiga Alicia Johnson que ela é “independente”, ela realmente é acorrentada devido ao seu gênero e situação financeira – o pouco poder que ela tem vem do bullying que faz em outras pessoas. Como Susan revela em carta a Alicia, ela decide visitar o cunhado, Charles, porque é seu “último recurso”: quando o marido era vivo, eles venderam a propriedade e sobrou pouco dinheiro. Ao menos Charles (o cunhado) seja bonzinho, ele tem todo o poder nessa dinâmica, então ele pode forçá-la a sair a qualquer momento. No fundo, Charles é um cavalheiro à moda antiga cuja honra o faz reconhecer ter responsabilidade sobre a viúva no irmão.

Por exemplo, sua filha  Frederica, é submissa e teme o casamento forçado  com o "desprezivelmente fraco" e rico Sir James - plano que Lady Susan já tem em curso. Isso significa que o poder de Lady Susan sobre Frederica depende de sua manipulação de Sir James e bullying na própria filha. Lady Susan tem “certeza” que os dois são idiotas úteis, mas ela ainda assim precisa de cooperação deles para garantir sua sobrevivência.

Em alguns casos, Susan não é capaz de manipular as situações diretamente, o que mostra que ela carece de qualquer poder real. Para manter seu caso com o Sr. Mainwaring, ela precisa de Alicia para garantir que seu marido, o Sr. Johnson, não esteja por perto para interferir. Alicia já se ressente do marido, mas Susan alimenta esse ressentimento para obter o lucro que deseja - novamente, ela depende de outras pessoas para atingir seus objetivos e se sentir poderosa.

Seu caso com o Sr. Mainwaring é um exemplo perfeito da explosiva mistura de tédio, frustração e desejo de provar ter poder: no início, o irmão de Catherine, Reginald, descreve o caso como dando a Susan a “gratificação de tornar toda uma família miserável”. Ele provavelmente está certo - Lady Susan não teria lucro além de hedonismo já que o Sr. Mainwaring não pode se casar com ela porque já tem uma esposa. Mais tarde quando ela decide se casar com Reginald, novamente sem nenhum motivo óbvio; embora o casamento a ajudasse financeiramente, ela dependia do pai de Reginald para obter aprovação/dinheiro, o que significa que esse arranjo não lhe daria nenhuma liberdade – ou pouquíssima. Ela persiste no esquema porque está com raiva de Reginald por ser gentil com Frederica e quer passar o casamento punindo-o. Acima de tudo, ela aparentemente só quer convencer Reginald (e outras pessoas) de que ela tem poder sobre ele. Mas isso é amplamente ilusório, já que, como homem, Reginald sempre terá mais direitos legais e influência social do que Lady Susan - independentemente da capacidade de Lady Susan de manipulá-lo na intimidade.

Embora o status social inferior de Lady Susan como mulher seja a razão pela qual ela tenha apenas tem a ilusão de poder, ela utiliza e se beneficia das limitações impostas a outras mulheres - na verdade, sua capacidade de manipular aumenta por sua capacidade de usar suas próprias faltas de maneira mais engenhosa que suas pares. Ironicamente, as expectativas estereotipadas das mulheres na Grã-Bretanha do século 18 - que elas são conversadoras naturais e que devem ser atraentes para os homens - são o que dá a Lady Susan o poder de controlar os outros. Reginald é seduzido por sua beleza, e até mesmo sua cunhada, Catherine, admite que Lady Susan é excepcionalmente bonita e mais tarde adivinha que o "domínio da linguagem" de Lady Susan é o que lhe permite mentir de forma convincente. Lady Susan finalmente confirma a Alicia que ela é boa em manipular a linguagem porque seu papel prescrito como mulher na sociedade significa que a maior parte de seu tempo é gasta conversando.

Catherine é a pessoa que melhor entende a falsidade de Lady Susan, talvez por ser do seu nível de feminilidade: mulheres adultas & educadas, classe alta, casadas, com filhos. No entanto, a "decência comum" determina que Catherine não pode avisar Reginald sobre Lady Susan diretamente. Em vez disso, ela fala com a mãe, que fala com o marido, Sir Reginald, que escreve ao filho Reginald que está hospedado na casa de Catherine! Porém, as palavras de desaprovação aberta do pai à mera ideia de casamento com Susan tem peso. Essa desaprovação significaria pouco ou nada vindo de Catherine diretamente porque ela é uma mulher, no entanto, não cabe a ela dizer nada, e suas limitações e a demora da troca de cartas deixam Reginald vulnerável à manipulação de Lady Susan.

Embora Lady Susan seja inegavelmente cruel, ela não é severamente punida por sua crueldade. No final da história, o noivado de Lady Susan com Reginald termina, o Sr. Johnson força Alicia a cortar a amizade e ela decide se casar com Sir James, o bobo rico. Embora nada disso tenha sido planejado inicialmente, ela não está perdendo nada particularmente significativo: ela nunca amou Reginald de verdade e sua amizade com Alicia era superficial. Fica implícito que os leitores deveriam ter mais pena do novo marido do que de Susan, já que ele é facilmente manipulado.

O resultado bastante favorável de Lady Susan sugere que Austen não a condena - embora obviamente não aprove suas tramoias, ela parece simpatizar com a raiz de sua frustração por ser financeira e socialmente dependente de outras pessoas. E embora os esquemas de Lady Susan provavelmente continuem, parece que ela nunca terá nenhum poder próprio.

5️⃣ VIDA PÚBLICA x VIDA PRIVADA

Lady Susan é um romance epistolar, o que significa que – fora a conclusão - a história é contada na primeira pessoa com grande intimidade de suas correspondências. Aqui você acha um artigo explicando a importância das cartas nos séculos 18/19.

Os personagens revelam seus verdadeiros sentimentos e intenções ao destinatário; o que faz os leitores entenderem e alimentarem emoções muito fortes sobre os esquemas de Susan.

No entanto, os personagens escondem esses sentimentos uns dos outros e agem aparentemente educados porque a etiqueta social na Grã-Bretanha do século 18 exigia isso. Fica muito clara a diferença entre as comunicações no papel de carta e no cara-a-cara.

Austen foi brilhante nisso!

A separação entre vida pública e privada torna-se mais problemática à medida que a novela avança, dando a Susan facilidade incrível para avançar em suas manipulações. Ao demonstrar essa falha de comunicação e suas repercussões, a novela sugere que o rígido código social da sociedade educada tem consequências terríveis - muitas vezes, o abismo entre a vida pública e privada das pessoas é o que permite que as mentiras ganhem força.

Por exemplo:

- Catherine não queira hospedar Susan na sua casa, mas ela e seu marido, Charles, são obrigados a fazê-lo;

- Susan se esforça para ser externamente educada com eles, embora uma vez tenha tentado impedir Charles de se casar com Catherine e os considere enfadonhos e insuportáveis;

- Catherine escreve para sua mãe revelando sua antipatia contínua, mas recebe Susan calorosamente;

- Catherine entra em pânico quando Reginald  se apaixona por Susan, e quer forçá-lo a deixar sua propriedade para que ele não possa propor casamento, mas a "decência comum" a impede de dizer isso - em vez disso, ela pede à mãe por carta que ajude a enganar Reginald para que saia usando "qualquer pretensão plausível"

Mesmo quando os personagens entendem os sentimentos uns dos outros, eles são obrigados a falar em código por causa das regras de "decência comum" da sociedade.

A certa altura, Catherine fala com a filha de Lady Susan, Frederica, sobre Reginald - embora ambos os personagens tenham motivos para não gostar de Susan, Catherine deve "se recompor" antes de dizer qualquer coisa negativa sobre ela na frente de Frederica. Há poucos motivos para isso - Frederica é impotente e provavelmente não delataria Catherine - mas a polidez de Catherine parece instintiva, sugerindo que a sociedade da novela exige decoro mesmo quando não faz sentido lógico.

É neste ponto que Susan se aproveita e por baixo dos panos, avança em seus planos de crueldade por diversão.

Como os personagens precisam ser aparentemente educados, os desenvolvimentos mais significativos da história acontecem por meio de cartas e provavelmente não poderiam ter acontecido pessoalmente.

Frederica, em seu desespero juvenil, age para impedir seu casamento forçado com Sir James entregando uma carta a Reginald sem se atrever a falar com ele pessoalmente – ela precisa da folha de papel entre eles. (mesmo que esta troca de correspondências entre solteiros seja escandalosa por si só.)

No final da novela, Reginald termina com Lady Susan, ao saber de seu caso com o Sr. Mainwaring. Essa separação também acontece por carta, embora Reginald e Susan estejam em Londres quando ele escreve para ela. Se Reginald não tivesse confiado nas cartas, a separação poderia nunca ter acontecido – anteriormente ele tinha falado com ela pessoalmente sobre sua crueldade para com Frederica, mas pessoalmente ele sabia que seria vítima de suas qualidades femininas.

Pessoalmente, Lady Susan é capaz de distorcer a verdade ao defender uma personalidade pública muito diferente de quem ela realmente é; em uma carta, no entanto, Reginald pode se defender.

No entanto, as cartas nem sempre revelam a verdade – voltamos aqui à discussão da natureza da verdade absoluta ou relativa. Elas são um veículo de manipulação, o que sugere que as mentiras podem e irão apodrecer sem a necessidade de comprovar a honestidade.

Quando Lady Susan parte para Londres, ela planeja enrolar Reginald até que seu pai morra e os dois possam ser financeiramente independentes. Para que isso aconteça, ela escreve uma carta que revela a verdade ao leitor, mas esconde a verdade de Reginald. Os leitores descobrem pela primeira vez que Susan e Reginald estão oficialmente noivos - algo que Catherine, e os leitores por meio dela, apenas suspeita.

Mas os leitores também descobrem que Susan está mentindo para Reginald: seu motivo para o casamento adiado é falsa – ela quer tempo com seu amante casado. Por escrito, Susan não consegue convencer Reginald a ficar longe de Londres, o que precipita o desastre do desmonte de suas mentiras.

Susan é uma manipuladora habilidosa pessoalmente, suas mentiras chegam até mesmo nas cartas verdadeiras de outras pessoas - Reginald escreve para seu pai  repetindo as falsidades dela como verdades.

Assim, enquanto as cartas parecem ser um espaço para a honestidade, esta pode ser distorcida desde que a sociedade exija polidez em detrimento da verdade.

6️⃣ AMOR E NEGÓCIOS

Os personagens de Lady Susan experimentam e agem em vários tipos de amor, tanto romântico quanto familiar. As relações entre os personagens são o que impulsiona a história, que gira em torno do potencial noivado de Lady Susan com Reginald De Courcy e seus esquemas envolvendo sua filha, Frederica.

Mas em cada relacionamento significativo - entre amantes, pais e filhos ou irmãos - pelo menos um personagem sempre espera lucro. Ao apresentar vários relacionamentos diferentes entre pessoas que deveriam se amar incondicionalmente e, em vez disso, demonstrar que motivos ocultos estão por trás desses relacionamentos, a novela sugere que na sociedade educada da Grã-Bretanha do século XVIII, o amor é sempre transacional.

Fiel à sua natureza egoísta, Susan sempre busca se beneficiar do amor. Ela se relaciona com três homens ao longo da história:

 - Reginald;

- Sr. Mainwaring;

-  Sir James.

Seu interesse por eles sempre depende de sua devoção a ela, o que pode ser considerado lucro:

- Reginald – fonte de prazer na forma de subjugação, poder feminino;

- Mainwaring – paixão carnal, ciúmes e possessividade;

- Sir James – segurança financeira.

O interesse de Lady Susan por Reginald desaparece imediatamente depois que ele tenta deixá-la, preocupado com o tratamento que ela deu a Frederica. Ela rapidamente muda de ideia e o força a voltar à devoção, mas ela "não pode perdoá-lo" e debate se deve puni-lo terminando com ele ou casando-se com ele e "provocando-o para sempre". Como Reginald não é incondicionalmente devotado a ela já que demonstra alguma (pouca) firmeza de caráter, Lady Susan rejeita seu amor - ainda assim, ela pretende se beneficiar disso ao se vingar dele, provando assim que pode controlá-lo.

Todos os relacionamentos supostamente amorosos de Lady Susan são transacionais - nem mesmo sua filha está isenta.

A incapacidade de Lady Susan de amar sem segundas intenções também se aplica ao seu relacionamento com sua filha Frederica. É óbvio que Lady Susan não se importa com a “garota estúpida”, ela constantemente tenta limitar sua liberdade. Mas ela ainda tenta se beneficiar dela na tentativa de forçar Frederica a se casar com o rico Sir James e garantir a segurança financeira das duas.

Infelizmente, a visão transacional do amor de Lady Susan não é única - mesmo os melhores exemplos de amor na novela têm um custo. Catherine Vernon, cunhada de Lady Susan, parece sentir uma afeição genuína por seu irmão, Reginald - assim como os pais de Reginald e Catherine. As tentativas da família de impedir Reginald de se casar com Lady Susan aparentemente devem ser motivadas por esse amor - mas, na realidade, as tentativas indiretas de Catherine de impedir o noivado, bem como as tentativas mais diretas de seu pai, têm tanto a ver com a desaprovação de Lady Susan como com a felicidade de Reginald. Embora Catherine esteja genuinamente preocupada com Reginald, seu pai, Sir Reginald, diz a seu filho que tudo estaria “em jogo” em um casamento com Lady Susan: “[sua] felicidade, a de [seus] pais e o crédito de [ o nome dele." Em outras palavras, embora a família possa se preocupar com Reginald, eles também estão preocupados com o impacto de Lady Susan em seu status financeiro e social, já que Lady Susan é uma viúva sem dinheiro e com má reputação.

À primeira vista, Frederica parece amar Reginald sem segundas intenções, já que a paixão não a beneficia - na verdade, na verdade a machuca, porque Lady Susan quer que ela se case com Sir James, e ela mesma está romanticamente envolvida com Reginald. Mas mesmo que Frederica não tenha segundas intenções, outros adotam segundas intenções em seu nome. Por exemplo, Catherine aprova a paixão da garota por Reginald não porque o casamento deixaria Frederica ou Reginald felizes, mas porque separaria o irmão de Susan. Isso significa que, embora o casamento não beneficie Frederica diretamente, certamente beneficiaria outras pessoas. Mais importante ainda, como Reginald pouco se interessa pela garota, ela precisaria da ajuda de Catherine para protegê-lo - então Frederica se beneficiaria (e mais tarde se beneficiará) do motivo oculto de Catherine.

Como o amor na novela é sempre transacional, todos os seus personagens veem os sentimentos dos outros como maleáveis. Isso é o que permite que Lady Susan mude rapidamente as atenções de Sir James de Frederica para si mesma - permitindo que ela se case com ele no final da novela - e é o que permite que a família de Reginald eventualmente "fale", "lisonjeie" e "finesse".

Este final decididamente não romântico implica que, no mundo de Lady Susan, não há exemplo de amor puro e constante - todos sempre esperam se beneficiar egoisticamente de alguma forma.


Ufa!

Você já tinha notado que cabia esse tanto de detalhes em um romance tão enxuto?! 

e olha que Jane tinha só 18 anos quando escreveu...

talvez por isso sua pena tenha estado tão solta e afiada!

mais sobre Lady Susan, veja aqui

fontes: original de Austen, litcharts, bookrags, supersummary, austenprose, jasna e meus arquivos pessoais


Está gostando de saber dos detalhes desta obra de Jane Austen?
Tenho muito mais guardado para te contar!

Se você ainda não viu, aqui estão minhas pesquisas de Austen Nation e pesquisas históricas aqui.

LINKS para Lady Susan

Bjs, e até mais!

M.


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antes que esse projeto chegue ao fim!