Como prometido, vou postar os primeiros capítulos do livro novo,
9 vezes Orgulho e Preconceito
A Bienal está chegando, começa daqui a poucos dias, e com ela o lançamento oficial deste livro tão bacaninha e sonhador, despretensioso como Betina e seus sonhos amalucados que sabe-se-lá-porquê a levam ao reino de Jane Austen toda hora.
Tudo começa com uma visita muito especial...
9 vezes Orgulho e Preconceito
romance inspirado em Orgulho e Preconceito com Abadia de Northanger + Persuasão
fantasia romântica
contemporâneo + histórico Edwardiano e Regencial
algumas cenas hot (que não serão postadas, pois são de capítulos mais pra frente)
linguagem adulta
Capítulo 1
Um coração cheio de ideias
Betina sorriu, concordou com a cabeça, escaneou o QR do app do celular do cliente, bateu códigos na tela do computador adicionando doses extras e gratuitas de café expresso e perguntou o nome para escrever no copo descartável.
‘Mark com K.’ A garota disse.
por favor!! |
Betina franziu a testa.
‘Sinto muita falta do meu namorado. Dessa forma, quando vocês chamarem, vai parecer que ele está por perto...’
‘Ok.’ Betina deu de ombros e escreveu Kark com a caneta especial. Os clientes da cafeteria adoravam quando eles erravam seus nomes, faziam piada por dias.
‘Vai, pode ir. Está na sua hora do descanso.’ Outra funcionária chegou por trás do balcão. ‘Dou conta da fila.’
‘Tem certeza? Podemos fazer dupla.’ Betina esticou o sorriso – não exatamente para a garota com rosto marcado de acne, mas para o avental que ela havia costurado pessoalmente, incluindo a logo bordada. Era uma beleza.
‘Claro.’ A garota gesticulou. ‘Próximo!’ Gritou para a fila de pessoas ansiosas por uma necessária dose de cafeína.
Uma vez nas mesas do fundo do salão curtindo sua caneca de café com leite, Betina checou as mensagens no seu celular. Mãe, irmã, escolheu o rosto sorridente da amiga que se hospedaria com ela por alguns dias e levou o telefone ao ouvido. ‘Hey, B! Cheguei bem, esqueci como a cidade é caótica! Juro! Olha, ainda tem alguns documentos faltando para entregar na Receita Federal. Será que posso usar o escritório do seu trabalho para preencher os formulários e trazer de volta antes de-’
‘Oh, oi!’ Betina olhou para cima abaixando o celular. ‘Estava te ouvindo agora!’
‘Querida amiga B!’ Lottie ofereceu um abração que as amigas não dividiam há meses, talvez anos. ‘Por que esperamos tanto para nos ver?’ Balbuciou apertando os braços em volta de Betina.
‘Você não gosta sair de Merrytown...’
‘E você detesta voltar.’ Lottie pousou a bolsa de viagem no chão. ‘Deveríamos nos encontrar mais vezes.’
‘Está igualzinha, Lottie.’
‘Obrigada, acho?...’
‘Sabe que foi um elogio.’ Betina apontou a cadeira ao seu lado. ‘Me conta tudo de casa.’
‘Oh, bem, sua mãe deve te contar as fofocas – com certeza ela sabe mais do que eu!’ Elas dividiram um risinho debochado. ‘No fundo as pessoas estão na mesma, fazendo isso e aquilo, a gente gosta da vidinha de interior.’
‘Café?’ Era a única coisa que Betina poderia dizer, na sua lógica ninguém poderia achar felicidade vivendo vidinha de cidadezinha. Ela acenou para o auxiliar de garçom, apontou para sua caneca, levantou dois dedos e piscou um olho.
Na verdade, ela vivia uma vidinha composta de pequenos prazeres. Tinha se formado há pouco na faculdade de Marketing, mas trabalhava como gerente de cafeteria multinacional e ocasionalmente era caixa de bomboniere do Teatro Metropolitan.
Toda semana ela tinha uma nova e fabulosa ideia para um negócio rentável que lhe faria realizada e estável financeiramente. Ultimamente se dedicava a utensílios de cozinha, coisitas para ajudar pessoas normais a ficarem atraentes enquanto cozinhavam. Aventais, toucas, luvas, descansos de panelas. Mas antes ela poderia ter apostado sua vida no sucesso da bela linha de sapatos, estampas modernosas para camisetas, um esquema infalível para ganhar reality shows, coaching para apresentadores de TV... Betina era uma garota cheia de ideias que infelizmente não eram postas à prova. Sempre sonhadora, jamais guerreira.
‘Já pode ir?’ Lottie agradeceu ao garçom que as trouxe canecas de café especiais para funcionários.
‘Para casa? Quase. E quanto aos tais documentos?’
‘Tantos formulários, tantos papéis! Uma burocracia do século passado, deveria ser tudo digitalizado, né?’ Lottie sacudiu a cabeça. ‘Eu jurava que tinha cuidado de tudo...’ Soprou a fumacinha do café quente antes de provar com cuidado.
‘Talvez eu possa ajudar, me mostra.’ Betina franziu a testa. ‘Se alguém me perguntasse, eu nunca ia dizer que o Imposto de Renda ia se interessar por você.’
Ela bem que tentou, mas precisou levantar quando sua pausa acabou. Uma das baristas havia faltado naquele dia, Betina precisava atender no caixa para ajudar a equipe e mesmo ocupada, não conseguia lidar com a sensação engraçada trazida pela presença da amiga de infância em seus domínios de adulta.
Lottie parecia não ter envelhecido nada; alta, magra, alegre, sorriso de grandes dentes, cabelo curto, solteira. Sua aura de alegria espontânea fez Betina sentir-se um tanto constrangida pelos quilinhos que nunca fazia força para perder, os planos que nunca fazia força para pôr em prática, o corte de cabelo ousado que nunca pedia no salão bacana onde ia duas vezes por ano, o namorado perfeito que nunca achou.
E continuou trabalhando mecanicamente com um sorriso de plástico no rosto para todos os clientes, inclusive o que vinha sempre: ‘Caffe latte, grande, orgânico, Williams. Boa tarde. 17,75!’
Alguém passou atrás do homem alto.
‘Tchau, Betina, preciso correr para devolver esses formulários antes que a repartição feche por hoje.’
‘Deixa a bolsa, eu levo para casa, Lottie.’ Ela respondeu.
‘Oh, obrigada.’ A amiga passou a bolsa de viagem pesada sobre o balcão alto. ‘Desculpe, moço.’ Pediu ao encostar no cliente.
‘Sem problema.’ Ele balançou a cabeça e educadamente ajudou as duas a manejar a bolsa.
‘Ok.’ Betina voltou ao computador. ‘Seu pedido de sempre... Mesmo valor... 17,75.’
‘Obrigado.’ Ele prendeu um meio sorriso.
‘De nada. Tenha uma boa tarde!’
Mais tarde naquela noite, quando as amigas conversavam no apertado apartamento de Betina, Lottie estava satisfeita por ter conseguido resolver seus problemas.
‘Eu queria voltar para casa amanhã cedo, depois do almoço no máximo.’ Ela suspirou. ‘Tenho que dormir na minha cama.’
‘Seu namorado vai sentir sua falta?’ Betina debochou bebericando sua cervejinha.
‘Tipo assim.’
‘Uau, segredos.’
‘Nada!’ Lottie sacudiu a mão. ‘Eu tenho um relacionamento estável com minha cama. Detestei essa entrevista ter sido marcada sem me dar chance de escolher a data. Início de mês é meu tempo de ficar quietinha em casa, me concentrar, relaxar.’
‘Cólica.’ Betina se contorceu. ‘Bem sei…’
Lottie não respondeu, apenas sorriu como uma gata depois de uma grande lata de patê. ‘Esse lugar é meio exagerado, né?’ Ela mudou de assunto. ‘Você tem bastante mobília e ainda assim, parece que espalha tralha por todo canto!’
mil tesouros guardados |
Betina olhou em volta. ‘Não é bagunçado.’ Disse sem ter a intenção, mas soou magoada.
‘Está próximo de um brechó, não é uma balbúrdia, concordo. Eu posso te denunciar para um programa de acumuladores!’
‘Ah, para!’ Betina fechou o rosto, calculou que a alfinetada era só implicância. Depois pensou melhor. ‘Acha mesmo?’
‘Mhum...’ A amiga concordou bebendo sua cerveja long neck. ‘Como consegue enfiar tudo isso nesse lugar tão pequeno?’
‘É só...’ Os olhos de Betina vagaram por seu quarto-e-sala prestando pouca atenção aos detalhes. Na sua cabeça ela viu cada projeto abandonado guardado meticulosamente. ‘Eu tenho ideias que de princípio parecem fáceis de fazer dar certo... Como os aventais que estamos usando na cafeteria, notou?’ A amiga balançou a cabeça, sorrindo desta vez. ‘Eu quem fiz, luvas também. Me deixa te mostrar.’
Pelos minutos seguintes ela explicou um detalhado plano de negócios para uma microempresa que, parecia muito plausível para Lottie.
‘Não sabia que você gostava de cozinhar.’
‘Nem gosto!’
‘E como chegou nisso?’
‘Bem, sabe, observando, matutando, tenho tempo livre.’
‘Então, é isso que você guarda nas outras caixas?’
‘Basicamente o que tenho nos armários também.’
‘Mesmo assim mantém sua vida no modo de espera?’
‘Quem é você? Minha mãe?’
Lottie riu. ‘Só falei, Betina. Você se dedica a essas coisas, mas quando chega na hora de fazer acontecer, você foge.’
‘Dito pela garota que ainda vive na casa que os pais deixaram, não mudou nem um sofá!’
‘Eu comprei um sofá novo, sim; você saberia se me visitasse.’
‘Ainda assim está chamando o sujo de mal lavado.’
As duas amigas ficaram de bico, Lottie considerou se foi uma situação como aquela que sua avozinha a havia orientado: não uma emergência, muito longe de vida ou morte, só o suficiente para cutucar um coração a ponto de voltar a bater no ritmo. ‘Como um desfibrilador?’ Ela havia perguntado em tom de brincadeira. ‘Suncê vai vê, espertinha.’ Sua avó idosa sorriu como a velha bruxa que ela era. ‘Na verdade, suncê vai sentir.’
Lottie encarou seus pés por um tempo procurando organizar os pensamentos, depois inspirou fazendo barulho. ‘Olha, Betina, não queria te-’
‘Nem eu. Desculpe.’
‘Desculpa também.’
Betina se inclinou para frente e elas tocaram os gargalos das cervejas em um brinde de paz.
‘Lembra da minha avozinha?’ Lottie sorriu com amor.
‘Claro!’ O sorriso de Betina explodiu em seu rosto. ‘Nunca vou me esquecer daquele truque de colocar um pedacinho de papel em um copo de vidro cheio de café, acender uma vela ao lado, cantar umas rezas e de repente a gente via a divisão das águas!’ Ela levantou a voz ameaçadoramente. ‘Escuro em baixo, claro como cristal em cima! Eu ficava tão maravilhada pela bruxaria dela!’ Terminou rindo.
‘Não era um truque.’
‘Perdão?’
‘Ela realmente conhecia alguma bruxaria.’
‘Qual é?...’
‘Eu sei que você não vai acreditar em mim, mas eu estive um dia nessa posição que está agora. A diferença é que ela tinha olhos de lince em mim e resgatou meu coração confuso antes que eu construísse esse império de inutilidades.’ Lottie gesticulou em volta. ‘Talvez eu não possa te ajudar, você pode precisar dela, mas bem, sou o melhor que você tem.’
‘Falando em enigmas, queridona.’ Betina revirou os olhos e levantou para pegar novas cervejas na geladeira. ‘Tem SAP?’
‘Claro.’
Quando ela voltou da pequenina cozinha, sua amiga tinha tirado um saquinho de erva da bolsa. ‘Beck? Não é permitido aqui no prédio. Se os vizinhos sentirem o cheiro, vai ser reclamação sem fim!...’
‘Não é maconha. É chá.’
‘Ah, tá. Chá de fumar!...’
‘Estou falando sério.’ Lottie insistiu e puxou Betina pela mão para sentar ao seu lado. ‘É coisa séria, presta atenção.’
‘Ooh, tapa idôneo na pantera.’
‘Cala a boca, Betina! Não é maconha, é belladama.’
‘Hein?’
‘Belladama antiga e selvagem, muito forte, híbrida, não se acha em lojas especializadas. É ouro em folhas.’
‘E para que serve esse tesouro todo?’
‘Felicidade.’
‘Fala sério!’ Betina ia levantar, mas a amiga a segurou.
‘Não vai curar sua vida, só vai te dar uma vista privilegiada de... Um... Camarote para o jogo de final de campeonato; um lugar privilegiado para analisar as coisas.’
Betina uniu as sobrancelhas começando a pensar que a amiga tinha enlouquecido. Solteira, chegando nos trinta, morando sozinha na casa vazia desde que os pais faleceram...
‘Você vai escolher uma caneca antiga, nem grande demais, nem chique demais, só uma que você goste. Encha de água fervente e coloque as folhas por cima. Cubra com um pires, deixe descansar por alguns minutos enquanto toma um banho, coma algo leve, talvez uma sopa. Nesse saquinho tem o suficiente para duas canecas, mas você não vai tomar duas canecas de uma vez, estou de dando duas viagens.’
Para seu lugar de lunáticos, Lottie Loka? Betina pensou.
linda e inspiradora |
‘Quando a temperatura estiver boa para você, não tem certo ou errado, você coa para outra caneca e retorna o chá cor de morango dourado para sua caneca favorita. Te falei que não pode ser nova? Tem que ser alguma que você já tem, Betina, isso é muito importante. Daí você vai para cama.’
Houve silêncio. Betina não sabia como responder ao sorriso da amiga.
Lottie estava cheia de uma mistura de pena e animação em dividir seu segredo; era um grande passo para ela.
‘Vou dormir feliz hoje, então!’ Betina disse finalmente.
Lottie sacudiu a cabeça. ‘Espera até eu chegar em casa, tome o chá amanhã à noite, é sexta. Pode tirar o final de semana de folga?’
‘Acho que sim, mas gosto de trabalhar no Met.’
‘Esse final de semana não, você vai dormir direto.’
‘Por dois dias?’ As sobrancelhas de Betina subiram às raízes dos cabelos. Nem ferrando vou tomar aquele veneno!
‘Mais ou menos.’
‘Como sabe que vou estar bem se vai estar longe, lá na sua casa?’
‘Vou saber.’ Lottie mostrava certeza absoluta, mas Betina ainda desconfiava. ‘Há quanto tempo nos conhecemos?’
‘Desde o jardim de infância.’
‘E vai deixar de botar fé em mim agora?’
‘Como não? Me conta que sua avó era bruxa, começa a falar em enigmas, me dá um elixir mágico da felicidade...’
‘Não é mágico, não mistura as estações. Quando você acordar vai ser a mesma pessoa, mas a belladama híbrida vai ter te ajudado a ver o melhor lado das coisas. É como um respiro, aflora a força que você não sabe que tem.’
‘Você usa?’
‘Sim.’
‘Sempre?’
‘A cada dois meses. Talvez uma vez ao mês se eu não estiver me sentindo bem.’
‘É por isso que não mudou nada desde que ficou sozinha quando seus pais faleceram?’
Lottie fechou os olhos, sorriu afetuosamente, franziu o nariz. ‘Eu mudei à beça.’ Ela sorriu. ‘Você vai entender.’ Demorou ainda alguns momentos até que ela abrisse os olhos novamente.
Naquela noite Betina nem dormiu porque manteve o saco de chá sob vigilância.
Lottie tinha ajudado a escolher uma caneca preta estampada com asas e ela guardou o saco dentro. Para parecer atenciosa, ela levou a preciosidade para seu quarto e colocou sobre a pilha de livros da sua mesinha de cabeceira dizendo que queria manter o presente por perto. No entanto, começou a temer o troço.
Bruxaria de verdade? Jura?
Poderia ser divertido?
Ou era só patetice?
Huh!
~ continua no capítulo 2 ~
já viu o BOOKTRAILER?
tem até uma versão estendida...
9 vezes Orgulho e Preconceito
está disponível em ebook e brochura
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