As 'Princesas Possíveis' vão seguindo seu schedule, amigas de mãos dadas uma puxando a outra. Depois de Cibele encantar em sua versão de 'A bela e a fera' em BIBLILOVE, agora é a vez de Serafina e sua própria maneira de viver um romance a la Cinderela.
Quer ver como é?
Série PRINCESAS POSSÍVEIS
VOLUME 2
romance inspirado em 'Cinderela'
~ 1.05 ~
A animação das
Olimpíadas já contagiava a todos no Rio de Janeiro quando Maio começou. As
infinitas obras finalmente ficando prontas, a tocha caminhando pelo país,
programas de TV dedicados, jornalistas correspondentes, atletas e turistas
conhecendo a cidade – ninguém conseguia fugir da maior festa do esporte
internacional prestes a começar. Havia protestos e a turbulência na política,
mas também a excitação que a distribuição de medalhas trazia.
Apesar de se
considerar razoavelmente politizada, Serafina Mello tentava manter-se sóbria
frente à presente situação do país, tanto em relação à Brasília quanto ao
evento esportivo tão grandioso na cidade onde morava. Sobriedade não
significava frieza e ela até pensou em se inscrever como voluntária – falava
línguas, era despachada e curiosa... Poderia ajudar em alguma coisa bacana como
protocolo ou guia. Quem sabe?
Mas não o fez.
Bem no fundo temia que o fiasco da Copa do Mundo, ainda estava fresco na sua
memória, fosse repetido. Na época, recém-chegada de um sabático longo que
interrompeu sua faculdade de Economia por dois anos, andava insegura com a
escolha de curso que havia feito. Apostava na ênfase em Ecologia, mas receando ter se equivocado contava que o
esperado hexa campeonato de alguma forma significasse que tudo ficaria bem.
Lá veio o humilhante
7x1.
Para ela foi
especialmente dolorido – aterrorizante até. Seus pais riram de sua ansiedade, a
irmã e o grupo de amigas queridas muito próximas tentaram acalmá-la naqueles
dias que sucederam o tetra campeonato da Alemanha. Como todo feitiço do mal, a
sensação de falência custou a passar.
Para as
Olimpíadas, Serafina estava emocionalmente mais protegida de seus próprios
devaneios esperançosos. Muito bacana ter a cidade cheia, os novos museus, mais
metrô, etc., etc.; fazia planos de ver uns jogos nas arenas, ia encontrar as amigas
para ver outros na TV e esse seria todo o poder que essa nova festa do esporte
ia ter na sua vida.
Ponto final.
Bem, havia seu
emprego que a mergulhava nas Olimpíadas quase literalmente. Formada a pouco,
trabalhava como terceirizada no Instituto Público de Rios e Lagoas em uma
função (que ela achava) relevante, gostava do que fazia, dos projetos onde
estava inserida e por isso ficou muito surpresa quando recebeu a surpreendente paquera de um renomado escritório
internacional de recrutamento.
Sim, porque a
insistência do Head Hunting Office só
poderia ser definida como ‘paquera’.
Foi em uma
terça-feira comum, daquelas que vem depois de uma segundona enfadonha e
precedia uma quarta modorrenta; em uma terça dessas, Rafí - como era chamada
pelos amigos e família - seguia sua rotina de se esgueirar da cama cedinho para
ir à praia, na volta engolir um iogurte e uma fruta, tomar um banho rápido,
bater papo com quem ainda estivesse em casa e correr para o metrô.
Tudo absolutamente corriqueiro, nada fora do padrão, mas naquele dia houve a ligação de uma mulher educada, seca e muito insistente a convidando para uma entrevista. Serafina fez perguntas que não foram respondidas e desconfiada agradeceu já declinando, mas como a mulher insistiu com muita veemência, acabou concordando em uma reunião rápida.
Tudo absolutamente corriqueiro, nada fora do padrão, mas naquele dia houve a ligação de uma mulher educada, seca e muito insistente a convidando para uma entrevista. Serafina fez perguntas que não foram respondidas e desconfiada agradeceu já declinando, mas como a mulher insistiu com muita veemência, acabou concordando em uma reunião rápida.
Precisou
planejar sua hora de almoço; uma saladinha, duas estações de metrô, passo
apertado – ia dar tempo. O imponente prédio onde o HHO ocupava um andar inteiro não era longe do seu trabalho.
Com alguns
minutinhos para perder, deu tempo até para caçar monstrinhos no celular! Que
sorte: a praça em frente ao prédio imponente também era um hotspot fantástico. ‘Quantos conseguiu?’ Ela perguntou a outro ‘caçador’.
‘Seis? Qual deles perdi?’ Distraída, Serafina não notou dois rapazes charmosos
passarem pelo grupo de pessoas envolvidas nos seus próprios celulares.
Para quem
considerava a mania uma grande besteira, essa obsessão mundial estava
perigosamente saindo do controle. Nicolas e Oswald Brent preferiam se dedicar
às Olimpíadas. Após quase serem atropelados por dois caçadores andando atrás de
um monstrinho virtual, continuaram em direção ao seu restaurante favorito para
almoçar.
Os primos
haviam sido descobertos pela HHO no último ano de faculdade na Inglaterra –
Administração para um e Finanças para outro – e foram contratados antes mesmo
de pegarem seus diplomas. A empresa que acompanhou suas especializações e MBAs
os lapidou para cuidar do futuro escritório Brasileiro de olho em todo o
potencial do país em franca ascensão. Nicolas era filho de Brasileira, tinha
dupla nacionalidade, por isso caberia a ele a responsabilidade de manter a
excelência do HHO contando com o auxílio de outras jovens mentes Europeias
igualmente brilhantes e promissoras como o primo.
Apesar de sua
origem aristocrática, os dois abraçaram a experiência de estabelecer a filial
da empresa no Brasil assim que lhes foi oferecida. Não somente por ser uma
façanha notável no âmbito profissional, mas também pessoal: viveriam sozinhos
por anos.
Escolheram
Copacabana, a praia famosa, apartamentos vizinhos, em frente ao mar: estariam
no Brasil a trabalho, sim; mas também aproveitariam o que a cidade tinha de
melhor. Nos Réveillons e na Copa, seus pequenos flats no apart-hotel ficaram
lotados de amigos. Agora que os Jogos estavam próximos, seria ainda melhor já
que os amigos do antigo time competiriam. Como tinham saudade da vida em Vilas
Olímpicas...
Haviam feito
parte do time de esgrima – Nicolas como atleta de competições individuais e
Oswald da equipe técnica. Precisaram se desligar quando a vida profissional
exigiu que se dedicassem mais à faculdade que ao esporte, mas a experiência os
acompanharia para sempre.
Tinham orgulho
de sua participação no time de sucesso e seu orgulho por vezes poderia ser
confundido com arrogância. Nicolas por sua personalidade reservada – não tinha
tanto de sangue Brasileiro a ponto de ser socialmente destemido; o primo por
ser bonachão e assertivo.
Depois de um almoço
leve e rápido, voltaram ao escritório discutindo relatórios e compromissos daquela
tarde, também os preparativos para receber o dono da empresa em sua iminente
visita que possivelmente perduraria até os Jogos. Evitar se deixar distrair
pelas Olimpíadas já seria difícil, muito mais tendo que ciceronear seu chefe.
Esperando na
longa fila para os elevadores, Nicolas deixou os olhos vagarem pela praça do
lobby de seu edifício enquanto o primo checava o telefone, os pensamentos tão
distraídos quanto seus olhos que focaram em uma garota bonita. Também
concentrada no celular, ela precisou dar vários passinhos para o lado, saltitou
graciosamente como uma ginasta para deixar um senhor muito gordo sair do
elevador. Mesmo de longe Nicolas viu que ela deixou o celular cair, levou as
mãos aos quadris reclamando e aceitou quando alguém abaixou para lhe devolver;
agradeceu e entrou por último no elevador lotado. Mais uma caçadora de
monstrinhos, provavelmente por isso levou o encontrão... Sorriu com ironia.
Mais de quinze
minutos depois, Serafina ainda esperava na recepção luxuosa do HHO quando o
elevador bipou. De novo. Para um edifício
tão movimentado, os elevadores eram incrivelmente lentos e barulhentos,
pensou irritada sem tirar os olhos de sua coleção de monstrinhos. Precisava
colocar mais uns dois ovos para chocar e cuidar dos que já estavam prestes a
eclodir.
Os dois homens
entraram na recepção ainda conversando e cumprimentaram a recepcionista
deixando escapar um leve sotaque. Um deles seguiu pela porta de vidro enquanto
o outro perguntou se havia recados.
‘Só da Dona
Zara. Quando ela saiu para o almoço deixou recado para o senhor atender essa
moça se ela não chegasse na hora.’ Apontou para Serafina. ‘Já está esperando
faz um tempinho.’ Cochichou.
Nicolas
franziu a testa virando para ver quem seria, nunca marcavam entrevistas àquela hora.
Lá estava ela, a garota bonita do elevador, a caçadora graciosa. De perto era
ainda mais bonita, fã de jogos de celular e... Tentou lembrar o que sua
recrutadora-chefe havia repetido incessantemente na reunião daquela manhã. A
economista ecologista promissora, deveria ser ela.
Impaciente com
a demora e a falta de educação, Serafina checou o relógio. Logo seu almoço
estaria no fim, ela não procurava outro emprego, por que por em risco o que já
tinha e gostava? Quando levantou os olhos contrariada, o cara ainda encarava
com a testa franzida.
Ao encontrarem
os olhares, Nicolas levantou as sobrancelhas discretamente, suas pupilas
dilataram. Uau. Ele pensou. Serafina
apertou as pálpebras.
Durou pouco
mais do que se esperaria para duas pessoas que se encontravam pela primeira
vez, três ou quatro segundos a mais.
Ele meneou a
cabeça, ela estranhou com o cumprimento.
Havia ficado
irritada quando a recepcionista disse que a mulher insistente não a estava
esperando, deveria ter dado meia-volta e partido sem perder nem mais um
segundo. Estupidamente se rendeu à sua curiosidade e sentado para esperar.
Também estupidamente achou que o cara tão bonito iria se desculpar e a chamar
para entrar. Mas não! Ele permaneceu plantado ao lado do balcão da recepção a
encarando e... A cumprimentou silenciosamente!
Tomada por
ironia e incredulidade, ela meneou a cabeça de volta forçando um sorriso de
lábios presos. Otariano. Serafina
apertou os olhos de novo.
‘Boa tarde.’
Ele a cumprimentou seca e inesperadamente, por um momento pensou em fugir para
esconder suas bochechas coradas na sua sala.
Serafina foi
mais uma vez pega de surpresa pelo cara bonito. Por alguns momentos achou que
ele a ignoraria.
‘Estou com a
tarde cheia.’ Nicolas virou-se para a porta na intenção de esconder o rosto
aquecido. ‘Zara marcou essa entrevista na hora do almoço?’ Perguntou e a
recepcionista balançou a cabeça. ‘Liga para ela, manda voltar imediatamente.’ Disse
se recompondo. ‘Peço que desculpe o contratempo, logo será atendida.’ Explicou
à Serafina. ‘Já lhe serviram água ou café?’ Nicolas ofereceu e esperou
estoicamente.
‘Obrigada.’ Mal
respondeu e sentiu o pescoço aquecer com a reação dele: balançou a cabeça uma
vez, deu meia volta e sumiu pela porta de vidro. Francamente! Paciência tem limite!
Muito
constrangida, a recepcionista se desculpou vendo Serafina se levantar. Esticou
um tablet com um e-formulário para que fosse preenchido de modo a comprovar que
ela esteve lá. Pediu por favor indicando com o polegar sobre o ombro a porta
por onde Nicolas havia sumido; ela própria teria que dar explicações à
auditoria caso Serafina não deixasse provas.
Mais uma vez
estupidamente, Serafina sentou com pena da recepcionista e pegou o tablet.
Pensou em digitar ‘Serafina Otariana’ no espaço ‘nome’ ouvindo o elevador bipar
de novo e uma loura magra vagamente parecida com Lady Gaga em um bom dia, fortemente cheirando a cigarro entrou na
recepção em passos decididos.
A
recepcionista suspirou aliviada. ‘Dona Zara, Serafina Mello está esperando.’
‘Brent não
chegou, por que não começou a entrevista?’ A mulher franziu a testa unindo as
sobrancelhas negras e se virou para Serafina esticando a mão. ‘Serafina, boa
tarde. Mando te chamar já, já.’ Apertaram as mãos em um cumprimento curto e
energético antes que a mulher sumisse pela porta tão rápido como apareceu.
Que titica de lugar esquisito é esse? Serafina sacudiu a cabeça rearrumando
os pensamentos, abaixou os olhos para o formulário em suas mãos e não conseguiu
pensar em sequer uma razão para preenche-lo. Estava feliz no seu emprego, tinha
um salário decente, carga horária confortável, não precisava procurar outra
colocação. Havia porém a razão que a tinha movido, seu pecado: curiosidade.
Finalmente foi
levada a uma pequena sala de reunião no final de um corredor longo cheio de
pequenas salas de reunião. Eram especialistas em entrevistas concomitantes,
aparentemente. Também em atraso e frieza.
‘Você foi
indicada por um parceiro.’ Zara disse olhando para seu tablet pousado sobre a
mesa. ‘Economista especializada em ecologia com ótima formação, cursos no
exterior... Muito incomum.’ Continuou sem levantar os olhos. ‘Aqui no Head
Hunting Office temos grande demanda para esta vaga. Não para um cliente, para
trabalhar conosco em nossa divisão focada em Ecologia. É um departamento novo,
em formação.’ Por fim olhou para Serafina. ‘Vários clientes estão aprimorando
políticas de desenvolvimento sustentável, greenwashing
não é mais aceitável.’
‘Um parceiro?’
Serafina inclinou a cabeça. ‘Quem?’ Zara desconversou dizendo que falavam com
várias fontes diariamente, seria quase impossível lembrar quem a indicou
primeiro. ‘Vários parceiros falaram de mim?’ Insistiu achando muito intrigante
ser assim tão famosa. ‘Que companhias estão focando em ecologia com seriedade? Terceiro
setor, um tipo de WWF ou Greenpeace?’ Mais respostas evasivas.
‘Olha, como te falei ao telefone, não estou interessada em outro emprego. Mas
agradeço de qualquer forma.’ Disse decidida a levantar e partir.
Ainda assim a
mulher continuou a entrevista pedindo que o tal formulário fosse preenchido e
de repente, para surpresa de Serafina, ela levantou, apertou sua mão e a deixou
sozinha na pequena sala de reunião. Estupefata, Serafina decidiu parar o
formulário onde estava – mas não antes de pedir salário anual cinco vezes maior
do que tinha no momento por pura irritação. Apertou os olhos pensando em
adicionar mais um zero. Save. Send.
Assim que saiu
do elevador na plaza do térreo, carregou ‘Só as princesas’, o grupo de
mensagens das amigas.
Rafí: *mensagem de voz* Gente, acabo
de sair da twilight zone. Uma pessoa misteriosa me indicou para ser
entrevistada por gente bonita e mal educada para um emprego perfeito em uma
companhia fantasma. Acham que é pegadinha de programa humorístico, meninas?
Riu.
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