Olá!
Continuando o diário de leitura de livros inspirados/estudos sobre a vida e obra de Jane, sigamos pelos caminhos que levam a Austen.
Como já te contei, na Bienal do livro do Rio eu ganhei o livro 'All Roads Lead to Austen - a yearlong journey with Jane' de Amy Elizabeth Smith. Uma tradução livre seria 'Todos os caminhos levam a Austen - uma viagem anual com Jane', um diário de viagem de uma professora universitária americana pela América Latina para aprender Espanhol & discutir (em Espanhol) Jane Austen com as pessoas locais.Com amor, mas sem tequila
A autora já começou o livro contando de um affair que ele teve no México da primeira vez que visitou Puerto Vallarta em umas férias anos antes. 'Diego' é um taxista que deu mole, ela deu mole também, mas com medo, ela ficou só nos flertes. E se arrependeu. Então manteve contato e agora, nesta empreitada de um ano viajando, ela se organizou para ficar 3 meses com ele.
Diego alugou uma casa de um amigo - fica subentendido que foi ela quem pagou esse aluguel - para que eles morassem juntos por esses meses. Ela descreve a casa como ainda em construção, insegura, precária, mas com um terraço de onde se tem uma bela vista da cidade e uma rede para ela relaxar vendo Diego treinar boxe no saco de areia.
A cidade ainda é pequena, vive da exploração do turismo oriundo das locações de filmes como Noite da Iguana (1964) e Predador (1987). Mas por estar morando lá com um local, ela não visita locais turísticos, fica mais no lado dia-a-dia da cidade. E é o lado pobre.
Diego é o pobre-gente-boa, carinhoso, sorridente, bem-humorado. Eu que achava que ele seria um Wickham (de Orgulho e Preconceito) descobri que ele é um Tilney (de Abadia de Northanger). Fiquei esperando que ele a traísse ou falasse uma besteira, mas ele é perfeito em todo o tempo.
É ele quem arruma dois casais amigos para ler Razão e Sensibilidade e discutir com ela (a autora), ele fica ao lado dela quando ela pega uma ziquizira de alergias/infecção e fica de cama por 3 semanas, leva a namorada gringa para conhecer a família, nunca fica de mal humor por pegarem ônibus toda hora nem quando ela não faz jantar para ele comer quando chega cansado do trabalho (ué, né? Namorada gringa tem que ser esposinha fazendo jantar, lavando roupa e limpando a casa?).
Ele até critica Willoughby!
Ao longo da estadia, Amy conta que já passou um ano morando na Europa, o que faz essa experiência na América Latina menos traumática (para ela).
Disposta a mergulhar de cabeça, ela compra várias fotonovelas e imagina Catherine Morland como heroína dos tipos de novelão mexicano: uma moça condenada injustamente que acaba morrendo na prisão, uma moça que descobre o sexo em um caso caliente e uma moça que é levada de cá para lá pelo destino. Pensei se ela incluiu NA só por mencionar ou para nos fazer ver Diego bonzinho e perfeitinho como Mr. Tilney.
O grupo de estudo de Austen
Aqui no México, diferente da Guatemala, o grupo é formado de famílias. Um casal com filhos pequenos e um casal com uma filha adolescente e Diego - ao todo são 6 pessoas que vão ler.
Todos reclamam que é um livrão bem grosso!
Um dos casais vive em uma área bem pobre que é descrita quase como uma favela. O outro tem uma loja de materiais de construção e mora em um lado mais classe média. Pareceu-me que é para fazer relação com a situação da Dashwood em R&S.
Ela dá uns 2 meses para que eles completem a leitura e enquanto isso, vive a vidinha de local com seu namorado. Compra livros, faz amizade com uma vendedora de livraria e convive com a família de Diego. Achei que na Guatemala ela teve mais liberdade, aproveitou mais da localidade por estar sem um namoro...
Bem, mesmo com o prazo longo, poucos terminaram a leitura. A maioria parou logo no início quando as Daswood sofrem o revés de perder quase tudo e viver de esmolas do irmão. Eu também odiei esse começo, me fez ter ranço eterno com o irmão e com o sangue de barata de Elinor. Sabe que fiquei vindicated lendo essa parte? É que...
Ninguém gostou de Razão e Sensibilidade
Tal é a falta de tesão que eles nem conseguem se reunir, ninguém quer fazer força para conciliar datas e locais. A autora acaba por fazer suas reuniões separadas e perde os insights de um grupo maior, como teve na Guatemala.
A discussão é bem boa, mesmo assim. Somente as esposas dos casais leram até o fim. Talvez Diego tenha lido tudo também. Eles pautam a análise que os outros seguem usando as próprias experiências. Isso leva a uma conclusão bacana.
Austen escreve sobre pessoas, sobre famílias, enquanto outros escrevem sobre situações e políticas.
É, pode ser isso que faz Jane ser relevante até hoje.
Algumas das outras observações sobre R&S:
- Edward e Willoughby são iguais, fazem a mesma coisa: fletar! Porém um deles tem honra;
- Lealdade é o tema central, especialmente na relação entre irmãs;
- Honestidade e honra sempre vêm à tona;
- Marianne 'cria problemas' demais;
- Elinor é favorita de todos;
- Casamento com Cel Brandom é mal visto;
- Austen é feminista neste livro.
Eita... lá vamos nós.
Uma das carapuças que tentam enfiar em Austen é a do feminista antes do seu tempo, protofeminismo, etc, etc. Aqui é explicado como "Ela mantinha o foco nas mulheres, dava voz aos seus problemas e as tirou das sombras."
Para mim, a melhor discussão dessa parte é:
O nível cultural de uma pessoa influencia na sua percepção dos dilemas éticos de Austen?
Bingo!
Eu vivo sofrendo no instagram com o meme grosseiro de Darcy ofendendo Lizzy com 'pobre suja, fedida, nojenta'. Para mim é o epítomo de alguém que ouviu cantar o galo e não sabe aonde. Quem sabe um dia faço um post com uma pesquisa sobre isso.
Aqui neste livro, a autora chega na conclusão que chego aqui no instgram Austen-verso brasileiro: falta de cultura. Para ela, quanto menos educação formal (ela fala de quem fez faculdade x quem só tem estudo básico - esposas x maridos), menos paciência a pessoa tem para entender as sutilezas das narrativas de Austen.Daí, depois dos grupos, ela mergulha na saudade do que não tivemos e começa a sofrer pela separação do namorado. A mãe dele pede que ela não o leve para longe, ele vende almoço para comprar jantar, ela em carreira universitária... É uma situação difícil.
Eles fogem da discussão da separação, ela resolve se distrair e vai a uma lan house checar os e-mails - lembra que esse livro é da época pré-smartphone) e recebe uma notícia que me chocou:
Mr. Darcy morreu!
Ah, que surpresa... fiquei sem plot! Eu bem tentei reduzir a experiência toda a uma fanfic tipo Austenland e até agora, Wickham é Tilney & Mr Darcy faleceu de diabetes. Caramba!...
Ela se arrasta em melancolia depois dessa notícia, ainda está meio doente e triste com a separação iminente. Diego não fala, ela se cala. Quando o fazem é um tipo de ciúme traição sobre Austen:Você vai ler R&S com outro grupo em outro país?
Ele pergunta e a gente sente o que ele quis dizer...
Essa parte é menos interessante que a primeira, talvez porque eu também não gosto de R&S. No todo, continuo gostando e continuo curiosa.
Próximo destino é o Equador com Orgulho e Preconceito de novo.
Leia minhas impressões aqui.
Está gostando da análise? Me conta!
Leia All roads lead to Austen também.
Leia meu livro novo As anáguas de Lizzy Darcy.
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