& Moira Bianchi: Persuasão de Jane Austen - parte 5 (final)

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Persuasão de Jane Austen - parte 5 (final)

 Persuasão

Jane Austen

Créditos:

Por ocasião da Leitura Coletiva do Clubinho do Canal/Podcast Sincericídio Literário, resolvi postar na íntegra a tradução encontrada no Free-Ebooks.net e Biblioteca Digital

Agradeço a gentileza de postar. 

Direitos autorais são inteiramente ligados a estas fontes; eu não fiz alterações e/ou correções. Clique nos nomes para ter acesso a essas versões que, infelizmente, não incluem os famosos 'CAPÍTULOS DELETADOS' que foram traduzidos por mim em julho de 2025.

Como feito na Juvenília, eu dividi os longos parágrafos de Jane para facilitar a leitura, sem mudar o conteúdo.

O uso de imagens capas de diversas edições é meramente decorativo.


PARTE 5 (final)

leia a parte 4 aqui


Capítulo Vinte

Sir Walter, as suas duas filhas e a Sra. Clay foram os primeiros do seu grupo a chegar aos salões nessa noite; e, como tinham de esperar por Lady Dalrymple, ocuparam os seus lugares junto de uma das lareiras da sala octogonal. Mas, mal tinham acabado de se instalar, a porta abriu- se e o comandante Wentworth entrou sozinho.

Anne era quem estava mais próxima dele e, dando alguns passos em frente, falou-lhe de imediato. Ele estava preparado para se limitar a fazer uma vénia e seguir em frente, mas o meigo - Como está?- dela levou-o a desviar-se da sua linha reta e a aproximar-se e retribuir-lhe o cumprimento, apesar da presença intimidatória do pai e irmã atrás dela. O fato de eles se encontrarem atrás dela era um auxílio para Anne; ela não via os seus olhares e sentia-se disposta a fazer tudo o que considerava correto.

Enquanto conversavam, chegou-lhe aos ouvidos o som de murmúrios entre o pai e a irmã. Não conseguia distinguir as palavras, mas adivinhou o assunto; e, quando o comandante Wentworth fez uma vénia cerimoniosa, ela compreendeu que o pai se tinha dignado a fazer-lhe um sinal de reconhecimento; e, ao olhar de soslaio, foi mesmo a tempo de ver a própria Elizabeth fazer uma pequena cortesia. Esta, embora tardia, relutante e indelicada, foi, porém, melhor do que nada; a sua disposição melhorou.

Depois de falarem sobre o tempo, Bath e o concerto, a conversa começou a esmorecer e, por fim, ela ficou à espera de que ele se afastasse a qualquer momento; mas ele não o fez; não parecia ter pressa de se afastar dela; e, de repente, com renovada vivacidade, com um pequeno sorriso e alguma animação, ele disse:

Mal a tenho visto desde aquele dia em Lyme. Receio que tenha sofrido com o choque, sobretudo por ter dominado os nervos nessa altura.

Ela garantiu-lhe que não tinha.

Foi uma ocasião assustadora - disse ele -, um dia assustador! - E ele passou a mão pelos olhos, como se a recordação fosse demasiado penosa; mas, no instante seguinte, ele sorria de novo e dizia: - Aquele dia produziu alguns efeitos, porém.Teve algumas consequências que devem ser consideradas o oposto de assustadoras. Quando teve a presença de espírito de sugerir que Benwick era a pessoa mais apropriada para ir chamar um médico, com certeza a menina não fazia a mais pequena idéia de que ele seria uma das pessoas mais empenhadas no restabelecimento dela.

Certamente que não fazia idéia. Mas parece... espero que seja um casamento feliz. Ambos possuem bons princípios e bom feitio.

Sim -disse ele, sem a olhar bem de frente-, mas acho que as semelhanças terminam aí. Desejo de todo o coração que sejam felizes, e alegro-me por terem as circunstâncias a seu favor. Não têm de enfrentar quaisquer dificuldades em casa, não existe qualquer oposição, capricho ou demora. Os Musgrove estão a ter um comportamento igual a si próprios, muito decente e generosamente, unicamente ansiosos, com verdadeiros corações de pais, por promover o conforto da filha. Tudo isto irá concorrer muito, muitíssimo para a sua felicidade; talvez mais do que... Fez uma pausa. Pareceu ocorrer-lhe uma recordação súbita, a qual lhe transmitiu alguma da emoção que estava a enrubescer o rosto de Anne e a fazê-la olhar para o chão. Depois de pigarrear, porém, ele prosseguiu: - Confesso que penso que existe uma disparidade, uma enorme disparidade, e numa questão tão essencial como a mentalidade. Considero Louisa Musgrove uma menina muito meiga e simpática, e nada estúpida; mas Benwick é mais do que isso. Ele é um homem inteligente e culto... e confesso que fiquei algo surpreendido ao tomar conhecimento de que se apaixonara. Se tivesse sido o efeito da gratidão, se ele tivesse aprendido a amá-la porque acreditava que ela o preferia a ele, teria sido outra coisa. Mas não tenho motivo para supor que tenha sido esse o caso. Parece, pelo contrário, ter sido um sentimento perfeitamente espontâneo da parte dele, e isso surpreende-me. Um homem como ele, na sua situação! Com o coração ferido, quase destroçado! Fanny Harville era uma criatura superior; e o seu amor por ela era verdadeiramente amor. Um homem não se refaz facilmente de uma tal dedicação por uma mulher assim! Ele não deve, não pode, fazê-lo.

Quer por ter consciência de que o seu amigo se recompusera, quer por qualquer outra razão, ele não disse mais nada; e Anne, que, apesar da voz emocionada com que a última parte tinha sido proferida, apesar de todos os ruídos da sala, do som de alguém a bater descuidadamente com a porta, do sussurro incessante das pessoas a andarem de um lado para o outro, tinha ouvido distintamente todas as palavras, ficara impressionada, satisfeita, confusa, e começava a respirar aceleradamente e a sentir centenas de emoções ao mesmo tempo. Era-lhe impossível falar em tal assunto; e, no entanto, após uma pausa, sentindo necessidade de falar e não tendo o menor desejo de mudar completamente de assunto, limitou-se a fazer um pequeno desvio, dizendo:

Esteve bastante tempo em Lyme, creio?

Cerca de uma quinzena. Não podia partir antes de ter a certeza de que Louisa se encontrava bem. Estava demasiado preocupado com o acidente para poder ficar descansado. A culpa fora minha... unicamente minha. Se eu não fosse fraco, ela não teria sido tão obstinada. A região à volta de Lyme é muito bonita. Passeei bastante a pé e a cavalo, e quanto mais vi, mais coisas encontrei dignas de serem admiradas.

Eu gostaria muito de voltar a ver Lyme - disse Anne.

A sério! Eu julgaria que nada em Lyme poderia inspirar tal sentimento. O horror e o sofrimento em que se viu envolvida... a tensão do espírito, o desgaste... eu iria imaginar que as suas últimas impressões de Lyme lhe provocariam uma aversão profunda.

As últimas horas foram certamente muito dolorosas respondeu Anne. - Mas, quando a dor desaparece, a recordação torna-se um prazer. Não se gosta menos de um local por se ter sofrido nele, a não ser que tenha sido tudo sofrimento, nada a não ser sofrimento... o que não foi o caso em Lyme. A ansiedade e o sofrimento foram só nas últimas duas horas; antes disso, foi muito agradável. Tanta coisa nova e tanta beleza! Eu tenho viajado tão pouco que acho qualquer local novo interessante... mas em Lyme há uma verdadeira beleza; e, no seu conjunto - (corando ligeiramente com algumas recordações) -, as minhas impressões sobre a terra são muito agradáveis.

Mal ela tinha acabado de falar, a porta da entrada abriu-se e o grupo por que esperavam apareceu.

Lady Dalrymple, Lady Dalrymple -foi a jubilosa exclamação, e, com todo o entusiasmo compatível com uma ansiosa elegância, Sir Walter e as suas duas senhoras avançaram para a cumprimentar. Lady Dalrymple e a Menina Carteret, acompanhadas pelo Sr. Elliot e pelo coronel Wallis, que chegara quase nesse mesmo instante, entraram na sala. Os outros juntaram-se a eles, num grupo em que Anne se viu necessariamente incluída.

Ela foi separada do comandante Wentworth. A sua conversa tão interessante, quase demasiado interessante, ficou interrompida por algum tempo; mas isto constituiu apenas uma pequena penitência, em comparação com a felicidade que provocara! Nos últimos dez minutos, ficara a saber mais sobre os sentimentos dele a respeito de Louisa, mais sobre todos os seus sentimentos, do que se atrevia a pensar! E, com uma tumultuosa sensação de felicidade, dedicou- se às exigências da festa, às amabilidades necessárias de momento. Sentia-se bem-disposta com todos. Ela pensara em coisas que a levavam a ser cortês e amável para com toda a gente, e a ter pena de todos, por serem menos felizes do que ela.

Estas deliciosas emoções diminuíram um pouco quando, ao afastar-se do grupo para se juntar novamente ao comandante Wentworth, viu que ele se retirara. Ainda foi a tempo de o ver entrar na sala do concerto. Ele fora-se embora - simplesmente desaparecera; por um momento, sentiu-se triste. Mas voltariam a encontrar-se. Ele procurá-la-ia, encontrá-la-ia muito antes de o serão terminar- e, de momento, talvez fosse bom estarem separados. Ela precisava de um pouco de tempo para se recompor.

Com a chegada de Lady Russell, pouco depois, o grupo ficou completo, e tudo o que faltava era reunirem-se e entrarem na sala do concerto, assumindo o ar mais importante que conseguissem, provocando o maior número de murmúrios e perturbando o maior número de pessoas possível. Tanto Elizabeth como Anne Elliot se sentiam muito, muito felizes quando entraram na sala.

Elizabeth, de braço dado com a Menina Carteret e a olhar para as costas largas da viúva viscondessa de Dalrymple à sua frente, não tinha mais nada a desejar que não parecesse estar ao seu alcance; e Anne - mas seria um insulto à natureza da felicidade de Anne compará-la com a da irmã; enquanto a de uma era tudo vaidade egoísta, a da outra era afeto generoso. Anne não viu, não reparou na magnificência da sala. A sua felicidade era interior. Os seus olhos brilhavam, as faces estavam luminosas - mas ela não o sabia. Pensava apenas na última meia hora e, enquanto se dirigiam aos seus lugares, veio-lhe tudo rapidamente à memória. A sua escolha de assuntos, as suas expressões e, ainda mais, os seus modos e aparência tinham sido de molde a ela lhes poder dar uma só interpretação. A sua opinião sobre a inferioridade de Louisa Musgrove, uma opinião que parecera desejoso de expressar, o seu espanto com o comandante Benwick, os seus sentimentos a respeito de um primeiro e forte afeto - frases que começara e não conseguira terminar- o desviar dos seus olhos, o seu olhar expressivo - tudo isso indicava que o seu coração se voltava de novo para ela; que a raiva, o ressentimento e o desejo de a evitar tinham desaparecido e tinham sido substituídos, não apenas pela amizade e consideração, mas pela ternura do passado; sim, alguma da ternura do passado. Ela não podia imaginar que a sua mudança significasse menos do que isso. Ele certamente a amava.

Estes eram os pensamentos, com as visões inerentes, que a ocupavam e entusiasmavam demasiado para lhe deixarem qualquer poder de observação; e ela atravessou a sala sem o ver sequer de relance, sem sequer tentar avistá-lo. Depois de os lugares terem sido distribuídos e de estarem todos sentados, ela olhou em volta para ver se ele estava na mesma parte da sala; mas não estava, o seu olhar não conseguia alcançá-lo; o concerto estava a começar, e, durante algum tempo, ela teve de se contentar com uma felicidade mais modesta.

O grupo foi dividido e colocado em dois bancos contíguos; Anne estava entre os que se sentaram no da frente; e o Sr. Elliot tinha manobrado tão bem, com a ajuda do seu amigo, o coronel Wallis que conseguira sentar-se ao lado dela. A Menina Elliot, rodeada pelos primos, e o principal objeto da galantaria do coronel Wallis, estava bastante satisfeita. O espírito de Anne sentia-se extremamente receptivo ao entretenimento da noite; havia bastante com que se ocupar: compartilhava os sentimentos dos meigos, a alegria dos joviais, prestava atenção aos eruditos, tinha paciência para com os enfadonhos; e nunca gostara tanto de um concerto, pelo menos durante a primeira parte.

Perto do fim, no intervalo que se seguiu a uma canção italiana, ela explicou as palavras da canção ao Sr. Elliot.

Tinham só um programa para os dois.

Este - disse ela - é mais ou menos o sentido, ou, por outra, o significado das palavras, pois certamente não se pode falar de sentido de uma canção italiana... mas é mais ou menos o significado, tal como eu o entendo, pois não conheço a língua. Eu não sei italiano.

Sim, sim, estou mesmo a ver que não sabe. Vejo que não sabe nada sobre o assunto. Só sabe o suficiente para traduzir estas linhas de italiano invertidas, transpostas e resumidas para um inglês claro, compreensível e elegante. Não precisa de dizer mais nada sobre a sua ignorância.

Aqui está a prova. Não vou contrariar uma tão grande delicadeza, mas não gostaria de ser examinada por um verdadeiro entendido?

Eu não tive o prazer de visitar Camden Place durante tanto tempo - respondeu ele - sem aprender algo sobre a Menina Anne Elliot; e considero-a demasiado modesta para que o mundo se aperceba de metade dos seus talentos, e demasiado talentosa para que a sua modéstia seja natural em qualquer outra mulher.

Que vergonha!, que vergonha! - Isso é demasiado lisonjeiro. Esqueci-me do que vamos ter a seguir - disse ela, voltando a olhar para o programa.

Talvez - disse o Sr. Elliot em voz baixa - eu conheça o seu caráter há mais tempo do que imagina.

A sério? Como? Só o pode ter conhecido depois de eu ter vindo para Bath, a não ser que antes tenha ouvido a minha família falar de mim.

Eu ouvi falar de si muito antes de ter chegado a Bath. Pessoas que a conheceram intimamente descreveram-na. Há muito anos que conheço o seu caráter. A sua pessoa, a sua índole, os seus talentos, os seus modos... foi-me tudo descrito, e mantive tudo presente na memória.

O Sr. Elliot não ficou decepcionado com o interesse que esperava despertar. Ninguém consegue resistir ao encanto de tal mistério. Ter sido descrita há tanto tempo, por pessoas anônimas, a alguém que se conheceu recentemente é irresistível; e Anne ficou cheia de curiosidade. Interrogou-se a si própria, perguntou-lhe ansiosamente - mas em vão. Ele ficou encantado por ela lhe perguntar, mas não revelou nada.

Não, não; noutra altura, talvez, mas agora não. – Nesse momento, ele não ia referir nomes: mas isso acontecera realmente. Tinha-lhe sido feita, há muitos anos, uma descrição da Menina Anne Elliot que inspirara nele a noção do seu elevado mérito e despertara a maior curiosidade em conhecê-la.

O nome de Anne Elliot - disse ele - há muito que me desperta grande interesse. Há muito que ele fascina a minha imaginação; e, se me atrevesse a tal, exprimiria o desejo de que o nome nunca mudasse.

Pareceu-lhe que estas foram as palavras dele; mas, mal acabara de as ouvir, a sua atenção foi atraída por outros sons imediatamente atrás de si, que fizeram que tudo o mais parecesse trivial. O pai e Lady Dalrymple estavam a conversar.

Um homem atraente - dizia Sir Walter -, um homem muito atraente.

Um jovem esplêndido, de fato! - disse Lady Dalrymple. Com melhor aspecto do que é habitual ver-se em Bath. Irlandês, suponho.

Não, por acaso até sei o nome dele. Conheço-o de vista. Wentworth... o comandante Wentworth, da Marinha. A irmã é casada com o meu inquilino de Somersetshire... os Croft, que alugaram Kellynch.

Antes de Sir Walter ter chegado a este ponto, os olhos de Anne tinham seguido a direção certa e avistaram o comandante Wentworth a uma pequena distância, no meio de um grupo de homens. Quando os seus olhos o viram, os dele pareceram desviar-se dela. Foi essa a impressão que teve. Pareceu-lhe que olhara um pouco tarde de mais e, enquanto se atreveu a fitá-lo, ele não voltou a olhar. Mas o espetáculo ia recomeçar, e ela foi forçada a fingir que prestava atenção à orquestra, e a olhar em frente.

Quando conseguiu voltar a olhar, ele tinha-se afastado. Mesmo que quisesse fazê-lo, ele não poderia aproximar-se mais dela, pois ela estava cercada de gente e inacessível; mas ela gostaria de ter encontrado o seu olhar. As palavras do Sr. Elliot tinham-na incomodado. Já não lhe apetecia falar com ele. Desejava que ele não se encontrasse tão perto dela.

A primeira parte terminara. Agora ela tinha esperança de que alguma alteração benéfica ocorresse; após um período de silêncio, alguns membros do grupo decidiram ir à procura de chá.

Anne foi uma das poucas pessoas que preferiu não se mover dali. Continuou sentada, tal como Lady Russell, mas teve o prazer de se ver livre do Sr. Elliot; não tinha intenção, quaisquer que fossem os seus sentimentos em relação a Lady Russell, de evitar conversar com o comandante Wentworth, se este lhe desse essa oportunidade. Pela expressão do rosto de Lady Russell, estava convencida de que ela também o vira. Mas ele não veio. Por várias vezes, Anne imaginou vê-lo ao longe, mas ele nunca se aproximou. O desejado intervalo chegou ao fim sem qualquer resultado.

Os outros regressaram, a sala voltou a encher-se, os lugares foram reclamados e ocupados, e ia seguir-se outra hora de prazer ou de castigo, outra hora de música para deliciar ou provocar bocejos, conforme prevalecesse o gosto real ou afetado de cada um. Para Anne, ela continha principalmente a perspectiva de uma hora de agitação. Não podia sair tranquilamente da sala sem voltar a ver o comandante Wentworth, sem trocar com ele um olhar amigável.

Quando o grupo se sentou de novo, houve muitas alterações, cujo resultado lhe foi favorável. O coronel Wallis não quis sentar-se, e o Sr. Elliot foi convidado por Elizabeth e pela Menina Carteret, de uma forma que não podia ser recusada, a sentar-se no meio delas; e, com mais algumas mudanças e uma pequena maquinação da sua parte, Anne conseguiu colocar-se muito mais perto do extremo do banco do que estivera antes, muito mais ao alcance de quem passasse. Não conseguiu fazê-lo sem se comparar à Menina Larolles, a inimitável Menina Larolles - mas fê- lo, mesmo assim, e sem conseguir um resultado muito mais feliz; embora, devido à retirada prematura dos seus vizinhos mais próximos, o que pareceu uma boa sorte, ela se encontrasse no extremo do banco antes do fim do concerto.

Esta era a sua situação, com um lugar vago a seu lado, quando voltou a ver o comandante Wentworth. Viu-o não muito longe. Ele também a viu; no entanto, ele tinha um ar grave e parecia indeciso, e só muito lentamente se aproximou dela o suficiente para poder falar com ela. Ela achou que se devia passar algo. A mudança era indubitável. A diferença entre o seu ar de agora e o que tivera na sala octogonal era enorme. Que seria? Pensou no pai, em Lady Russell. Teria havido olhares desagradáveis? Ele começou por falar sobre o concerto num tom reservado; parecia mais o comandante Wentworth de Uppercross; declarou-se desiludido, esperara ouvir cantar melhor; e, em suma, tinha de confessar que não teria pena quando acabasse.

Anne respondeu e tomou tão bem a defesa do espetáculo, manifestando, ao mesmo tempo e de um modo tão agradável, consideração pelos sentimentos dele, que o rosto do comandante Wentworth se desanuviou, e ele respondeu quase com um sorriso. Conversaram durante mais alguns minutos; ele continuava bem-disposto; até olhou para o banco, como se procurasse um lugar para se sentar; nesse preciso momento, um toque no ombro de Anne obrigou-a a voltar-se. Era o Sr. Elliot. Este pediu desculpa, mas queria pedir-lhe que explicasse o texto italiano. A Menina Carteret estava ansiosa por ter uma idéia do que se ia cantar a seguir. Anne não podia recusar; mas nunca se sacrificara à delicadeza com um espírito tão atormentado. Demorou, inevitavelmente, alguns minutos, embora o menos possível; e, quando ficou de novo senhora de si, quando pôde voltar-se e olhar como fizera antes, viu-se abordada pelo comandante Wentworth, que, com uma atitude reservada, se despedia apressadamente. Ele queria dar-lhe as boas-noites. Ia-se embora - tinha de ir para casa o mais depressa possível.

Acha que não vale a pena esperar para ouvir esta canção? perguntou Anne, subitamente assaltada por uma idéia que a tornou ainda mais desejosa de o encorajar.

Não! - respondeu ele num tom enfático -, não há nada por aqui que faça que valha a pena eu ficar. E ele afastou-se imediatamente. Ciúmes do Sr. Elliot? Era o único motivo compreensível. O comandante Wentworth ciumento do seu afeto! Ter-lhe-ia sido possível acreditar nisso uma semana antes... três horas antes? Por um momento, sentiu uma enorme felicidade. Mas, infelizmente, os pensamentos que se lhe seguiram foram muito diferentes. Como iria aplacar aqueles ciúmes? Como conseguiria fazer-lhe ver a verdade? Como, com todas as desvantagens próprias das suas respectivas situações, iria ele alguma vez saber quais eram os verdadeiros sentimentos dela? Sentia-se infeliz ao pensar nas atenções do Sr. Elliot. O mal provocado por elas era incalculável.

Capítulo Vinte e um

Na manhã seguinte, Anne recordou-se com satisfação da sua promessa de ir visitar a Sra. Smith; isso significaria que estaria ausente de casa à hora em que era mais provável que o Sr. Elliot aparecesse; o seu principal objetivo era evitá-lo.

Ela sentia bastante boa vontade para com ele. Apesar do dano que as suas atenções tinham causado, devia-lhe gratidão e estima, talvez mesmo compaixão. Ela não conseguia deixar de pensar nas extraordinárias circunstâncias em que se tinham conhecido; no direito que ele parecia ter de a interessar, tanto pela situação de ambos como pelos próprios sentimentos dele e pela boa impressão que ela logo de início despertara nele.

Era tudo muito extraordinário. Lisonjeiro mas doloroso. Havia muito a lamentar. Nem valia a pena pensar no que ela poderia sentir se não existisse um comandante Wentworth. E quer a conclusão da atual incerteza fosse favorável ou desfavorável, o seu amor seria dele para sempre. Ela acreditava que a sua união não a afastaria mais dos outros homens do que uma separação definitiva.

Nunca devem ter atravessado as ruas de Bath reflexões mais belas sobre o amor agitado e a fidelidade eterna do que aquelas a que Anne se entregou ao ir de Camden Place para Westgate Buildings. Eram quase suficientes para purificarem e perfumarem o ar ao longo de todo o trajeto. Estava certa de ser bem recebida; e a amiga pareceu-lhe particularmente grata por ter vindo. Parecia que não a esperava, embora o encontro estivesse marcado.

Ela pediu imediatamente um relato do concerto; e as recordações que Anne tinha deste eram suficientemente felizes para lhe animarem o rosto e para que ela tivesse prazer em falar nele. Tudo o que ela podia contar, fê-lo com prazer; mas o tudo era pouco para quem lá estivera, e insuficiente para uma inquiridora como a Sra. Smith, que, através da curta narração de uma lavadeira e de um empregado, já tinha ouvido muito mais sobre o êxito geral e sobre o que acontecera ao serão do que Anne conseguia relatar. A Sra. Smith conhecia de nome toda a gente importante ou notória em Bath.

Os pequenos Durand estiveram lá, suponho- disse ela. – Com as bocas abertas para apanharem a música, como pardais que ainda não deixaram o ninho, a serem alimentados. Eles nunca perdem um concerto.

Sim. Não os vi pessoalmente, mas ouvi o Sr. Elliot dizer que estavam na sala.

Os Ibbotson estavam lá? E as duas novas beldades, com o oficial irlandês alto que se diz que vai casar uma delas?

Não sei... acho que não estavam.

A velha Lady Mary Maclean? Não preciso de perguntar por ela. Ela nunca falta, eu sei; deve tê-la visto. Ela devia encontrar-se no seu círculo, pois, se estava ao pé de Lady Dalrymple, estava nos lugares de honra; em redor da orquestra, claro.

Não, isso era o que eu receava. Ter-me-ia sido muito desagradável sob todos os aspectos. Mas, felizmente, Lady Dalrymple prefere sempre ficar longe; e nós estávamos num lugar excelente... pelo menos para ouvir. Não devo dizer para ver, porque parece que vi muito pouco.

Oh!, viu o suficiente para se divertir... compreendo isso perfeitamente bem. Existe uma espécie de prazer privado até mesmo numa multidão, e esse a menina teve. Vocês já eram um grupo grande, não precisavam de mais nada.

Mas eu devia ter olhado mais em redor - disse Anne, consciente, enquanto falava, de que não deixara de olhar em redor; o objetivo é que fora limitado.

Não, não, a menina tinha uma ocupação melhor. Não precisa de me dizer que passou um agradável serão. Vejo-o nos seus olhos. Vejo perfeitamente como é que as horas passaram... que teve sempre algo agradável para ouvir. Nos intervalos do concerto, foi conversa.

Anne sorriu e perguntou:

Vê isso nos meus olhos?

Vejo, sim. O seu rosto diz-me claramente que na noite passada esteve junto da pessoa que considera a mais simpática do mundo, a pessoa que atualmente lhe interessa mais do que todo o mundo junto.

O rubor espalhou-se pelo rosto de Anne. Não conseguiu dizer nada.

E, sendo assim - prosseguiu a Sra. Smith, após uma pequena pausa-, espero que acredite que aprecio muito a sua gentileza em vir visitar-me esta manhã. É realmente muito amável da sua parte vir visitar-me quando tem coisas mais agradáveis para fazer.

Anne não ouviu nada disto. Ainda se sentia espantada e confusa com a perspicácia da amiga, e não conseguia imaginar como qualquer notícia sobre o comandante Wentworth poderia ter chegado até ela. Após um breve silêncio, disse:

Diga-me, por favor - disse a Sra. Smith -, o Sr. Elliot sabe que nos conhecemos? Ele sabe que estou em Bath?

O Sr. Elliot? - repetiu Anne, erguendo os olhos, surpreendida. Uma reflexão momentânea fê-la ver o erro em que incorrera. Percebeu-o imediatamente e, recuperando a coragem com uma sensação de segurança, acrescentou pouco depois, mais calmamente: - Conhece o Sr. Elliot?

Conheci-o bastante bem - respondeu a Sra. Smith, num tom grave -, mas há muito tempo.

Há muito tempo que não nos vemos.

Eu não sabia nada disso. Nunca me falou sobre isso antes. Se eu soubesse, teria tido o prazer de lhe falar em si.

Para confessar a verdade - disse a Sra. Smith, assumindo o eu ar habitualmente alegre -, esse é exatamente um prazer que quero que tenha. Quero que fale sobre mim ao Sr. Elliot. Quero que se interesse por mim junto dele. Ele pode prestar-me um serviço essencial; e, se tiver a bondade, minha querida Menina Elliot, de tomar isso a seu cargo, certamente que ele o fará.

Terei muito prazer; espero que não duvide de que estou disposta a ser-lhe útil no que for preciso - respondeu Anne-, mas desconfio de que me considera como tendo mais direitos sobre o Sr. Elliot... um maior direito de o influenciar do que é, realmente, o caso. Tenho a certeza de que, de algum modo, adquiriu essa noção. Deve considerar-me apenas como uma familiar do Sr. Elliot. Se, à luz desta situação, houver alguma coisa que julgue que, como prima, eu lhe possa pedir, suplico-lhe que não hesite em fazer uso dos meus préstimos.

A Sra. Smith lançou-lhe um olhar penetrante e depois disse, com um sorriso:

Estou a ver que fui um pouco prematura, peço-lhe desculpa. Eu devia ter aguardado a comunicação oficial. Mas agora, minha querida Menina Elliot, como velha amiga, dê-me alguma indicação de quando poderei falar. Na próxima semana? Certamente que na próxima semana ser- me-á permitido pensar que está tudo resolvido e poderei fazer os meus planos egoístas sob a proteção da boa sorte do Sr. Elliot.

Não - respondeu Anne -, não na próxima semana, nem na seguinte ou na outra. Garanto-lhe que nada do que está a pensar vai ficar resolvido em qualquer semana. Eu não me vou casar com o Sr. Elliot. Gostaria de saber por que é que pensa que vou?

A Sra. Smith voltou a olhá-la, fitou-a atentamente, abanou a cabeça e exclamou:

Quem me dera compreendê-la! Quem me dera saber onde quer chegar! Calculo que não tenha intenção de ser cruel, quando chegar o momento certo. Até essa altura, sabe bem, nós, mulheres, nunca tencionamos aceitar ninguém. É uma coisa habitual entre nós rejeitar todos os homens... até eles se declararem. Por que é que a menina havia de ser cruel? Deixe-me argumentar a favor do meu... não lhe posso chamar amigo atual... mas do meu antigo amigo. Onde irá encontrar melhor partido? Onde espera conhecer um homem mais cavalheiro, mais amável? Deixe-me recomendar o Sr. Elliot. Tenho a certeza de que só ouve o coronel Wallis falar bem dele; e quem poderá conhecê-lo melhor do que o coronel Wallis?

Minha querida Sra. Smith, a mulher do Sr. Elliot morreu há pouco mais de seis meses. Ele não deveria andar a cortejar ninguém.

Oh!, se essas forem as suas únicas objeções - exclamou a Sra. Smith, gracejando-, o Sr. Elliot está salvo, e não me preocuparei mais com ele. Não se esqueça de mim quando se casar, é tudo. Faça-lhe saber que sou sua amiga, e então ele considerará pequeno o incômodo necessário para me ajudar, como é muito natural que aconteça agora, com tantos negócios e compromissos... muito natural, talvez. Noventa e nove por cento das pessoas fariam o mesmo. Claro que ele não pode ter noção de como o assunto é importante para mim. Bem, minha querida Menina Elliot, desejo-lhe muitas felicidades. O Sr. Elliot é bastante inteligente para compreender o seu valor. A sua paz não irá naufragar como a minha. Está em segurança, tanto em assuntos mundanos com relação ao seu caráter. Ele não se deixará desencaminhar, não será levado à ruína pelos outros.

Não - disse Anne -, posso bem acreditar tudo isso do meu primo. Ele parece ter um temperamento calmo e firme, nada influenciável por impressões perigosas. Respeito-o muito. Pelo que tenho observado, não tenho motivo para pensar de outro modo. Mas não o conheço há muito tempo; e ele não é homem que se conheça intimamente em tão pouco tempo. Será que esta maneira de falar dele, Sra. Smith, a convence de que ele não significa nada para mim? Certamente que o faço com muita calma. E dou-lha a minha palavra de que ele não representa nada para mim. Se alguma vez me pedir em casamento... o que duvido que ele tenha pensado fazer... eu não aceitarei, garanto-lhe que não aceitarei. Garanto-lhe que o Sr. Elliot não tem qualquer responsabilidade no prazer que o concerto me proporcionou ontem à noite... não o Sr. Elliot; não é o Sr. Elliot que... Ela fez uma pausa e corou, arrependida de ter dito tanto; mas dizer menos teria sido insuficiente.

A Sra. Smith não acreditaria tão facilmente na falta de êxito do Sr. Elliot se não existisse outra pessoa. Deste modo, ficou imediatamente convencida e fingiu não se aperceber de mais nada; e Anne, ansiosa por desviar a atenção, quis saber por que é que a Sra. Smith imaginara que ela se ia casar com o Sr. Elliot, onde é que ela fora buscar essa idéia, a quem a podia ter ouvido.

Por favor, diga-me como é que isso lhe veio à cabeça.

A primeira vez que me veio à idéia - respondeu a Sra. Smith - foi quando soube que passavam tanto tempo juntos, e achei que era a coisa mais natural do mundo que os seus parentes e amigos o desejassem; e pode estar certa de que todos os seus conhecidos são da mesma opinião. Mas só ouvi falar nisso há dois dias.

E o assunto foi mesmo falado?

Reparou na mulher que lhe abriu a porta quando me veio visitar ontem?

Não. Não era a Sra. Speed, como de costume, ou a criada? Não reparei bem.

Era a minha amiga, a Sra. Rooke... a enfermeira Rooke, que, a propósito, tinha grande curiosidade em vê-la e ficou encantada por poder abrir-lhe a porta. Ela chegou de Malborough Buildings no domingo, e foi ela quem me disse que a menina se ia casar com o Sr. Elliot. Ela ouvira dizê-lo à própria Sra. Wallis, que não parecia ser uma má fonte de informação. Fez-me companhia durante uma hora na segunda-feira à noite e contou-me a história toda.

A história toda - repetiu Anne, rindo-se. - Ela não pode ter contado uma história muito longa, penso eu, sobre um pequeno parágrafo de uma notícia sem qualquer fundamento.

A Sra. Smith ficou calada.

Mas - prosseguiu Anne -, embora não seja verdade que eu exerça qualquer poder sobre o Sr. Elliot, sentir-me-ei extremamente feliz em lhe poder ser útil de qualquer maneira ao meu alcance. Quer que lhe diga que está em Bath? Quer que lhe leve alguma mensagem?

Não, não, obrigada. Não, de modo algum. No entusiasmo do momento e sob uma impressão falsa, eu podia, talvez, tentar interessá-la por certas circunstâncias. Mas agora não, obrigada, não quero incomodá-la com nada.

Creio que disse ter conhecido o Sr. Elliot há muitos anos!?

Conheci.

Não antes de ele se casar, suponho?

Sim; ele não era casado quando o conheci.

E conheciam-se muito bem?

Intimamente.

Sim? Então, por favor, conte-me como ele era nessa altura. Tenho grande curiosidade em saber como era o Sr. Elliot quando novo. Era como está agora?

Eu não vejo o Sr. Elliot há três anos - foi a resposta da Sra. Smith, pronunciada num tom tão grave que foi impossível continuar a falar no assunto; e Anne sentiu que não tinha conseguido nada a não ser uma maior curiosidade. Ficaram ambas em silêncio; a Sra. Smith ficou pensativa. Por fim, disse:

Desculpe, minha querida Menina Elliot - exclamou, no seu habitual tom de cordialidade -, peço-lhe desculpa pelas respostas lacónicas que lhe tenho dado, mas não sei bem o que devo fazer. Tenho estado a hesitar e a refletir sobre isso. HÁ muitas coisas a tomar em consideração. Detesto ser importuna, provocar más impressões, causar problemas. Até mesmo a superfície macia de um laço familiar deve ser preservada, ainda que não exista nada de duradouro por debaixo. No entanto,já decidi; penso que tenho razão. Acho que devo informá-la sobre o verdadeiro caráter do Sr. Elliot.

Embora acredite plenamente que, atualmente, não tenha a menor intenção de o aceitar, nunca se sabe o que poderá acontecer. Os seus sentimentos em relação a ele podem, em qualquer altura, alterar-se. Assim, ouça a verdade agora, enquanto não tem preconceitos.

O Sr. Elliot é um homem sem coração nem consciência, um ser calculista e frio que só pensa em si próprio e que, para seu interesse e comodidade, seria capaz de qualquer crueldade ou traição que possam ser levadas a cabo sem arriscar o seu bom nome. Ele não tem qualquer consideração pelos outros. É capaz de negligenciar e abandonar, sem a menor hesitação, aqueles de cuja ruína foi a causa principal. É incapaz do mínimo sentimento de justiça e compaixão. Oh!, possui um coração de pedra, oco e negro.

O ar admirado de Anne, a sua exclamação de espanto fê-la fazer uma pausa e, num tom mais calmo, acrescentou:

As minhas expressões espantam-na. Tem de desculpar uma mulher ofendida e zangada. Mas vou tentar conter-me. Não o vou insultar. Vou só tentar dizer-lhe o que descobri sobre ele. Os fatos falarão por si. Ele foi amigo íntimo do meu querido marido, que confiava e gostava dele; a amizade existia desde antes do nosso casamento. Eu vi que eles eram amigos muito íntimos; eu também gostava muito do Sr. Elliot e tinha uma ótima opinião sobre ele. Aos dezenove anos, sabe?, não se pensa muito a sério, mas o Sr. Elliot pareceu-me ser tão bom como os outros, e muito mais simpático do que a maior parte dos outros, e nós estávamos quase sempre juntos. Vivíamos principalmente na cidade, com muito luxo. Nessa altura, era ele quem se achava em circunstâncias inferiores, era ele o pobre; tinha uns aposentos em Temple, e isso era o máximo que podia fazer para manter a sua aparência de cavalheiro. Ele podia instalar-se em nossa casa sempre que quisesse, era sempre bem-vindo, era como um irmão. O meu pobre Charles, o melhor e mais generoso homem do mundo, era capaz de dividir com ele o seu último vintém; e eu sei que tinha sempre a bolsa aberta para ele e que o ajudou muitas vezes.

Essa deve ter sido a época da vida do Sr. Elliot – disse Anne - que sempre suscitou a minha curiosidade. Deve ter sido a mesma altura em que o meu pai e a minha irmã o conheceram. Eu própria nunca o conheci, só ouvi falar dele, mas houve algo na sua conduta para com o meu pai e a minha irmã, e depois nas circunstâncias do seu casamento, que eu não consigo conciliar com o presente. Tudo parecia anunciar um homem diferente.

Eu sei tudo isso, eu sei tudo isso - exclamou a Sra. Smith. - Ele tinha sido apresentado a Sir Walter e a sua irmã antes de eu o conhecer, mas ouvia-o falar constantemente deles. Sei que ele foi convidado e encorajado, e sei também que preferiu não ir. Posso informá-la, talvez, sobre fatos com que nem sequer sonha; e, quanto ao casamento dele, eu soube tudo a esse respeito, na altura. Sabia todos os prós e contras, era a amiga a quem ele confiava as suas esperanças e os seus planos, e, embora não conhecesse a sua mulher antes, pois a sua situação social inferior tornava impossível tal fato, soube tudo sobre a sua vida depois, ou, pelo menos até aos últimos dois anos da sua vida, e posso responder a todas as perguntas que desejar fazer sobre ela.

Não - disse Anne -, não tenho nenhuma pergunta em particular a fazer sobre ela. Sempre soube que não eram um casal feliz. Mas eu gostaria de conhecer o motivo por que, nessa altura, desprezou as relações com o meu pai. O meu pai estava disposto a recebê-lo muito generosamente no seio da família. Por que é que o Sr. Elliot se esquivou?

O Sr. Elliot, nessa época, tinha apenas um objetivo em vista: fazer fortuna, e através de um processo mais rápido do que o exercício da advocacia. Estava decidido a fazê-lo por meio de um casamento. Estava, pelo menos, decidido a não estragar as suas perspectivas com um casamento imprudente; e eu sei que ele acreditava, claro que não sei se acertadamente ou não, que o seu pai e irmã, como todas as suas amabilidades e convites, tinham em mente um casamento do herdeiro com a jovem; e um casamento destes não correspondia de todo às suas idéias de riqueza e independência. Foi por esse motivo que ele se esquivou, garanto-lhe. Ele contou-me a história toda. Não escondia nada de mim. Foi curioso que, tendo acabado de me separar de si em Bath, a primeira pessoa que conheci quando casei tenha sido o seu primo; e que eu tenha continuado a ouvir falar constantemente de seu pai e de sua irmã. Ele descrevia uma Menina Elliot, e eu pensava muito afetuosamente noutra.

Talvez - exclamou Anne, assaltada por uma idéia súbita- tenha falado algumas vezes de mim ao Sr. Elliot.

– Certamente que o fiz, muito frequentemente. Eu costumava gabar a minha Anne Elliot e garantir que ela era muito diferente da... Conteve-se a tempo.

Isso explica algo que o Sr. Elliot disse ontem à noite, exclamou Anne. - Isso explica tudo. Fiquei a saber que ele já ouvira falar de mim. Eu não conseguia compreender como. Que imaginação desenfreada possuímos quando se trata de nós próprios! Como facilmente nos enganamos! Mas, desculpe; interrompi-a. O Sr. Elliot casou-se, então, apenas por dinheiro? Foi essa circunstância, provavelmente, que lhe abriu os olhos a respeito do seu caráter? Aqui, a Sra. Smith hesitou um pouco.

Oh! Essas coisas são demasiado vulgares. Quando se vive no mundo, é tão vulgar um homem ou uma mulher casarem-se por dinheiro que isso não nos choca como deveria. Eu era muito nova, associava-me apenas a jovens, e formávamos um grupo alegre, irresponsável, sem quaisquer regras rígidas de conduta. Só pensávamos em nos divertir. Agora penso de um modo diferente; o tempo, a doença e a dor modificaram a minha maneira de pensar, mas, nessa época, confesso que não via nada de repreensível no que o Sr. Elliot estava a fazer. A obrigação de cada um de nós era fazer o melhor que pudesse para si próprio. - Mas ela não era uma mulher muito inferior?

Era, e eu levantei objeções, mas ele não me prestou atenção. Tudo o que ele queria era dinheiro, dinheiro. O pai dela era negociante de gado, o avô tinha sido carniceiro, mas isso não tinha importância. Ela era uma mulher agradável, tivera uma educação decente, uns primos tinham-na aperfeiçoado. Conhecera o Sr. Elliot por acaso e apaixonara-se por ele. Da parte do Sr. Elliot não houve quaisquer dificuldades ou escrúpulos a respeito do nascimento dela. A sua única preocupação antes de se comprometer foi certificar-se do montante real da sua fortuna. Pode acreditar que, seja qual for a estima que o Sr. Elliot tenha agora pela sua posição social, quando ele era jovem, esta não tinha qualquer valor para ele. A oportunidade de herdar o Solar de Kellynch era alguma coisa, mas a honra da família não tinha a menor importância para ele. Ouvi-o muitas vezes dizer que, se os títulos de baronete fossem vendáveis, qualquer pessoa poderia ter o seu por cinquenta libras, incluindo o brasão, as armas, o nome e a libré; mas não vou repetir sequer metade do que costumava ouvi-lo dizer sobre o assunto. Não seria justo. No entanto, precisa de ter uma prova, por que o que é tudo isto a não ser afirmações? Mas terá uma prova.

Mas, minha querida Sra. Smith, eu não quero nada, exclamou Anne. - Até agora, não disse nada que contradissesse o que o Sr. Elliot parecia ser há alguns anos. Tudo isto, de fato, confirma o que costumávamos ouvir dizer. Tenho mais curiosidade em saber a razão por que ele está tão diferente agora.

Mas faça-me a vontade; tenha a bondade de chamar Mary; não, tenho a certeza de que terá a bondade ainda maior de ir pessoalmente ao meu quarto buscar a caixa com embutidos que está na prateleira superior do armário.

Anne, vendo que a amiga estava decidida, fez o que lhe foi pedido. Depois de ela trazer a caixa e de a colocar à sua frente, a Sra. Smith abriu-a, suspirando, e disse:

Está cheia de papéis pertencentes a ele e ao meu marido, uma pequena parte dos que tive de examinar quando o perdi. A carta de que estou à procura foi escrita pelo Sr. Elliot a ele antes do nosso casamento e ficou guardada, sabe-se lá porquê.

Mas ele era descuidado e pouco metódico com as suas coisas, como muitos outros homens; e, quando tive de examinar os seus papéis, encontrei-a no meio de outras ainda mais triviais, escritas por diferentes pessoas espalhadas por aqui e ali, enquanto muitas cartas e memorandos importantes tinham sido destruídos. Aqui está. Não a quis queimar porque, estando já muito pouco satisfeita com o Sr. Elliot, decidi guardar todos os documentos sobre a nossa intimidade anterior. Tenho agora outro motivo de satisfação, pois posso mostrar-lha. Esta era a carta, endereçada a Charles Smith, Esq., Tunbridge Wells, e datada de Londres, Julho de 1803.

 

Caro Smith,

 

Recebi a sua carta. A sua bondade quase me oprime. Gostaria que a natureza tivesse feito corações como o seu em maior número, mas já vivi vinte e três anos no mundo e não encontrei outro igual. De momento, creia, não preciso dos seus préstimos, pois estou de novo abonado. Dê-me os parabéns: livrei-me de Sir Walter e da menina. Eles voltaram para Kellynch e quase me fizeram prometer visitá-los este Verão, mas a minha primeira visita a Kellynch será com um perito que me dirá como o hei-de leiloar mais lucrativamente. O baronete, porém, poderá voltar a casar; é suficientemente tolo para isso. Se o fizer, então deixar-me-ão em paz, o que será uma boa compensação para aquilo que perco. Ele está pior do que no ano passado. Quem me dera ter um nome que não fosse Elliot. Estou farto dele. O nome Walter posso não usar, graças a Deus!

E desejo que nunca mais volte a insultar-me com o meu W. do meio, pois tenciono, até ao fim da vida, ser apenas o seu William Elliot

 

Anne não conseguiu ler a carta sem corar, e a Sra. Smith, ao ver a vermelhidão do seu rosto, disse:

Eu sei que a linguagem é extremamente desrespeitosa. Embora me tenha esquecido dos termos exatos, retenho uma impressão nítida do significado geral. Mas mostra-lhe o homem. Repare nas declarações que faz ao meu pobre marido. Poderiam ser mais explícitas?

Anne não conseguiu refazer-se imediatamente do choque e do desgosto de ver tais palavras aplicadas ao seu pai. Foi obrigada a recordar-se de que a leitura da carta constituía uma violação das leis da honra, que ninguém deveria ser julgado ou conhecido por tais testemunhos, que nenhuma correspondência privada deveria ser lida por outros olhos, antes de recuperar a calma suficiente para restituir a carta sobre a qual estivera a refletir, e dizer:

Obrigada. Isto constitui, sem dúvida, prova suficiente, prova de tudo o que me disse. Mas por que é que ele se aproximou de nós agora?

Também posso explicar isso - exclamou a Sra. Smith, sorrindo.

Pode, realmente?

Posso. Mostrei-lhe o Sr. Elliot, tal como ele era há doze anos, e vou mostrar-lho como ele é agora. Não posso apresentar uma prova escrita, mas posso oferecer-lhe um testemunho oral tão autêntico como desejaria do que ele pretende agora e do que anda a fazer. Ele agora não está a ser hipócrita. Quer, realmente, casar-se consigo. As suas atuais atenções para com a sua família são muito sinceras. Digo-lhe qual é a minha fonte segura: o amigo dele, o coronel Wallis.

O coronel Wallis! Conhece-o?

Não. A informação não chegou até mim por uma via tão direta. Fez um desvio ou dois, mas nada de importância. O riacho está tão puro como na sua origem; o pouco lixo que vai recolhendo nas curvas desaparece facilmente. O Sr. Elliot fala sem reservas com o coronel Wallis sobre a opinião que faz de si. Eu imagino o coronel Wallis como sendo uma pessoa sensata, cautelosa e perspicaz, mas ele tem uma mulher bonita e muito tola, a quem conta coisas que não devia, e repete-lhe tudo o que ouve. Ela, na alegria transbordante da convalescença, repete tudo à enfermeira; e a enfermeira, que sabe que a conheço, conta-me tudo, naturalmente. Na segunda- feira à noite, a minha boa amiga, a Sra. Rooke, confidenciou-me assim os segredos dos Malborough Buildings. Por isso, quando me referia a toda essa história, eu não estava a romancear tanto quanto supôs.

Minha querida Sra. Smith, a sua fonte de informação não está completa. Isso não pode ser. O fato de o Sr. Elliot ter pretensões a meu respeito não explica os esforços que ele fez com vista a uma reconciliação com o meu pai. Tudo isso se passou antes de eu vir para Bath. Quando cheguei, encontrei-os em termos extremamente amigáveis.

Eu sei que assim foi; sei isso perfeitamente, mas...

Na realidade, Sra. Smith, não devemos estar à espera de obter informações fidedignas por essa via. Não pode restar muita verdade em fatos ou opiniões que passam de boca em boca, sendo mal interpretados pela tolice de alguns e pela ignorância de outros.

Mas escute o que tenho para lhe dizer. Em breve poderá julgar o crédito que estas informações merecem, ouvindo alguns pormenores que poderá confirmar ou contradizer imediatamente. Ninguém supunha que a menina fosse o seu primeiro objetivo. Ele tinha-a, de fato, visto antes de chegar a Bath e tinha-a admirado, mas sem saber quem era. Pelo menos, é o que diz a minha informadora. Isto é verdade? Ele viu-a no Verão ou no Outono passado, algures na costa ocidental, para usar as suas próprias palavras, sem saber quem era?

Sem dúvida. Até aí, é verdade. Em Lyme, eu estava por acaso em Lyme.

Bem - prosseguiu a Sra. Smith num tom triunfante -, reconheça à minha amiga o crédito devido pela confirmação do primeiro ponto. Então ele viu-a em Lyme e gostou tanto de si que ficou extremamente satisfeito quando voltou a vê-la em Camden Place, como Menina Anne Elliot, e, a partir desse momento, não tenho qualquer dúvida, ele teve um motivo duplo para as suas visitas. Mas havia outro, anterior, que passarei a explicar. Se houver alguma coisa na minha história que saiba ser falsa ou improvável, por favor interrompa-me. O meu relatório diz que a amiga da sua irmã, a senhora que está em vossa casa e sobre a qual já a ouvi falar, veio para Bath com a Menina Elliot e Sir Walter há muito tempo, em Setembro, ou seja, quando eles vieram, e tem permanecido cá desde então; que ela é uma mulher bonita, insinuante e esperta, pobre e astuta e que, pela sua condição e modos, dá a impressão geral, entre os conhecidos de Sir Walter, de que tenciona ser Lady Elliot, constituindo grande surpresa o fato de a Menina Elliot estar aparentemente cega perante esse perigo.

Aqui, a Sra. Smith fez uma pequena pausa; mas Anne não tinha nada a dizer, e ela prosseguiu:

Era assim que aqueles que conheciam a família viam o assunto, muito antes do seu regresso para junto dela; e o coronel Wallis observava o seu pai o suficiente para se aperceber disso, embora nessa altura ele não fosse visita de Camden Place; a sua estima pelo Sr. Elliot levava-o a observar com interesse tudo o que ali se passava; e, quando o Sr. Elliot veio passar alguns dias a Bath, como fez pouco antes do Natal, o coronel Wallis comunicou-lhe o aparente estado das coisas e os rumores que começavam a surgir. Agora, deve compreender que o tempo operara uma mudança muito sensível, na opinião do Sr. Elliot, quanto ao valor do título de baronete. Ele era um homem completamente diferente em todas as questões de linhagem e parentesco. Uma vez que há muito possuía mais dinheiro do que poderia gastar, e não sendo avarento nem esbanjador, ele começara gradualmente a identificar a sua felicidade com o título de que é herdeiro. Eu pensava que isso estava a começar a acontecer antes de as nossas relações terem cessado, mas agora tenho a certeza. Ele não suporta a idéia de não vir a ser Sir William. Pode imaginar que as notícias que o seu amigo lhe deu não fossem muito agradáveis, e pode imaginar o efeito que elas produziram; a decisão de voltar para Bath o mais depressa possível, de se instalar aqui por algum tempo, com vista a renovar o antigo conhecimento e readquirir uma situação no seio da família que lhe proporcionasse os meios de avaliar o grau do perigo e de enredar a dama, se necessário.

Os dois amigos concordaram que era a única coisa a fazer, e o coronel Wallis propôs-se auxiliá-lo em tudo o que pudesse. Ele ia ser-lhes apresentado, a Sra. Wallis iria ser-lhes apresentada, e iriam todos ser apresentados. O Sr. Elliot regressou, pediu desculpas e foi desculpado, como sabe, e readmitido no seio da família; e, aí, o seu objetivo constante, o seu único objetivo, (até a sua chegada acrescentar outro motivo), era observar Sir Elliot e a Sra. Clay. Ele não perdeu uma única oportunidade de estar com eles, atravessava-se-lhes no caminho e visitava-os constantemente... mas não preciso de entrar em pormenores sobre o assunto. Pode imaginar o que um homem astucioso faria; e, com esta orientação, talvez se recorde do que o tem visto fazer.

Sim - disse Anne -, não está a contar-me nada que não esteja de acordo com o que eu sei ou possa imaginar. Há sempre qualquer coisa de ofensivo nos pormenores da astúcia. As manobras do egoísmo e da duplicidade são sempre revoltantes, mas não ouvi nada que realmente me surpreenda. Sei que aqueles que ficariam chocados com esta descrição do Sr. Elliot teriam dificuldade em acreditar; mas eu nunca me senti satisfeita. Sempre julguei que devia existir outro motivo para a sua conduta, para além do que ele aparentava. Gostaria de conhecer a sua opinião atual sobre as probabilidades de o acontecimento que ele teme ocorrer, se considera que o perigo está a diminuir ou não.

Está a diminuir, segundo creio - respondeu a Sra. Smith. Ele pensa que a Sra. Clay tem medo dele, que ela se apercebeu de que ele conhece as suas intenções e não se atreve a agir conforme faria na sua ausência. Mas, uma vez que ele terá de se ausentar uma vez por outra, não sei como é que alguma vez se sentirá seguro enquanto ela mantiver a sua atual influência. A Sra. Wallis teve uma idéia divertida, segundo me disse a enfermeira, que é incluir no contrato nupcial, quando a menina e o Sr. Elliot se casarem, uma cláusula segundo a qual o seu pai não se poderá casar com a Sra. Clay. Um plano digno da inteligência da Sra. Wallis, mas a minha sensata enfermeira Rooke viu logo como era absurdo.

-Mas certamente, minha senhora- , disse ela, isso não o impediria de se casar com qualquer outra pessoa.

E, na verdade, eu não penso que a enfermeira, no seu íntimo, seja muito contra um segundo casamento de Sir Walter. Sabe?, consta que ela gosta de favorecer casamentos, e quem poderá dizer se ela não se imagina a tratar da futura Lady Elliot, através da recomendação da Sra. Wallis?

Fico muito satisfeita em saber tudo isto - disse Anne, após um momento de reflexão. - Nalguns aspectos, ser-me-á mais penoso estar perto dele, mas saberei melhor como agir. A minha linha de conduta será mais direta. O Sr. Elliot é obviamente um homem mundano, calculista e artificial que nunca teve outros princípios a guiá-lo a não ser o egoísmo.

Mas a conversa sobre o Sr. Elliot ainda não tinha chegado ao fim. A Sra. Smith desviara-se da sua primeira diretriz, e Anne tinha-se esquecido, no interesse das suas preocupações familiares, do que fora, a princípio, insinuado contra ele; mas a sua atenção foi agora chamada para a explicação dessas primeiras insinuações, e ela escutou uma narração, a qual, se não justificava plenamente o extraordinário azedume da Sra. Smith, demonstrava como ele se mostrara insensível no seu comportamento para com ela, manifestando muita falta de justiça e compaixão.

Ela ficou a saber que a intimidade entre eles tinha prosseguido após o casamento do Sr. Elliot, tinham continuado a andar juntos como antes, e o Sr. Elliot tinha induzido o amigo a efetuar despesas muito para além das suas posses. A Sra. Smith não queria atribuir quaisquer culpas a si própria e teve o cuidado de não responsabilizar o marido, mas Anne percebeu que os seus rendimentos nunca tinham estado de acordo com o seu estilo de vida e que, desde o início, houvera muita extravagância geral e conjunta.

Pela descrição da mulher, Anne concluiu que o Sr. Smith tinha sido um homem afetuoso, de temperamento dócil, hábitos descuidados e fraca inteligência, muito mais simpático do que o seu amigo e muito diferente dele, deixando-se levar por ele e sendo, provavelmente, desprezado por ele. O Sr. Elliot. Que o casamento elevara a grande riqueza, pretendia satisfazer todos os prazeres e vaidades possíveis que não o comprometessem, pois, apesar da vida que levava, tornara-se um homem prudente. Começando a ver-se rico, tal como o seu amigo deveria descobrir que estava pobre, não pareceu sentir a mínima preocupação pela situação financeira do amigo, mas, pelo contrário, sugerira e encorajara despesas que só poderiam terminar em ruína. E assim, os Smith ficaram realmente arruinados.

O marido morrera mesmo a tempo de lhe ser poupado o conhecimento total da situação. Eles já tinham experimentado embaraços suficientes para porém à prova a amizade dos seus amigos e para demonstrar que era preferível não testar a do Sr. Elliot; mas foi só depois da sua morte que o estado deplorável dos seus negócios foi totalmente conhecido. Com uma confiança na estima do Sr. Elliot mais honrosa para os seus sentimentos do que para a sua inteligência, o Sr. Smith nomeara-o seu executor testamentário; mas o Sr. Elliot não aceitou, e as dificuldades e problemas que esta recusa lançou sobre ela, para além do inevitável sofrimento causado pela viuvez, tinham sido de tal ordem que não podiam ser relatados sem uma enorme angústia, nem escutados sem a correspondente indignação.

Anne leu algumas cartas dele desta época, respostas a um pedido urgente da Sra. Smith, e todas elas transmitiam a mesma resolução firme de não se envolver em problemas infrutíferos, e, sob uma delicadeza fria, transparecia a mesma dura indiferença a todos os males que a mesma pudesse fazer recair sobre ela. Era um caso terrível de ingratidão e desumanidade, e Anne sentiu que, nalguns momentos, nenhum crime flagrante poderia ter sido pior.

Teve muito para escutar; todos os pormenores de cenas tristes do passado, todas as minúcias de desgraças sucessivas a que conversas anteriores tinham meramente aludido foram agora contadas com uma complacência natural. Anne compreendia perfeitamente o intenso alívio da amiga e sentiu ainda mais admiração pela compostura do estado de espírito habitual da amiga.

Havia uma circunstância na história dos seus agravos que era particularmente irritante. Ela tinha razão para acreditar que uma propriedade que o marido possuía nas Indias Ocidentais, que há muitos anos estava sob uma espécie de hipoteca como pagamento dos seus próprios encargos, poderia ser resgatada se fossem tomadas as medidas apropriadas; e esta propriedade, embora não fosse grande, seria suficiente para a tornar relativamente rica. Mas não havia ninguém para tratar do assunto. O Sr. Elliot recusara-se a fazer qualquer coisa, e ela própria não podia fazer nada, por causa da incapacidade, quer de se mover devido ao seu estado de fraqueza física quer de contratar outra pessoa devido à falta de dinheiro. Ela não possuía familiares que a ajudassem sequer com os seus conselhos, e não tinha dinheiro para pagar assistência jurídica.

Isto veio agravar cruelmente a sua situação financeira.

Saber que podia estar em melhores circunstâncias, recear que a demora pudesse enfraquecer os seus direitos quando bastava um pequeno esforço, feito como devia ser, tudo isso era difícil de suportar!

Fora neste ponto que ela tivera a esperança de conseguir os bons ofícios de Anne junto do Sr. Elliot. Anteriormente, perante a perspectiva do seu casamento, ela receara perder a amiga; mas quando lhe asseguraram que ele não fizera qualquer tentativa nesse sentido, uma vez que nem sequer sabia que ela estava em Bath, veio-lhe imediatamente à idéia que algo poderia ser feito a seu favor graças à influência da mulher que ele amava; ela preparara-se imediatamente para interessar os sentimentos de Anne pelo assunto, tanto quanto lhe permitia o cuidado necessário para não afetar o caráter do Sr. Elliot; o desmentido de Anne do suposto noivado alterara tudo; e, embora isso tenha afastado dela a nova esperança de conseguir alcançar o objetivo que maior ansiedade lhe causava, deixava-lhe, pelo menos, a consolação de conseguir contar a história à sua maneira.

Depois de ter escutado a descrição minuciosa do caráter do Sr. Elliot, Anne não conseguiu deixar de expressar alguma surpresa pelo fato de a Sra. Smith ter falado tão favoravelmente dele no início da sua conversa. Ela parecera recomendá-lo e elogiá-lo.

Minha querida - foi a resposta da Sra. Smith -, não havia nada a fazer. Eu considerei o vosso casamento como certo, embora ele não tivesse ainda feito o pedido oficial e, se ele fosse o seu marido, eu não podia ter dito a verdade sobre ele. O meu coração sangrava por si enquanto eu falava de felicidade.

Mas, no entanto, ele é sensato, é amável, e, com uma mulher como Anne, não era uma situação absolutamente desesperada. Ele foi muito cruel para a primeira mulher. Foram muito infelizes. Mas ela era demasiado ignorante e irrefletida para lhe merecer respeito, e ele nunca a tinha amado. Eu tinha esperança de que, com Anne, as coisas fossem diferentes.

Anne reconheceu, no seu íntimo, que houvera a possibilidade de a convencerem a casar com ele, e estremeceu ao pensar na infelicidade que se seguiria. Era possível que Lady Russell a tivesse convencido! E, partindo dessa suposição, qual das duas seria mais infeliz quando, tarde de mais, o tempo tudo revelasse? Era muito desejável que Lady Russell não continuasse enganada; e uma das últimas resoluções deste importante encontro, que durou a maior parte da manhã, foi que Anne tinha toda a liberdade de comunicar à amiga tudo o que estava relacionado com a Sra. Smith e que envolvesse a conduta dele.

Capítulo Vinte e dois

Anne foi para casa meditar em tudo o que ouvira. Numa questão, sentiu-se aliviada por ter ficado a conhecer melhor o Sr. Elliot. Já não lhe devia qualquer espécie de ternura. Ele era, ao contrário do comandante Wentworth, um intruso pouco desejado; ela refletia, com sensações categóricas, resolutas, sobre os malefícios das duas atenções na noite anterior, o dano irreparável que ele podia ter provocado. A pena que sentira dele desaparecera por completo. Mas este era o único motivo de alívio. Em todos os outros aspectos, olhando em volta ou perscrutando o futuro, ela viu mais causas para receio e apreensão.

Estava preocupada com a desilusão e a dor que Lady Russell iria sentir, as mortificações suspensas sobre as cabeças do pai e da irmã, e sentiu a angústia de prever muitos malefícios, sem saber como evitá-los. Sentiu-se muito grata por o conhecer bem. Nunca achara que tinha direito a uma recompensa por não ter desprezado uma velha amiga como a Sra. Smith, mas aqui estava uma verdadeira recompensa! A Sra. Smith conseguira contar-lhe o que ninguém mais poderia saber. Se as revelações pudessem ser divulgadas por toda a família! Mas esta era uma idéia louca. Ela precisava de falar com Lady Russell, contar-lhe, pedir-lhe conselhos; e, tendo feito o mais que podia, esperar os acontecimentos com a maior calma possível; e, afinal de contas, onde lhe faltava maior tranquilidade era naquele recanto da mente que não podia abrir a Lady Russell, naquele fluxo de ansiedades e receios que tinha de guardar só para si.

Quando chegou a casa, soube que, conforme tencionara, tinha evitado encontrar-se com o Sr. Elliot; ele viera fazer-lhe uma visita matinal; mas, mal acabara de se congratular, sentindo-se segura até ao dia seguinte, ouviu dizer que ele voltaria ao serão.

Não fazia a menor intenção de o convidar - disse Elizabeth com uma indiferença afetada -, mas ele deu tanto a entender que queria ser convidado; pelo menos, é o que a Sra. Clay diz.

É verdade. Nunca vi ninguém mostrar tanto empenho em ser convidado. Pobre homem! Tive realmente pena dele, pois a sua irmã, Menina Anne, tem o coração empedernido e parece apostada em ser cruel.

Oh! - exclamou Elizabeth. - Já estou demasiado habituada ao jogo deles para me deixar logo vencer pelas alusões de um cavalheiro. No entanto, quando vi como ele lamentava profundamente não ter encontrado o meu pai esta manhã, cedi imediatamente, pois não iria perder uma oportunidade de o aproximar de Sir Walter. Eles lucram tanto com a companhia um do outro! Comportam-se ambos de um modo tão amável! O Sr. Elliot demonstra tanto respeito!

É encantador - exclamou a Sra. Clay, não se atrevendo, contudo, a volver o olhar para Anne. - Exatamente como pai e filho! Minha querida Menina Elliot, não posso dizer pai e filho?

Oh! Eu não levanto obstáculos às palavras de ninguém. Se é essa a sua opinião...! Mas juro que ainda não reparei que as suas atenções fossem para além das dos outros homens.

Minha querida Menina Elliot! - exclamou a Sra. Clay erguendo as mãos e os olhos e afundando o resto do seu espanto num silêncio conveniente.

Bem, minha querida Penélope, não precisa de ficar tão alarmada por causa dele. Eu convidei-o, como sabe, despedi-me dele com um sorriso. Quando soube que, na realidade, ele vai passar todo o dia de amanhã com os seus amigos de Thornberry Park, tive pena dele.

Anne admirou a boa representação da amiga, que era capaz de manifestar tanto prazer na antecipação e na própria chegada da pessoa cuja presença devia, de fato, estar a interferir com o seu principal objetivo. Era impossível que a Sra. Clay não sentisse se não ódio pelo Sr. Elliot; e, no entanto, ela conseguia assumir o ar mais obsequioso e plácido do mundo e parecia contentar-se com o reduzido privilégio de se dedicar a Sir Walter apenas metade do que, de outro modo, faria.

Para Anne, foi muito penoso ver o Sr. Elliot entrar na sala; custou-lhe ainda mais quando ele se aproximou dela e lhe falou. Já antes ela costumava sentir que ele não era completamente sincero, mas agora ela via insinceridade em tudo. A sua deferência atenciosa para com o pai, contrastada com a linguagem anterior, era odiosa; e quando pensava na maneira cruel como ele se comportara para com a Sra. Smith, tornava-se difícil suportar os seus sorrisos e amabilidades atuais, ou a expressão dos seus bons sentimentos artificiais.

Ela tencionava evitar qualquer alteração no seu comportamento que provocasse um protesto por parte dele. Ela queria muito evitar quaisquer perguntas ou causar escândalo; mas decidira mostrar-se tão fria quanto a sua relação de parentesco permitia, e recuar, o mais suavemente possível, os poucos passos de intimidade desnecessária que lhe fora gradualmente concedendo. Assim, ela mostrou-se mais reservada e mais distante do que fora na noite anterior. Ele quis voltar a espicaçar a sua curiosidade acerca de como e quando ele poderia ter ouvido elogiá-la anteriormente; e desejava muito que ela lhe perguntasse; mas o encanto tinha-se quebrado; ele descobriu que, para estimular a vaidade da sua modesta prima, eram necessários o calor e a animação de uma sala pública; percebeu, pelo menos, com as tentativas a que se aventurou no meio das solicitações demasiado imperiosas dos outros, que não era possível fazê-lo nesse momento.

Ele mal sabia que era um assunto que agia, agora, exatamente contra os seus interesses, pois dirigia os pensamentos dela para as partes menos desculpáveis da sua conduta.

Ela sentiu alguma satisfação em saber que ele iria realmente ausentar-se de Bath na manhã seguinte, saindo cedo, e que estaria fora durante quase dois dias. Ele foi convidado de novo para vir a Camden Place na noite do seu regresso; mas, desde quinta-feira até sábado, a sua ausência era certa. Já era bastante desagradável ter uma Sra. Clay constantemente à sua frente; mas ter um hipócrita ainda maior no grupo parecia ser a destruição de tudo o que se assemelhava à tranqüilidade e ao conforto. Era muito humilhante pensar no engano constante em que o pai e Elizabeth viviam; considerar as várias fontes de mortificação que lhes estavam preparadas! O egoísmo da Sra. Clay não era tão complicado nem revoltante como o dele; e Anne teria transigido imediatamente com respeito ao casamento, com todos os seus inconvenientes, para se libertar das subtilezas do Sr. Elliot, ao tentar impedi-lo.

Na sexta-feira de manhã, ela tencionava ir visitar Lady Russell cedo, a fim de proceder à necessária comunicação; e teria saído imediatamente a seguir ao pequeno-almoço se a Sra. Clay não fosse também sair com o obsequioso objetivo de poupar incômodos à irmã, pelo que decidiu esperar até já não correr o perigo de se encontrar em tal companhia. Assim, despediu-se da Sra. Clay e aguardou um pouco antes de começar a falar em passar a manhã em rivers Street.

Muito bem - disse Elizabeth -, não tenho nada a enviar-lhe se não saudades. Oh! Já agora, leva aquele livro enfadonho que ela insistiu em me emprestar, para fingir que já o li. Eu não posso passar a vida a perder tempo com todos os novos poemas e documentos da nação que aparecem. Lady Russell aborrece-me com todas as suas novas publicações. Não precisas de lhe dizer, mas achei que o vestido dela na outra noite era horroroso. Eu costumava pensar que ela tinha algum gosto para se vestir, mas tive vergonha dela no concerto. Tinha um ar tão formal e artificial! E senta-se tão direita na cadeira! As minhas saudades, claro.

E as minhas - acrescentou Sir Walter. - Os meus melhores cumprimentos. E podes dizer-lhe que tenciono ir visitá-la em breve. Transmite-lhe uma mensagem delicada. Mas só vou deixar o cartão de visita. As visitas matinais nunca são oportunas para uma mulher da sua idade que se arranja tão pouco. Se ela usasse rouge, não precisaria de recear que a vissem; mas, na última vez que a visitei, vi que mandou baixar as persianas imediatamente.

Enquanto o pai falava, bateram à porta. Quem seria? Anne, recordando-se das anteriores visitas inesperadas do Sr. Elliot, julgaria que seria ele, se não soubesse que ele se encontrava a sete milhas de distância.

Após o período de expectativa habitual, ouviram-se os sons de passos habituais, e o Sr. e a Sra. Musgrove – foram introduzidos na sala. A emoção mais forte provocada pelo seu aparecimento foi a surpresa; mas Anne ficou verdadeiramente satisfeita de os ver, e os outros não ficaram tão aborrecidos que não conseguissem pôr um ar decente de boas-vindas. Mas assim que ficou claro que estes, os seus familiares mais próximos, não tinham vindo com a intenção de se instalarem naquela casa, Sir Walter e Elizabeth conseguiram ser mais cordiais e fazer muito bem as honras da casa.

Tinham vindo passar uns dias a Bath com a Sra. Musgrove, estavam hospedados no Veado Branco. Isto foi comunicado imediatamente; mas só depois de Sir Walter e Elizabeth conduzirem Mary para a outra sala de visitas, para se deliciarem com a sua admiração, é que Anne conseguiu extrair de Charles a razão exata da sua vinda, ou uma explicação para alguns sorrisos de Mary que pareciam sugerir um objetivo especial, bem como para o aparente mistério acerca de quem fazia parte do seu grupo. Ficou então a saber que o mesmo era formado pela Sra. Musgrove, Henrietta e o comandante Harville, além de eles os dois. Ele fez-lhe uma descrição simples e inteligível do que acontecera; uma narrativa em que ela viu muito do procedimento característico dos Musgrove. O plano recebera o seu primeiro impulso com o fato de o comandante Harville precisar de vir a Bath numa viagem de negócios. Ele começara a falar nisso há uma semana; e, como não tinha nada que fazer, uma vez que a época da caça tinha terminado, Charles propusera-se vir com ele; a Sra. Harville parecera gostar muito da idéia, que era vantajosa para o marido; mas Mary não podia suportar a idéia de ficar sozinha e mostrou-se tão infeliz por causa disso que, durante um dia ou dois, a viagem pareceu ficar suspensa, ou posta de lado.

Mas, nessa altura, o plano foi adotado pelo pai e pela mãe. A mãe tinha alguns velhos amigos em Bath que desejava visitar; pensou-se que seria uma boa oportunidade para Henrietta comprar o enxoval para si e para a irmã; e, em resumo, acabara por se formar um grupo dirigido pela mãe, pelo que tudo se tornara simples e confortável para o comandante Harville; e ele e Mary foram incluídos, com vantagens para todos.

Tinham chegado já tarde na noite anterior. A Sra. Harville, os filhos e o comandante Benwick tinham ficado em Uppercross com o Sr. Musgrove e Louisa. A única surpresa de Anne foi que o assunto já estivesse suficientemente adiantado para se falar no enxoval de Henrietta: ela imaginara que existiam dificuldades materiais que impediriam que o casamento se realizasse em breve; mas soube por Charles que, muito recentemente (desde a última carta que Mary lhe escrevera), um amigo pedira a Charles Hayter que tomasse conta de um lugar destinado a um jovem que só poderia ocupá-lo daí a muitos anos; e que, em vista deste rendimento atual e quase com a certeza de algo mais sólido muito antes do fim do prazo em questão, as duas famílias tinham consentido em satisfazer os desejos dos jovens, e o seu casamento deveria realizar-se dentro de alguns meses, tão brevemente quanto o de Louisa.

E é realmente um bom cargo - acrescentou Charles -, apenas a vinte cinco milhas de Uppercross e numa linda região, uma belíssima parte de Dorsetshire. No centro de algumas das mais belas contadas do reino, rodeado por três grandes proprietários, qual deles o mais cuidadoso e zeloso; e para dois deles, pelo menos, Charles Hayter pode obter uma recomendação especial. Não que ele lhes dê o merecido valor comentou ele -, Charles não gosta muito da caça. É o seu pior defeito.

Fico muito contente - exclamou Anne -, particularmente contente, por isto ter acontecido; e que duas irmãs, ambas merecedoras e que foram sempre tão amigas, não vejam as agradáveis perspectivas de uma diminuir as da outra; e que gozem de igual prosperidade e conforto. Espero que os teus pais se sintam muito felizes em relação a ambas.

Oh!, sim. O meu pai não se importaria que os cavalheiros fossem mais ricos, mas não encontra nenhum outro defeito neles. Compreendes que gastar assim dinheiro, casar duas filhas ao mesmo tempo não pode ser muito agradável, e ele vai ter de poupar em muitas coisas. No entanto, não quero dizer que elas não tenham esse direito. É justo que recebam os seus dotes como filhas; e certamente que, para mim, ele sempre tem sido um pai muito generoso e liberal. Mary não aprova muito o casamento de Henrietta. Nunca o fez, sabes. Mas ela não está a ser justa para com ele, nem considera Winthrop como esta merece. Eu não consigo fazê-la compreender o valor da propriedade. É um casamento bastante bom, nos tempos que correm; e eu sempre gostei de Charles Hayter, não vou mudar de opinião agora.

Uns pais excelentes como o Sr. e a Sra. Musgrove, exclamou Anne - devem sentir-se felizes com o casamento das filhas. Tenho a certeza de que tudo farão para que elas sejam felizes. Que sorte para as jovens encontrarem-se em tais mãos! Os teus pais parecem totalmente isentos daqueles sentimentos ambiciosos que têm conduzido a tantos desvarios e infortúnios, tanto de jovens como de velhos! Espero que Louisa já se encontre completamente restabelecida.

Ele respondeu num modo um tanto hesitante:

Sim, creio que sim... bastante restabelecida; mas ela está mudada: já não corre nem salta de um lado para o outro; não ri nem dança; está muito diferente. Se, por acaso, fechamos a porta com um pouco mais de força, ela estremece e torce-se como uma salamandra na água; e Benwick senta- se a seu lado, a ler versos ou a falar-lhe em voz baixa todo o dia.

Anne não conseguiu deixar de rir.

Isso não é muito ao teu gosto, eu sei - disse ela. – Mas eu penso que ele é um jovem excelente.

Certamente que é.. Ninguém duvida; e espero que não penses que eu sou tão mesquinho que queira que todos os homens possuam os mesmos objetivos e prazeres que eu. Eu gosto muito de Benwick; e, quando se consegue que ele fale, ele tem muito para dizer. A leitura não lhe fez mal nenhum, pois, além de ler, ele também lutou. É um sujeito corajoso. Fiquei a conhecê-lo melhor na segunda-feira passada do que em todo o tempo até então. Fizemos uma famosa investida de caça às ratazanas toda a manhã, no celeiro grande do meu pai, e ele fez a sua parte tão bem que passei a gostar mais dele.

Nesta altura, foram interrompidos pela necessidade absoluta de Charles se juntar aos outros para admirar os espelhos e as porcelanas; mas Anne tinha ouvido o suficiente para conhecer a atual situação em Uppercross e para se alegrar com a sua felicidade; e, embora suspirasse, este suspiro não continha qualquer má vontade ou inveja. Certamente que gostaria de partilhar a sua ventura, se pudesse, mas não desejava diminuir a deles.

A visita decorreu muito bem. Mary encontrava-se muito bem-disposta, encantada com a alegria e a mudança; e estava tão satisfeita com a viagem na carruagem da sogra com quatro cavalos e com o fato de estar completamente independente de Camden Place, que se encontrava exatamente com a disposição certa para admirar tudo como devia e para se aperceber imediatamente de todas as vantagens da casa quando estas lhe foram descritas em pormenor. Não tinha nada a pedir ao pai nem à irmã, e considerou-se mais importante perante os seus belos salões.

Elizabeth esteve, por um breve espaço de tempo, bastante preocupada. Ela achava que devia convidar a Sra. Musgrove e todo o seu grupo para jantar com eles, mas não conseguia suportar que aqueles que tinham sido sempre tão inferiores aos Elliot de Kellynch presenciassem a diferença no estilo de vida e a redução de criados que um jantar denunciaria. Era uma luta entre a cortesia e a vaidade; mas a vaidade levou a melhor, e Elizabeth voltou a sentir-se feliz. Estas foram as suas reflexões interiores: Noções antiquadas... hospitalidade provinciana... "nós não oferecemos jantares... poucas pessoas em Bath o fazem... Lady Alicia nunca o faz; nem sequer convidou a família da irmã, embora estivessem aqui um mês; acho que seria muito inconveniente para a Sra. Musgrove... ficaria muito longe do seu caminho. Tenho a certeza de que ela prefere não vir... não se pode sentir à vontade conosco. Convidá-los-ei a todos para um serão; isso será muito melhor... será uma novidade e um prazer. Eles nunca viram dois salões assim. Ficarão encantados por virem amanhã à noite. Será uma reunião normal... pequena, mas muito elegante." E isto satisfez Elizabeth; e, quando o convite foi feito aos dois presentes e estendido aos ausentes, Mary também ficou completamente satisfeita. Foi manifestado particular interesse em que conhecesse o Sr. Elliot e que fosse apresentada a Lady Dalrymple e à Menina Carteret, que, felizmente,já tinham sido convidadas; e não lhe podia ter sido concedida uma atenção mais gratificante.

A Menina Elliot teria a honra de visitar a Sra. Musgrove no decurso da manhã, e Anne saiu com Charles e Mary para ir visitar Henrietta imediatamente. O seu plano de ir conversar com Lady Russell teve de ser adiado.

Passaram os três em rivers Street por alguns minutos; mas Anne convenceu-se de que o adiamento por um dia da comunicação desejada não teria consequências de maior, e apressou-se a dirigir-se ao Veado Branco, para voltar a ver as amigas e companheiras do Outono anterior, com uma ansiedade e ternura que inúmeras recordações ajudavam a fomentar. Encontrou a Sra. Musgrove e a filha em casa, sozinhas, e Anne foi recebida calorosamente por ambas. Henrietta, com as perspectivas do seu futuro recentemente melhorados e a sua felicidade recente, estava cheia de atenções e cuidados para com todos aqueles de quem nunca gostara antes; e a afeição por Mrs. Musgrove tinha sido ganha pela sua utilidade quando se encontravam em dificuldades. Anne foi convidada para vir todos os dias e a qualquer hora ou, por outra, reclamaram-na como fazendo parte da família; e, em troca, começou, como era seu hábito, a prestar-lhes pequenos serviços e a ajudá-las; quando Charles as deixou, ficou a ouvir a Sra. Musgrove a contar a história de Louisa, e Henrietta a contar a sua própria história, a dar a sua opinião e a recomendar lojas; nos intervalos, ajudava Mary em tudo o que esta lhe pedia, desde mudar uma fita até acertar-lhe as contas, desde procurar-lhe as chaves e pôr as bugigangas em ordem, até tentar convencê-la de que ninguém a queria ofender; o que Mary não conseguia deixar de imaginar durante alguns momentos, embora estivesse distraída à janela a observar a entrada da sala das termas. Era de esperar uma manhã de enorme confusão. Um grupo grande num hotel provoca sempre uma cena de burburinho e agitação.

De cinco em cinco minutos, aparecia um bilhete, um embrulho. Anne ainda não estava lá há meia hora quando a sala de jantar, espaçosa como era, parecia já quase repleta. Um grupo de velhos amigos estava sentado em redor da Sra. Musgrove, e Charles voltou com os comandantes Harville e Wentworth. O aparecimento deste último não podia deixar de constituir a surpresa do momento. Ela nem se lembrara de que a chegada dos amigos comuns os voltaria a aproximar. O seu último encontro tinha sido extremamente importante, na medida em que ficara a conhecer os sentimentos dele; ela adquirira uma deliciosa convicção, mas receou, pela sua aparência, que ele mantivesse a mesma idéia infeliz que o levara a sair apressadamente da sala do concerto.

Ele não parecia querer aproximar-se dela o suficiente para conversarem. Tentou manter-se calma e deixar que as coisas seguissem o seu rumo; esforçou-se por não se esquecer deste argumento, cheio de confiança racional: Certamente, se existir um afeto constante de ambos os lados, os nossos corações acabarão por se entender dentro de pouco tempo. Não somos crianças para nos irritarmos caprichosamente, deixando-nos enganar por inadvertências sucessivas e brincando levianamente com a nossa própria felicidade. - Alguns minutos depois, porém, ela sentiu que estarem juntos nas presentes circunstâncias apenas os poderia expor a inadvertências e mal-entendidos do tipo mais prejudicial.

Anne - exclamou Mary, ainda à janela -, está ali a Sra. Clay, tenho a certeza, debaixo das colunas, acompanhada por um cavalheiro. Vi-os virar a esquina, vindos de Bath Street. Pareciam estar embrenhados na conversa. Quem é ele? Anda cá, diz-me. Deus do Céu! Eu lembro-me. É o Sr. Elliot em pessoa.

Não - exclamou Anne rapidamente -, não pode ser o Sr. Elliot. Ele deveria sair de Bath esta manhã e só regressa amanhã.

Enquanto falava, sentiu o comandante Wentworth a fitá-la, e a consciência desse fato aborreceu-a e embaraçou-a, e ela arrependeu-se de ter falado tanto, embora de uma forma tão simples. Mary, magoada por poderem pensar que ela não conhecia o seu próprio primo, começou a falar calorosamente sobre os traços de família e a protestar ainda mais vigorosamente que era o Sr. Elliot, voltando a chamar Anne para que fosse ver com os seus próprios olhos; mas Anne não tencionava mover-se, e tentou mostrar-se indiferente e desinteressada. Voltou a sentir-se aborrecida, porém, ao aperceber-se dos sorrisos e olhares maliciosos trocados entre duas ou três senhoras visitantes, como se julgassem na posse de um segredo. Era evidente que o boato a seu respeito se tinha espalhado; e sucedeu-se uma breve pausa, que pareceu garantir que o mesmo se iria espalhar ainda mais.

Anda cá, Anne - exclamou Mary -, anda ver. Se não vieres depressa, já não vens a tempo. Eles estão a despedir-se, estão a apertar as mãos. Ele está a afastar-se. Não conhecer o Sr. Elliot, com franqueza! Tu pareces ter-te esquecido completamente de Lyme.

Para tranquilizar Mary e talvez para disfarçar o seu próprio embaraço, Anne dirigiu-se lentamente à janela. Chegou mesmo a tempo de se certificar de que era realmente o Sr. Elliot (algo em que não acreditara), antes de ele desaparecer por um lado, ao mesmo tempo que a Sra. Clay se afastava rapidamente por outro; e, dominando a surpresa que não podia deixar de sentir ao ver duas pessoas de interesses tão totalmente opostos parecerem conversar tão amigavelmente, ela disse calmamente:

Sim, sem dúvida que é o Sr. Elliot. Suponho que ele deve ter alterado a hora da partida... ou eu posso ter-me enganado, não sei.

E ela voltou para a sua cadeira, recomposta, com a confortável esperança de se ter saído bem. Os visitantes despediram-se, e Charles, depois de os acompanhar delicadamente à porta, fez-lhes uma careta, insultando-os por terem vindo, e começou a falar:

Bem, mãe, fiz uma coisa por si de que vai gostar. Fui ao teatro e comprei um camarote para amanhã à noite. Não sou um bom rapaz? Eu sei como gosta de teatro; e existe espaço para todos nós. Comporta nove pessoas. E convidei o comandante Wentworth. Tenho a certeza de que Anne não se importará de nos acompanhar. Todos nós gostamos de teatro. Não fiz bem, mãe?

A Sra. Musgrove ia começar a exprimir, bem-humoradamente, a sua perfeita concordância com a ida ao teatro, se Henrietta e todos os outros quisessem ir, quando Mary a interrompeu, exclamando ansiosamente:

Deus do Céu, Charles! Como podes pensar numa coisa dessas? Comprar um camarote para amanhã à noite! Esqueceste-te de que fomos convidados para Camden Place amanhã à noite? E que fomos convidados muito especialmente para conhecermos Lady Dalrymple e a filha, e o Sr. Elliot, os nossos parentes mais importantes, de propósito para lhes sermos apresentados? Como te pudeste esquecer?

Ah! Ah! - respondeu Charles -, que é uma reunião ao serão? Não merece que nos lembremos dela. Eu acho que o teu pai, se quisesse ver-nos, podia convidar-nos para jantar. Tu podes fazer o que quiseres, mas eu vou ao teatro.

Oh! Charles, será horrível se o fizeres! Prometeste ir!

Não, não prometi. Só esbocei um sorriso, curvei-me e disse a palavra – feliz- . Não fiz qualquer promessa.

Mas tens de ir, Charles. Seria imperdoável faltar. Fomos convidados de propósito para sermos apresentados. Houve sempre uma grande ligação entre os Dalrymples e nós. Nunca aconteceu nada de parte a parte que não fosse comunicado imediatamente. Somos familiares muito próximos, sabes?, e o Sr. Elliot também... que devias particularmente conhecer! O Sr. Elliot merece toda a atenção. Pensa bem, o herdeiro, o futuro representante da família.

Não me fales em herdeiros e representantes – exclamou Charles. - Eu não sou daqueles que desprezam o poder reinante para se curvarem perante o sol-nascente. Se eu não vou por atenção ao teu pai, acho escandaloso ir por causa do seu herdeiro. Esta expressão desrespeitosa deu vida a Anne, que viu que o comandante Wentworth estava muito atento, olhando e escutando com toda a concentração, e que as últimas palavras desviaram os seus olhos perscrutadores de Charles para si própria.

Charles e Mary continuavam a falar no mesmo estilo; ele, meio sério, meio a brincar, mantendo o plano de ir ao teatro; e ela, invariavelmente séria, opondo-se-lhe calorosamente, não se esquecendo de dar a conhecer que, embora estivesse decidida a ir a Camden Place, se consideraria muito desconsiderada se fossem ao teatro sem ela. A Sra. Musgrove interrompeu:

É melhor adiares, Charles. Charles, é melhor voltares lá e alterares o camarote para terça- feira. Seria uma pena ficarmos divididos, e perderíamos também a companhia da Menina Anne, se há uma reunião em casa do pai; e eu tenho a certeza de que nem eu nem Henrietta apreciaríamos a peça se a Menina Anne não fosse conosco. Anne sentiu-se verdadeiramente grata por tanta gentileza; e ainda mais pela oportunidade que lhe proporcionou de dizer com firmeza:

Se dependesse apenas da minha vontade, minha senhora, a reunião em minha casa não constituiria o menor impedimento, a não ser por causa de Mary. Esse tipo de reunião não me dá qualquer prazer, e sentir-me-ia muito feliz por poder trocá-la por uma peça, sobretudo na sua companhia. Mas talvez seja melhor não o fazer.

Ela tinha falado; mas, quando acabou, tremia, consciente de que as suas palavras eram escutadas e não se atrevendo a observar o seu efeito. Pouco depois, todos concordaram que terça- feira seria o dia indicado. Apenas Charles se aproveitou da ocasião para arreliar a mulher, insistindo em que iria ao teatro no dia seguinte, mesmo que mais ninguém fosse.

O comandante Wentworth levantou-se do seu lugar e foi até à lareira; provavelmente para se afastar pouco depois e se aproximar, de um modo menos óbvio, de Anne.

Ainda não se encontra em Bath há tempo suficiente – disse ele - para apreciar os seus serões locais.

Oh, não! O seu caráter habitual não me interessa. Eu não gosto de jogar às cartas.

Antigamente não gostava, eu sei. Não gostava de cartas; mas o tempo muda tanta coisa...

Eu não mudei muito - exclamou Anne, calando-se imediatamente, com receio de ser mal interpretada.

Depois de esperar alguns momentos, ele disse, como se as palavras resultassem dos seus sentimentos:

É realmente muito tempo! Oito anos e meio é muito tempo! Se ele teria dito mais alguma coisa era uma questão que ficaria entregue à imaginação de Anne para ela refletir numa hora mais tranqüila; pois, enquanto ainda escutava o som das suas palavras, foi despertada para outros assuntos por Henrietta, ansiosa por aproveitar aquele intervalo para saírem e incitando os companheiros à não perderem tempo, antes que aparecesse mais alguém. Viram-se - obrigados a mover-se. Anne disse que estava pronta e tentou parecê-lo; mas sentia que, se Henrietta soubesse com que pena e relutância ela se levantou da cadeira e saiu da sala, ela teria encontrado, nos seus próprios sentimentos pelo primo e na certeza do seu afeto, razão para ter pena dela.

Os seus preparativos, porém, tiveram de ser suspensos. Ouviu-se um barulho alarmante; apareceram outras visitas, e a porta foi aberta de par em par para Sir Walter e a Menina Elliot, cuja entrada pareceu gelar toda a gente.

Anne sentiu uma opressão imediata e, para onde quer que olhasse, via sintomas idênticos. O bem-estar, a liberdade, a alegria da sala desapareceram, substituídos por uma compostura fria, um silêncio voluntário ou conversas insípidas, condizentes com a elegância gélida do pai e da irmã. Que mortificação sentir que assim era!

O seu olhar ansioso ficou satisfeito num ponto. Ambos dera sinal de reconhecer o comandante Wentworth, Elizabeth mais graciosamente do que antes. Ela até se dirigiu uma vez a ele, olhou para ele mais de uma vez. Elizabeth estava, de fato, a refletir sobre um ponto importante. O que se seguiu explicou-o. Depois de perder alguns minutos a dizer as futilidades necessárias, ela começou a fazer o convite que iria incluir os restantes Musgrove.

Amanhã à noite, para conhecer alguns amigos. Nada de muito formal.

Foi tudo dito com muita gentileza, e os cartões - A Menina Elliot recebe em casa - que mandara fazer para si própria foram colocados em cima da mesa com um sorriso cortês que os abrangeu a todos, e um sorriso e um cartão dirigidos especialmente ao comandante Wentworth. A verdade era que Elizabeth estava já há tempo suficiente em Bath para compreender a importância de um homem com um ar e um aspecto como os dele. O passado já não contava. O presente era que o comandante Wentworth ficaria muito bem na sua sala de visitas.

Depois de o cartão ter sido entregue, Sir Walter e Elizabeth levantaram-se e desapareceram. A interrupção fora curta, mas de efeito grave; e, quando a porta se fechou atrás deles, o à-vontade e a animação voltaram à maior parte dos que ficaram, mas não a Anne. Ela só conseguia pensar no convite que tinha presenciado com tamanho espanto; e no modo como ele fora recebido, um ar de significado dúbio, mais de surpresa do que de prazer, mais de delicado agradecimento do que de aceitação.

Ela conhecia-o; viu o desdém nos seus olhos, e não se atrevia a acreditar que ele decidira aceitar esta oferta como expiação pela insolência do passado. A sua animação desapareceu. Depois de eles saírem, ele ficou com o cartão na mão como se estivesse a refletir sobre ele.

Imaginem, Elizabeth a incluir toda a gente! – murmurou Mary de um modo bem audível. - Não admira que o comandante Wentworth esteja encantado! Repara como ele não larga o cartão.

Anne encontrou-lhe o olhar, viu o seu rosto corar e a boca formar, momentaneamente, uma expressão de desprezo, e voltou-se para não ver nem ouvir mais nada que a atormentasse. O grupo separou-se. Os cavalheiros tinham as suas próprias ocupações, as senhoras foram tratar dos seus assuntos e não voltaram a encontrar-se enquanto Anne esteve na sua companhia.

Foi-lhe pedido insistentemente que voltasse para almoçar e passasse com eles o resto do dia; mas a sua disposição tinha sido posta tanto à prova que, de momento, ela se sentia incapaz de se mover e só tinha vontade de ficar em casa, onde sabia poder guardar o silêncio que quisesse. Prometendo passar com eles toda a manhã do dia seguinte, encerrou as fadigas da presente com um passeio fatigante até Camden Place, onde passou quase todo o serão a escutar os afadigados preparativos de Elizabeth e da Sra. Clay para a reunião do dia seguinte, a freqüente enumeração das pessoas convidadas, os pormenores, constantemente relatados, de todos os embelezamentos que a tornariam a mais elegante do seu gênero em Bath, ao mesmo tempo que se atormentava em segredo com a incessante dúvida sobre se o comandante Wentworth viria ou não. Elas estavam seguras de que ele viria, mas, para ela, era uma interrogação insistente que não conseguia acalmar por mais de cinco minutos. De um modo geral, pensava que ele não viria, porque, de um modo geral, pensava que ele devia vir; mas era um caso que ela não conseguia conceber como um mero ato de dever ou cortesia, com tanta segurança que pudesse inevitavelmente desafiar as sugestões de sentimentos bem opostos.

Apenas despertou das meditações sombrias desta agitação inquieta para dizer à Sra. Clay que ela fora vista com o Sr. Elliot três horas depois das que se supunham ter ele saído de Bath; como esperara em vão que ela própria se referisse ao encontro, decidiu mencioná-lo e, enquanto falava, pareceu-lhe ver uma expressão de culpa no rosto da Sra. Clay. Foi uma sombra passageira, desapareceu num instante, mas Anne julgou perceber que ela, devido querer dá uma complicação dos estratagemas mútuos quer à autoridade dominadora dele, fora obrigada a escutar, possivelmente durante meia hora, os seus sermões e restrições a respeito dos seus desígnios sobre Sir Walter.

Ela exclamou, porém, com uma imitação tolerável de naturalidade:

Oh! Sim, é verdade. Imagine, Menina Elliot, para grande surpresa minha, encontrei o Sr. Elliot em Bath Street! Nunca me senti mais admirada. Ele voltou atrás e foi comigo até à Pump Yard. Houve qualquer coisa que o impediu de partir para Thornberry, mas não me lembro o quê, pois eu estava com pressa e não podia prestar-lhe muita atenção, e só posso afirmar que ele estava decidido a não atrasar o regresso. Ele queria saber a que horas poderia vir amanhã. Só falava em amanhã. É evidente que eu também só penso nisso desde que cheguei a casa e tive conhecimento de todo o seu plano e tudo o que aconteceu, se não me teria esquecido tão completamente de que o tinha visto.

 

 Capítulo Vinte e três

Tinha-se passado apenas um dia desde a conversa de Anne com a Sra. Smith; mas um assunto de maior interesse tinha surgido, e a conduta do Sr. Elliot afetava-a tão pouco agora, exceto pelos seus efeitos num determinado sentido, que lhe pareceu normal, na manhã seguinte, adiar a visita explanatória a Rivers Street. Ela prometera estar com os Musgrove desde o pequeno-almoço até ao almoço. Empenhara a sua palavra, e o caráter do Sr. Elliot, tal como a cabeça da sultana Scheherezade, viveria mais um dia.

Mas ela não conseguiu chegar pontualmente ao seu encontro; o tempo estava desagradável, e Anne ficara aborrecida com a chuva por causa da amiga e aborreceu-se ainda por causa de si própria, antes de conseguir pôr-se a caminho. Quando chegou ao Veado Branco e se dirigiu ao apartamento certo, descobriu que nem chegara a tempo nem fora a primeira a chegar.

O grupo que chegara antes de si era composto pela Sra. Musgrove, que conversava com a Sra. Croft, pelo comandante Harville com o comandante Wentworth, e ouviu imediatamente que Mary e Henrietta, demasiado impacientes para conseguirem esperar, tinham saído assim que parara de chover mas voltariam dentro em breve, e a Sra. Musgrove tinha recebido instruções categóricas para a manterem ali até elas regressarem.

Restou-lhe obedecer, sentar-se, exteriormente tranquüila, e sentiu-se mergulhar imediatamente em toda a agitação com que não contara antes do fim da manhã. Não houve qualquer demora ou perda de tempo. Sentiu-se de imediato profundamente feliz em tal infelicidade, ou na infelicidade de tal felicidade. Dois minutos depois de ela entrar na sala, o comandante Wentworth disse:

Podíamos escrever a carta de que estávamos a falar, Harville, se me dessem os apetrechos. Os apetrechos estavam à mão, numa escrivaninha separada; ele dirigiu-se a ela e, quase voltando as costas a todos eles, ficou absorto na escrita. A Sra. Musgrove estava a contar à Sra. Croft a história do noivado da filha mais velha, e fazia-o naquele inconveniente tom de voz que, embora fingisse ser um murmúrio, se ouvia perfeitamente.

Anne sentiu que não tomava parte na conversa e, no entanto, como o comandante Harville parecia pensativo e com pouca vontade de conversar, ela não conseguiu deixar de ouvir alguns pormenores desagradáveis, tais como - o Sr. Musgrove e o meu irmão Hayter encontraram-se muitas vezes para conversar sobre o assunto; o que o meu irmão Hayter tinha dito um dia, o que o Sr. Musgrove propusera no seguinte, e o que ocorrera à minha irmã Hayter, e o que os jovens tinham querido, e aquilo com que eu, a princípio, disse que nunca concordaria, mas mais tarde fui persuadida a concordar - , e muito mais coisas no mesmo estilo de comunicação aberta, minúcias que, mesmo com gosto e delicadeza, a Sra. Musgrove nunca poderia dar, poderia ser altamente interessante para as partes mais interessadas. A Sra. Croft participava com muito humor, e, quando falava, fazia-o com grande sensatez.

Anne tinha esperança de que todos os cavalheiros estivessem demasiado entretidos para ouvir a conversa.

E assim, minha senhora, considerando todas estas coisas ' - disse a Sra. Musgrove no seu potente murmúrio -, e embora pudéssemos desejar que as coisas se passassem de modo diferente, não achamos que fosse justo manter-nos de parte por mais tempo. Charles Hayter estava entusiasmadíssimo, e Henrietta estava quase na mesma; e, por isso, pensamos que era melhor que se casassem imediatamente e se arranjassem o melhor que pudessem, como tantos outros fizeram antes deles. De qualquer modo, disse eu, será melhor do que um noivado longo.

Era isso precisamente o que eu ia dizer - exclamou a Sra. Croft. - Acho preferível os jovens casarem-se imediatamente com um rendimento pequeno e terem de lutar juntos contra algumas dificuldades a verem-se envolvidos num noivado longo. Eu sempre achei que um mútuo...

Oh!, minha querida Sra. Croft- exclamou a Sra. Musgrove, incapaz de a deixar terminar a frase -, não existe nada tão abominável para os jovens como um noivado comprido. Sempre detestei isso para os meus filhos. Está tudo muito bem, costumo eu dizer, que os jovens se tornem noivos, desde que tenham a certeza de que poderão casar passados seis meses, ou mesmo doze, mas agora um noivado longo!

Claro, querida senhora - disse a Sra. Croft-, ou um noivado incerto, um noivado que pode ser longo. Para já, sem se saber se na altura haverá condições para o casamento, parece-me muito desaconselhável e insensato e acho que todos os pais devem evitá-lo o mais que puderem.

Anne encontrou nestas palavras um interesse inesperado. Sentiu que se aplicavam a si própria, sentiu-se percorrida por um estremecimento nervoso, e, ao mesmo tempo que os seus olhos se voltavam instintivamente para a escrivaninha distante, a pena do comandante Wentworth deixou de se mover; ele ergueu a cabeça, fez uma pausa, escutou e olhou em volta no instante seguinte para lhe lançar um olhar fugaz e consciente. As duas senhoras continuaram a conversar, a reiterar as mesmas verdades conhecidas e a reforçá-las com exemplos dos efeitos adversos de procedimentos contrários que tinham observado, mas Anne não ouviu nada distintamente, era apenas um zumbido aos seus ouvidos, a sua mente era um turbilhão.

O comandante Harville, que, na verdade, não tinha ouvido nada, levantou-se e dirigiu-se a uma janela; ao ver que Anne parecia estar a olhar para ele, embora o fitasse apenas por distração, percebeu pouco a pouco que ele a convidava para se juntar a ele. Ele olhava-a com um sorriso e um pequeno movimento de cabeça que pareciam querer dizer: - Venha ter comigo, tenho algo para lhe dizer - ; e a amabilidade simples dos seus modos, que denotava os sentimentos de um conhecimento mais antigo do que de fato era, reforçou o convite. Ela levantou-se e dirigiu-se a ele. A janela junto da qual ele se encontrava estava situada no extremo da sala oposto ao local em que as senhoras estavam sentadas e, embora estivesse mais próxima da escrivaninha do comandante Wentworth, não estava muito perto desta. O rosto do comandante Harville readquiriu a expressão séria e pensativa que lhe era habitual.

Olhe aqui - disse ele, desembrulhando um pacote que tinha na mão e mostrando uma pequena miniatura pintada -, sabe quem é?

Com certeza, é o comandante Benwick.

Sim, e também pode adivinhar a quem se destina. Mas acrescentou numa voz grave - não foi feita para ela. Menina Elliot, recorda-se de passearmos em Lyme e de nos afligirmos por causa dele? Mal pensava eu então... mas não importa. Esta miniatura foi feita no Cabo. Ele conheceu um jovem e inteligente artista alemão e, para cumprir uma promessa feita à minha pobre irmã, pousou para ele, e trazia o retrato para ela. E agora fui encarregado de o mandar emoldurar para outra! Pediu-me a mim! Mas a quem mais havia ele de se dirigir? Espero poder fazê-lo bem. Na verdade, estou satisfeito por passá-lo a outra pessoa. Ele vai encarregar-se do assunto, olhou na direção do comandante Wentworth -, ele está a escrever sobre isso neste momento. - E, com lábios trêmulos, resumiu o seu pensamento, acrescentou: - Pobre Fanny! Ela não o teria esquecido tão depressa!

Não - respondeu Anne, numa voz baixa e sentida. - Isso eu acredito.

Não estava na sua natureza. Ela adorava-o.

Isso não estaria na natureza de qualquer mulher que amasse verdadeiramente. O comandante Harville sorriu, como se quisesse dizer:

Diz isso do seu sexo?

E ela respondeu, sorrindo também:

Digo. Nós certamente que não vos esquecemos tão depressa como vocês nos esquecem. Isso é talvez o nosso destino, e não o nosso mérito. Não conseguimos evitá-lo. Nós vivemos em casa, sossegadas, confinadas e os nossos sentimentos perseguem-nos. Os homens são obrigados a ter uma atividade. Têm sempre uma profissão, interesses, negócios de um tipo ou de outro, para os levar imediatamente de volta para o mundo e a ocupação e a alteração constantes depressa diminuem qualquer depressão.

Mesmo admitindo que a sua afirmação de que as ocupações mundanas dos homens conseguem tudo seja verdadeira, o que eu, porém, acho que não admito, isso não se aplica a Benwick. Ele não teve de exercer nenhuma atividade. A paz colocou-o em terra nesse preciso momento, e ele tem vivido conosco, no nosso pequeno círculo familiar, desde então.

É verdade - disse Anne -, muito verdade, não me lembrava; mas que poderemos dizer agora, comandante Harville? Se a mudança não foi provocada por circunstâncias exteriores, então deve ter-lhe vindo do íntimo, deve ter sido a natureza, a natureza do homem, que agiu no caso do comandante Benwick.

Não, não, não é a natureza do homem. Eu não vou concordar que esteja mais na natureza do homem do que no da mulher ser inconstante e esquecer os que amam ou amaram. Acredito no contrário. Eu acredito numa verdadeira analogia entre a nossa estrutura física e mental; e, como o nosso corpo é mais forte, os nossos sentimentos também o são, capazes de suportar as mais rudes privações e de sobreviver a terríveis tempestades.

Os vossos sentimentos podem ser mais fortes – respondeu Anne -, mas o mesmo espírito de analogia permite-me assegurar que os nossos são mais delicados. O homem é mais robusto que a mulher, mas não vive mais tempo; o que explica exatamente o meu ponto de vista em relação aos afetos. Não, seria demasiado duro para vós se fosse de outra maneira. Vós tendes de lutar contra dificuldades, privações e perigos suficientes. Estais sempre a trabalhar e a labutar, expostos a todos os riscos e privações. Abandonais tudo: lar, país e amigos. Não podeis chamar vosso: ao tempo, à saúde ou à vida. Seria realmente demasiado duro- concluiu ela com voz tremula - se a tudo isso fossem adicionados sentimentos femininos.

Nós nunca havemos de chegar a um acordo neste ponto, começou o comandante Harville a dizer quando um ligeiro ruído atraiu a atenção dos dois para a parte da sala em que o comandante Wentworth se encontrava e que estivera, até então, perfeitamente silenciosa. Fora simplesmente a pena que caíra, mas Anne estremeceu ao ver que ele estava mais próximo do que supusera e sentiu-se meio inclinada a desconfiar de que a pena caíra porque ele se distraíra com eles, tentando ouvir o que diziam; ela achava, porém, que ele não poderia ter ouvido.

Acabaste a carta? - perguntou o comandante Harville.

Ainda não, faltam algumas linhas. Acabarei dentro de cinco minutos.

Pela minha parte, não há pressa. Estarei pronto quando quiseres. Estou muito bem aqui - (sorrindo para Anne) -, bem provido e com tudo o que desejo. Não tenho pressa de qualquer sinal. Bem, Menina Elliot - prosseguiu ele baixando a voz -, como eu estava a dizer, suponho que nunca vamos estar de acordo a este respeito. Provavelmente, nenhum homem ou mulher estaria. Mas deixe-me fazer-lhe notar que todas as histórias estão contra si, todas as histórias, em prosa e em verso. Se eu tivesse uma memória como Benwick, conseguiria, neste momento, apresentar-lhe cinqüenta citações a favor do meu argumento, e acho que nunca abri um livro na minha vida que não tivesse algo a dizer sobre a inconstância das mulheres. Todas as canções e provérbios falam da volubilidade da mulher. Mas talvez me diga que foram todos escritos por homens.

Talvez diga. Sim, sim, por favor, nada de referências a exemplos em livros. Os homens têm todas as vantagens sobre nós, ao contarem as suas histórias. Eles têm usufruído de muito mais instrução; a pena tem estado nas suas mãos. Eu não vou permitir que os livros provem nada.

Mas como vamos provar alguma coisa?

Nunca o faremos. Jamais poderemos provar alguma coisa sobre esse ponto. É uma diferença de opinião que não admite prova. Ambos começamos provavelmente com uma ligeira parcialidade a favor do nosso sexo e, com base nessa parcialidade, construímos todas as circunstâncias a seu favor que ocorreram dentro do nosso círculo; muitas dessas circunstâncias, talvez os casos que mais nos impressionam, podem ser exatamente os que não conseguem ser apresentados sem trairmos uma confidência ou, nalgum aspecto, dizermos o que não deveria ser dito.

Ah! - exclamou o comandante Harville num tom de forte emoção -, se eu pudesse, ao menos, fazê-la compreender o que um homem sofre quando vê, pela última vez, a mulher e os filhos e fica a olhar para o barco em que os mandou embora até o perder de vista e depois se vira e diz: Só Deus sabe se nos voltaremos a encontrar. - E, depois, se eu pudesse transmitir-lhe a felicidade da sua alma quando volta a vê-los; quando, ao regressar de uma ausência de talvez doze meses, é obrigado a parar noutro porto, ele calcula a rapidez com que será possível trazê-los até ali, finge enganar-se, dizendo:

Eles só cá podem chegar em tal dia - , mas sempre com a esperança de que cheguem doze horas mais cedo; e, ao vê-los chegar, finalmente, como se o céu lhes tivesse dado asas, muitas horas antes... Se eu lhe pudesse explicar tudo isto e tudo o que um homem pode suportar ou fazer, e se orgulha de fazer, por aqueles tesouros da sua existência! Refiro-me apenas aos homens que têm coração! - E, emocionado, ele apertava o seu.

Oh! - exclamou Anne entusiasticamente -, eu espero ser justa para com tudo o que sente e para com aqueles que se parecem consigo. Deus me defenda de menosprezar os sentimentos afetuosos e fiéis de quaisquer dos meus semelhantes. Seria merecedora do mais completo desprezo se me atrevesse a supor que o verdadeiro afeto e a constância são apanágio apenas das mulheres. Não, eu acredito que sois capazes de tudo o que ‚ grandioso e bom na vossa vida matrimonial. Acredito que sois capazes de fazer qualquer esforço importante e qualquer sacrifício pessoal desde que... se me permitis a expressão, desde que tenhais um objetivo. Quero dizer, enquanto a mulher que amais é viva e viva para vós. O privilégio que reclamo para o meu sexo... não é muito invejável, não precisais de o cobiçar... É o de amar mais tempo, quando a existência ou a esperança já desapareceram. Ela não conseguiria dizer, de imediato, outra frase; sentia-se demasiado emocionada e a sua respiração estava demasiado ofegante.

A menina é uma boa alma - exclamou o comandante Harville colocando-lhe a mão afetuosamente no braço. - Não é possível discutir consigo. E, quando penso em Benwick, fico sem palavras.

Os outros reclamaram a sua atenção. A Sra. Croft estava a despedir-se.

Agora, Frederick, creio que nos vamos embora - disse ela. Eu vou para casa, e tu tens um encontro com o teu amigo. Esta noite teremos o prazer de nos encontrar todos em sua casa (voltando-se para Anne).

Recebemos o cartão da sua irmã ontem, e creio que Frederick também recebeu um, embora eu não o tenha visto... e tu não tens nenhum compromisso, Frederick, pois não, tal como nós?

O comandante Wentworth estava a dobrar apressadamente uma carta, e não podia ou não queria dar uma resposta decisiva.

Sim - disse ele -, é verdade; separamo-nos aqui; mas eu e Harville depressa iremos ter contigo, isto é, Harville, se estiveres pronto, eu estarei daqui a meio minuto. Eu sei que não te importas de te ir embora. Estarei ao teu dispor daqui a meio minuto.

A Sra. Croft despediu-se, e o comandante Wentworth, depois de ter selado a carta com grande rapidez, estava realmente pronto e tinha até um ar apressado, agitado, que denotava impaciência em ir-se embora. Anne não sabia o que pensar.

O comandante Harville despediu-se muito amavelmente: - Bom dia, bem haja! - mas ele não disse nada, nem sequer olhou para ela. Saiu da sala sem a olhar! Ela só teve tempo, contudo, de se aproximar da escrivaninha onde ele estivera a escrever, quando se ouviram passos; a porta abriu- se; era ele.

Ele pediu desculpa, mas tinha-se esquecido das luvas, e atravessou imediatamente a sala até à escrivaninha e, colocando-se de costas para a Sra. Musgrove, tirou uma carta de debaixo do papel espalhado, colocou-a em frente de Anne, fitando-a por um momento com um olhar brilhante de súplica, pegou rapidamente nas luvas e voltou a sair da sala, quase antes de a Sra. Musgrove ter reparado que ele ali estava, tudo se passou num instante.

A agitação que apenas um instante provocou em Anne foi quase inexprimível. A carta, endereçada, numa letra quase ilegível, a “Menina A. E." era obviamente a que ele dobrara com tanta pressa. Enquanto estava, supostamente, a escrever ao comandante Benwick, ele escrevera- lhe também a ela. Tudo o que o mundo podia fazer por ela, dependia do conteúdo daquela carta! Tudo era possível, e era preferível desafiar tudo a continuar na expectativa.

A Sra. Musgrove tinha algumas coisas a preparar na sua mesa; ela devia confiar na sua proteção e, deixando-se cair na cadeira que ele ocupara, sucedeu-lhe no mesmo lugar onde se debruçara a escrever, e os seus olhos devoraram as seguintes palavras:

 

"Já não consigo escutar em silêncio. Tenho de lhe falar pelos meios ao meu alcance. Anne transpassa- me a alma. Sinto-me entre a agonia e a esperança. Não me diga que é demasiado tarde, que sentimentos tão preciosos morreram para sempre.

Declaro-me novamente a si com um coração que é ainda mais seu do que quando o despedaçou há oito anos e meio.

Não diga que o homem esquece mais depressa que a mulher, que o amor dele morre mais cedo. Eu não amei ninguém, se não a ti. Posso ter sido injusto, posso ter sido fraco e rancoroso, mas nunca inconstante. Vim a Bath unicamente por sua causa. Os meus pensamentos e planos são todos para si.

Não reparou nisso? Não percebeu dos meus desejos? Se eu tivesse conseguido ler os seus sentimentos, como creio que deve ter decifrado os meus, não teria esperado estes dez dias. Mal consigo escrever. A todo o momento estou a ouvir uma coisa que me emociona. Anne baixa a voz, mas eu consigo ouvir os tons dessa voz, mesmo quando os outros não conseguem.

Criatura demasiada boa, demasiada pura! Faz-nos, de fato, justiça, ao acreditar que os homens são capazes de um verdadeiro afeto e uma verdadeira constância. Creia que esta é fervorosa e firme no F. W. Tenho de ir, inseguro quanto ao meu futuro; mas voltarei, ou seguirei o seu grupo, logo que possível. Uma palavra, um olhar será o suficiente para decidir se irei à casa do seu pai esta noite, ou nunca.

 

Depois da leitura desta carta, era impossível recompor-se rapidamente. Ao fim de meia hora de solidão e meditação, talvez se tivesse sentido mais calma; mas os dez minutos que decorreram até ser interrompida, juntamente com a necessidade de se conter, não podiam ser suficientes para a acalmar. Pelo contrário, cada momento trazia uma nova onda de agitação. Era uma felicidade esmagadora. E, antes de ter ultrapassado a primeira fase de intensa emoção, chegaram Charles, Mary e Henrietta.

A necessidade absoluta de não parecer diferente do habitual produziu uma luta interior imediata; mas, ao fim de algum tempo, já não conseguia fazê-lo. Começou a não compreender uma única palavra do que eles diziam e foi obrigada a alegar que estava indisposta e a pedir desculpa.

Eles viram então que ela parecia muito doente – ficaram chocados e preocupados e recusaram-se a sair dali sem ela. Isto foi terrível! Se ao menos eles se fossem embora e a deixassem sossegada, sozinha naquela sala, isso teria constituído a sua cura; mas tê-los todos de pé à sua volta incomodava-a, e, por fim, desesperada, disse que ia para casa.

Com certeza, minha querida - exclamou a Sra. Musgrove -, vá já para casa e trate-se, para estar bem logo à noite. Quem me dera que Sarah estivesse aqui para a tratar, mas eu não sou boa enfermeira. Charles vai mandar vir uma carruagem. Ela não deve ir a pé.

Mas ela não queria uma carruagem. Seria pior que tudo! A idéia de perder a possibilidade de dizer duas palavras ao comandante Wentworth no decurso do seu passeio calmo e solitário pela cidade - tinha quase a certeza de que iria encontrar-se com ele - era insuportável. Assim, protestou energicamente contra a carruagem; e a Sra. Musgrove, que pensava apenas num tipo de doença, tendo-se certificado, com alguma ansiedade, de que neste caso não houvera queda; de que Anne não tinha, recentemente, escorregado e batido com a cabeça; convencendo-se, finalmente, de que não houvera qualquer queda, despediu-se dela bem-disposta e disse que esperava encontrá-la melhor à noite. Ansiosa por não descurar qualquer possível precaução, Anne fez um esforço e disse:

Receio, minha senhora, que não esteja tudo bem esclarecido. Peço-lhe que tenha a bondade de dizer aos outros cavalheiros que esperamos ver todo o grupo esta noite. Receio que tenha havido algum engano e gostaria que garantisse particularmente ao comandante Harville e ao comandante Wentworth que esperamos vê-los, a ambos, esta noite.

Oh, minha querida, está tudo bem claro, dou-lhe a minha palavra. O comandante Harville não pensa, se não em ir.

Acha que sim? Mas eu tenho medo, e teria tanta pena! Promete que lhes fala nisso quando os voltar a ver? Certamente que os vai ver outra vez esta manhã. Promete?

Com certeza, se quiser que o faça. Charles, se vires o comandante Harville em qualquer lado, lembra-te de lhe transmitir a mensagem de Anne. Mas, na verdade, minha querida, não precisa de se preocupar. O comandante Harville considera a noite comprometida, garanto-o e o mesmo se passa com o comandante Wentworth, creio.

Anne não podia fazer mais nada; mas o seu coração profetizava-lhe qualquer mal-entendido que iria estragar a perfeição da sua felicidade. Mas isso não duraria muito, porém. Mesmo que ele próprio não fosse a Camden Place, ela poderia enviar-lhe, pelo comandante Harville, uma frase inteligível.

Ocorreu ainda outro contratempo. Charles, na sua bondade e verdadeiramente preocupado com ela, quis acompanhá-la até casa; não era possível evitá-lo. Isto era quase cruel! Mas ela não podia mostrar-se ingrata por muito tempo; ele estava a sacrificar um compromisso num armeiro para lhe ser prestável e, assim, ela partiu com ele, sem outro sentimento aparente além da gratidão.

Estavam na Union Street quando um passo mais apressado atrás deles, um som familiar, lhe deu dois momentos de preparação para o aparecimento do comandante Wentworth. Este se aproximou deles; mas, indeciso se deveria seguir com eles ou prosseguir sozinho, não disse nada, limitou-se a olhar. Anne conseguiu dominar-se o suficiente para receber aquele olhar sem constrangimento. As faces que tinham estado pálidas coraram, e os movimentos que tinham sido hesitantes tornaram-se decididos. Ele caminhou ao lado dela. Subitamente, tomado por um pensamento, Charles disse:

Capitão Wentworth, em que direção vai? Só até Gay Street ou mais para cima?

Nem sei bem - foi a resposta do capitão Wentworth, surpreendido.

Vai até Belmont? Perto de Camden Place? Porque, se vai, não terei escrúpulos em lhe pedir que tome o meu lugar e acompanhe Anne até casa. Ela está cansada esta manhã e não deve ir tão longe sem companhia. E eu devia estar na loja daquele sujeito no mercado. Ele prometeu mostrar- me uma arma estupenda que vai enviar para fora; disse que a manteria desempacotada até ao último momento, só para eu a ver; e, se eu não voltar para trás agora, não tenho a mínima possibilidade. Pela descrição dele, é muito semelhante à minha arma de dois canos que levei um dia à caça nos arredores de Winthrop.

Não podia haver objeção. Em público, só podia haver uma alegria comedida, uma amável aquiescência; e sorrisos contidos e uma excelente disposição que disfarçavam a enorme felicidade interior.

Meio minuto depois, Charles encontrava-se de novo ao fundo da Union Street, e os outros dois prosseguiram no caminho juntos; e, pouco depois, tinham trocado palavras suficientes para decidirem dirigir-se para a calçada relativamente mais calma e retirada, onde a possibilidade de conversarem tornaria esta hora uma verdadeira dádiva celestial, preparando-a para a imortalidade que as mais felizes recordações das suas vidas futuras lhe pudessem conceder.

Ali, trocaram eles de novo aquelas juras e promessas que outrora pareceram assegurar-lhes tudo, mas que tinham sido seguidas de tantos, tantos anos de separação e indiferença. Ali regressaram eles ao passado, mais intensamente felizes, talvez, na sua nova união, do que quando esta fora projetada pela primeira vez; mais meigos, mais experimentados, mais seguros do conhecimento do caráter, da sinceridade e do afeto um do outro; mais capazes de agir, com mais motivo para agir. E ali, enquanto subiam lentamente a colina, alheios aos grupos que os rodeavam, não vendo nem os políticos que por ali vagueavam, nem as governantas azafamadas, nem as meninas que namoravam, nem amas nem crianças, puderam entregar-se às recordações e principalmente às explicações do que precedera imediatamente o momento presente, as quais tinham um interesse tão intenso e tão infindável. Relembraram todas as pequenas ocorrências da última semana; e as do dia anterior e desse dia pareciam não ter fim.

Ela não se tinha enganado a respeito dele. Os ciúmes do Sr. Elliot tinham funcionado como o peso retardador, a dúvida, o tormento. Estes tinham começado assim que se encontraram pela primeira vez em Bath; tinham voltado, após uma breve interrupção, para estragar o concerto; e tinham-no influenciado em tudo o que ele dissera e fizera, ou deixara de dizer ou fazer durante as últimas vinte e quatro horas. Eles tinham cedido, a pouco e pouco, perante a esperança que os olhares dela, as suas palavras ou ações ocasionalmente encorajavam; tinham sido finalmente vencidos pelos sentimentos e palavras que tinham chegado até ele enquanto ela falava com o comandante Harville e, num impulso irresistível, ele resolvera agarrar numa folha de papel e declarar os seus sentimentos. Aquilo que tinha escrito, não havia nada a alterar ou desdizer. Ele insistia que não amara ninguém a não ser ela. Ela nunca fora suplantada. Ele achava que nunca vira ninguém igual a ela. Isso era obrigado a admitir - que fora constante inconscientemente, ou, por outra, sem tencionar sê-lo; fizera por esquecê-la e achava que o fizera.

Imaginara-se indiferente, quando só estava zangado; e tinha sido injusto para com as suas qualidades porque sofrera por causa delas. Agora, considerava o caráter dela como a própria perfeição, mantendo o mais encantador equilíbrio entre a coragem e a ternura; mas era obrigado a reconhecer que só em Uppercross é que aprendera a fazer-lhe justiça, e só em Lyme começara a conhecer-se a si próprio. Em Lyme, recebera lições de vários tipos. A admiração momentânea do Sr. Elliot tinha-o, pelo menos, despertado, e as cenas no Cobb e em casa do comandante Harville tinham demonstrado bem a sua superioridade.

Sobre as tentativas anteriores de se afeiçoar a Louisa Musgrove, tentativas provocadas pelo orgulho ferido, ele afirmou que sentira que tal era impossível; não amara, não podia amar Louisa; embora, antes daquele dia, antes do tempo livre para reflexão que se lhe seguiu, ele não tivesse compreendido a excelente perfeição do seu espírito, com o qual o de Louisa não se podia comparar; ou a enorme e inigualável influência que ele exercia sobre o seu. Ali, ele aprendera a distinguir entre a firmeza de princípios e a teimosia obstinada, entre a ousadia da imprudência e a resolução de uma alma serena. Ali, ele vira tudo para exaltar, na sua estima, a mulher que perdera, e ali começara a lamentar o seu orgulho, a tolice, a loucura do ressentimento que o impedira de tentar recuperá-la quando ela surgira no seu caminho.

A partir dessa altura, o seu castigo tornara-se severo. Assim que se libertara do horror e do remorso que acompanharam os primeiros dias após o acidente de Louisa, assim que começou a sentir-se vivo de novo, começou a sentir que, embora estivesse vivo, não era livre.

Descobri - disse ele - que Harville me considerava um homem comprometido! Nem Harville nem a mulher tinham a menor dúvida sobre o nosso afeto mútuo. Fiquei admirado e chocado. Até certo ponto, eu podia negá-lo imediatamente, mas, quando comecei a refletir que outros pudessem pensar o mesmo – a família dela, talvez ela própria, deixei de me sentir à vontade. Eu era dela; pela honra, se ela quisesse. Eu fora leviano. Não tinha pensado a sério no assunto antes. Não tinha pensado que a excessiva intimidade da minha parte teria forçosamente conseqüências nocivas em muitos aspectos; e que eu não tinha o direito de estar a tentar ver a qual das meninas me poderia afeiçoar, com o risco de provocar rumores desagradáveis, mesmo que não houvesse outros efeitos prejudiciais. Tinha agido muito mal, e havia que sofrer às conseqüências.

Em resumo, ele soubera demasiado tarde que se metera em problemas; e que, precisamente quando se compenetrara de que não gostava de Louisa, devia considerar-se comprometido com ela, se os sentimentos dela por ele fossem o que os Harville supunham. Isso decidiu-o a sair de Lyme e aguardar o restabelecimento total dela noutro local. Ele faria, de boa vontade, enfraquecer, por quaisquer meios leais, os sentimentos ou especulações a seu respeito que pudessem existir; e, assim, foi para casa do irmão, tencionando, após algum tempo, regressar a Kellynch e agir conforme as circunstâncias o exigissem.

Passei seis semanas com Edward - disse ele - e vi-o feliz. Foi o único prazer que encontrei. Eu não merecia nada. Ele, perguntou muito particularmente por ti; até perguntou se estavas mudada, não desconfiando de que, aos meus olhos, tu nunca mudarias.

Anne sorriu e não disse nada. Era um erro demasiado agradável para o poder censurar. Significa alguma coisa para uma mulher assegurarem-lhe que, aos 28 anos, não perdeu o encanto da juventude; mas o valor desse elogio aumentou imenso para Anne ao compará-lo com palavras anteriores e sentindo que este era o resultado e não a causa do renascimento do seu caloroso afeto. Ele tinha ficado em Shropshire, lamentando a cegueira do seu orgulho e os erros dos seus cálculos, até se ter visto, de repente, livre de Louisa, pela espantosa e feliz notícia do seu noivado com Benwick.

Com isso - disse ele - terminou o pior período da minha situação; pois agora eu podia colocar-me no caminho da felicidade, podia esforçar-me, podia fazer qualquer coisa. Mas esperar tanto tempo inativo, e esperar apenas o pior, tinha sido terrível.

Passados cinco minutos, disse: - Estarei em Bath na quarta-feira. - E estive. Seria imperdoável pensar que valia a pena vir? E chegar com alguma esperança? Seria possível que mantivesses os sentimentos do passado, como eu fizera? Havia uma coisa que me dava coragem. Eu nunca poderia duvidar de que tivesses sido amada e pretendida por outros, mas eu sabia com certeza que tinhas recusado pelo menos um homem com perspectivas melhores do que as minhas; e não conseguia deixar de pensar com frequência: - Foi por minha causa? - Haveria muito a dizer sobre o seu primeiro encontro em Milsom Street, sobre o concerto ainda mais. Essa noite pareceu ser feita de momentos extraordinários. O momento em que ela entrou na sala octogonal e falou com ele, o momento em que o Sr. Elliot apareceu e a levou consigo, e um ou dois momentos subseqüentes, marcados pelo regresso da esperança ou pelo desânimo crescente, foram discutidos energicamente.

Ver-te - exclamou ele - no meio daqueles que não podiam desejar-me felicidades, ver o teu primo próximo de ti, a conversar e sorrir, e sentir todas as horríveis vantagens e conveniências desse casamento! Considerá-lo como desejo certo de todas as pessoas com possibilidades de te influenciar! Pensar que poderosos apoiantes ele tinha, mesmo que os teus sentimentos fossem de relutância ou indiferença! Não seria tudo isto suficiente para fazer de mim o tolo que eu aparentava ser? Como podia olhar em redor sem angústia? A amiga sentada atrás de ti, à recordação do que acontecera, o conhecimento da sua influência, o efeito indelével e permanente do que a persuasão provocara - não estava tudo isso contra mim?

Tu devias ter notado a diferença - respondeu Anne. – Não devias ter duvidado de mim agora; a situação era tão diferente; a minha idade era tão diferente. Se eu errei ao ceder uma vez à persuasão, lembra-te de que foi uma persuasão exercida a pensar na segurança, não no risco. Quando cedi, pensei que cumpria o meu dever; mas agora não estava nenhum dever em causa. Se casasse com um homem que me era indiferente, teria corrido todos os riscos e violado todos os deveres.

Eu talvez devesse ter raciocinado assim - respondeu ele -, mas não consegui. Não consegui beneficiar com o conhecimento sobre o teu caráter que adquirira recentemente. Não podia fazê-lo entrar em cena; eu estava submerso, soterrado, perdido nos sentimentos que me tinham atormentado ano após ano. Só podia pensar em ti como a mulher que tinha cedido, que tinha desistido de mim, que tinha sido influenciada por alguém que não fora eu. Vi-te com a pessoa que te tinha aconselhado naquele ano de infelicidade. Eu não tinha motivos para pensar que ela agora gozasse de menos autoridade. Além disso, havia a força do hábito.

Julgava - disse Anne - que a minha atitude para contigo te poderia ter poupado muitos desses pensamentos.

Não! Não! A tua atitude poderia ser apenas o à-vontade que o teu noivado com outro homem te conferiria. Deixei-te com esta convicção; e, no entanto, eu estava decidido a voltar a ver- te. A minha disposição melhorou de manhã, e senti que ainda tinha um motivo para continuar cá. Anne chegou, finalmente, a casa, mais feliz do que alguém naquela casa conseguiria imaginar. Toda a surpresa e expectativa, todas as impressões dolorosas da manhã se tinham dissipado com esta conversa, e voltou a entrar em casa tão feliz que foi obrigada a procurar controlar-se imaginando preocupações súbitas com a impossibilidade de aquilo durar para sempre.

Um intervalo de meditação, séria e agradecida, era o melhor remédio para todos os perigos de tão grande felicidade; e ela foi para o seu quarto e sentiu-se mais firme e intrépida ao dar graças à sua ventura.

Chegou a noite, os salões foram iluminados, os convidados reuniram-se. Não passava de uma reunião para jogar às cartas, não passava de uma mistura dos que nunca se tinham encontrado com os que se encontravam com demasiada freqüência - um serão vulgar, demasiado numeroso para ser íntimo, demasiado pequeno para haver variedade; mas, para Anne, nunca um serão tinha sido tão curto. Resplandecente de felicidade e encantadora, e mais admirada por todos do que imaginava ou se preocupava, sentia-se bem-disposta e tolerante para com toda a gente à sua volta.

O Sr. Elliot estava lá; ela evitou-o, mas teve pena dele. Quanto aos Wallis; divertia-a compreender as suas manobras. Lady Dalrymple e a Menina Carteret em breve seriam primas distantes dela. Não se aborreceu com a Sra. Clay, e teve de corar com os modos do pai e da irmã em público. Com os Musgrove, foi uma conversa alegre perfeitamente à vontade; com o comandante Harville, trocou palavras afetuosas, como entre irmãos; com Lady Russell, tentou entabular uma conversa que um delicioso pensamento interrompeu; com o almirante e a Sra. Croft manteve uma cordialidade especial e um interesse fervoroso, que o mesmo pensamento tentou

disfarçar - e com o comandante Wentworth havia constantemente alguns momentos de conversa, sempre a esperança de mais, e sempre o conhecimento de que ele estava ali.

Foi num desses breves encontros, em que ambos fingiam admirar umas magníficas plantas de estufa, que ela disse:

Tenho estado a pensar no passado e a tentar julgar imparcialmente o que esteve certo e o que esteve errado, quero dizer, a respeito de mim própria; sou obrigada a acreditar que tive razão, por muito que tenha sofrido por causa disso, que tive razão em me deixar guiar por uma amiga de quem vais gostar mais do que agora gostas. Para mim, ela era como minha mãe. Não me interpretes mal, porém. Não estou a dizer que não errei ao seguir os seus conselhos. Foi, talvez, um daqueles casos em que o conselho é bom ou mau segundo o desenrolar dos acontecimentos; quanto a mim, certamente que, mesmo numa circunstância vagamente semelhante, nunca daria tais conselhos. Mas quero dizer que tive razão em seguir os dela, e que, se tivesse procedido de outro modo, eu teria sofrido mais com a continuação do noivado do que sofri renunciando a ele, porque teria sofrido na minha consciência. Tanto quanto tal sentimento é permitido na natureza humana, eu não tenho agora nada a censurar a mim própria; e, se não estou enganada, um forte sentido de dever não é um mau quinhão do dote de uma mulher.

Ele olhou para ela, olhou para Lady Russell e, voltando a olhar para ela, respondeu, com fria deliberação:

Ainda não. Mas existe esperança de, à seu tempo, ela ser perdoada. Espero dar-me bem com ela em breve. Mas também tenho estado a pensar no passado, e veio-me à mente uma pergunta... se não teria havido uma pessoa que foi mais minha inimiga do que aquela senhora. Eu mesmo. Diz-me se, quando regressei a Inglaterra em 1808, com alguns milhares de libras, e fui colocado no Lavonia, se nessa altura te tivesse escrito, terias respondido à minha carta? Em suma, terias reatado o noivado nessa altura?

Se teria! - foi resposta dela; mas a entoação foi bem expressiva.

Meu Deus! - exclamou ele -, tê-lo-ias feito! Não foi que eu não tivesse pensado nisso, nem o desejasse como a única coisa que pudesse coroar todos os meus outros êxitos. Mas fui orgulhoso, demasiado orgulhoso para voltar a declarar-me. Não te compreendi. Fechei os olhos e não quis compreender-te nem fazer-te justiça. Esta é uma recordação que deveria levar-me a perdoar a toda a gente mais depressa do que a mim próprio. Teria evitado seis anos de separação e sofrimento. É também uma espécie de dor a que não estou acostumado. Estou habituado ao prazer de me julgar merecedor de todos os bens de que usufruía. Avaliava-me pelos trabalhos honrosos e recompensas merecidas. Como outros grandes homens que sofreram revezes acrescentou, sorrindo -, terei de habituar-me a sujeitar o meu espírito à minha sorte. Tenho de me habituar à idéia de ser mais feliz do que mereço.

 

Capítulo Vinte e quatro

Quem poderá duvidar do que se seguiu? Quando dois jovens decidem casar-se, têm a certeza de que, pela perseverança, conseguirão seu objetivo, quer sejam pobres ou imprudentes, ou mesmo, em última análise, pouco adequados ao bem-estar futuro um do outro; e, se esses casais têm êxito, como poderiam um comandante Wentworth e uma Anne Elliot, com a vantagem de possuírem maturidade de espírito, consciência dos seus direitos e uma fortuna que lhes conferiria a independência deixar de derrubar toda a oposição?

Eles poderiam, de fato, ter aniquilado uma oposição muito maior do que a que enfrentaram, pois pouco havia para os aborrecer, para além da falta de amabilidade e de carinho. Sir Walter não levantou qualquer objeção, e Elizabeth limitou-se a mostrar-se fria e indiferente. O comandante Wentworth, com vinte cinco mil libras e com um posto tão elevado que o mérito e a atividade lhe tinham granjeado, era já alguém. Era agora considerado digno de cortejar a filha de um baronete tolo e perdulário que não tivera bom senso nem princípios suficientes para se manter na situação em que a Providência o colocara e que atualmente só podia dar à filha uma pequena parte das dez mil libras que lhe pertenceriam no futuro.

Sir Walter, de fato, embora não sentisse afeto por Anne, nem a sua vaidade se sentisse lisonjeada de modo a estar realmente feliz com o acontecimento, encontrava-se muito longe de pensar que ela fazia um mau casamento. Pelo contrário, quando conheceu melhor o comandante Wentworth, quando o viu muitas vezes à luz do dia e o observou bem, ficou muito bem impressionado com os seus dotes físicos e achou que a superioridade da sua aparência podia bem contrabalançar a superioridade da posição social dela; e tudo isto, apoiado pelo seu nome bem sonante, permitiu finalmente a Sir Walter preparar a pena para, muito graciosamente, inserir o casamento no livro de honra.

A única pessoa entre eles cuja oposição poderia provocar grande ansiedade era Lady Russell. Anne sabia que Lady Russell iria sofrer algum desgosto ao compreender a situação e renunciar ao Sr. Elliot, e teria de fazer um esforço para conhecer bem o comandante Wentworth e fazer-lhe justiça. Isto, porém, era o que Lady Russell agora tinha de fazer. Ela devia aprender a sentir que se enganara a respeito dos dois; que se deixara influenciar injustamente pela aparência de ambos; que, só porque os modos do comandante Wentworth não lhe agradavam, fora demasiado precipitada em julgar que eles denotavam um caráter de perigosa impetuosidade e que, porque a sobriedade, a correção, a delicadeza e a suavidade dos modos do Sr. Elliot lhe tinham agradado, ela tivera demasiada pressa em os considerar como sinal evidente de uma mente bem formada.

A Lady Russel não restava outra hipótese se não considerar que estivera completamente errada e preparar-se para alterar as suas opiniões. Existe nalgumas pessoas uma enorme rapidez de percepção, um discernimento que nenhuma experiência pode igualar, e Lady Russel fora menos dotada nesta área do que a sua jovem amiga. Mas ela era uma mulher boa e, se o seu segundo objetivo era ser sensata e um bom juiz, o primeiro era ver Anne feliz. Ela amava mais Anne do que as suas próprias capacidades, e, quando o constrangimento inicial se dissipou, teve pouca dificuldade em se afeiçoar, como uma mãe, ao homem que garantia a felicidade da sua filha.

De toda a família, Mary foi provavelmente quem mais se regozijou com o acontecimento. Era honroso para ela ter uma irmã casada, e ela podia sentir-se lisonjeada por ter contribuído para a união, ao ter tido Anne consigo no Outono; e, como a sua irmã tinha de ser melhor do que as irmãs do marido, era muito agradável que o comandante Wentworth fosse mais rico que o comandante Benwick ou Charles Hayter.

Talvez tivesse ainda de sofrer um pouco quando voltassem a encontrar-se, ao ver Anne readquirir os seus direitos de mais velha e ser dona de uma bonita carruagem; mas ela tinha à sua frente um futuro que constituía uma boa consolação. Anne não tinha a perspectiva de vir a possuir o Solar de Kellynch, nem propriedades rurais, nem a chefia de uma família; e, se conseguissem evitar que o comandante Wentworth fosse feito baronete, ela não trocaria a sua situação pela de Anne. Seria também bom para a irmã mais velha que esta estivesse satisfeita com a sua situação, pois não era muito provável que a mesma se alterasse.

Ela em breve sofreu a mortificação de ver o Sr. Elliot retirar-se; e ninguém, com as necessárias condições, se apresentou para fazer renascer as esperanças infundadas que tinham morrido com ele. A notícia do noivado da prima Anne atingira inesperadamente o Sr. Elliot. Ela estragou o seu melhor plano de felicidade doméstica, a sua maior esperança de manter Sir Walter viúvo com a vigilância que os direitos de genro lhe teriam concedido. Mas, embora vencido e desiludido, ele podia ainda fazer alguma coisa pelo seu próprio interesse e prazer.

Deixou Bath pouco depois; e, quando a Sra. Clay também partiu de Bath passado pouco tempo e se soube que ela se instalara em Londres sob a sua proteção, tornou-se evidente como ele estivera a fazer um jogo duplo e como estava decidido a evitar ser deserdado por uma mulher astuciosa, pelo menos.

Os sentimentos da Sra. Clay tinham-se sobreposto ao seu interesse e ela sacrificara, por um jovem, a possibilidade de prosseguir com os estratagemas para conseguir Sir Walter. Mas, além de sentimentos, ela tem capacidades, e mantém-se agora a dúvida se será a astúcia dele, se a dela, que levará a melhor; se, depois de impedir que ela se torne mulher de Sir Walter, ele não se deixará lisonjear e adular até acabar por fazer dela a mulher de Sir William.

Sem dúvida que Sir Walter e Elizabeth ficaram chocados e magoados com a perda da companheira, ao descobrirem como ela os tinha enganado. Naturalmente, tinham as suas imponentes primas a quem recorrer para conforto; mas há muito que sentiam que lisonjear e seguir os outros sem, em troca, ser lisonjeado e seguido não é mais do que meio prazer.

Anne, satisfeita, desde muito cedo, com a intenção de Lady Russell de gostar, como devia, do comandante Wentworth, não conhecia nenhuma outra sombra na felicidade das suas expectativas para além do que provinha da consciência de não ter parentes que um homem de bom senso pudesse apreciar. Neste ponto, ela sentia vivamente a sua inferioridade. A desproporção das suas fortunas não tinha importância, não lhe causava o menor desgosto; mas o fato de não ter uma família que o recebesse e estimasse devidamente, nada de respeitabilidade, harmonia e boa vontade para oferecer em troca das calorosas e sinceras boas-vindas com que foi recebida pelos irmãos dele era motivo para uma dor tão aguda quanto Anne podia sentir, em circunstâncias que eram, em tudo o mais, muito felizes. Ela só tinha duas amigas no mundo para acrescentar à lista dele, Lady Russell e a Sra. Smith. Ele estava, porém, na melhor disposição de se afeiçoar a elas.

Apesar de todas as suas ofensas, ele agora estimava Lady Russell do fundo do seu coração. Embora não se sentisse na obrigação de dizer que achava que ela estivera certa em separá-los, ele estava disposto a fazer-lhe, em quase tudo, os maiores elogios; e, quanto à Sra. Smith, ela tinha direitos de vária ordem a recomendá-la rápida e permanentemente. Os bons serviços que prestara recentemente a Anne teriam, em si, sido suficientes; e o seu casamento, em vez de a fazer perder uma amizade, assegurou-lhe duas.

Ela foi a primeira visita da sua vida de casados, e o comandante Wentworth colocou-a no bom caminho para recuperar a propriedade do marido nas Índias Ocidentais, escrevendo e agindo por ela e ajudando-a a ultrapassar as pequenas dificuldades do caso, com a atividade e diligência de um homem intrépido e um amigo decidido, recompensando-a plenamente pelos serviços que ela prestara, ou tencionava prestar, à sua mulher. O prazer de viver da Sra. Smith não foi prejudicado com a melhoria de rendimentos, com alguma melhoria de saúde, com a companhia freqüente de amigos assim, pois a sua boa disposição e alegria nunca a abandonaram; e, enquanto conservasse esses bens fundamentais, ela podia até desafiar um maior quinhão de riquezas deste mundo. Ela poderia ser extraordinariamente rica e perfeitamente saudável e, mesmo assim, ser feliz. A sua fonte de felicidade residia na alegria do seu espírito, tal como a da sua amiga Anne residia no calor do seu coração.

Anne era a encarnação da ternura, e encontrara a sua justa compensação no afeto do comandante Wentworth. Só a profissão dele poderia fazer que os amigos dela desejassem que esse amor fosse menor, só o receio de uma guerra poderia ensombrar o seu brilho. Anne orgulhava-se de ser mulher de um marinheiro, mas tinha de pagar o tributo de uma preocupação contínua por ele pertencer à profissão que, se é possível, se distingue mais pelas suas virtudes domésticas do que pelo prestígio nacional.

 

Capítulo deletados

O manuscrito original dos "capítulos cancelados" do romance Persuasão, de Jane Austen, contém um rascunho do Capítulo 10 original, Volume 2, do livro (que foi amplamente reescrito como Capítulos 10 e 11 do Volume 2 na primeira edição de Persuasão, publicada em 1817), e do último capítulo, originalmente numerado como Capítulo 11 (que se tornou o Capítulo 12 do Volume 2).

Os capítulos são conhecidos como escritos por Jane Austen, em forma de primeiro rascunho, completos com abreviações e pouca atenção à gramática ou ortografia corretas.

Ela aparentemente não ficou satisfeita com esses últimos capítulos e os reescreveu à medida que eram publicados. As páginas do manuscrito foram passadas para Anna Austen Lefroy, sobrinha de Jane (filha do 1º casamento do irmão mais velho James), e eventualmente publicadas em parte por James Edward Austen-Leigh, seu sobrinho (meio-irmão de Anna, filho do 2º casamento de James), como parte da segunda edição de suas Memórias, em 1871.

De acordo com o relato de James Edward, "ela achou [o final] insosso e sem graça".

Sabemos que em 8 de julho de 1816, Jane Austen iniciou o que chamou de Capítulo 10 do segundo volume de Persuasão. Na última página do Capítulo 11, ela escreveu "Terminar em 18 de julho de 1816".

Esses capítulos cancelados são os únicos manuscritos de qualquer um dos seis romances que restauram em sua forma original — com rasuras, emendas e etc. O fragmento encontra-se agora no Museu Britânico.

O texto completo dos capítulos cancelados foi publicado por R.W. Chapman em 1926.

 

veja o manuscrito original de Jane Austen

 

N.T.:

Tradução de Moira Bianchi em julho.2025

Como fiz na tradução da Juvenília, eu dividi os longos parágrafos de Jane para facilitar a leitura.

 

Capítulo 10 – volume 2 (22 & 23)

Com todo que soube do Sr. E - e tendo autoridade para transmiti-lo, Anne deixou Westgate Buildings - com a mente profundamente ocupada em remoer o que ouvira, sentira, pensara, recordara & prevera tudo; chocada com o Sr. Elliot - suspirando pelo futuro Kellynch e sofrendo por Lady Russell, cuja confiança nele fora total.

O constrangimento que sentiria a partir daquele momento em sua presença!   Como se comportar com ele?   Como se livrar dele?   O que fazer com qualquer membro do grupo em casa?  Onde ficar impassiva? Onde agir?

Era uma completa confusão de imagens & dúvidas - uma perplexidade, uma agitação para a qual ela não conseguia ver o fim. Ela se viu na Rua Gay e tão absorta, se assustou ao ser abordada pelo Almirante Croft, como se ele fosse uma pessoa improvável de ser encontrada ali. Era a poucos passos de sua própria porta.

— Você vai visitar minha esposa — disse ele. — Ela ficará muito feliz em vê-la.

 Anne negou. — Não — ela realmente não tinha tempo, estava voltando para casa.

Mas enquanto falava, o Almirante deu um passo para trás e bateu na porta, gritando: — Sim, sim, entre; ela está sozinha. Entre e descanse.

 Anne se sentia tão pouco disposta naquele momento a estar em qualquer tipo de companhia, que a incomodava ser tão constrangida — mas ela foi obrigada a parar.

— Já que o senhor é tão gentil — disse ela — vou perguntar à Sra. Croft como ela está, mas realmente não posso ficar cinco minutos. Tem certeza de que ela está completamente sozinha?

Lhe ocorreu possibilidade da presença do Capitão W. , e ela ficou extremamente ansiosa para ter certeza, se ele estava lá dentro ou não; o que poderia ser uma questão.

— Oh! sim, completamente sozinha. Ninguém além da modista com ela, & elas estão fechadas juntas por há hora, então deve acabar logo.

— A modista! Então tenho certeza de que minha visita agora seria muito inconveniente. Na verdade, permita-me deixar meu cartão e tenha a gentileza de explicar isso depois para a Sra. C.

— Não, não, de jeito nenhum, de jeito nenhum. Ela ficará muito feliz em vê-la. Veja bem... não vou jurar que ela não tenha algo em particular a lhe dizer... mas tudo tem seu tempo. Não dou pistas. Ora, Srta. Elliot, começamos a ouvir coisas estranhas a seu respeito... (com um sorriso no rosto)... Mas você não tem a aparência necessária... tão séria quanto um pequeno juiz — Anne corou. — Sim, sim, isso mesmo. Agora, está certo. Pensei que não estivéssemos enganados.

Ela ficou sem saber do que ele suspeitava; a primeira ideia desvairada fora de alguma revelação de seu cunhado... mas ela se envergonhou no momento seguinte... e sentiu como era muito mais provável que ele estivesse se referindo ao Sr. E.

A porta foi aberta & o homem evidentemente começou a dizer que a Senhora não estava disponível, quando a visão de seu patrão o deteve. O Almirante gostou muito da brincadeira. Anne achou seu triunfo sobre Stephen um tanto longo demais. Por fim, porém, ele conseguiu convidá-la para subir & colocando-se à sua frente, disse:

— Eu mesmo subirei com você e a acompanharei até a porta. Não posso ficar, porque preciso ir ao escritório, mas se você se sentar por apenas 5 minutos, tenho certeza de que Sophy virá e você não encontrará ninguém para incomodá-la. Não há ninguém aqui além de Frederick — abrindo a porta enquanto falava.

Que pessoa para ser considerada ninguém para ela!

Depois de se sentir bastante segura, indiferente, à vontade, ter a revelação de que no momento seguinte estaria na mesma sala que ele! Não havia tempo para recordações, para planejar comportamentos ou regular maneiras! Só houve tempo para empalidecer antes de passar pela porta & encontrar os olhos atônitos do Capitão W. que estava sentado perto da lareira fingindo ler e não se preparando para nenhuma surpresa maior do que o retorno apressado do Almirante. Igualmente inesperado foi o encontro, de ambos os lados. Não havia nada a fazer, no entanto, a não ser reprimir os sentimentos & serem discretamente educados & o Almirante estava agitado demais para deixar qualquer pausa incômoda. Ele repetiu o que havia dito antes sobre sua esposa & tudo mais, insistiu para que Anne se sentasse e ficasse perfeitamente confortável, lamentava que ele mesmo tivesse que deixá-la, mas tinha certeza de que a Sra. Croft apareceria muito em breve e viria falar com ela imediatamente.

Anne sentou, mas então se levantou novamente para implorar a ele que não interrompesse a Sra. C e insistir no desejo de ir embora & visitar outra hora. Mas o Almirante não quis ouvir isso; e se ela não inistisse com invencível perseverança, ou não saísse silenciosamente da sala com uma determinação mais passiva (como certamente poderia ter feito), ela não poderia ser perdoada? Se ela não morresse de medo de alguns minutos Tête-`-Tête com o Capitão W, ela não poderia ser perdoada por não querer deixar que ele percebesse? Ela se sentou novamente & o Almirante se despediu; mas ao chegar à porta, disse:

— Frederick, uma palavra com você, por favor.

O Capitão W foi até ele; e instantaneamente, antes que estivessem bem fora da sala, o Almirante continuou:

— Como vou deixá-los sozinhos, é justo que eu lhes dê algo para conversar... e então, por favor..."

Nesse ponto, a porta foi firmemente fechada; ela podia adivinhar por qual dos dois; e perdeu completamente o que se seguiu imediatamente; mas era impossível para ela não distinguir partes do resto, pois o Almirante, com base no fato de a porta estar fechada, falava sem nenhum controle da voz, embora ela pudesse ouvir seu companheiro tentando impedi-lo. Ela não podia duvidar que estivessem falando dela. Ouviu seu próprio nome & Kellynch repetidamente... estava muito angustiada. Não sabia o que fazer, ou o que esperar... e entre outras agonias, sentia a possibilidade de o Capitão W. não retornar à sala, o que, depois de ela consentir em ficar, teria sido – muito ruim para dizer.

Pareciam estar falando do Contrato de Locação de Kellynch pelo Almirante. Ela o ouviu dizer algo sobre "o Contrato de Locação ser assinado ou não" - provavelmente não seria um assunto muito aborrecedor, mas então prosseguiu: "Detesto estar em dúvida - preciso saber imediatamente - Sophy pensa o mesmo." Então, em tom mais baixo, o Capitão W. pareceu reclamar - querendo ser fugir do assunto - querendo adiar alguma coisa.

—Phoo, Phoo — respondeu o Almirante — agora é a hora. Se não falar, eu mesmo vou perder tempo e falarei.

—Muito bem, senhor, muito bem, senhor — seguiu com certa impaciência seu companheiro, abrindo a porta enquanto falava.

—  Então... promete que vai? — perguntou o Almirante, com toda a força de sua voz natural, ininterrupta até mesmo por uma porta fina.

— Sim, senhor, sim.

E o Almirante foi embora às pressas, a porta foi fechada e chegou o momento em que Anne ficou sozinha com o Capitão W. Ela não podia tentar ver como ele estava; mas ele caminhou imediatamente até uma janela, como se estivesse irresoluto & envergonhado; e por cerca de 5 segundos, ela se arrependeu do que havia feito - censurou-se como imprudente, corou por ser indelicada. Ela ansiava por poder falar sobre o tempo ou o Concerto, mas só conseguia se dar ao luxo de pegar um jornal. A pausa angustiante, no entanto, logo terminou; ele se virou em meio minuto e, vindo em direção à mesa onde ela estava sentada, disse, com uma voz de esforço e constrangimento:

— A senhorita já deve ter ouvido muita coisa para ter qualquer dúvida de que prometi ao almirante Croft falar com a senhorita sobre algum assunto específico, & essa convicção me determina a fazê-lo, por mais repugnante que seja ao meu - a todo o meu senso de propriedade, tomar tamanha liberdade. Espero que a senhorita absolva minha impertinência, considerando que estou falando apenas por outra pessoa e falando por necessidade; & o almirante é um homem que nunca pode ser considerado impertinente por alguém que o conhece como a senhorita. Suas intenções são sempre as mais gentis e as melhores; e você perceberá que ele não é movido por nenhuma outra coisa, na solicitação que agora sou obrigado a fazer com sentimentos muito peculiares — ele parou apenas para recuperar o fôlego; não parecia esperar nenhuma resposta.

Anne ouviu, como se sua vida dependesse do resultado de seu discurso.

Ele prosseguiu, com uma vivacidade forçada. — O Almirante, Senhorita, recebeu essa manhã informação crível de que a senhorita estava, palavra de honra, estou completamente perdido, envergonhado (respirando e falando rápido) do constrangimento de falar deste tipo de coisa a uma das partes. A senhorita deve poder me entender. Foi dito com muita confiança que o Sr. Elliot - que tudo estava acertado na família para uma união entre o Sr. Elliot e a senhorita. Foi acrescentado que a senhorita viveria em Kellynch — que o aluguel Kellynch seria quebrado. Isso, o Almirante sabia que não podia estar correto. Mas ocorreu-lhe que poderia ser o desejo das partes. E minha incumbência, senhora, é dizer que, se a vontade da Família for essa, seu contrato de arrendamento de Kellynch será cancelado, e ele e minha irmã providenciarão outra casa, sem imaginar que estão fazendo algo que, em circunstâncias semelhantes, não seria feito por eles. Isso é tudo, senhora. Algumas poucas palavras em resposta serão suficientes. Que eu seja a pessoa encarregada deste assunto é extraordinário! E acredite, senhorita, não é menos doloroso. No entanto, algumas palavras porão fim ao constrangimento e à angústia que ambos possamos estar sentindo.

 Anne disse uma ou duas palavras, mas elas eram ininteligíveis. E antes que ela pudesse se controlar, ele respondeu:

— Se você apenas me disser que o Almirante pode escrever um bilhete a Sir Walter, será suficiente. Pronuncie apenas as palavras, ele o fará. Eu transmitirei imediatamente com sua mensagem — isso foi dito com uma coragem que parecia corresponder à mensagem.

— Não, Senhor — disse Anne. — Não há mensagem. O senhor está enganado. O Almirante está mal informado. Faço justiça à bondade de suas intenções, mas ele está completamente enganado. Não há verdade em tal relato.

Ele ficou em silêncio por um momento. Ela voltou os olhos para ele pela primeira vez desde que ele voltara à sala. Sua cor estava mudando - e ele a olhava com todo o poder & agudeza que ela acreditava que nenhum outro olhar além dos seus possuía.

— Não há verdade em tal relato! — repetiu ele. — Não há verdade em nenhuma parte dele?

— Nenhuma.

Ele estava de pé ao lado de uma cadeira desfrutando do alívio de se encostar nela — ou de brincar com ela;. Sentou-se e arrastou um pouco mais para perto dela — & olhou, com uma expressão que continha algo mais do que assertividade, algo mais suave. Seu semblante não a desanimou. Foi um diálogo silencioso, mas muito poderoso; da parte dele, súplica, da parte dela, aceitação. Ainda assim, um pouco mais perto e uma mão foi tomada e apertada e...

— Anne, minha querida Anne!" — explodindo na plenitude de um sentimento imenso e todo o suspense & indecisão se dissiparam.

Eles reataram. Restituíram-lhes tudo o que haviam perdido. Foram transportados de volta ao passado, com apenas um aumento de apego & confiança, & apenas uma vibração de deleite presente que os tornou pouco adequados para a interrupção da Sra. Croft, quando ela se juntou a eles pouco depois.

Ela provavelmente, nas observações dos dez minutos seguintes, viu algo de que suspeitar & embora fosse quase impossível para uma mulher de sua descrição desejar que a modista a tivesse aprisionado por mais tempo, ela poderia estar muito provavelmente desejando alguma desculpa para correr pela casa, alguma tempestade pronta para quebrar as janelas acima, ou uma convocação para o sapateiro do Almirante.  A sorte, no entanto, os favoreceu de outra maneira - com uma chuva suave e constante  - que felizmente caiu quando o Almirante retornou e Anne se levantou para ir embora. Ela foi insistentemente convidada para jantar; um bilhete foi enviado para Camden Place e e ela ficou, ficou até as 10 da noite. E durante esse tempo, o marido e a esposa, seja por insistência da esposa, ou simplesmente seguindo seus hábitos habituais, saíam frequentemente juntos da sala — subiam as escadas para ouvir um barulho, ou desciam para acertar contas, ou iam ao patamar para arrumar uma lamparina. E esses momentos preciosos foram tão bem aproveitados que todos os sentimentos mais ansiosos do passado foram superados.

Antes de se separarem naquela noite, Anne teve a felicidade de ter a certeza, em primeiro lugar, de que (longe de ter piorado!) ;

- ela havia ganhado indizivelmente em beleza pessoal; e que,

- quanto ao caráter - o dela agora estava fixo na mente dele como a própria perfeição, mantendo o justo meio termo entre fortaleza e gentileza;

- que ele nunca deixara de amá-la e preferi-la, embora tivesse sido apenas em Uppercross que aprendera a fazer-lhe justiça;

- e somente em Lyme que começara a compreender suas próprias sensações; que em Lyme ele havia recebido lições de mais de um tipo; a admiração passageira do Sr. Elliot o havia pelo menos despertado, e o drama no Cobb e na casa do Capitão Harville haviam fixado sua superioridade. Em suas tentativas anteriores de se unir a Louisa Musgrove (as tentativas de raiva e rancor), ele afirmou que sentira continuamente a impossibilidade de realmente amar Louisa, embora até aquele dia, até o tempo livre para reflexão que se seguiu, ele não tivesse compreendido a perfeita excelência da mente de Anne com a qual a de Louisa mal podia ser comparada, ou o perfeito e incomparável domínio que ela possuía sobre a sua. Lá, ele aprendera a distinguir entre a firmeza dos princípios e a obstinação da teimosia, entre as ousadias & a resolução de uma mente serena; lá, ele vira tudo para exaltar em sua estima à mulher que havia perdido, e lá começara a deplorar o orgulho, a tolice, a loucura de ressentimento que o impedira de tentar reconquistá-la, quando se interpôs em seu caminho.

Daquele período até o presente, sua penitência foi a mais severa. Ele descobriu que era considerado por seu amigo Harville como um homem comprometido. Os Harvilles não tinham dúvidas sobre a ligação mútua entre ele e Louisa - e embora isso fosse negado instantaneamente, até certo ponto - ainda assim o fez sentir que talvez a família dela, todos, até ela mesma, compartilhassem a mesma ideia - e que ele não era livre em honra - embora, se essa fosse a conclusão, livre demais, infelizmente!, em coração. Ele nunca havia pensado corretamente sobre esse assunto antes - ele não havia considerado suficientemente que seu excesso. A intimidade intensa em Uppercross deve ter seu perigo de consequências nefastas em muitos aspectos, e que, ao tentar se afeiçoar a alguma das moças, ele poderia estar gerando rumores desagradáveis, se não, despertando uma admiração indesejada!  Ele descobriu, tarde demais, que havia se envolvido - & que, precisamente quando se convenceu completamente de não se importar com Louisa, devia se considerar ligado a ela, se os sentimentos dela por ele fossem os que os Harvilles supunham.

Isso o fez deixar Lyme & aguardar sua recuperação completa em outro lugar. Ele enfraqueceria de bom grado, por quaisquer meios justos, quaisquer sentimentos ou especulações a seu respeito que pudessem existir; e, portanto, foi para Shropshire com a intenção de, depois de algum tempo, retornar aos Crofts em Kellynch e agir como achasse necessário. Ele permanecera em Shropshire, lamentando a cegueira de seu próprio orgulho e os erros de seus próprios cálculos, até ser imediatamente libertado de Louisa pela surpreendente felicidade de seu noivado com Benwicke.

Bath, Bath - seguira-se instantaneamente, em pensamento; e não muito depois, de fato. Para Bath, para chegar com esperança, para ser dilacerado pelo ciúme ao ver o Sr. E., para vivenciar todas as reações de cada um no concerto, para se sentir miserável com o relato circunstancial daquela manhã, para estar agora mais feliz do que a linguagem poderia expressar, ou qualquer coração além do seu seria capaz.

Ele estava muito ansioso e muito encantado ao descrever o que sentira no concerto. A noite parecia ter sido composta de momentos extraordinários; o momento em que ela deu um passo à frente na Sala Octogonal para falar com ele, o momento em que o Sr. E apareceu e a arrancou dali, e um ou dois momentos subsequentes, marcados pelo retorno da esperança ou pelo aumento do desânimo, foram todos vividos com energia.

— Ver você — exclamou ele — no meio daqueles que não poderiam ser meus simpatizantes, ver seu primo perto de você, conversando e sorrindo, & calcular todas as horríveis elegibilidades e conveniências do casamento! Considerar isso como o desejo certo de todos que pudessem influenciá-la - mesmo que seus próprios sentimentos fossem relutantes ou indiferentes - considerar que poderosos apoios seriam os dele! Não foi o suficiente para me fazer de bobo, o que meu comportamento expressou? Como eu poderia olhar sem agonia? Não foi a própria visão da amiga que estava sentada atrás de você? Não foi a lembrança do que aconteceu – saber da influência dela — a impressão indelével e imutável do que a Persuasão uma vez fez, não foi tudo contra mim?

— Você deveria ter percebido — respondeu Anne. — Você não deveria ter suspeitado de mim agora; o caso é tão diferente, e minha idade é tão diferente! Se eu estivesse errada ao ceder à persuasão uma vez, lembre-se de que foi à persuasão exercida em nome da segurança, não do risco. Quando cedi, pensei que fosse ao dever.  Mas nenhum dever poderia ser invocado em seu auxílio aqui. Ao me casar com um homem indiferente a mim, todo risco teria sido incorrido e todo dever violado.

— Talvez eu devesse ter raciocinado assim — respondeu ele — mas não consegui. Eu não poderia me beneficiar do que aprendi sobre seu caráter, não poderia colocá-lo em prática, ele estava subjugado, enterrado, perdido naqueles sentimentos antigos que eu vinha sofrendo ano após ano.  Eu só conseguia pensar em você como alguém que cedeu, que me abandonou, que foi influenciada por qualquer pessoa em vez de mim.  Eu a vi com a mesma pessoa que a guiou naquele ano de miséria.  Eu não tinha razão para considerá-la menos autoritária agora;  a força do hábito deveria ser adicionada.

—  Eu deveria ter pensado — disse Anne — que a maneira como me comportei consigo mesmo poderiam ter lhe poupado muito, ou tudo isso.

— Não... Não... Suas ações poderiam ser apenas a facilidade que seu noivado com outro homem proporcionaria. Eu saí pensando assim. E, no entanto... eu estava determinado a vê-la novamente. Meu ânimo se recuperou com a manhã, e eu senti que ainda tinha um motivo para permanecer aqui.  As notícias do Almirante, de fato, causaram repulsa. Desde aquele momento, decidi o que fazer... e, se isso tivesse sido confirmado, este teria sido meu último dia em Bath.

Houve tempo para que tudo isso passasse - com interrupções que apenas aumentavam o encanto da comunicação - e Bath dificilmente poderia conter outros dois seres ao mesmo tempo tão racionais e arrebatadoramente felizes quanto naquela noite, quando ocuparam o sofá da sala de estar da Sra. Croft, na Rua Gay .

O Capitão W. teve o cuidado de encontrar o Almirante quando ele retornou à casa  para informá-lo quanto ao Sr. E. & Kellynch; e a delicadeza da boa natureza do Almirante o impediu de dizer mais uma palavra sobre o assunto a Anne. Ele esteve bastante preocupado com a possibilidade de estar causando-lhe aborrecimento ao tocar em uma parte sensível. Quem poderia dizer? Ela poderia estar gostando mais do primo do que ele gostava dela. E, de fato, se eles realmente fossem se casar, por que teriam esperado tanto?

Quando a noite terminou, é provável que o almirante tenha ouvido algumas poucas e boas de sua esposa, cuja maneira particularmente amigável de se despedir dela deu a Anne a gratificante persuasão, a impressão de que ela via e aprovava.

Tinha sido um dia e tanto para Anne! As horas que se passaram desde que ela deixara Camden Place fizeram tanta diferença! Ela estava quase perplexa, quase feliz demais olhando para trás. Foi necessário ficar sentada metade da noite & deitada acordada o resto para compreender com calma seu estado atual e pagar pelo excesso de felicidade, por enxaqueca e fadiga.

Capítulo 11 (24)

 Quem pode duvidar do que se seguiu? Quando dois jovens decidem se casar, eles têm quase certeza, pela perseverança, de que conseguirão manter seu ponto de vista - sejam eles pobres, imprudentes ou pouco necessários para o conforto um do outro. Pode ser uma conclusão ruim, mas acredito que seja a verdade - e se tais pessoas tiverem sucesso, como um Capitão W. e uma Anne E., com a vantagem da maturidade mental, consciência do que é certo e uma fortuna independente entre eles, deixariam de derrotar toda oposição?

Eles poderiam, na verdade, ter sofrido muito mais do que enfrentaram, pois havia pouco que os afligisse além da falta de graciosidade e animação. Sir W. não fez objeções, e Elizth não fez nada além do que parecer fria e despreocupada. Capitão W., com 25.000 libras e tão bem em sua profissão quanto mérito e atividade pudessem colocá-lo, não era mais um ninguém. Ele agora era considerado bastante digno de cortejar a filha de um baronete tolo e perdulário, que não tinha princípios ou bom senso suficientes para se manter na posição em que a Providência o havia colocado, e que só daria à filha uma pequena parte do dote de dez mil libras que deveria ser dela no futuro.

Sir Walter, de fato, embora não tivesse afeição pela filha nem fosse bajulado por vaidade para fazê-lo realmente feliz na ocasião, estava muito longe de considerá-lo um mau partido para ela. Pelo contrário, quando prestou mais atenção ao Capitão W. & o observou bem, ficou muito impressionado com suas presença e sentiu que sua superioridade de aparência não poderia ser injustamente equilibrada com a superioridade de posição dela; e tudo isso, junto com seu nome bem-sonoro, permitiu a Sir W. finalmente preparar sua caneta com muita elegância para a inserção do Casamento no volume de Honra.

A única pessoa entre eles cuja oposição de sentimentos poderia despertar alguma ansiedade séria era Lady Russel. Anne sabia que Lady R. devia estar tendo alguma dificuldade para entender a razão de renunciar ao Sr. E. & estar fazendo esforço para se familiarizar verdadeiramente com o Capitão W & fazer justiça a ele. Isso, no entanto, era o que Lady R. tinha que fazer agora. Ela devia aprender a reconhecer que estava enganada em relação a ambos - que havia sido injustamente influenciada pelas aparências de cada um - que, como as maneiras do Capitão W. não se adequavam às suas próprias ideias, ela fora rápida demais em suspeitar que elas indicavam um caráter de perigosa impetuosidade, e que, como as maneiras do Sr. Elliot a agradavam precisamente em sua propriedade e correção, sua polidez e suavidade gerais, ela fora rápida demais em recebê-las como o resultado certo das opiniões mais corretas e de uma mente bem regulada. Não havia nada menos que Lady R. pudesse fazer do que admitir que estava completamente errada e adotar um novo conjunto de opiniões e esperanças.

Há uma rapidez de percepção em alguns, uma sutileza no discernimento de caráter - uma penetração natural, em suma, que nenhuma experiência em outros pode igualar - e Lady R. era menos talentosa nessa parte do entendimento do que sua jovem amiga; mas ela era uma mulher muito boa; & se seu segundo objetivo era ser sensata e criteriosa, o primeiro era ver Anne feliz. Ela amava Anne mais do que amava suas próprias habilidades – e quando a estranheza do início passou, encontrou pouca dificuldade em se apegar como mãe ao homem que estava garantindo a felicidade de sua filha.

De toda a família, Mary foi provavelmente a que mais imediatamente se sentiu gratificada pela situação. Era louvável ter uma irmã casada, e ela podia se gabar de ter sido um grande instrumento para a união, por ter Anne hospedado-se com ela no outono; & como sua própria irmã devia ser melhor que as irmãs de seu marido, era muito agradável que o Capitão W. fosse um homem mais rico que o Capitão B. ou Charles Hayter. Ela talvez tivesse algo a sofrer quando eles entrassem em contato novamente, ao ver Anne restaurada aos direitos de Senioridade e Senhora de um Landaulet muito bonito, mas ela tinha um futuro a almejar, de poderoso consolo. Anne não tinha Uppercross Hall diante dela, nenhuma propriedade rural, nenhuma chefia de família, e se eles pudessem impedir o Capitão W. de ser nomeado Baronete, ela não mudaria a situação com Anne. Seria bom para a irmã mais velha se ela estivesse igualmente satisfeita com sua situação, pois uma mudança não é muito provável lá.

Ela logo teve a mortificação de ver o Sr. E. se retirar, e ninguém em condições adequadas se apresentou desde então para despertar sequer as esperanças infundadas que afundaram com ele. A notícia do noivado de sua prima Anne afetou o Sr. Ellio de forma inesperada. Isso perturbou seu melhor plano de felicidade doméstica, suas melhores esperanças de manter Sir Walter solteiro pela vigilância que os direitos de um genro teriam dado. Mas, embora frustrado e decepcionado, ele ainda podia fazer algo para seu próprio interesse e seu próprio prazer. Ele logo deixou Bath e, quando a Sra. Clay partiu logo depois, e foi dito em fofoca que ela foi estabelecida sob proteção dele em Londres, ficou evidente o jogo duplo que ele estava jogando e o quão determinado ele estava a se salvar de ser cortado por pelo menos uma mulher astuta. Os afetos da Sra. Clay haviam superado seus interesses, e ela havia sacrificado, pelo bem do homem mais jovem, a possibilidade de tramar mais para Sir Walter; ela tem habilidades, no entanto, assim como afetos, e agora é um ponto duvidoso se a astúcia dele ou a dela finalmente prevalecerão, se, depois de impedi-la de ser a esposa de Sir Walter, ele não será finalmente persuadido e seduzido para torná-la a esposa de Sir William.

Não há dúvida de que Sir Walter e Eliz ficaram chocados e mortificados com a perda de sua companheira e a descoberta da dissimulação dela. Eles tinham seus primos mais influentes, com certeza, a quem recorrer em busca de conforto, mas devem ter percebido há muito tempo que bajular e seguir os outros, sem serem bajulados e seguidos, é apenas um estado de meio prazer.

Anne, convencida desde muito cedo da intenção de Lady Russel de amar o Capitão W. como deveria, não teve outro impacto na felicidade de seus prospectos além do que advinha da consciência de não ter parentes para lhe dar que um homem sensato pudesse valorizar. Ali, ela sentiu intensamente sua própria inferioridade. A desproporção em suas fortunas não era nada; não lhe causou um momento de arrependimento; mas não ter família para recebê-lo e estimá-lo adequadamente, nada de respeitabilidade, harmonia, boa vontade para oferecer em troca de todo o valor e todas as prontas boas-vindas que a encontraram em seus irmãos e irmãs, era uma fonte de dor tão viva quanto sua mente bem poderia ser sensível, em circunstâncias de outra forma forte felicidade.

Ela tinha apenas duas amigas no mundo para adicionar à sua lista, Lady R. e Sra. Smith. A essas, no entanto, ele estava muito bem disposto a se apegar. Lady R. apesar de todas as suas transgressões anteriores, ele agora podia valorizá-las de coração; embora não fosse obrigado a dizer que acreditava que ela estava certa ao dividi-las originalmente, estava pronto a dizer quase qualquer outra coisa em seu favor; e quanto à Sra. Smith, ela tinha vários tipos de pretensões de recomendá-la rápida e permanentemente. Seus recentes bons préstimos a Anne já haviam sido suficientes por si só - e o casamento deles, em vez de privá-la de uma amiga, garantiu-lhe duas. Ela foi uma das primeiras visitas que fizeram como casados — e o Capitão Wentworth, ao colocá-la no caminho da recuperar propriedade de seu marido nas Índias Ocidentais, escrevendo em nome dela, agindo por ela e acompanhando-a em todas as pequenas dificuldades do caso, com a atividade e o esforço de um homem destemido e um amigo determinado, retribuiu integralmente os serviços que ela havia prestado, ou alguma vez pretendera prestar, à esposa dele. Os prazeres da Sra. Smith não foram prejudicados por essa melhora de renda, com alguma melhora na saúde e a aquisição de amigos com quem conviver com frequência, pois sua alegria e atividade mental não lhe faltaram, e enquanto essas fontes primárias de bem permanecessem, ela poderia ter desafiado até mesmo maiores acessos de prosperidade mundana. Ela poderia ter sido absolutamente rica e perfeitamente saudável, e ainda assim ser feliz. Sua fonte de felicidade estava no brilho de seu espírito, assim como a de sua amiga Anne estava no calor de seu coração.

Anne era a própria ternura; e ela tinha todo o seu valor na afeição do Capitão Wentworth. Sua profissão era tudo o que poderia fazer com que seus amigos desejassem menos essa ternura; o medo de uma guerra futura, tudo o que poderia ofuscar seu brilho do sol. Ela se orgulhava-se de ser esposa de um marinheiro, mas precisava pagar o preço do alarme rápido, por pertencer àquela profissão que é - se possível - mais distinta em suas virtudes domésticas do que em sua importância nacional.


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