& Moira Bianchi: Persuasão detalhada em temas - parte 2

terça-feira, 30 de agosto de 2022

Persuasão detalhada em temas - parte 2

Sim, ainda estou de persuadindo a amar Persuasão!

Este post começa no anterior, mas pode ser lido na ordem que você quiser porque eu continuo estudando Persuasão e um tema puxa o outro, um símbolo está ligado a uma explicação e Jane Austen nunca para de nos surpreender com as camadas que achamos na sua obra.

Então, aqui eu te trago: Juventude x maturidade, Insensatez, Vaidade, Família, Pais tolos, Amizade, Agressividade viril, Doença, Aparências e Caminhadas. 

No anterior, completando os 19 temas, estão: Convencimento, Esferas separadas, Casamento, Cavalheiro perfeito, Rigidez de classes e mobilidade social, Sociedade e classe, Criadagem, Gênero e Memória & passado.

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TEMAS DE PERSUASÃO

2ª parte

Muito além do simples convencimento e aconselhamentos...

Juventude x maturidade

Juventude e maturidade são contrastantes no romance, mostrada em vários ângulos.

Claro que consideramos a briga de ‘namoradinhos’ como o principal pano de fundo do romance. Tanto Wentworth x Elliot quanto Anne x Louisa, a disputa de território nos deixa agoniados e torcendo pelos star crossed lovers. 

Enquanto o primeiro representa honra e esforço para personagens masculinos, o segundo fala da diferença entre impulsividade e raciocínio claro especificamente na figura feminina. Anne é mais centrada por si, ou foram os anos e o sofrimento que a fizeram mais sensata? Louisa poderia vir a ser uma mulher menos esfuziante quando mais velha? E quanto à mudança vinda de sua união com o depressivo Benwick?

Mas se olharmos com mais atenção, vemos mais vertentes. Elizabeth ainda sofre com a primeira rejeição do Sr. Elliot, o que sugere que simplesmente viver frustração e perda não é suficiente para trazer sabedoria madura: é preciso também aprender com as próprias experiências.

Austen nos diz que é coisa da idade mesmo, ela tinha 40 anos quando escreveu Persuasão e devia ter noção da doença aumentado. Vale lembrar que a expectativa de vida na Inglaterra em 1815 (ano que Persuasão começou a ser construída) era de apenas 41 anos e da família Austen girou em torno de 70 anos.

Isso fica mais claro nas reminiscências de Anne e Mrs. Smith. Nestas personagens vemos que a diferença entre a juventude e a idade adulta é uma compreensão pessoal do sofrimento e da perda.

Insensatez

Austen constrói esse tema em Persuasão fazendo com que todos os personagens ajam como tolos uma vez ou outra. 

Depois de seguir o conselho de Lady Russell, Anne Elliot se arrepende e diz que sua tolice "anuviou todos os prazeres da juventude" (cap 4). Em Londres, a Sra. Smith conta ter participado de gastos frívolos com o marido e agora sozinha carrega o peso de suas ações. Apesar de afligir sua família com ruína financeira, Sir Walter Elliot mantém as aparências externas perpetuando seus problemas financeiros. No final do romance, os personagens ou abordam sua insensatez ou a ignoram, e aqueles que entendem e se esforçam para reparar as consequências de seus erros são recompensados com felicidade.

A tolice de Wentworth é ser orgulhoso demais para voltar a se declarar a Anne depois que ela o rejeitou e esse rancor o cego quanto aos dos sentimentos dos outros.

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Vaidade

O romance começa descrevendo o personagem de Sir Walter Elliot: "A vaidade era o começo e o fim da personalidade de Sir Walter Elliot; orgulho de sua pessoa e da situação." Cap 1.  Sua vaidade, sinal de superficialidade e narcisismo, o precede. 

A vaidade de Sir Walter cria uma ruptura entre ele e Anne. Sua vaidade, compartilhada com Elizabeth Elliot, aliena Anne em casa e a força a procurar em outro lugar por amor, que ela encontra em Lady Russell, Capitão Wentworth, Sra. Smith e seus amigos Uppercross e Lyme.

Austen costuma punir a vaidade, mesmo quando não é exagerada. Emma sofreu, Lydia e Caroline Bingley também. E nem vamos entrar na galera de Mansfield Park...

Família

As famílias governam tudo em Persuasão. Os Elliots, os Musgrove, os Crofts, os Hayters, os Harville.

Separar-se da família é um passo necessário para formar uma identidade independente, mas poucos personagens conseguem dar esse passo, já que as conexões familiares são uma grande parte de sua posição no mundo. O fato de a família da protagonista não se importar muito com ela dificulta sua vida em casa, mas também a ajuda a desenvolver suas próprias ideias sobre quem ela é e o que quer. Anne amadurece por viver nesta situação.

Austen fala de devoção, honra e dever várias vezes em suas obras. Em Orgulho e Preconceito, Mr Darcy fica dividido entre ‘duty and desire’; em Razão e Sensibilidade, Sr. Ferrar não age por estar preso por honra. Em Persuasão, vemos Anne ligada à sua família apesar de sofrer com a convivência e por eles, abre mão de seu amor que os envergonharia.

Por que Anne não deixa sua família e vai morar com Lady Russell, a amiga de sua mãe e sua conselheira? O que é preciso para ser um bom membro da família? Até que ponto a identidade de uma pessoa é determinada por sua família?

Austen tinha laço muito firme com sua família, principalmente com o irmão Henry e a irmã Cassandra. Em várias de suas obras, ela valoriza a vida familiar apesar dos sofrimentos – Mansfield Park e Razão e Sensibilidade, por exemplo.

O relacionamento de Anne com sua família determina sua identidade: eles controlam onde ela mora, como ela deve se comportar e quem ela conhece. Apesar da família de Anne controlar sua existência física, sua mente independente a faz criar uma identidade separada deles.

Pais tolos

Pais tolos, mais um tema recorrente em muitos romances de Austen, desempenham um papel importante em Persuasão. As crianças que devem aturar pais irresponsáveis ou ridículos são importantes para Austen. Na Juvenília vemos aquela fofoca sobre ela e sua mãe... talvez seja uma pista disso.

Aqui, a imprudência e a extravagância insensível de Sir Walter causam o conflito inicial que força os Elliots a deixar suas casas e "recuar" em Bath. Sir Walter não é uma fonte de orientação para suas filhas; ele é tão vaidoso e egoísta que é incapaz de tomar boas decisões para a família. Ele transmitiu sua 'bobagem' tanto para Elizabeth quanto para Mary. Elizabeth compartilha sua vaidade e auto importância; Mary está tão cheia de autopiedade que acha tudo um desrespeito pessoal. Seus filhos são incontroláveis porque ela tem pouco interesse em ensiná-los. Alguém lembra de Mrs. Bennet de Orgulho e Preconceito? Ou o Sr. Woodhouse de Emma?

Embora Anne tenha o bom senso e a força de caráter para evitar a tolice, e arcar com os danos que isso provoca. 

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Amizade

Ninguém pode escolher sua família, mas pode escolher seus amigos. 

Esse elemento de escolha torna os amigos tão importantes quanto a família, e faz deles rede de segurança. Em Persuasão, os amigos aparecem quando a família falha, proporcionando outro contraste entre o mérito individual e os laços de sangue.

Lady  Russel é mais cuidadosa com Anne que Sir Walter, o mesmo pode ser dito da Sra. Musgrove. E a viúva Sra. Smith é mais leal a Anne que suas irmãs.

Já o Capitão Wentworth conta com seus amigos de marinha para apoiá-lo. Teria ele levado Anne para ser ‘aprovada’ por eles em Lyme, ou talvez comparada a Louisa?

Sir Walter aprova a amizade de Elizabeth com a Sra. Clay, mas não a amizade de Anne com a Sra. Smith. Veja a diferença de raciocínio entre as viúvas e as filhas solteiras. Uma delas serve de escada e a outra é só uma amiga pobre. Seria isso?

Ao fazer amizades de Anne com o Sr. s. Smith e o Capitão Harville necessários para seu reencontro final com Wentworth, o romance sugere que segregar a amizade por classe limita oportunidades na vida.

O fracasso da amizade de Elizabeth com a Sra. Clay e a amizade do Sr. Smith com o Sr. Elliot sugere que a igualdade de índoles é necessária para uma amizade bem-sucedida.

Agressividade viril

As objeções de Lady Russell a Wentworth como um marido adequado para Anne são muitas vezes atribuídas ao esnobismo de classe, mas havia mais segredos envolvidos que Austen não escreveu porque seriam óbvios ao seu leitor – lembre-se que ela escrevia para pessoas do início do século 19 e não para nós no século 21.

O autor Brian Southam aponta em Jane Austen and the navy que "os traços que fazem Wentworth parecer tão 'perigoso' para Lady Russel são as próprias qualidades de caráter que conquistaram fama para os capitães britânicos no domínio dos mares"

A escolha do almirante Croft da metáfora naval para o namoro é apropriada: "eu gostaria que Frederick fosse mais ousado e nos trouxesse uma dessas jovens moças para Kellynch" (cap 10). Wentworth faz sua "bela fortuna" com "capturas sucessivas" e, uma vez que sua caça em alto mar valeu a pena, ele está pronto para pegar uma esposa: "agora seu era objetivo se casar" (cap 8). Flertando com Louisa, Henrietta e as garotas Hayter, que também 'aparentemente foram admitidas à honra de estar apaixonada por ele' (cap. 8), ele tem uma semelhança nada lisonjeira com Henry Crawford de Mansfield Park. A avaliação de Anne de que ele estava "errado ao aceitar (pois aceitar deve ser a palavra) atenção de duas jovens ao mesmo tempo" é uma estimativa conservadora. Além disso, sua brincadeira com as irmãs Musgrove atrapalha o relacionamento de Charles Hayter com Henrietta (tudo no desastroso jantar do cap 8). Knox-shaw observa a "série de metáforas militares (que) sublinha a infelicidade (de Charles Hayter) neste caso":

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Anne tem o prazer de notar que Wentworth está ciente de que não há lucro em roubar as afeições das mocinhas, e Charles Hayter depois de deixá-la perigosamente 'desprotegida' é forçado 'depois de uma curta luta a sair do campo' e então a encontra necessário 'retirar-se' dessa posição também.

Apesar de ser o herói do romance, Wentworth age com crueldade em relação a Louisa. Movido por rancor e ego ferido, ele alimenta as fantasias da garota como se realmente estivesse inclinado a escolhe-la como esposa. Ela é uma jovem gentile, moça criada para ser boa esposa e inocente quanto às realidades do mundo, então ela cai na rede de flertes dele. Na ocasião do acidente descobrimos que ele nunca foi sério na intenção de casar com ela e só então o capitão se dá conta que estava prestes a ter que desposar a mocinha para evitar sujar sua honra.

Una-se a isso a descrição da animação dos marinheiros em ver as moças inocentes e desprotegidas desmaiadas no Webb depois do acidente de Louisa. "A essa altura, a notícia do acidente já havia se espalhado entre os operários e barqueiros ao redor do Cobb, e muitos se aproximaram para serem úteis se pudessem, e pelo menos, apreciar a visão de uma jovem inerte, ou melhor, duas mocinhas inertes, pois isso provou ser duas vezes melhor do que o primeiro relatório. 

Foi decidido que Henrietta era a mais bonita, pois, embora parcialmente recomposta, ela estava bastante indefesa." Cap 12.

Austen nos fala da agressividade controlada que os homens honrados têm em relação às suas impulsividades viris. Ah, Mr. Darcy que o diga!

‘Permita-me dizer o quão ardentemente eu a amo e admiro.’ (Cap 34) Elizabeth não permitiu, mas ele foi em frente e fez aquele pedido de casamento louco. Mas, bem, O&P é outro assunto...

Doença

Tanto as doenças reais quanto as fingidas revelam a verdadeira natureza dos personagens. Hipocondria é outro assunto recorrente nas obras de Austen (temos Mrs. Bennet de O&P, Sr. Woohouse em Emma, os irmãos Parker em Sanditon, p.e.)

Mary Elliot Musgrove se imagina doente para chamar atenção, mostrando sua superficialidade. 

Louisa Musgrove está animada e pretende se casar com o capitão Wentworth até depois de seu acidente, quando ela se apaixona pelo calmo e intenso capitão Benwick. A Sra. Smith suporta sua doença sem reclamar.

Unindo todos os casos está a dedicação e delicadeza de Anne tratando de todos apesar da impaciência, menosprezo e/ou ridicularização dos outros personagens.

Aparências

As aparências podem enganar – mas também podem ser reveladoras. O que eles revelam, no entanto, pode ser mais sobre o observador do que sobre o observado. A beleza é realmente sobre atratividade, que é sobre desejo – não somente desejo erótico, mas o que uma pessoa quer de outra. 

Os personagens que recebem elogios por sua aparência geralmente são aqueles que têm algo que os outros desejam ter ou compartilhar. Enquanto a mensagem ostensiva do romance é que a aparência física não é um indicador claro de personalidade, o romance muitas vezes liga a aparência de um personagem com quem ele é por dentro. Nos deparamos com a ideia de que a importância da beleza reforça ou enfraquece a percepção de uma pessoa por seus pares.

 Como de resolver essa contradição? Anne fica mais bonita à medida que fica mais feliz, sugerindo que a aparência física é altamente influenciada e muito mais do que apenas superficial.

Talvez Oscar Wilde tenha aprendido isso com Austen e nos deu Dorian Gray como presente.

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Caminhadas 

Caminhar é um motivo empregado em todos os outros romances de Austen. Quando os personagens saem para passear, geralmente sinaliza um período de desenvolvimento e lá vem uma grande revelação. 

Caminhar implica conversar com os outros, comentar sobre o ambiente e reagir ao mundo exterior. Elas deixam que Austen aumente nossa compreensão sobre um personagem, às vezes mudando perspectivas. 

Em Persuasão, caminhadas são essenciais para a progressão do relacionamento de Anne e Capitão Wentworth. Anne descobre seus sentimentos em relação à constância feminina em uma de suas caminhadas iniciais (cap 10) e, no final, eles revelam seus sentimentos um ao outro em uma caminhada para casa pelo parque (cap 23). Caminhar é um motivo frequente e essencial.

Caminhadas dão aos personagens a oportunidade de falar em particular, bem como de serem ouvidos ou vistos por outros. Quando em uma caminhada em Uppercross, Anne ouve a conversa de Wentworth e Louisa Musgrove e em Lyme, Anne Elliot é "vista" por William Elliot. 

Além disso, nas caminhadas pelo campo os personagens muitas vezes encontram conforto e tempo para reflexão em estar rodeados pela natureza. À medida que os personagens viajam por vários locais, a natureza que encontram varia. No cap 3, descobrimos o prazer que a visão dos "gramados e bosques" de Kellynch trazem a Anne. Em Lyme os personagens procuram o mar por sua beleza. No cap 12, Anne e Henrietta Musgrove acordam cedo e caminham até a praia, onde "elogiam a manhã; gloriaram-se no mar; aproveitam o deleite da brisa fresca".

Caminhadas também dão a Austen o recurso de fazer o cenário inspirar e mudar com os personagens aprofundando nossa percepção da narrativa: na caminhada do cap 10, Anne recita citações sobre o outono para si mesma, "aquela estação que havia extraído de todo poeta, digna de ser lida, alguma tentativa de descrição ou algumas linhas de sentimento". Em contraste com Anne, Louisa Musgrove e o capitão Frederick Wentworth flertam. Depois que Louisa diz "Se eu amasse um homem, como [a Sra. Croft] ama o Almirante, eu sempre estaria com ele", Anne ouve Wentworth elogiar o caráter firme de Louisa, e o humor de Anne muda rapidamente. Como a narração segue principalmente o ponto de vista de Anne, a mudança em suas emoções se reflete em suas observações da natureza: "o ano em declínio, com felicidade em declínio, e as imagens de juventude e esperança e primavera, tudo se foi". Sua tristeza pela juventude perdida e esperança são projetadas em seu entorno para retratar uma atmosfera deprimente. Quando o grupo chega a Winthrop, a fazenda aparece "sem beleza e sem dignidade".


fonte: meus arquivos pessoais, study.com, schmoop, reddit, spark notes, Jane Austen and Animals, wikipedia

veja a primeira parte desse post aqui


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e espera o novo filme lendo a JUVENÍLIA de Jane Austen!

    


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