& Moira Bianchi: BIBLILOVE - A bela e a fera modernos - Capítulo 2

domingo, 7 de maio de 2017

BIBLILOVE - A bela e a fera modernos - Capítulo 2

The plot thickens...



Série PRINCESAS POSSÍVEIS
VOLUME 1
romance inspirado em 'A bela e a fera'
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Petrônio checou o celular, olhou em volta, andou até o fim da rua e quando estava pronto para ligar para seu secretário e conferir o endereço, viu a fachada charmosa da livraria recuada na calçada. O letreiro era pequeno como uma bandeirola lateral, ele esteve procurando letras grandes e vitrines iluminadas.

Quando empurrou a porta recebeu o golpe forte do cheiro gelado de livro da loja climatizada. Por fora parecia modesta, mas era enorme. Longa como um sobrado do século passado, estantes de madeira lustrada, iluminação difusa, poltronas estofadas espalhadas entre as mesas cobertas de volumes.

Um sorriso lhe esticou os lábios, o cheiro de madeira mexia com sua memória afetiva, de repente estava na oficina do seu pai e avô em meio a serragem, chegou a ouvir o zumbido dos tornos.

Deveria ser bom presságio, as coisas iam dar certo, pensou consigo mesmo e sacudindo a cabeça reparou em movimento na estante do fundo.

‘Boa tarde?’

‘Boa!’

Naquela manhã, tinha acordado tenso ainda resolvendo pontas soltas de Brasília, estava preocupado em acertar a última pendência, o local onde encontraria o tal intelectual tinha cheiro de infância, a voz engraçada do camarada magrinho de boné no alto da escada fez Petrônio rir baixinho. ‘Estou procurando Machado.’

‘Pois não?’ Cibele se virou na escada sorrindo e franziu a testa. ‘Conheço você... Da academia?’

Petrônio também franziu a testa chegando mais perto. ‘Cibele, certo? Me deu uma surra no outro dia.’

‘Isso!’ Ela tirou os três pregos da boca. ‘O pessoal disse que você está fazendo aulas de manhã. Gostando?’

Ele se retorceu. ‘Ainda me acostumando.’

Cibele esperou a cantada com certa ironia. Geralmente os caras tentavam conquistá-la logo que a conheciam, esse tinha levado mais de uma semana. Talvez tivesse ganhado coragem quando ela perguntou por ele na academia, alguém deve ter comentado. Como ele parecia estar ocupadíssimo em analisar todos os detalhes das estantes e das milhares de lombadas de livros, ela resolveu tomar a dianteira. ‘Estava tentando arrumar aquela barra lá em cima.’ Apontou para o gato de cabelo grisalho e olhos fundos ver onde precisava de conserto. ‘Está soltando.’

Petrônio não precisava fazer nenhum favor à bela lutadora, mas era um cavalheiro e não estava com pressa. ‘Chama-se testada.’ Ele sorriu pegando o martelo. ‘Com unhas de gato muito caprichadas.’ De perto, o trabalho de marcenaria era ainda mais detalhado. ‘Estantes muito bonitas, bem cuidadas.’

Ela estendeu os pregos. ‘Obrigada.’

Ele pegou, olhou com cuidado e devolveu. ‘Melhor se for sem cabeça.’

‘Prego sem cabeça!’

‘Sim. De dezesseis.’

‘Huh?’

‘Pequenos assim.’ Ele mostrou apertando o polegar contra o dedo indicador. ‘Sua marcenaria merece ser cuidada.’

‘Entende mesmo de madeira...’

‘Pai e avô marceneiros.’ Ele sorriu. ‘Tem os pregos?’

‘Huh-huh.’ Ela sacudiu a cabeça. ‘Só esses.’

‘Não.’ Ele desceu da escada. ‘Compra os sem-cabeça e coloca bem no canto, cuidado para não machucar a unha de gato.’ A mulher bonita franziu a testa sob o boné, ele sorriu e acariciou as três ranhuras na lateral da estante. ‘Essas canaletas que terminam em elevação curva são chamadas de ‘unha de gato’, coisa de marceneiro bom, competente.’

Cibele balançou a cabeça recebendo o martelo de volta.

‘Xavier Machado?’ Petrônio insistiu sorrindo seu bom humor. ‘Seu marido? Patrão?’

‘Pai.’ Cibele fechou a escada e ele pegou para ajudá-la a guardar no armário no fundo da loja. ‘Precisa de alguma coisa em especial? Livro de arte ou-’

‘É só com ele mesmo.’

‘Ok.’ Levantou os ombros, agradeceu o cavalheirismo de manobrar a escada pesada, soltou o cabelo do boné e no balcão, ela ligou para o pai pedindo para ele descer. ‘Pode esperar no escritório do fundo.’ Cibele disse mal disfarçando o risinho de deboche. Seu pai ia olhar para o cara, balançar a cabeça e mandar resolver com ela.

Petrônio enfiou as mãos nos bolsos e levantou o rosto para o sol filtrado pela pérgola do grande jardim de inverno ligando a livraria ao escritório por um pátio muito charmoso. O lugar realmente só poderia pertencer a um amante da literatura.

De longe ele viu a mulher bonita tirar livros de uma caixa e arrumar na mesa da frente, sua silhueta tão bonita escondida no macacão jeans que só deixava metade da camiseta justa e os ombros à mostra. Quem diria que a fera loura trabalhava em uma livraria?

O homem barrigudo de cabeça branca entrou por uma porta lateral, beijou a testa da filha adulta e esticou a mão indicando o escritório.

Confortavelmente sentado na cadeira estofada atrás da sua mesa cheia de livros empilhados, Xavier desviou os olhos para o cartão de visitas. ‘Quem me indicou, Petrônio Rocha Leão?’ Perguntou limpando as lentes dos óculos em um lenço que sacou do bolso da calça depois de ouvir a proposta de serviço.

‘Um amigo em comum.’ Petrônio se recostou na cadeira em frente à mesa coberta de papel e livros. ‘Foi muito bem recomendado.’

‘Faço ghost writing, mas não gosto muito.’ Xavier recolocou os óculos no rosto e o lenço no bolso. ‘É trabalhoso e paga mal.’

‘Faça seu orçamento, será honrado.’

‘Seu amigo vai pedir desconto.’

‘Eu vou pagar diretamente.’

Xavier esperou.

‘Sr. Machado, preciso de um serviço primoroso de qualidade inquestionável e isso tem seu preço. Quem pegar esse livro poderá reclamar das revelações, mas não da linguagem e principalmente não de erros gramaticais.’ Petrônio se inclinou apoiando os cotovelos nos joelhos. ‘Sigilo absoluto, faremos um contrato meticuloso.’

‘O quão sigiloso?’

‘Somente você e ele estarão envolvidos.’

‘Sou funcionário público, preciso cumprir horário, minha filha me ajuda.’

‘Consigo licença remunerada para que se dedique a esse projeto especial.’

Xavier levantou as sobrancelhas. ‘Ainda assim Cibele trabalha comigo.’

‘Então, serão vocês três envolvidos.’

‘Você vai pagar, mas não vai ver?’

‘Não.’

O velho meneou a cabeça piscando devagar. ‘Tem habilidade para controlar a curiosidade e a ansiedade a este ponto?’

‘Conheço boa parte do que será revelado, sei que será chumbo grosso. Esse meu...’ Petrônio pausou para escolher o termo correto. Acabou por escolher o mais indicado no momento. ‘Amigo, está me ajudando a me desligar da colocação que exerci por anos e preciso retribuir a gentileza.’

‘E sobre o que seria este livro?’

‘Uma biografia.’

‘De quem?’

‘Um ex-congressista, atualmente age como assessor parlamentar.’

‘Brasília.’

‘Sim.

‘Desculpe-me o ceticismo.’

Ficou claro para Petrônio que a boa vontade do homem requeria alguma explicação (mesmo que frugal). ‘Me dediquei à função similar por uma década, mas este parece ser o momento exato para me desligar. Esse amigo foi meu maior concorrente por muito tempo, agora assume meus clientes e causas.’

‘Imagino que ser assessor parlamentar seja trabalho de prestígio com boa remuneração.’ Xavier investigou. ‘E vai sair.’

‘Sim.’

‘Respeito a discrição, mas me parece duvidoso.’

‘O trabalho de lobista tem essa conotação, é normal pensar assim. No meu caso específico, saio do Planalto no auge da carreira por não gostar do rumo que as coisas estão tomando; quem assume o poder das Casas faz um esquema perigoso. Tenho visto um movimento da Federal que nunca vi antes, Brasília não é mais a mesma. Decidi me dedicar à iniciativa privada.’ Petrônio se recostou novamente. ‘Mas o assunto não sou eu. Podemos acertar todos os detalhes antes que conheça meu amigo e depois vocês decidem se trabalharão juntos.’

‘Tem outras opções em vista? Procure outro, ghost writing não é meu passatempo preferido.’ Xavier prendeu os lábios.

‘Tenho três outros nomes, mas o seu é o primeiro da lista.’

‘Entendo. Cibele?’ Levantou a voz.

‘Pai?’ Ela respondeu da loja.

‘Imprime uma cópia do meu contrato de ghost writer, por favor.’

‘Você não faz mais isso, lembra?’

‘Essa menina é autoritária demais.’ Reclamou sacudindo a cabeça. ‘Pega?’ Insistiu.

Poucos minutos depois estavam no meio da xícara de café expresso quando Cibele entrou no escritório e o pai indicou Petrônio que agradeceu com um sorriso apertado nos lábios.

‘Já conhece minha filha?’

‘Sim.’ Petrônio trocou olhares com ela. ‘Me deu uma surra na semana passada.’

‘Na academia ou na rua?’ O pai riu vendo a expressão no rosto do homem. ‘A incentivei na prática de lutas logo cedo para proteção contra admiradores mais ardentes. Ela sempre foi assim, linda, desde pequena e só tem guarda-costas há pouco tempo.’

‘Olha o respeito, pai!...’ Cibele apontou o dedo e o pai riu mais alto. ‘Não liga, Petrônio. Ele debocha, mas é tão solidário quanto eu; inclusive foi ele quem primeiro deixou Átila usar o banheiro aqui do jardim.’ Ela apontou a porta vermelha em meio a vasos de plantas bem cuidadas. ‘É um homem educado em situação de rua, retribui como pode.’

Sem comentar, Petrônio pensou que o que viu no dia do jogo fazia um pouco mais de sentido. Abaixou os olhos para os papéis e quatro segundos foram suficientes para examinar o contrato de três páginas. ‘É razoável, vou fazer alguns adendos.’

‘Diga quais são e organizamos, eu ou Cibele. Não advogamos, mas temos registro na Ordem.’

‘Melhor.’ Petrônio balançou a cabeça devagar, pálpebras apertadas e olhar vago como se pensando em algo em especial. ‘Vamos cavar uma ação para você ajuizar para ele, assim garantimos confidencialidade.’

‘Está esperando problemas?’

‘Se ele gostar de você, acho que temos potencial para revelações explosivas; vou sondar editoras, quero que ele tenha todas as opções. O que está fazendo por mim vale minha atenção.’

Cibele sentou na janela do jardim de inverno e cruzou os braços. ‘Se são revelações sérias com um viés de opinião, acho que deveria considerar auto publicação.’ Os dois homens focaram nela. ‘Um editor pode ficar com medo de processos, exigir cortes. Ou mesmo ter que prestar contas a algum grupo...’

O pai concordou com a cabeça. ‘Bem pensado, querida. Mas nesse caso ia precisar de divulgação, um serviço de relações públicas competente...’ Se virou para Petrônio. ‘A não ser que a compilação já seja suficiente para catalogar memórias.’

‘Relações públicas e marketing são minha especialidade, minha equipe pode facilmente cuidar disso sem chamar atenção. Somos conhecidos de longa data, seria até esperado que ele me contratasse para essa função.’

‘Resolvido, então.’

‘Vou para Brasília amanhã, depois preciso estar em São Paulo e só devo voltar no final da semana. Antes disso meu assessor vai enviar as cláusulas revisadas, temos um advogado especializado na minha equipe direta.’ Petrônio levantou esticando a mão para o velho. ‘Senhor Machado-’

‘Xavier.’

‘Xavier, espero seu preço. Vou cobrir.’


‘E aí, pai?’ Cibele perguntou depois que o homem havia saído da livraria.

‘Parece uma armadilha.’

‘Por que alguém ia querer te pegar em uma armadilha?’ Sorriu ironicamente. ‘Nem impostos a gente deve!’

‘Pode não ser para mim, mas me usando como instrumento.’

‘Cobra caro, deve ser suficiente para espantar o cara.’

‘É o que você faz com admiradores, exige restaurantes caríssimos?’

Ela deu de ombros. ‘Dá certo.’ E torceu o nariz. ‘Achei que ele estava aqui para me chamar para sair.’

‘Orgulho ferido?’

‘Não exatamente, só fiquei surpresa... Parece um cara sério, né?’

‘Estou desconfiado apesar da aparência de credibilidade.’

‘Declina a oferta logo de cara, pai.’


‘E como fica minha curiosidade?’ Ele sorriu. ‘Vou trabalhar.’ Beijou a testa da filha, pegou o paletó do terno e saiu.


E começaram!...

Depois disso, tem muita estória, muitas rosas, muito amor...
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