Orgulho e Preconceito
Jane Austen
parte 5 de 6
41
Tinha passado a primeira semana depois do
regresso das meninas. A segunda começou. Chegara o dia da partida do regimento
de Meryton. E todas as moças da redondeza definhavam de desgosto. A tristeza
era geral. Apenas as duas mais velhas da família Bennet conseguiam ainda comer,
beber, dormir e passar o seu tempo como de costume. Frequentemente recebiam
admoestações de Kitty e Lydia por causa daquela insensibilidade. O desgosto
daquelas duas era extremo. Elas não podiam compreender tamanha dureza de
coração.
— Que é que nós vamos fazer? — exclamavam frequentemente, impelidas pela sua amargura. — Como é que você pode se mostrar tão sorridente, Lizzy?
Mrs. Bennet, que era uma mãe afetuosa, compartilhava a tristeza das filhas. Recordava-se do que tinha sofrido há 25 anos.
— Eu me lembro — disse ela —; chorei durante dois dias seguidos quando o regimento do coronel Miller foi embora. Pensei que ia morrer de desgosto.
— Estou certa de que isto acontecerá comigo — disse Lydia.
— Se a gente pudesse ir a Brighton! — observou Mrs. Bennet.
— Oh, sim, se a gente pudesse ir a Brighton... Mas papai é tão desagradável!
— Alguns banhos de mar me restabeleceriam para sempre.
— E minha tia Philips disse que isto haveria de me fazer muito bem — acrescentou Kitty.
Tais eram as lamentações que se ouviam perpetuamente em Longbourn. Elizabeth procurava se distrair com aquilo. Mas a sua vergonha lhe roubava todo o prazer. Ela tornava a sentir a retidão das objeções de Mr. Darcy. E nunca antes estivera tão disposta a perdoar a sua interferência no caso do seu amigo.
Mas as sombrias perspectivas de Lydia foram logo dissipadas, pois Mrs. Forster, a mulher do coronel do regimento, a convidou para ir a Brighton, em sua companhia. Essa inestimável amiga era muito moça e estava casada há muito pouco tempo. Era alegre e animada como Lydia. E essa semelhança as tornara muito íntimas depois de três meses de relações.
O êxtase de Lydia, a sua adoração por Mrs. Forster, a alegria de Mrs. Bennet e a mortificação de Kitty são impossíveis de descrever. Inteiramente indiferente aos sentimentos da sua irmã, Lydia corria pela casa numa felicidade inextinguível, exigindo que todos lhe dessem parabéns, rindo e falando com mais violência do que nunca; enquanto isto, a infeliz Kitty permanecia na sala, lamentando o seu destino em termos despropositados, numa voz ressentida:
— Não compreendo por que Mrs. Forster não me convidou também — disse ela. — Embora eu não seja a sua amiga particular, tenho tanto direito a ser convidada quanto Lydia. Mais até, pois sou dois anos mais velha.
Elizabeth procurou em vão lhe incutir sentimentos mais sensatos e Jane maior resignação. Quanto a Elizabeth, esse convite estava longe de lhe produzir os mesmos sentimentos que em sua mãe e em Lydia, pois o considerava como uma espécie de sentença de morte para todas as possibilidades de sua irmã vir um dia a ter bom senso. E não pôde deixar de aconselhar secretamente a seu pai que não deixasse Lydia ir, apesar da repugnância que lhe inspirava um tal empreendimento. Ela lhe descreveu todas as impropriedades da conduta de Lydia e as poucas vantagens que lhe poderiam advir da intimidade com uma mulher como Mrs. Forster e a probabilidade de que Lydia se tornasse ainda mais imprudente em companhia de uma tal pessoa e num lugar onde as tentações seriam maiores do que em casa. Ele a ouviu atentamente, e respondeu:
— Lydia nunca ficará tranquila enquanto não lhe acontecer alguma. E ela nunca encontrará melhor ocasião de fazer uma tolice do que a atual, sem dar despesas e trabalho à família.
— Se o senhor soubesse — disse Elizabeth — dos grandes inconvenientes que esta conduta leviana de Lydia em público, pode nos trazer, ou melhor, as que já nos trouxe, encararia esta questão de maneira diferente.
— Já trouxe? — repetiu Mr. Bennet. — Será que ela já afugentou um dos seus namorados? Minha pobre Lizzy... Mas não fique desanimada. Estes rapazes difíceis que não suportam o contato de pequenos ridículos não são dignos de saudade. Vamos, dê-me a lista dos pobres coitados que foram postos em fuga pelas loucuras de Lydia.
— Realmente, o senhor está enganado. Não tenho desgostos destes a lamentar. Não é de dissabores particulares mas de inconvenientes que eu me queixo. A nossa reputação deve sofrer necessariamente com a leviandade de Lydia, a imprudência e o desdém de toda restrição que marcam o seu caráter. Desculpe, mas eu preciso falar claramente. Se o senhor não se der ao trabalho de reprimir essas loucuras e não lhe ensinar que as suas atuais ocupações não são a finalidade da sua vida, em breve não haverá mais possibilidade de corrigi-la. Seu caráter estará fixado e com 16 anos ela será uma terrível namoradeira, cobrindo a si mesma e a sua família de ridículo. E uma namoradeira no pior sentido, sem outros atrativos a não ser a sua mocidade e sua boa aparência. A sua ignorância e futilidade a tornarão incapaz de vencer o desprezo geral que o seu apetite imoderado de admiração há de provocar. E Kitty também corre o mesmo perigo. Ela acompanhará de olhos fechados os passos de Lydia. Vaidosa, ignorante, ociosa, e absolutamente descontrolada! Oh, meu querido pai, acha o senhor possível que elas não sejam censuradas e desprezadas em qualquer lugar em que se tornem conhecidas? E que as suas irmãs não serão frequentemente envolvidas nesse mesmo desprezo?
Mr. Bennet viu que todo o coração da sua filha estava comprometido no assunto. E tomando-lhe afetuosamente a mão, respondeu:
— Não se preocupe, meu bem. Onde quer que você e Jane sejam conhecidas, serão respeitadas e apreciadas. E vocês não serão menos admiradas porque têm duas, ou melhor, três irmãs bastante tolas. Não teremos um instante de sossego em Longbourn se Lydia não for a Brighton. Portanto, deixe-a ir. O coronel Forster é um homem sensato e tomará precauções para que nada de mal lhe aconteça. E felizmente ela é pobre demais para ser um objeto de grandes cobiças. Em Brighton terá menos importância, mesmo como namoradeira vulgar, do que aqui. Os oficiais encontrarão moças mais dignas de atenção. Esperemos portanto que a sua estada lá lhe mostre a sua insignificância. E de qualquer forma ela não pode piorar muito de conduta sem nos autorizar a trancá-la em casa para o resto da vida.
Elizabeth foi obrigada a se contentar com esta resposta. Mas a sua opinião continuou inalterada, e deixou o pai, desapontada e triste. Não estava na sua natureza, no entanto, remoer os seus desgostos, tornando-os assim ainda maiores. Bastava-lhe o consolo de ter feito o seu dever. E inquietar-se com males inevitáveis, ou aumentá-los pela ansiedade eram coisas que não combinavam com o seu feitio.
Se Lydia e sua mãe tivessem sabido o assunto da conversa que Elizabeth tivera com Mr. Bennet, toda a sua volubilidade somada não teria sido suficiente para exprimir a indignação que as possuiria. Na imaginação de Lydia, uma visita a Brighton compreendia todos as possibilidades de felicidade terrena. Ela via com o olhar criador da ficção, as ruas daquela alegre cidade balneária repletas de oficiais. Imaginava-se o centro de atenção de dezenas e centenas deles. Via todos os esplendores do campo militar, as barracas, estendendo-se em belas filas regulares, povoadas de jovens alegres, resplandecentes nas suas túnicas vermelhas; para completar a cena via-se a si mesma sentada sob uma dessas barracas, namorando pela menos seis oficiais ao mesmo tempo.
Se tivesse sabido que a sua irmã procurara arrancá-la de tais possibilidades e de tais realidades, qual não teria sido a sua indignação? Ela só poderia ter sido compreendida pela sua mãe, cujos sentimentos seriam aproximadamente os mesmos. A ida de Lydia para Brighton era a única coisa que a consolava da certeza melancólica de que seu marido não tencionava também ir.
Mas elas ignoravam tudo o que se tinha passado. E seus êxtases continuaram com pequenos intervalos, até o dia da partida de Lydia.
Elizabeth veria então Mr. Wickham pela última vez. Tendo-o encontrado frequentemente em sociedade desde a sua volta, a sua agitação já se tinha acalmado. As emoções da sua antiga preferência, estas se tinham desvanecido de todo. Conseguira mesmo distinguir uma certa afetação e monotonia nas próprias gentilezas que a princípio a tinham deliciado. Além disso, na conduta atual de Wickham para com ela, Elizabeth encontrava uma nova fonte de desprazer, pois a inclinação que ele manifestou para renovar aquelas atenções que tinham caracterizado os primeiros tempos das suas relações agora serviam apenas para irritá-la ainda mais. Perdeu todo o respeito por ele, vendo-se assim escolhida como objeto de tão fúteis galanteios. E enquanto os repelia com firmeza, não podia deixar de sentir a censura implícita na convicção de Wickham de que quaisquer que tivessem sido as causas que tinham feito cessar as suas atenções, e por maior que tivesse sido o período de tempo em que o fizera, a vaidade de Elizabeth seria gratificada e a sua preferência reconquistada no momento em que quisesse renovar as suas gentilezas.
No último dia que o regimento passou em Meryton, Wickham veio jantar em Longbourn com outros oficiais. Elizabeth estava tão pouco disposta a se despedir dele de bom humor que, quando Wickham lhe fez algumas perguntas sobre a maneira como passara o seu tempo em Hunsford, respondeu que o coronel Fitzwilliam e Mr. Darcy tinham passado três semanas em Rosings e perguntou-lhe se conhecia o primeiro.
Ele pareceu surpreendido, aborrecido, alarmado. Mas depois de se concentrar um instante, respondeu sorrindo que outrora estivera frequentemente com ele. E depois de observar que era um cavalheiro muito fino, perguntou se Elizabeth tinha gostado dele. A resposta de Elizabeth foi calorosamente afirmativa. Com ar de indiferença, pouco depois ele acrescentou:
— Quanto tempo disse que haviam passado em Rosings?
— Quase três semanas.
— Esteve com ele frequentemente?
— Sim, quase todos os dias!
— Suas maneiras são bem diferentes das de seu primo.
— Sim, muito diferentes. Mas acho que Mr. Darcy ganha muito quando o conhecemos melhor.
— Realmente — exclamou Wickham, com um olhar que não escapou a Elizabeth. — E posso perguntar...
Porém, mudando de ideia, acrescentou, num tom mais alegre:
— Será na sua maneira de falar que ele melhora? Ter-se-ia dignado a acrescentar um pouco de cortesia ao seu estilo habitual? Pois não ouso esperar que tenha realmente melhorado nas coisas essenciais — continuou Wickham, num tom mais grave.
— Oh, não — disse Elizabeth —, quanto às coisas essenciais, creio que continua exatamente o que era.
Enquanto ela falava, a expressão de Wickham indicava que não sabia se se devia alegrar com as suas palavras ou desconfiar do sentido das mesmas. Havia qualquer coisa no rosto de Elizabeth que o obrigava a seguir com atenção ansiosa as suas palavras. Elizabeth acrescentou:
— Quando disse que ele melhorava à medida que se conhecia melhor o seu temperamento, não queria dizer que seu espírito, nem tampouco as suas maneiras estavam em vias de aperfeiçoamento, mas que conhecendo-o melhor o seu caráter se tornava mais compreensível.
A inquietude de Wickham transparecia agora no rubor que lhe subira ao rosto e no seu olhar desassossegado. Durante alguns minutos ficou em silêncio e finalmente, vencendo o seu embaraço, ele tornou a se virar para Elizabeth e disse, num tom muito grave:
— A senhora, que conhece tão bem os meus sentimentos para com Mr. Darcy, há de compreender quanto eu me alegro sinceramente de que ele assuma, pelo menos, a aparência de justiça. Nisso o orgulho dele pode ser útil, senão para ele próprio, pelo menos para os outros, pois o impedirá de cometer tão flagrantes injustiças como as que eu tive de sofrer. Temo apenas que essas precauções, às quais, imagino, a senhora acaba de aludir, sejam apenas adotadas durante as visitas em casa da sua tia, de cuja opinião e julgamento ele tem o maior respeito. O medo que a sua tia lhe causa sempre atuou sobre ele, quando estão juntos; e uma grande parte disto deve ser atribuída ao desejo que tem de favorecer o seu projetado casamento com Miss de Bourgh, pois sei com certeza que ele leva isto muito a sério.
Elizabeth não pôde deixar de sorrir, mas respondeu apenas com um ligeiro aceno de cabeça. Compreendeu que ele desejava arrastá-la para o assunto das suas mágoas e não estava disposta a tolerá-lo. Durante o resto da noite, Wickham procurou se mostrar alegre e despreocupado como sempre, porém cessou as suas atenções para com Elizabeth. Separaram-se com mútua cortesia e possivelmente um desejo igual de nunca mais se encontrar.
Quando chegou a hora das visitas se retirarem, Lydia regressou com Mrs. Forster para Meryton, de onde deveriam partir no dia seguinte de manhã cedo. A separação entre ela e o resto da família foi mais ruidosa do que patética. Kitty foi a única que chorou, mas as suas lágrimas eram de humilhação e inveja. Mrs. Bennet foi eloquente nos seus desejos de felicidade para a filha, e nas suas injunções para que ela não perdesse nenhuma oportunidade de se divertir, conselho que, tudo levava a crer, seria seguido à risca. E no meio dos clamores com que Lydia exprimia a sua felicidade, os adeuses menos ruidosos das suas irmãs quase não foram ouvidos.
— Que é que nós vamos fazer? — exclamavam frequentemente, impelidas pela sua amargura. — Como é que você pode se mostrar tão sorridente, Lizzy?
Mrs. Bennet, que era uma mãe afetuosa, compartilhava a tristeza das filhas. Recordava-se do que tinha sofrido há 25 anos.
— Eu me lembro — disse ela —; chorei durante dois dias seguidos quando o regimento do coronel Miller foi embora. Pensei que ia morrer de desgosto.
— Estou certa de que isto acontecerá comigo — disse Lydia.
— Se a gente pudesse ir a Brighton! — observou Mrs. Bennet.
— Oh, sim, se a gente pudesse ir a Brighton... Mas papai é tão desagradável!
— Alguns banhos de mar me restabeleceriam para sempre.
— E minha tia Philips disse que isto haveria de me fazer muito bem — acrescentou Kitty.
Tais eram as lamentações que se ouviam perpetuamente em Longbourn. Elizabeth procurava se distrair com aquilo. Mas a sua vergonha lhe roubava todo o prazer. Ela tornava a sentir a retidão das objeções de Mr. Darcy. E nunca antes estivera tão disposta a perdoar a sua interferência no caso do seu amigo.
Mas as sombrias perspectivas de Lydia foram logo dissipadas, pois Mrs. Forster, a mulher do coronel do regimento, a convidou para ir a Brighton, em sua companhia. Essa inestimável amiga era muito moça e estava casada há muito pouco tempo. Era alegre e animada como Lydia. E essa semelhança as tornara muito íntimas depois de três meses de relações.
O êxtase de Lydia, a sua adoração por Mrs. Forster, a alegria de Mrs. Bennet e a mortificação de Kitty são impossíveis de descrever. Inteiramente indiferente aos sentimentos da sua irmã, Lydia corria pela casa numa felicidade inextinguível, exigindo que todos lhe dessem parabéns, rindo e falando com mais violência do que nunca; enquanto isto, a infeliz Kitty permanecia na sala, lamentando o seu destino em termos despropositados, numa voz ressentida:
— Não compreendo por que Mrs. Forster não me convidou também — disse ela. — Embora eu não seja a sua amiga particular, tenho tanto direito a ser convidada quanto Lydia. Mais até, pois sou dois anos mais velha.
Elizabeth procurou em vão lhe incutir sentimentos mais sensatos e Jane maior resignação. Quanto a Elizabeth, esse convite estava longe de lhe produzir os mesmos sentimentos que em sua mãe e em Lydia, pois o considerava como uma espécie de sentença de morte para todas as possibilidades de sua irmã vir um dia a ter bom senso. E não pôde deixar de aconselhar secretamente a seu pai que não deixasse Lydia ir, apesar da repugnância que lhe inspirava um tal empreendimento. Ela lhe descreveu todas as impropriedades da conduta de Lydia e as poucas vantagens que lhe poderiam advir da intimidade com uma mulher como Mrs. Forster e a probabilidade de que Lydia se tornasse ainda mais imprudente em companhia de uma tal pessoa e num lugar onde as tentações seriam maiores do que em casa. Ele a ouviu atentamente, e respondeu:
— Lydia nunca ficará tranquila enquanto não lhe acontecer alguma. E ela nunca encontrará melhor ocasião de fazer uma tolice do que a atual, sem dar despesas e trabalho à família.
— Se o senhor soubesse — disse Elizabeth — dos grandes inconvenientes que esta conduta leviana de Lydia em público, pode nos trazer, ou melhor, as que já nos trouxe, encararia esta questão de maneira diferente.
— Já trouxe? — repetiu Mr. Bennet. — Será que ela já afugentou um dos seus namorados? Minha pobre Lizzy... Mas não fique desanimada. Estes rapazes difíceis que não suportam o contato de pequenos ridículos não são dignos de saudade. Vamos, dê-me a lista dos pobres coitados que foram postos em fuga pelas loucuras de Lydia.
— Realmente, o senhor está enganado. Não tenho desgostos destes a lamentar. Não é de dissabores particulares mas de inconvenientes que eu me queixo. A nossa reputação deve sofrer necessariamente com a leviandade de Lydia, a imprudência e o desdém de toda restrição que marcam o seu caráter. Desculpe, mas eu preciso falar claramente. Se o senhor não se der ao trabalho de reprimir essas loucuras e não lhe ensinar que as suas atuais ocupações não são a finalidade da sua vida, em breve não haverá mais possibilidade de corrigi-la. Seu caráter estará fixado e com 16 anos ela será uma terrível namoradeira, cobrindo a si mesma e a sua família de ridículo. E uma namoradeira no pior sentido, sem outros atrativos a não ser a sua mocidade e sua boa aparência. A sua ignorância e futilidade a tornarão incapaz de vencer o desprezo geral que o seu apetite imoderado de admiração há de provocar. E Kitty também corre o mesmo perigo. Ela acompanhará de olhos fechados os passos de Lydia. Vaidosa, ignorante, ociosa, e absolutamente descontrolada! Oh, meu querido pai, acha o senhor possível que elas não sejam censuradas e desprezadas em qualquer lugar em que se tornem conhecidas? E que as suas irmãs não serão frequentemente envolvidas nesse mesmo desprezo?
Mr. Bennet viu que todo o coração da sua filha estava comprometido no assunto. E tomando-lhe afetuosamente a mão, respondeu:
— Não se preocupe, meu bem. Onde quer que você e Jane sejam conhecidas, serão respeitadas e apreciadas. E vocês não serão menos admiradas porque têm duas, ou melhor, três irmãs bastante tolas. Não teremos um instante de sossego em Longbourn se Lydia não for a Brighton. Portanto, deixe-a ir. O coronel Forster é um homem sensato e tomará precauções para que nada de mal lhe aconteça. E felizmente ela é pobre demais para ser um objeto de grandes cobiças. Em Brighton terá menos importância, mesmo como namoradeira vulgar, do que aqui. Os oficiais encontrarão moças mais dignas de atenção. Esperemos portanto que a sua estada lá lhe mostre a sua insignificância. E de qualquer forma ela não pode piorar muito de conduta sem nos autorizar a trancá-la em casa para o resto da vida.
Elizabeth foi obrigada a se contentar com esta resposta. Mas a sua opinião continuou inalterada, e deixou o pai, desapontada e triste. Não estava na sua natureza, no entanto, remoer os seus desgostos, tornando-os assim ainda maiores. Bastava-lhe o consolo de ter feito o seu dever. E inquietar-se com males inevitáveis, ou aumentá-los pela ansiedade eram coisas que não combinavam com o seu feitio.
Se Lydia e sua mãe tivessem sabido o assunto da conversa que Elizabeth tivera com Mr. Bennet, toda a sua volubilidade somada não teria sido suficiente para exprimir a indignação que as possuiria. Na imaginação de Lydia, uma visita a Brighton compreendia todos as possibilidades de felicidade terrena. Ela via com o olhar criador da ficção, as ruas daquela alegre cidade balneária repletas de oficiais. Imaginava-se o centro de atenção de dezenas e centenas deles. Via todos os esplendores do campo militar, as barracas, estendendo-se em belas filas regulares, povoadas de jovens alegres, resplandecentes nas suas túnicas vermelhas; para completar a cena via-se a si mesma sentada sob uma dessas barracas, namorando pela menos seis oficiais ao mesmo tempo.
Se tivesse sabido que a sua irmã procurara arrancá-la de tais possibilidades e de tais realidades, qual não teria sido a sua indignação? Ela só poderia ter sido compreendida pela sua mãe, cujos sentimentos seriam aproximadamente os mesmos. A ida de Lydia para Brighton era a única coisa que a consolava da certeza melancólica de que seu marido não tencionava também ir.
Mas elas ignoravam tudo o que se tinha passado. E seus êxtases continuaram com pequenos intervalos, até o dia da partida de Lydia.
Elizabeth veria então Mr. Wickham pela última vez. Tendo-o encontrado frequentemente em sociedade desde a sua volta, a sua agitação já se tinha acalmado. As emoções da sua antiga preferência, estas se tinham desvanecido de todo. Conseguira mesmo distinguir uma certa afetação e monotonia nas próprias gentilezas que a princípio a tinham deliciado. Além disso, na conduta atual de Wickham para com ela, Elizabeth encontrava uma nova fonte de desprazer, pois a inclinação que ele manifestou para renovar aquelas atenções que tinham caracterizado os primeiros tempos das suas relações agora serviam apenas para irritá-la ainda mais. Perdeu todo o respeito por ele, vendo-se assim escolhida como objeto de tão fúteis galanteios. E enquanto os repelia com firmeza, não podia deixar de sentir a censura implícita na convicção de Wickham de que quaisquer que tivessem sido as causas que tinham feito cessar as suas atenções, e por maior que tivesse sido o período de tempo em que o fizera, a vaidade de Elizabeth seria gratificada e a sua preferência reconquistada no momento em que quisesse renovar as suas gentilezas.
No último dia que o regimento passou em Meryton, Wickham veio jantar em Longbourn com outros oficiais. Elizabeth estava tão pouco disposta a se despedir dele de bom humor que, quando Wickham lhe fez algumas perguntas sobre a maneira como passara o seu tempo em Hunsford, respondeu que o coronel Fitzwilliam e Mr. Darcy tinham passado três semanas em Rosings e perguntou-lhe se conhecia o primeiro.
Ele pareceu surpreendido, aborrecido, alarmado. Mas depois de se concentrar um instante, respondeu sorrindo que outrora estivera frequentemente com ele. E depois de observar que era um cavalheiro muito fino, perguntou se Elizabeth tinha gostado dele. A resposta de Elizabeth foi calorosamente afirmativa. Com ar de indiferença, pouco depois ele acrescentou:
— Quanto tempo disse que haviam passado em Rosings?
— Quase três semanas.
— Esteve com ele frequentemente?
— Sim, quase todos os dias!
— Suas maneiras são bem diferentes das de seu primo.
— Sim, muito diferentes. Mas acho que Mr. Darcy ganha muito quando o conhecemos melhor.
— Realmente — exclamou Wickham, com um olhar que não escapou a Elizabeth. — E posso perguntar...
Porém, mudando de ideia, acrescentou, num tom mais alegre:
— Será na sua maneira de falar que ele melhora? Ter-se-ia dignado a acrescentar um pouco de cortesia ao seu estilo habitual? Pois não ouso esperar que tenha realmente melhorado nas coisas essenciais — continuou Wickham, num tom mais grave.
— Oh, não — disse Elizabeth —, quanto às coisas essenciais, creio que continua exatamente o que era.
Enquanto ela falava, a expressão de Wickham indicava que não sabia se se devia alegrar com as suas palavras ou desconfiar do sentido das mesmas. Havia qualquer coisa no rosto de Elizabeth que o obrigava a seguir com atenção ansiosa as suas palavras. Elizabeth acrescentou:
— Quando disse que ele melhorava à medida que se conhecia melhor o seu temperamento, não queria dizer que seu espírito, nem tampouco as suas maneiras estavam em vias de aperfeiçoamento, mas que conhecendo-o melhor o seu caráter se tornava mais compreensível.
A inquietude de Wickham transparecia agora no rubor que lhe subira ao rosto e no seu olhar desassossegado. Durante alguns minutos ficou em silêncio e finalmente, vencendo o seu embaraço, ele tornou a se virar para Elizabeth e disse, num tom muito grave:
— A senhora, que conhece tão bem os meus sentimentos para com Mr. Darcy, há de compreender quanto eu me alegro sinceramente de que ele assuma, pelo menos, a aparência de justiça. Nisso o orgulho dele pode ser útil, senão para ele próprio, pelo menos para os outros, pois o impedirá de cometer tão flagrantes injustiças como as que eu tive de sofrer. Temo apenas que essas precauções, às quais, imagino, a senhora acaba de aludir, sejam apenas adotadas durante as visitas em casa da sua tia, de cuja opinião e julgamento ele tem o maior respeito. O medo que a sua tia lhe causa sempre atuou sobre ele, quando estão juntos; e uma grande parte disto deve ser atribuída ao desejo que tem de favorecer o seu projetado casamento com Miss de Bourgh, pois sei com certeza que ele leva isto muito a sério.
Elizabeth não pôde deixar de sorrir, mas respondeu apenas com um ligeiro aceno de cabeça. Compreendeu que ele desejava arrastá-la para o assunto das suas mágoas e não estava disposta a tolerá-lo. Durante o resto da noite, Wickham procurou se mostrar alegre e despreocupado como sempre, porém cessou as suas atenções para com Elizabeth. Separaram-se com mútua cortesia e possivelmente um desejo igual de nunca mais se encontrar.
Quando chegou a hora das visitas se retirarem, Lydia regressou com Mrs. Forster para Meryton, de onde deveriam partir no dia seguinte de manhã cedo. A separação entre ela e o resto da família foi mais ruidosa do que patética. Kitty foi a única que chorou, mas as suas lágrimas eram de humilhação e inveja. Mrs. Bennet foi eloquente nos seus desejos de felicidade para a filha, e nas suas injunções para que ela não perdesse nenhuma oportunidade de se divertir, conselho que, tudo levava a crer, seria seguido à risca. E no meio dos clamores com que Lydia exprimia a sua felicidade, os adeuses menos ruidosos das suas irmãs quase não foram ouvidos.
42
Se as opiniões de Elizabeth se
originassem do exemplo dado pela sua própria família, a sua ideia da felicidade
conjugal e de conforto doméstico não poderia ser das mais lisonjeiras. Seu pai,
cativado pela mocidade, beleza e aparência de bom humor que a juventude em
geral confere às mulheres, tinha se casado com uma pessoa de débil compreensão
e de ideias estreitas; muito pouco tempo depois do casamento, esses defeitos
haviam extinguido toda a afeição sincera que tinha por ela. O respeito, a
estima, a confiança, tinham-se desvanecido para sempre. E todos os seus anseios
de felicidade doméstica foram destruídos. Mas Mr. Bennet não era desses homens
que procuram se consolar das desilusões causadas pelas suas próprias
imprevidências entregando-se a esses prazeres em que os infelizes procuram uma
compensação para as suas loucuras e os seus vícios. Ele gostava do campo e dos
livros; disso tirava as suas principais distrações, e quanto à sua mulher,
pouco mais lhe devia do que os divertimentos que o espetáculo da sua ignorância
e a sua falta de senso lhe tinham proporcionado. Essa não é a espécie de
felicidade que os homens em geral desejam encontrar no casamento. Mas na falta
de outros dons, o verdadeiro filósofo se contentará com os poucos que lhe são
dados.
Elizabeth, no entanto, nunca fora cega aos defeitos de seu pai como marido. Aquilo sempre lhe doera, mas admirando as suas qualidades e grata pela maneira afetuosa com que a tratava, Elizabeth se esforçava por esquecer o que não podia deixar de perceber e bania dos seus pensamentos essas contínuas irregularidades de conduta conjugal que, expondo a sua mãe ao desprezo das suas próprias filhas, era portanto altamente repreensível. Mas nunca sentira tão fortemente como agora as desvantagens que devem sofrer os filhos de um casal tão pouco unido, nem compreendera antes tão claramente os males provenientes de uma defeituosa aplicação de talentos; talentos que, bem-empregados, poderiam proteger a respeitabilidade das suas filhas, mesmo se não conseguissem alargar a mentalidade da sua esposa.
Após o alívio que lhe causara a partida de Wickham, Elizabeth encontrou menos prazer do que esperava na partida do regimento. As reuniões em que tomava parte eram menos variadas do que antes. E em casa tinha uma mãe e uma irmã cujas continuas lamentações sobre o tédio da vida que levavam projetavam uma tristeza real sobre o círculo da família. E embora Kitty se mostrasse às vezes mais sensata, pois as causas que perturbavam o seu cérebro tinham sido removidas, em compensação, Lydia, cujas tendências eram mais perigosas, morando agora num lugar tão impróprio, a um tempo caserna e balneário, acentuaria provavelmente os seus defeitos e a sua inconsciência. Em suma, portanto, descobriu, como anteriormente já muitas vezes acontecera, que os acontecimentos esperados com impaciência não produziam, ao se realizarem, toda a satisfação que deles esperava. Era portanto necessário marcar um outro período para o começo da sua verdadeira felicidade, ter outros pontos de apoio para os seus desejos e esperanças. E consolava-se atualmente com o prazer de antecipar futuras felicidades. A sua viagem para os lagos constituía agora o objeto dos seus pensamentos mais felizes. Era o seu melhor consolo para as horas desagradáveis que o descontentamento de Kitty e de sua mãe tornavam inevitável. E para tornar o seu plano perfeito, só faltava incluir nele Jane.
“Felizmente eu tenho alguma coisa a desejar”, pensou Elizabeth. “Se tudo no meu plano fosse perfeito, a minha decepção seria certa. Mas assim, levando comigo uma fonte contínua de tristeza, a saudade de minha irmã, posso razoavelmente esperar que todas as minhas expectativas de prazer se realizem. Um plano perfeito nunca pode ser realizado.”
Lydia, ao partir, prometeu que escreveria frequentemente e minuciosamente para sua mãe e para Kitty. Mas as cartas, ansiosamente esperadas, eram sempre muito curtas. As que eram dirigidas a Mrs. Bennet continham pouco mais do que fatos como estes: tinham acabado de regressar da biblioteca, onde tais ou quais oficiais as haviam acompanhado e onde tinham visto toaletes de enlouquecer; tinham visto um vestido novo ou uma nova sombrinha que ela desejaria descrever com mais detalhes, mas não podia, devido à grande pressa que tinha, pois Mrs. Forster a estava chamando; deviam passear para os lados do acampamento. As cartas de Kitty não eram mais informativas, embora mais longas; a maior parte do sentido estava contido nas entrelinhas.
Depois das três primeiras semanas de ausência de Lydia, a saúde, o bom humor e a alegria recomeçaram a aparecer em Longbourn. Tudo tomou um aspecto mais agradável. As famílias que tinham ido passar o inverno em Londres começaram a regressar. Reiniciaram-se os divertimentos de verão. Mrs. Bennet voltou à sua volubilidade habitual e no meio de junho, Kitty havia melhorado tanto que já lhe era possível entrar em Meryton sem chorar, acontecimento tão promissor que deu a Elizabeth a esperança de que no próximo Natal ela tivesse juízo suficiente para não mencionar o nome de um oficial mais de uma vez por dia, a não ser que, por uma ordem maliciosa e cruel do Departamento de Guerra, outro regimento viesse acampar em Meryton.
A data fixada para a sua viagem pelo Norte estava se aproximando rapidamente. Faltavam apenas 15 dias quando chegou uma carta de Mrs. Gardiner, que ao mesmo tempo adiava a partida e abreviava a duração do passeio. Os negócios impediam Mr. Gardiner de sair de Londres até 15 dias depois da data marcada. E ele era obrigado a regressar dentro de um mês. Esse período era curto demais para que fossem muito longe e vissem tudo o que tinham planejado. Pelo menos impedia que visitassem tudo com o vagar e o conforto que haviam ideado. Portanto eram obrigados a desistir de vez dos lagos. Era preciso fazer um circuito mais reduzido. De acordo com o novo plano, não iriam além do Derbyshire. Naquele condado havia muita coisa a ver e isto dava para encher as três semanas que tinham. E para Mrs. Gardiner esse plano possuía um encanto particular. Julgava a cidade onde passara alguns anos da sua vida tão digna de atenção quanto a célebre região dos lagos.
Elizabeth ficou extremamente desapontada. Tinha um grande desejo de ver os lagos e continuava a pensar que havia tempo suficiente.
Mas Elizabeth era resignada e certamente tinha bom gênio. Em breve essa decepção tinha passado.
Muitas ideias estavam associadas a esse condado do Derbyshire.
Era impossível ler a palavra sem pensar em Pemberley e no seu proprietário. Mas certamente, pensou, poderei penetrar naquela região sem que ele me veja.
O período de expectativa fora agora duplicado. Ela teria de esperar quatro semanas até a chegada de seus tios. Mas estas semanas passaram, e Mr. e Mrs. Gardiner apareceram finalmente em Longbourn, acompanhados dos quatro filhos. As crianças, duas meninas de seis e oito anos de idade e dois meninos menores, seriam entregues aos cuidados da prima Jane, que era a grande favorita. O seu bom senso, a doçura de seu gênio, pareciam destiná-la à missão de cuidar das crianças.
Os Gardiner ficaram apenas uma noite em Longbourn, e partiram na manhã seguinte com Elizabeth, em busca de aventuras. Um prazer pelo menos era certo: o de ter bons companheiros de viagem, com saúde, bom gênio para suportar pequenos contratempos, bom humor para realçar todos os prazeres, afeição e inteligência capazes de sugerir novas distrações, caso lhes adviessem decepções no caminho.
Não temos a intenção de fazer a descrição do Derbyshire, nem dos vários lugares notáveis por que passaram no caminho. Oxford, Blenheim, Warwick, Kenilworth, Birmingham, etc. são suficientemente conhecidos. Uma pequena parte do Derbyshire é o que nos interessa. Eles se dirigiram para a pequena cidade de Lambton, onde Mrs. Gardiner residira. Recentemente descobrira que ainda se encontravam lá alguns dos seus velhos conhecidos. E aí Elizabeth soube da sua tia que Pemberley ficava situada a cinco milhas de Lambton. Pemberley não ficava na estrada direta que deviam tomar, mas a uma ou duas milhas dessa estrada. Na véspera, ao conversarem sobre o itinerário, Mrs. Gardiner tornou a manifestar o desejo de rever a propriedade. Mr. Gardiner concordou e perguntaram a Elizabeth se aprovava a ideia.
— Meu bem, você gostaria de ver esse lugar de que tanto já ouviu falar? — perguntou sua tia. — Um lugar onde muitos conhecidos seus já moraram? Wickham passou lá toda a sua mocidade, como você sabe.
Elizabeth ficou embaraçada. Compreendia que não tinha nenhum interesse em ver Pemberley e foi obrigada a manifestar a pouca disposição que sentia. Declarou que estava cansada de ver grandes casas.
Depois de percorrer tantas, não encontrava mais nenhum prazer em belos tapetes ou cortinas de cetim.
Mrs. Gardiner zombou da sua ingenuidade.
— Se Pemberley fosse apenas uma casa ricamente mobiliada — disse —, eu tampouco faria questão de ir. Mas o parque é lindíssimo, e os bosques são dos mais belos do país.
Elizabeth não respondeu, mas no seu espírito não podia concordar. Imediatamente lhe ocorreu a possibilidade de encontrar Mr. Darcy enquanto visitava o lugar. Seria horrível. A simples ideia a fazia corar.
Talvez fosse preferível contar tudo claramente à sua tia, do que correr um tal risco. Mas contra isto havia objeções. E finalmente decidiu que lançaria mão dessa ideia como último recurso, caso as indagações particulares que fizesse lhe revelassem a presença da família em Pemberley.
Por isso, quando foi se deitar à noite, perguntou à criada se Pemberley não era um lugar muito bonito, qual era o nome do proprietário e, com íntimo alarme, se a família não estava lá para passar o verão.
Felizmente, a última pergunta foi respondida de modo negativo. E cessada a causa das suas inquietações, ela sentia agora uma grande curiosidade em ver a casa. E quando o assunto tornou a ser ventilado no dia seguinte, e novamente lhe perguntaram a sua opinião, respondeu prontamente, com ar de indiferença, que não fazia nenhuma objeção ao plano.
Elizabeth, no entanto, nunca fora cega aos defeitos de seu pai como marido. Aquilo sempre lhe doera, mas admirando as suas qualidades e grata pela maneira afetuosa com que a tratava, Elizabeth se esforçava por esquecer o que não podia deixar de perceber e bania dos seus pensamentos essas contínuas irregularidades de conduta conjugal que, expondo a sua mãe ao desprezo das suas próprias filhas, era portanto altamente repreensível. Mas nunca sentira tão fortemente como agora as desvantagens que devem sofrer os filhos de um casal tão pouco unido, nem compreendera antes tão claramente os males provenientes de uma defeituosa aplicação de talentos; talentos que, bem-empregados, poderiam proteger a respeitabilidade das suas filhas, mesmo se não conseguissem alargar a mentalidade da sua esposa.
Após o alívio que lhe causara a partida de Wickham, Elizabeth encontrou menos prazer do que esperava na partida do regimento. As reuniões em que tomava parte eram menos variadas do que antes. E em casa tinha uma mãe e uma irmã cujas continuas lamentações sobre o tédio da vida que levavam projetavam uma tristeza real sobre o círculo da família. E embora Kitty se mostrasse às vezes mais sensata, pois as causas que perturbavam o seu cérebro tinham sido removidas, em compensação, Lydia, cujas tendências eram mais perigosas, morando agora num lugar tão impróprio, a um tempo caserna e balneário, acentuaria provavelmente os seus defeitos e a sua inconsciência. Em suma, portanto, descobriu, como anteriormente já muitas vezes acontecera, que os acontecimentos esperados com impaciência não produziam, ao se realizarem, toda a satisfação que deles esperava. Era portanto necessário marcar um outro período para o começo da sua verdadeira felicidade, ter outros pontos de apoio para os seus desejos e esperanças. E consolava-se atualmente com o prazer de antecipar futuras felicidades. A sua viagem para os lagos constituía agora o objeto dos seus pensamentos mais felizes. Era o seu melhor consolo para as horas desagradáveis que o descontentamento de Kitty e de sua mãe tornavam inevitável. E para tornar o seu plano perfeito, só faltava incluir nele Jane.
“Felizmente eu tenho alguma coisa a desejar”, pensou Elizabeth. “Se tudo no meu plano fosse perfeito, a minha decepção seria certa. Mas assim, levando comigo uma fonte contínua de tristeza, a saudade de minha irmã, posso razoavelmente esperar que todas as minhas expectativas de prazer se realizem. Um plano perfeito nunca pode ser realizado.”
Lydia, ao partir, prometeu que escreveria frequentemente e minuciosamente para sua mãe e para Kitty. Mas as cartas, ansiosamente esperadas, eram sempre muito curtas. As que eram dirigidas a Mrs. Bennet continham pouco mais do que fatos como estes: tinham acabado de regressar da biblioteca, onde tais ou quais oficiais as haviam acompanhado e onde tinham visto toaletes de enlouquecer; tinham visto um vestido novo ou uma nova sombrinha que ela desejaria descrever com mais detalhes, mas não podia, devido à grande pressa que tinha, pois Mrs. Forster a estava chamando; deviam passear para os lados do acampamento. As cartas de Kitty não eram mais informativas, embora mais longas; a maior parte do sentido estava contido nas entrelinhas.
Depois das três primeiras semanas de ausência de Lydia, a saúde, o bom humor e a alegria recomeçaram a aparecer em Longbourn. Tudo tomou um aspecto mais agradável. As famílias que tinham ido passar o inverno em Londres começaram a regressar. Reiniciaram-se os divertimentos de verão. Mrs. Bennet voltou à sua volubilidade habitual e no meio de junho, Kitty havia melhorado tanto que já lhe era possível entrar em Meryton sem chorar, acontecimento tão promissor que deu a Elizabeth a esperança de que no próximo Natal ela tivesse juízo suficiente para não mencionar o nome de um oficial mais de uma vez por dia, a não ser que, por uma ordem maliciosa e cruel do Departamento de Guerra, outro regimento viesse acampar em Meryton.
A data fixada para a sua viagem pelo Norte estava se aproximando rapidamente. Faltavam apenas 15 dias quando chegou uma carta de Mrs. Gardiner, que ao mesmo tempo adiava a partida e abreviava a duração do passeio. Os negócios impediam Mr. Gardiner de sair de Londres até 15 dias depois da data marcada. E ele era obrigado a regressar dentro de um mês. Esse período era curto demais para que fossem muito longe e vissem tudo o que tinham planejado. Pelo menos impedia que visitassem tudo com o vagar e o conforto que haviam ideado. Portanto eram obrigados a desistir de vez dos lagos. Era preciso fazer um circuito mais reduzido. De acordo com o novo plano, não iriam além do Derbyshire. Naquele condado havia muita coisa a ver e isto dava para encher as três semanas que tinham. E para Mrs. Gardiner esse plano possuía um encanto particular. Julgava a cidade onde passara alguns anos da sua vida tão digna de atenção quanto a célebre região dos lagos.
Elizabeth ficou extremamente desapontada. Tinha um grande desejo de ver os lagos e continuava a pensar que havia tempo suficiente.
Mas Elizabeth era resignada e certamente tinha bom gênio. Em breve essa decepção tinha passado.
Muitas ideias estavam associadas a esse condado do Derbyshire.
Era impossível ler a palavra sem pensar em Pemberley e no seu proprietário. Mas certamente, pensou, poderei penetrar naquela região sem que ele me veja.
O período de expectativa fora agora duplicado. Ela teria de esperar quatro semanas até a chegada de seus tios. Mas estas semanas passaram, e Mr. e Mrs. Gardiner apareceram finalmente em Longbourn, acompanhados dos quatro filhos. As crianças, duas meninas de seis e oito anos de idade e dois meninos menores, seriam entregues aos cuidados da prima Jane, que era a grande favorita. O seu bom senso, a doçura de seu gênio, pareciam destiná-la à missão de cuidar das crianças.
Os Gardiner ficaram apenas uma noite em Longbourn, e partiram na manhã seguinte com Elizabeth, em busca de aventuras. Um prazer pelo menos era certo: o de ter bons companheiros de viagem, com saúde, bom gênio para suportar pequenos contratempos, bom humor para realçar todos os prazeres, afeição e inteligência capazes de sugerir novas distrações, caso lhes adviessem decepções no caminho.
Não temos a intenção de fazer a descrição do Derbyshire, nem dos vários lugares notáveis por que passaram no caminho. Oxford, Blenheim, Warwick, Kenilworth, Birmingham, etc. são suficientemente conhecidos. Uma pequena parte do Derbyshire é o que nos interessa. Eles se dirigiram para a pequena cidade de Lambton, onde Mrs. Gardiner residira. Recentemente descobrira que ainda se encontravam lá alguns dos seus velhos conhecidos. E aí Elizabeth soube da sua tia que Pemberley ficava situada a cinco milhas de Lambton. Pemberley não ficava na estrada direta que deviam tomar, mas a uma ou duas milhas dessa estrada. Na véspera, ao conversarem sobre o itinerário, Mrs. Gardiner tornou a manifestar o desejo de rever a propriedade. Mr. Gardiner concordou e perguntaram a Elizabeth se aprovava a ideia.
— Meu bem, você gostaria de ver esse lugar de que tanto já ouviu falar? — perguntou sua tia. — Um lugar onde muitos conhecidos seus já moraram? Wickham passou lá toda a sua mocidade, como você sabe.
Elizabeth ficou embaraçada. Compreendia que não tinha nenhum interesse em ver Pemberley e foi obrigada a manifestar a pouca disposição que sentia. Declarou que estava cansada de ver grandes casas.
Depois de percorrer tantas, não encontrava mais nenhum prazer em belos tapetes ou cortinas de cetim.
Mrs. Gardiner zombou da sua ingenuidade.
— Se Pemberley fosse apenas uma casa ricamente mobiliada — disse —, eu tampouco faria questão de ir. Mas o parque é lindíssimo, e os bosques são dos mais belos do país.
Elizabeth não respondeu, mas no seu espírito não podia concordar. Imediatamente lhe ocorreu a possibilidade de encontrar Mr. Darcy enquanto visitava o lugar. Seria horrível. A simples ideia a fazia corar.
Talvez fosse preferível contar tudo claramente à sua tia, do que correr um tal risco. Mas contra isto havia objeções. E finalmente decidiu que lançaria mão dessa ideia como último recurso, caso as indagações particulares que fizesse lhe revelassem a presença da família em Pemberley.
Por isso, quando foi se deitar à noite, perguntou à criada se Pemberley não era um lugar muito bonito, qual era o nome do proprietário e, com íntimo alarme, se a família não estava lá para passar o verão.
Felizmente, a última pergunta foi respondida de modo negativo. E cessada a causa das suas inquietações, ela sentia agora uma grande curiosidade em ver a casa. E quando o assunto tornou a ser ventilado no dia seguinte, e novamente lhe perguntaram a sua opinião, respondeu prontamente, com ar de indiferença, que não fazia nenhuma objeção ao plano.
43
No caminho, Elizabeth esperava emocionada
a primeira aparição do bosque de Pemberley. E quando afinal chegaram à casa do
vigia e entraram no parque, a sua agitação cresceu ainda mais.
O parque era muito grande e tinha os aspectos mais variados. Entraram nele pela sua parte mais baixa e durante algum tempo caminharam através de um belo e extenso bosque.
Apesar da conversa animada que mantinha com os seus tios, Elizabeth viu e admirou todas as vistas e lugares pitorescos. Durante meia milha o caminho subia suavemente e depois de algum tempo se encontraram no topo de um morro bastante alto, onde o bosque terminava.
No outro lado do parque se avistava imediatamente a casa de Pemberley e a estrada, encurvando-se bruscamente, descia em direção a ela. Era um grande e belo edifício, situado na encosta de uma colina, por detrás da qual se elevava uma outra série de belas colinas arborizadas. Defronte da casa, corria um riacho de regular tamanho que, represado, formava um pequeno lago. As suas margens não tinham sido adornadas pela mão do homem. Elizabeth ficou encantada. Nunca vira um lugar tão bem-dotado pela natureza. Ali, essa beleza natural não fora ainda prejudicada por artifícios de um gosto duvidoso. Todos manifestaram a sua admiração. Naquele momento Elizabeth sentiu que ser a proprietária de Pemberley significava alguma coisa.
Desceram a colina, atravessaram a ponte e se aproximaram da casa. Enquanto a examinavam de perto, voltaram a Elizabeth as suas apreensões quanto a um possível encontro com o dono da casa. Tinha medo de que a criada pudesse ter-se enganado. Depois de pedirem para ver a casa, foram conduzidos ao hall. E enquanto esperavam a caseira, Elizabeth teve tempo bastante para voltar a si, perguntando a si própria por que motivo se encontrava naquele lugar. A caseira chegou afinal. Era uma senhora idosa, de aspecto respeitável, muito mais simples e amável do que esperavam. Acompanharam-na até à sala de jantar. Era uma sala grande, bem-proporcionada e mobiliada com elegância. Elizabeth, depois de examiná-la sumariamente, foi até uma das janelas para apreciar a vista. A colina de onde tinham descido, com as suas grandes árvores, parecendo mais abrupta, era porém mais bela de longe. Tudo naquelas terras tinha sido bem-aproveitado. Elizabeth contemplou a paisagem com encanto, o rio, as árvores espalhadas pelas suas margens, o vale serpenteando até onde a sua vista podia alcançar.
Nos outros quartos, a cena variava. Mas de todas as janelas a vista era linda. Os quartos eram grandes e elegantes. E a mobília revelava a fortuna do proprietário; mas Elizabeth admirou o bom gosto dos móveis, que não eram nem vistosos demais, nem desnecessariamente complicados. Tinham menos esplendor e mais elegância do que os de Rosings.
“Eu poderia ter sido a dona deste lugar”, pensou ela. “Estes quartos, eu os conheceria intimamente. E em vez de vê-los como uma estranha, eu poderia alegrar-me de possuí-los e receber aqui como visitantes meu tio e minha tia.” Mas voltando a si, continuou: “mas não, isto não poderia ser. Meu tio e minha tia estariam perdidos para mim. Jamais me permitiriam convidá-los.”
Foi esta uma lembrança oportuna. Evitava que Elizabeth se arrependesse do que tinha feito.
Estava ansiosa para perguntar à caseira se o seu patrão estava realmente ausente. Mas a coragem lhe faltava. Afinal, a pergunta foi feita pelo seu tio. Elizabeth desviou o rosto, assustada, enquanto Mrs. Reynolds respondia que estava ausente, acrescentando:
— Mas nós o esperamos amanhã com um grande grupo de amigos.
Elizabeth deu graças a Deus de ter vindo naquele dia e não no seguinte.
Sua tia chamou-a para olhar um quadro. Ela se aproximou e viu sobre a lareira um retrato de Mr. Wickham entre várias outras miniaturas. Mrs. Gardiner perguntou, sorrindo, se Elizabeth gostava do retrato. Mrs. Reynolds se aproximou e disse que era o retrato do filho do intendente do seu falecido patrão, que o tinha educado a suas expensas.
— Ele agora entrou para o exército — acrescentou ela. — Mas creio que não deu boa coisa.
Mrs. Gardiner olhou para a sobrinha com um sorriso que Elizabeth não pôde retribuir.
— E este — disse Mrs. Reynolds, apontando para outra miniatura — é o meu patrão. O retrato é muito parecido. Foi feito ao mesmo tempo que o outro, há oito anos.
— Já ouvi dizer que o seu patrão é um belo rapaz — disse Mrs. Gardiner, olhando para o retrato. — O rosto é simpático. Mas, Lizzy, você pode dizer se é parecido ou não.
O respeito de Mrs. Reynolds por Elizabeth pareceu aumentar depois desta alusão às suas relações com o patrão.
— A senhora conhece Mr. Darcy?
Elizabeth corou e respondeu:
— Um pouco.
— E não acha que ele é uma bela figura de homem?
— Realmente.
— Estou certa de que não conheço outro que lhe seja superior. Mas na galeria lá em cima hão de ver um outro retrato melhor e maior do que este. Esta sala era o lugar favorito do meu falecido patrão, e essas miniaturas estão exatamente no lugar onde estavam quando era vivo. Gostava muito delas.
Isto explicou a Elizabeth o fato da miniatura de Mr. Wickham se encontrar entre as outras.
Mrs. Reynolds, então, chamou a atenção dos visitantes para um retrato de Miss Darcy pintado quando tinha apenas oito anos de idade.
— E Miss Darcy também é bonita? — perguntou Mr. Gardiner.
— Oh, sim, é a menina mais bonita que eu jamais vi. É tão instruída! Ela toca piano e canta o dia inteiro. Na sala ao lado, tem um novo instrumento que acaba de chegar para ela. Um presente do meu patrão. Ela virá amanhã também.
Mr. Gardiner, que tinha maneiras muito agradáveis e comunicativas, encorajava Mrs. Reynolds com perguntas e observações; esta, fosse por orgulho ou afeição, tinha evidentemente muito prazer em falar do seu patrão e da irmã deste.
— Seu patrão vem muitas vezes a Pemberley, durante o ano?
— Não tanto quanto eu queria, mas creio que ele passa metade do ano aqui. E Miss Darcy vem sempre para os meses de verão.
“Exceto”, pensou Elizabeth, “quando ela vai para Ramsgate.”
— Se o seu patrão se casasse, a senhora o veria mais do que agora.
— Sim, senhora, mas não sei quando isto acontecerá. Não conheço ninguém que esteja à altura dele.
Mr. e Mrs. Gardiner sorriram. Elizabeth não pôde se impedir de dizer:
— Sem dúvida, é um grande elogio que está lhe fazendo.
— Não digo mais do que a verdade. E todos que o conhecerem dirão a mesma coisa — replicou Mrs. Reynolds.
Elizabeth achou que isto era ir demasiado longe. E ouviu com assombro a caseira acrescentar:
— Nunca ouvi o meu patrão dizer uma palavra ríspida em toda a minha vida. E eu o conheço desde que tinha quatro anos de idade.
Este era o elogio mais extraordinário de todos, mais oposto às ideias de Elizabeth. Ela acreditava firmemente que Mr. Darcy era um homem de mau gênio. A sua curiosidade cresceu extraordinariamente. Queria outras informações. E ficou grata ao tio, porque este disse:
— São poucas as pessoas de quem se pode dizer outro tanto. Tem muita sorte em ter um patrão destes.
— Sim, senhor, sei disto muito bem. Se eu saísse por este mundo, não encontraria outro melhor. Mas já notei que as pessoas de bom caráter em criança também o são quando adultos. E Mr. Darcy, em menino, tinha um gênio de anjo e um coração de ouro.
Elizabeth ficou boquiaberta. “Será mesmo Mr. Darcy?”, pensou.
— O pai dele era um homem excelente — disse Mrs. Gardiner.
— Era mesmo; e o filho será exatamente como ele. Igualmente afável para com os pobres.
Elizabeth ouviu, espantou-se, duvidou, e ficou impaciente por ouvir mais. Mrs. Reynolds não a poderia interessar noutro ponto. Em vão ela falou sobre os personagens que os quadros representavam, as dimensões da sala e o preço dos móveis. Mr. Gardiner, que achava muito divertida aquela parcialidade pela família, a que ele atribuía os excessivos louvores de Mrs. Reynolds, tornou a introduzir o assunto. E Mrs. Reynolds discorreu com energia sobre as qualidades do seu patrão, enquanto subiam todos a grande escadaria.
— Ele é o melhor proprietário e o melhor patrão que jamais existiu — disse. — Não é como os rapazes loucos de hoje que só pensam em si próprios. Não existe um só dos seus rendeiros ou criados que não fale nele com admiração. Muitos dizem que é orgulhoso; mas eu nunca vi nada disto. Quanto a mim, penso que é porque ele não é tagarela como os outros rapazes.
“Sob que luz favorável ela o coloca”, pensou Elizabeth.
— Estas informações não concordam com o seu procedimento com o nosso pobre amigo — sussurrou a sua tia, enquanto caminhavam. — Talvez estejamos enganadas.
— Não é provável. O testemunho é dos melhores.
Depois de chegarem ao espaçoso hall em cima, foram conduzidos a uma linda sala de jantar, decorada recentemente, com maior elegância e graça do que os apartamentos e salas de baixo. E foram informados de que tudo aquilo tinha sido feito para dar prazer a Miss Darcy, que tinha manifestado preferência por aquela sala, da última vez que estivera em Pemberley.
— Ele é certamente um bom irmão — disse Elizabeth, enquanto se dirigia para uma das janelas.
Mrs. Reynolds antecipava a surpresa de Miss Darcy, quando ela entrasse no aposento.
— Tudo o que pode fazer para agradar a sua irmã, manda executar imediatamente. E é sempre assim que age; não existe nada que não faça para lhe dar um prazer.
A galeria de retratos e os dois ou três quartos de dormir principais eram tudo que lhes restava a ver. A galeria continha muitos quadros interessantes, mas Elizabeth não entendia de pintura. Já quando lhe tinham mostrado os outros, embaixo, desviara o rosto para examinar uns desenhos a crayon de Miss Darcy, cujos assuntos eram geralmente mais interessantes e também mais fáceis de entender.
Na galeria havia também muitos retratos de família. Estes quadros, porém, tinham pouco interesse para uma estranha. Elizabeth procurou neles, apenas, os traços que conhecia. Afinal, um desses retratos lhe despertou a atenção. Era de uma pessoa cujo rosto se parecia notavelmente com o de Mr. Darcy e tinha um sorriso que já se lembrava de ter visto também no seu rosto, quando ele a contemplava. Deteve-se durante vários minutos diante do retrato, olhando-o fixamente. E antes de sair da galeria, voltou para examiná-lo; e Mrs. Reynolds informou-a de que fora pintado ainda em vida do falecido Mr. Darcy.
Havia naquele momento, no espírito de Elizabeth, um sentimento de benevolência para com o atual proprietário de Pemberley, como jamais tivera no período em que melhor o conhecera. Os elogios de que Mrs. Reynolds o tinha cumulado não eram de pouca monta. Nenhum louvor é mais valioso do que o de um criado inteligente. A felicidade de muitas pessoas dependia dele como irmão, como proprietário e como patrão. Ele tinha o poder de dispensar o prazer e a dor, e a faculdade de praticar em larga escala o bem e o mal. Tudo o que Mrs. Reynolds dissera a seu respeito tinha sido favorável. E diante da tela em que o seu rosto fora retratado e cujos olhos pareciam fitá-la, Elizabeth pensou na admiração de Mr. Darcy por ela própria, com uma gratidão que jamais sentira. Recordou a força daquela afeição e suavizou as expressões com que ele a exteriorizara.
Depois de terem visto a casa toda, tornaram a descer as escadas, e ao se despedirem da caseira, foram entregues aos cuidados do jardineiro, que os encontrou na porta do hall. Enquanto atravessavam o gramado em direção ao riacho, Elizabeth voltou-se para tornar a ver a casa; sua tia também se detivera, e enquanto a primeira fazia conjeturas sobre a data em que fora construído o edifício, o proprietário em pessoa surgiu de repente na estrada que conduzia às cocheiras, do outro lado da casa.
Estavam a cerca de vinte metros um do outro, e seu aparecimento fora tão repentino que era impossível a Elizabeth se esconder. Seus olhos se encontraram imediatamente. E ambos coraram de um modo intenso. Ele teve um sobressalto e por um momento a surpresa o paralisou; mas, voltando imediatamente a si, adiantou-se em relação ao grupo e se dirigiu a Elizabeth, senão com absoluta calma, pelo menos com toda a amabilidade.
Elizabeth tinha se virado instintivamente, mas vendo-o aproximar-se, deteve-se e recebeu os seus cumprimentos com um embaraço impossível de dominar. Se a sua aparência a princípio, ou a sua semelhança com o retrato que tinham acabado de examinar, já não tivessem demonstrado por si a Mr. e Mrs. Gardiner que avistaram agora Mr. Darcy em pessoa, a expressão de surpresa do jardineiro ao ver o seu patrão teria sido suficiente para o revelar. Ficaram um pouco afastados, enquanto ele conversava com a sua sobrinha, e esta, atônita e embaraçada, mal ousava levantar os olhos, e respondia inconscientemente às perguntas de cortesia que lhe fazia sobre a sua família. E extremamente surpresa com a mudança nas maneiras de Mr. Darcy, cada frase que ele pronunciava agora aumentava a sua confusão. Voltavam-lhe à mente todas as ideias a respeito da inconveniência de encontrá-lo ali e os poucos minutos em que estiveram juntos foram os mais penosos na sua vida. Ele não parecia também estar muito à vontade. Quando falava, a sua expressão não tinha a calma habitual. Perguntou várias vezes em que dia Elizabeth saíra de Longbourn e quanto tempo se demoraria no Derbyshire, de uma maneira tão apressada, que se tornara evidente que os seus pensamentos estavam longe. Afinal todas as ideias pareceram faltar-lhe. E depois de ficar parado e mudo durante alguns instantes, Mr. Darcy voltou a si de súbito e se despediu.
Os outros então se aproximaram dela e exprimiram a sua admiração pela figura do rapaz; mas Elizabeth, inteiramente absorta em seus pensamentos, não ouviu uma só palavra. Acompanhou-os em silêncio; sentia-se esmagada de vergonha e de contrariedade. A sua vinda ali fora a ideia mais infeliz e mais irrefletida do mundo. Como aquele encontro deveria parecer estranho a Mr. Darcy! E sob que luz desfavorável não a colocaria aos olhos de um homem tão vaidoso! Poderia até parecer que ela se tinha atirado no seu caminho! Oh, por que tinha vindo? Ou por que tinha ele vindo na véspera do dia em que era esperado? Se tivessem saído dez minutos mais cedo de Pemberley, ele não a teria reconhecido de longe, pois era evidente que chegava naquele momento e que tinha acabado de saltar do cavalo ou da carruagem. Ela enrubesceu várias vezes ao recordar a perversidade daquele acaso. E que poderia significar aquela alteração que vira nos seus modos? Era espantoso que ele lhe tivesse dirigido a palavra. Mas falar com tanta amabilidade e perguntar pela sua família! Nunca, na sua vida, Elizabeth lhe vira maneiras tão cordiais e tão pouco cerimoniosas. Nunca lhe falara com tanta doçura quanto durante aquele encontro inesperado. Que diferença daquela ocasião em que se dirigira a ela no parque de Rosings, a fim de lhe entregar a carta. Não sabia o que pensar, nem como explicar aquilo.
Tinham agora penetrado num belo caminho que acompanhava as margens do riacho e cada passo que davam os aproximava de uma das mais belas partes do bosque. Mas só algum tempo depois é que Elizabeth começou a notar o que a cercava, e embora respondesse mecanicamente aos repetidos apelos dos seus tios para que contemplasse os aspectos que lhe apontavam, não distinguia perfeitamente nenhum detalhe da paisagem. Seus pensamentos se voltavam para a casa de Pemberley e procuravam adivinhar o lugar em que Mr. Darcy agora se encontrava. Ansiava por saber o que lhe passava pela mente naquele momento, de que maneira pensava nela, e se apesar de tudo ainda lhe era cara. Talvez ele tivesse se mostrado tão amável porque se sentisse indiferente. No entanto, na sua voz, não havia transparecido aquela tranquilidade. Elizabeth não sabia se ele sentira aborrecimento ou prazer ao vê-la. Mas, certamente, não permanecera indiferente. Afinal, as observações dos seus companheiros sobre a sua distração fizeram-na voltar a si e com isto lhe ocorreu a ideia de que era necessário se mostrar mais natural.
Penetraram no bosque e, dizendo adeus ao riacho por algum tempo, subiram para uma região mais elevada; e aí, através de clareiras ocasionais, descobriram encantadoras vistas do vale, das colinas do outro lado, recobertas de extensos bosques e ocasionalmente do riacho. Mr. Gardiner exprimiu o desejo de fazer a volta do parque, caso fosse possível percorrê-lo a pé. Mas o jardineiro informou-os com um sorriso triunfante de que o parque tinha mais de dez milhas de circunferência. Teriam portanto de se contentar com o circuito habitual. Tornaram a descer a colina por entre os bosques que lhe revestiam a encosta, até voltar ao riacho num dos pontos em que as suas margens eram mais estreitas. Atravessaram-no por uma ponte rústica; era uma região mais selvagem do que as que tinham visitado até agora. E o vale, estreitando-se, tornava-se uma várzea diminuta, ocupada pelo curso d’água e por um caminho estreito, cercado de moitas de arbustos selvagens. Elizabeth desejava explorar os meandros do riacho, mas depois de atravessarem a ponte e perceberem a distância em que se encontravam da casa, Mrs. Gardiner, que não gostava muito de caminhar, declarou que não podia ir mais adiante e que desejava voltar para a carruagem o mais depressa possível. Elizabeth foi portanto obrigada a se submeter, e o grupo voltou em direção à casa, do outro lado do rio, tomando o caminho mais curto. Mas a caminhada foi lenta, pois Mr. Gardiner, que gostava muito de pescar, mas raramente tinha oportunidade de fazê-lo, se detinha a todo instante para observar as trutas, e fazer perguntas ao homem que os acompanhava. Enquanto caminhavam assim lentamente, tiveram novamente a surpresa de avistar Mr. Darcy, que se aproximava a pequena distância. O espanto de Elizabeth foi igual ao que sentira durante o primeiro encontro. O caminho, que era menos protegido do que do outro lado, permitiu que o vissem antes de encontrá-lo. Elizabeth, embora espantada, estava pelo menos mais preparada para a entrevista. Resolveu que falaria com calma se Mr. Darcy tencionasse realmente abordá-los. Durante alguns instantes, pensou que ele ia dobrar por outro caminho, mas a ideia durou enquanto uma volta da estrada o ocultava das suas vistas. Feita a volta, ele surgiu diretamente diante deles. Com um rápido olhar, Elizabeth viu que Mr. Darcy nada tinha perdido da sua recente amabilidade; e para imitar a sua polidez, logo depois que se encontraram, ela começou a louvar as belezas do lugar. Mas apenas as palavras “lindo” e “encantador” lhe tinham saído dos lábios, uma infeliz recordação a assaltou e ela imaginou que aqueles elogios a Pemberley podiam ser mal-interpretados. Empalideceu e não disse mais nada.
Mrs. Gardiner estava parada um pouco atrás. E quando Elizabeth cessou de falar, Mr. Darcy lhe perguntou se queria lhe fazer a honra de apresentá-lo aos seus amigos. Elizabeth não esperava esta demonstração de cortesia e não pôde deixar de sorrir, ao vê-lo agora procurar o conhecimento daquelas mesmas pessoas contra as quais o seu orgulho se tinha revoltado quando lhe propusera casamento. “Como vai ficar espantado”, pensou ela, “quando souber quem são eles. Imagina naturalmente que são pessoas de importância...”
A apresentação, no entanto, foi feita imediatamente. E ao mencionar o parentesco que os unia, Elizabeth não pôde deixar de olhar de soslaio para Mr. Darcy, esperando vê-lo fugir o mais depressa que pudesse da companhia de gente tão modesta. Era evidente que o parentesco o surpreendia. No entanto nada deixou perceber e longe de se voltar para partir, regressou com eles e entrou em conversação com Mr. Gardiner. Elizabeth não pôde deixar de se sentir lisonjeada. Mas não experimentava nenhum sentimento de triunfo; em todo caso era consolador ter a certeza de que Mr. Darcy sabia agora que ela não precisava se envergonhar dos seus parentes. Ouvia com a maior atenção tudo o que se passava entre eles e ficava radiante cada vez que uma expressão ou uma frase do seu tio revelava a sua inteligência, o seu bom gosto e as suas belas maneiras.
Dentro em pouco conversavam sobre a pesca. Ela ouviu Mr. Darcy convidar o seu tio, com a maior cortesia, para pescar no parque todas as vezes que quisesse, oferecendo-lhe ao mesmo tempo os necessários acessórios, e indicando-lhe as partes do riacho onde a pesca em geral era mais proveitosa. Mrs. Gardiner, que caminhava de braços com Elizabeth, lançou para a sua companheira um expressivo olhar de surpresa. Elizabeth nada disse, mas ficou extremamente satisfeita. Aquele ato de galanteria lhe era provavelmente dirigido; o seu espanto, entretanto,era extremo, e repetia continuamente: “por que é que ele está tão alterado? Qual será o motivo disto? Não pode ser por minha causa, pois minhas admoestações em Hunsford não poderiam efetuar nele uma tão grande alteração; é impossível que ainda me ame.”
Depois de caminhar algum tempo desse modo, as duas senhoras na frente, os dois cavalheiros atrás, ao chegarem à margem do rio onde iam examinar uma curiosa planta aquática, houve uma pequena alteração: Mrs. Gardiner, fatigada pelo exercício daquela manhã, achou o braço de Elizabeth inadequado para nele se apoiar e preferiu o do seu marido. Mr. Darcy tomou o seu lugar ao lado de Elizabeth e eles continuaram a caminhar. Depois de um curto silêncio, Elizabeth foi quem primeiro falou. Desejava que Mr. Darcy soubesse que antes de vir tinha feito indagações e lhe tinham afirmado que ele estaria ausente, e por isso se decidira a vir visitar o lugar. Começou, portanto, observando que a sua chegada tinha sido inesperada.
— A sua caseira — acrescentou — nos informou que o senhor não chegaria antes de amanhã. E aliás, antes de sairmos de Bakewell, disseram-nos que o senhor não era esperado imediatamente.
Mr. Darcy reconheceu a verdade do que ela dizia e respondeu que, por causa dos negócios que tinha a tratar com o seu intendente, adiantara-se algumas horas aos seus companheiros de viagem.
— Chegarão amanhã cedo — continuou. — Aliás, virão algumas pessoas que a conhecem: Mr. Bingley e suas irmãs.
Elizabeth respondeu com um leve aceno da cabeça. Seus pensamentos a levaram imediatamente para a ocasião em que o nome de Mr. Bingley fora pronunciado entre eles pela última vez. E se lhe era dado julgar pela expressão do rosto de Mr. Darcy, seus pensamentos tinham tomado um rumo semelhante.
— Existe também outra pessoa no grupo — continuou ele, depois de uma pausa — que deseja particularmente conhecê-la. Se me permite, eu lhe apresentarei a minha irmã, durante a sua estada em Lambton. Ou será que lhe peço demais?
A surpresa que causava a Elizabeth um tal pedido era realmente grande. Na sua perturbação ela concordou, mas sem saber de que maneira o fazia. Compreendeu imediatamente que esse desejo de Miss Darcy só poderia ter sido inspirado pelo seu irmão. E não era preciso fazer muitas indagações para descobrir que isto era bastante satisfatório. Era agradável saber que o ressentimento de Mr. Darcy não o levara a pensar mal a seu respeito. Continuaram a caminhar em silêncio, ambos mergulhados nas suas reflexões. Elizabeth não se sentia muito à vontade. Isto era impossível. Mas sentia-se lisonjeada e contente. O seu desejo de lhe apresentar a irmã era uma homenagem de grande delicadeza. Em pouco eles haviam se distanciado bastante dos outros. E quando chegaram à carruagem, Mr. e Mrs. Gardiner estavam a uns duzentos metros atrás. Mr. Darcy então convidou-a a entrar. Mas Elizabeth declarou que não estava cansada. Eles permaneceram de pé no gramado. Numa ocasião como aquela, muitas coisas podiam ser ditas e o silêncio era embaraçoso. Elizabeth queria conversar, mas parecia haver um obstáculo em quase todos os assuntos. Afinal se lembrou de que estivera viajando e eles falaram de Matlock e de Dove Dale com grande perseverança. No entanto, o tempo e a sua tia caminhavam lentamente. E a sua paciência e as suas ideias estavam completamente esgotadas antes do tête-à-tête terminar. Quando Mr. e Mrs. Gardiner se aproximaram, foram convidados a entrar, mas isto foi recusado e todos se separaram com a maior polidez. Mr. Darcy ajudou as senhoras a entrar na carruagem e quando esta se afastou Elizabeth o viu caminhando lentamente em direção à casa.
As observações dos seus tios tiveram então início. Ambos declararam que o tinham achado infinitamente superior ao que esperavam.
— Ele é perfeitamente cortês e modesto — disse Mr. Gardiner.
— Existe certamente um pouco de dureza nas suas maneiras — replicou Mrs. Gardiner —, mas ela se limita à sua atitude e não lhe vai mal. Agora eu posso dizer como Mrs. Reynolds que, embora muitas pessoas o chamem de orgulhoso, não vi nada disto.
— O que me surpreendeu mais foram as suas maneiras para conosco. Eram mais do que polidas, eram realmente atenciosas. Suas relações com Elizabeth são muito recentes.
— Naturalmente, Lizzy — disse Mrs. Gardiner —, ele não é tão bonito quanto Wickham, embora os seus traços sejam perfeitamente regulares. Mas não entendo por que você nos disse que ele era tão desagradável.
Elizabeth se desculpou da melhor forma possível; disse que o achara mais simpático da última vez que estivera com ele no Kent, e que nunca o vira tão amável quanto naquela manhã.
— Mas talvez ele seja um pouco excêntrico nas suas amabilidades — replicou Mr. Gardiner. — Os homens importantes em geral o são. E portanto não tomarei ao pé da letra o convite que me fez para pescar, pois é possível que mude de ideia amanhã e me expulse do seu parque.
Elizabeth sentiu que eles se tinham enganado redondamente sobre o caráter de Mr. Darcy, mas não disse nada.
— Pelo que vimos dele — continuou Mrs. Gardiner —, eu jamais poderia pensar que fosse capaz de agir tão cruelmente com qualquer pessoa como fez com o pobre Wickham. A sua expressão não revela mau caráter, pelo contrário, tem um modo de mover os lábios, quando fala, que muito me agrada. E há uma dignidade no seu rosto que dificilmente daria a alguém uma ideia desfavorável do seu coração. Aliás, a boa mulher que nos mostrou a casa atribuiu-lhe o mais brilhante dos caracteres. Às vezes eu não podia me impedir de rir alto. Creio que ele deve ser um patrão condescendente e aos olhos de um criado isto resume todas as virtudes.
Elizabeth sentiu então que deveria dizer alguma coisa para justificar o procedimento de Darcy em relação a Wickham. E portanto deu a entender a seus tios, da forma mais reservada que podia, que, pelo que ouvira dos seus parentes no Kent, os seus atos eram susceptíveis de uma interpretação inteiramente diferente. E que o seu caráter nem de longe era tão defeituoso quanto o tinham suposto no Hertfordshire; por outro lado o de Wickham estava longe de ser tão perfeito. E para confirmar o que lhes dizia, relatou os detalhes de todas as transações pecuniárias em que se tinha envolvido, sem dar o nome da pessoa que a informara, porém acrescentando que era digna de todo o crédito. Mrs. Gardiner ficou surpreendida e preocupada. Mas como se aproximavam agora do lugar onde residira na sua mocidade, ela se entregou toda ao encanto das suas recordações, e estava tão preocupada em mostrar ao marido as maravilhas das redondezas, que se esqueceu do resto. Apesar de todas as fadigas da manhã, logo depois do jantar tornaram a sair em procura dos antigos conhecidos de Mrs. Gardiner, e esta passou a noite entregue ao prazer de reatar antigos laços de amizade.
As ocorrências daquele dia eram demasiado interessantes para que Elizabeth pudesse dar muita atenção a esses novos amigos. E ela não podia fazer outra coisa senão pensar e refletir com assombro nas amabilidades de Mr. Darcy e sobretudo no seu desejo de lhe apresentar a irmã.
O parque era muito grande e tinha os aspectos mais variados. Entraram nele pela sua parte mais baixa e durante algum tempo caminharam através de um belo e extenso bosque.
Apesar da conversa animada que mantinha com os seus tios, Elizabeth viu e admirou todas as vistas e lugares pitorescos. Durante meia milha o caminho subia suavemente e depois de algum tempo se encontraram no topo de um morro bastante alto, onde o bosque terminava.
No outro lado do parque se avistava imediatamente a casa de Pemberley e a estrada, encurvando-se bruscamente, descia em direção a ela. Era um grande e belo edifício, situado na encosta de uma colina, por detrás da qual se elevava uma outra série de belas colinas arborizadas. Defronte da casa, corria um riacho de regular tamanho que, represado, formava um pequeno lago. As suas margens não tinham sido adornadas pela mão do homem. Elizabeth ficou encantada. Nunca vira um lugar tão bem-dotado pela natureza. Ali, essa beleza natural não fora ainda prejudicada por artifícios de um gosto duvidoso. Todos manifestaram a sua admiração. Naquele momento Elizabeth sentiu que ser a proprietária de Pemberley significava alguma coisa.
Desceram a colina, atravessaram a ponte e se aproximaram da casa. Enquanto a examinavam de perto, voltaram a Elizabeth as suas apreensões quanto a um possível encontro com o dono da casa. Tinha medo de que a criada pudesse ter-se enganado. Depois de pedirem para ver a casa, foram conduzidos ao hall. E enquanto esperavam a caseira, Elizabeth teve tempo bastante para voltar a si, perguntando a si própria por que motivo se encontrava naquele lugar. A caseira chegou afinal. Era uma senhora idosa, de aspecto respeitável, muito mais simples e amável do que esperavam. Acompanharam-na até à sala de jantar. Era uma sala grande, bem-proporcionada e mobiliada com elegância. Elizabeth, depois de examiná-la sumariamente, foi até uma das janelas para apreciar a vista. A colina de onde tinham descido, com as suas grandes árvores, parecendo mais abrupta, era porém mais bela de longe. Tudo naquelas terras tinha sido bem-aproveitado. Elizabeth contemplou a paisagem com encanto, o rio, as árvores espalhadas pelas suas margens, o vale serpenteando até onde a sua vista podia alcançar.
Nos outros quartos, a cena variava. Mas de todas as janelas a vista era linda. Os quartos eram grandes e elegantes. E a mobília revelava a fortuna do proprietário; mas Elizabeth admirou o bom gosto dos móveis, que não eram nem vistosos demais, nem desnecessariamente complicados. Tinham menos esplendor e mais elegância do que os de Rosings.
“Eu poderia ter sido a dona deste lugar”, pensou ela. “Estes quartos, eu os conheceria intimamente. E em vez de vê-los como uma estranha, eu poderia alegrar-me de possuí-los e receber aqui como visitantes meu tio e minha tia.” Mas voltando a si, continuou: “mas não, isto não poderia ser. Meu tio e minha tia estariam perdidos para mim. Jamais me permitiriam convidá-los.”
Foi esta uma lembrança oportuna. Evitava que Elizabeth se arrependesse do que tinha feito.
Estava ansiosa para perguntar à caseira se o seu patrão estava realmente ausente. Mas a coragem lhe faltava. Afinal, a pergunta foi feita pelo seu tio. Elizabeth desviou o rosto, assustada, enquanto Mrs. Reynolds respondia que estava ausente, acrescentando:
— Mas nós o esperamos amanhã com um grande grupo de amigos.
Elizabeth deu graças a Deus de ter vindo naquele dia e não no seguinte.
Sua tia chamou-a para olhar um quadro. Ela se aproximou e viu sobre a lareira um retrato de Mr. Wickham entre várias outras miniaturas. Mrs. Gardiner perguntou, sorrindo, se Elizabeth gostava do retrato. Mrs. Reynolds se aproximou e disse que era o retrato do filho do intendente do seu falecido patrão, que o tinha educado a suas expensas.
— Ele agora entrou para o exército — acrescentou ela. — Mas creio que não deu boa coisa.
Mrs. Gardiner olhou para a sobrinha com um sorriso que Elizabeth não pôde retribuir.
— E este — disse Mrs. Reynolds, apontando para outra miniatura — é o meu patrão. O retrato é muito parecido. Foi feito ao mesmo tempo que o outro, há oito anos.
— Já ouvi dizer que o seu patrão é um belo rapaz — disse Mrs. Gardiner, olhando para o retrato. — O rosto é simpático. Mas, Lizzy, você pode dizer se é parecido ou não.
O respeito de Mrs. Reynolds por Elizabeth pareceu aumentar depois desta alusão às suas relações com o patrão.
— A senhora conhece Mr. Darcy?
Elizabeth corou e respondeu:
— Um pouco.
— E não acha que ele é uma bela figura de homem?
— Realmente.
— Estou certa de que não conheço outro que lhe seja superior. Mas na galeria lá em cima hão de ver um outro retrato melhor e maior do que este. Esta sala era o lugar favorito do meu falecido patrão, e essas miniaturas estão exatamente no lugar onde estavam quando era vivo. Gostava muito delas.
Isto explicou a Elizabeth o fato da miniatura de Mr. Wickham se encontrar entre as outras.
Mrs. Reynolds, então, chamou a atenção dos visitantes para um retrato de Miss Darcy pintado quando tinha apenas oito anos de idade.
— E Miss Darcy também é bonita? — perguntou Mr. Gardiner.
— Oh, sim, é a menina mais bonita que eu jamais vi. É tão instruída! Ela toca piano e canta o dia inteiro. Na sala ao lado, tem um novo instrumento que acaba de chegar para ela. Um presente do meu patrão. Ela virá amanhã também.
Mr. Gardiner, que tinha maneiras muito agradáveis e comunicativas, encorajava Mrs. Reynolds com perguntas e observações; esta, fosse por orgulho ou afeição, tinha evidentemente muito prazer em falar do seu patrão e da irmã deste.
— Seu patrão vem muitas vezes a Pemberley, durante o ano?
— Não tanto quanto eu queria, mas creio que ele passa metade do ano aqui. E Miss Darcy vem sempre para os meses de verão.
“Exceto”, pensou Elizabeth, “quando ela vai para Ramsgate.”
— Se o seu patrão se casasse, a senhora o veria mais do que agora.
— Sim, senhora, mas não sei quando isto acontecerá. Não conheço ninguém que esteja à altura dele.
Mr. e Mrs. Gardiner sorriram. Elizabeth não pôde se impedir de dizer:
— Sem dúvida, é um grande elogio que está lhe fazendo.
— Não digo mais do que a verdade. E todos que o conhecerem dirão a mesma coisa — replicou Mrs. Reynolds.
Elizabeth achou que isto era ir demasiado longe. E ouviu com assombro a caseira acrescentar:
— Nunca ouvi o meu patrão dizer uma palavra ríspida em toda a minha vida. E eu o conheço desde que tinha quatro anos de idade.
Este era o elogio mais extraordinário de todos, mais oposto às ideias de Elizabeth. Ela acreditava firmemente que Mr. Darcy era um homem de mau gênio. A sua curiosidade cresceu extraordinariamente. Queria outras informações. E ficou grata ao tio, porque este disse:
— São poucas as pessoas de quem se pode dizer outro tanto. Tem muita sorte em ter um patrão destes.
— Sim, senhor, sei disto muito bem. Se eu saísse por este mundo, não encontraria outro melhor. Mas já notei que as pessoas de bom caráter em criança também o são quando adultos. E Mr. Darcy, em menino, tinha um gênio de anjo e um coração de ouro.
Elizabeth ficou boquiaberta. “Será mesmo Mr. Darcy?”, pensou.
— O pai dele era um homem excelente — disse Mrs. Gardiner.
— Era mesmo; e o filho será exatamente como ele. Igualmente afável para com os pobres.
Elizabeth ouviu, espantou-se, duvidou, e ficou impaciente por ouvir mais. Mrs. Reynolds não a poderia interessar noutro ponto. Em vão ela falou sobre os personagens que os quadros representavam, as dimensões da sala e o preço dos móveis. Mr. Gardiner, que achava muito divertida aquela parcialidade pela família, a que ele atribuía os excessivos louvores de Mrs. Reynolds, tornou a introduzir o assunto. E Mrs. Reynolds discorreu com energia sobre as qualidades do seu patrão, enquanto subiam todos a grande escadaria.
— Ele é o melhor proprietário e o melhor patrão que jamais existiu — disse. — Não é como os rapazes loucos de hoje que só pensam em si próprios. Não existe um só dos seus rendeiros ou criados que não fale nele com admiração. Muitos dizem que é orgulhoso; mas eu nunca vi nada disto. Quanto a mim, penso que é porque ele não é tagarela como os outros rapazes.
“Sob que luz favorável ela o coloca”, pensou Elizabeth.
— Estas informações não concordam com o seu procedimento com o nosso pobre amigo — sussurrou a sua tia, enquanto caminhavam. — Talvez estejamos enganadas.
— Não é provável. O testemunho é dos melhores.
Depois de chegarem ao espaçoso hall em cima, foram conduzidos a uma linda sala de jantar, decorada recentemente, com maior elegância e graça do que os apartamentos e salas de baixo. E foram informados de que tudo aquilo tinha sido feito para dar prazer a Miss Darcy, que tinha manifestado preferência por aquela sala, da última vez que estivera em Pemberley.
— Ele é certamente um bom irmão — disse Elizabeth, enquanto se dirigia para uma das janelas.
Mrs. Reynolds antecipava a surpresa de Miss Darcy, quando ela entrasse no aposento.
— Tudo o que pode fazer para agradar a sua irmã, manda executar imediatamente. E é sempre assim que age; não existe nada que não faça para lhe dar um prazer.
A galeria de retratos e os dois ou três quartos de dormir principais eram tudo que lhes restava a ver. A galeria continha muitos quadros interessantes, mas Elizabeth não entendia de pintura. Já quando lhe tinham mostrado os outros, embaixo, desviara o rosto para examinar uns desenhos a crayon de Miss Darcy, cujos assuntos eram geralmente mais interessantes e também mais fáceis de entender.
Na galeria havia também muitos retratos de família. Estes quadros, porém, tinham pouco interesse para uma estranha. Elizabeth procurou neles, apenas, os traços que conhecia. Afinal, um desses retratos lhe despertou a atenção. Era de uma pessoa cujo rosto se parecia notavelmente com o de Mr. Darcy e tinha um sorriso que já se lembrava de ter visto também no seu rosto, quando ele a contemplava. Deteve-se durante vários minutos diante do retrato, olhando-o fixamente. E antes de sair da galeria, voltou para examiná-lo; e Mrs. Reynolds informou-a de que fora pintado ainda em vida do falecido Mr. Darcy.
Havia naquele momento, no espírito de Elizabeth, um sentimento de benevolência para com o atual proprietário de Pemberley, como jamais tivera no período em que melhor o conhecera. Os elogios de que Mrs. Reynolds o tinha cumulado não eram de pouca monta. Nenhum louvor é mais valioso do que o de um criado inteligente. A felicidade de muitas pessoas dependia dele como irmão, como proprietário e como patrão. Ele tinha o poder de dispensar o prazer e a dor, e a faculdade de praticar em larga escala o bem e o mal. Tudo o que Mrs. Reynolds dissera a seu respeito tinha sido favorável. E diante da tela em que o seu rosto fora retratado e cujos olhos pareciam fitá-la, Elizabeth pensou na admiração de Mr. Darcy por ela própria, com uma gratidão que jamais sentira. Recordou a força daquela afeição e suavizou as expressões com que ele a exteriorizara.
Depois de terem visto a casa toda, tornaram a descer as escadas, e ao se despedirem da caseira, foram entregues aos cuidados do jardineiro, que os encontrou na porta do hall. Enquanto atravessavam o gramado em direção ao riacho, Elizabeth voltou-se para tornar a ver a casa; sua tia também se detivera, e enquanto a primeira fazia conjeturas sobre a data em que fora construído o edifício, o proprietário em pessoa surgiu de repente na estrada que conduzia às cocheiras, do outro lado da casa.
Estavam a cerca de vinte metros um do outro, e seu aparecimento fora tão repentino que era impossível a Elizabeth se esconder. Seus olhos se encontraram imediatamente. E ambos coraram de um modo intenso. Ele teve um sobressalto e por um momento a surpresa o paralisou; mas, voltando imediatamente a si, adiantou-se em relação ao grupo e se dirigiu a Elizabeth, senão com absoluta calma, pelo menos com toda a amabilidade.
Elizabeth tinha se virado instintivamente, mas vendo-o aproximar-se, deteve-se e recebeu os seus cumprimentos com um embaraço impossível de dominar. Se a sua aparência a princípio, ou a sua semelhança com o retrato que tinham acabado de examinar, já não tivessem demonstrado por si a Mr. e Mrs. Gardiner que avistaram agora Mr. Darcy em pessoa, a expressão de surpresa do jardineiro ao ver o seu patrão teria sido suficiente para o revelar. Ficaram um pouco afastados, enquanto ele conversava com a sua sobrinha, e esta, atônita e embaraçada, mal ousava levantar os olhos, e respondia inconscientemente às perguntas de cortesia que lhe fazia sobre a sua família. E extremamente surpresa com a mudança nas maneiras de Mr. Darcy, cada frase que ele pronunciava agora aumentava a sua confusão. Voltavam-lhe à mente todas as ideias a respeito da inconveniência de encontrá-lo ali e os poucos minutos em que estiveram juntos foram os mais penosos na sua vida. Ele não parecia também estar muito à vontade. Quando falava, a sua expressão não tinha a calma habitual. Perguntou várias vezes em que dia Elizabeth saíra de Longbourn e quanto tempo se demoraria no Derbyshire, de uma maneira tão apressada, que se tornara evidente que os seus pensamentos estavam longe. Afinal todas as ideias pareceram faltar-lhe. E depois de ficar parado e mudo durante alguns instantes, Mr. Darcy voltou a si de súbito e se despediu.
Os outros então se aproximaram dela e exprimiram a sua admiração pela figura do rapaz; mas Elizabeth, inteiramente absorta em seus pensamentos, não ouviu uma só palavra. Acompanhou-os em silêncio; sentia-se esmagada de vergonha e de contrariedade. A sua vinda ali fora a ideia mais infeliz e mais irrefletida do mundo. Como aquele encontro deveria parecer estranho a Mr. Darcy! E sob que luz desfavorável não a colocaria aos olhos de um homem tão vaidoso! Poderia até parecer que ela se tinha atirado no seu caminho! Oh, por que tinha vindo? Ou por que tinha ele vindo na véspera do dia em que era esperado? Se tivessem saído dez minutos mais cedo de Pemberley, ele não a teria reconhecido de longe, pois era evidente que chegava naquele momento e que tinha acabado de saltar do cavalo ou da carruagem. Ela enrubesceu várias vezes ao recordar a perversidade daquele acaso. E que poderia significar aquela alteração que vira nos seus modos? Era espantoso que ele lhe tivesse dirigido a palavra. Mas falar com tanta amabilidade e perguntar pela sua família! Nunca, na sua vida, Elizabeth lhe vira maneiras tão cordiais e tão pouco cerimoniosas. Nunca lhe falara com tanta doçura quanto durante aquele encontro inesperado. Que diferença daquela ocasião em que se dirigira a ela no parque de Rosings, a fim de lhe entregar a carta. Não sabia o que pensar, nem como explicar aquilo.
Tinham agora penetrado num belo caminho que acompanhava as margens do riacho e cada passo que davam os aproximava de uma das mais belas partes do bosque. Mas só algum tempo depois é que Elizabeth começou a notar o que a cercava, e embora respondesse mecanicamente aos repetidos apelos dos seus tios para que contemplasse os aspectos que lhe apontavam, não distinguia perfeitamente nenhum detalhe da paisagem. Seus pensamentos se voltavam para a casa de Pemberley e procuravam adivinhar o lugar em que Mr. Darcy agora se encontrava. Ansiava por saber o que lhe passava pela mente naquele momento, de que maneira pensava nela, e se apesar de tudo ainda lhe era cara. Talvez ele tivesse se mostrado tão amável porque se sentisse indiferente. No entanto, na sua voz, não havia transparecido aquela tranquilidade. Elizabeth não sabia se ele sentira aborrecimento ou prazer ao vê-la. Mas, certamente, não permanecera indiferente. Afinal, as observações dos seus companheiros sobre a sua distração fizeram-na voltar a si e com isto lhe ocorreu a ideia de que era necessário se mostrar mais natural.
Penetraram no bosque e, dizendo adeus ao riacho por algum tempo, subiram para uma região mais elevada; e aí, através de clareiras ocasionais, descobriram encantadoras vistas do vale, das colinas do outro lado, recobertas de extensos bosques e ocasionalmente do riacho. Mr. Gardiner exprimiu o desejo de fazer a volta do parque, caso fosse possível percorrê-lo a pé. Mas o jardineiro informou-os com um sorriso triunfante de que o parque tinha mais de dez milhas de circunferência. Teriam portanto de se contentar com o circuito habitual. Tornaram a descer a colina por entre os bosques que lhe revestiam a encosta, até voltar ao riacho num dos pontos em que as suas margens eram mais estreitas. Atravessaram-no por uma ponte rústica; era uma região mais selvagem do que as que tinham visitado até agora. E o vale, estreitando-se, tornava-se uma várzea diminuta, ocupada pelo curso d’água e por um caminho estreito, cercado de moitas de arbustos selvagens. Elizabeth desejava explorar os meandros do riacho, mas depois de atravessarem a ponte e perceberem a distância em que se encontravam da casa, Mrs. Gardiner, que não gostava muito de caminhar, declarou que não podia ir mais adiante e que desejava voltar para a carruagem o mais depressa possível. Elizabeth foi portanto obrigada a se submeter, e o grupo voltou em direção à casa, do outro lado do rio, tomando o caminho mais curto. Mas a caminhada foi lenta, pois Mr. Gardiner, que gostava muito de pescar, mas raramente tinha oportunidade de fazê-lo, se detinha a todo instante para observar as trutas, e fazer perguntas ao homem que os acompanhava. Enquanto caminhavam assim lentamente, tiveram novamente a surpresa de avistar Mr. Darcy, que se aproximava a pequena distância. O espanto de Elizabeth foi igual ao que sentira durante o primeiro encontro. O caminho, que era menos protegido do que do outro lado, permitiu que o vissem antes de encontrá-lo. Elizabeth, embora espantada, estava pelo menos mais preparada para a entrevista. Resolveu que falaria com calma se Mr. Darcy tencionasse realmente abordá-los. Durante alguns instantes, pensou que ele ia dobrar por outro caminho, mas a ideia durou enquanto uma volta da estrada o ocultava das suas vistas. Feita a volta, ele surgiu diretamente diante deles. Com um rápido olhar, Elizabeth viu que Mr. Darcy nada tinha perdido da sua recente amabilidade; e para imitar a sua polidez, logo depois que se encontraram, ela começou a louvar as belezas do lugar. Mas apenas as palavras “lindo” e “encantador” lhe tinham saído dos lábios, uma infeliz recordação a assaltou e ela imaginou que aqueles elogios a Pemberley podiam ser mal-interpretados. Empalideceu e não disse mais nada.
Mrs. Gardiner estava parada um pouco atrás. E quando Elizabeth cessou de falar, Mr. Darcy lhe perguntou se queria lhe fazer a honra de apresentá-lo aos seus amigos. Elizabeth não esperava esta demonstração de cortesia e não pôde deixar de sorrir, ao vê-lo agora procurar o conhecimento daquelas mesmas pessoas contra as quais o seu orgulho se tinha revoltado quando lhe propusera casamento. “Como vai ficar espantado”, pensou ela, “quando souber quem são eles. Imagina naturalmente que são pessoas de importância...”
A apresentação, no entanto, foi feita imediatamente. E ao mencionar o parentesco que os unia, Elizabeth não pôde deixar de olhar de soslaio para Mr. Darcy, esperando vê-lo fugir o mais depressa que pudesse da companhia de gente tão modesta. Era evidente que o parentesco o surpreendia. No entanto nada deixou perceber e longe de se voltar para partir, regressou com eles e entrou em conversação com Mr. Gardiner. Elizabeth não pôde deixar de se sentir lisonjeada. Mas não experimentava nenhum sentimento de triunfo; em todo caso era consolador ter a certeza de que Mr. Darcy sabia agora que ela não precisava se envergonhar dos seus parentes. Ouvia com a maior atenção tudo o que se passava entre eles e ficava radiante cada vez que uma expressão ou uma frase do seu tio revelava a sua inteligência, o seu bom gosto e as suas belas maneiras.
Dentro em pouco conversavam sobre a pesca. Ela ouviu Mr. Darcy convidar o seu tio, com a maior cortesia, para pescar no parque todas as vezes que quisesse, oferecendo-lhe ao mesmo tempo os necessários acessórios, e indicando-lhe as partes do riacho onde a pesca em geral era mais proveitosa. Mrs. Gardiner, que caminhava de braços com Elizabeth, lançou para a sua companheira um expressivo olhar de surpresa. Elizabeth nada disse, mas ficou extremamente satisfeita. Aquele ato de galanteria lhe era provavelmente dirigido; o seu espanto, entretanto,era extremo, e repetia continuamente: “por que é que ele está tão alterado? Qual será o motivo disto? Não pode ser por minha causa, pois minhas admoestações em Hunsford não poderiam efetuar nele uma tão grande alteração; é impossível que ainda me ame.”
Depois de caminhar algum tempo desse modo, as duas senhoras na frente, os dois cavalheiros atrás, ao chegarem à margem do rio onde iam examinar uma curiosa planta aquática, houve uma pequena alteração: Mrs. Gardiner, fatigada pelo exercício daquela manhã, achou o braço de Elizabeth inadequado para nele se apoiar e preferiu o do seu marido. Mr. Darcy tomou o seu lugar ao lado de Elizabeth e eles continuaram a caminhar. Depois de um curto silêncio, Elizabeth foi quem primeiro falou. Desejava que Mr. Darcy soubesse que antes de vir tinha feito indagações e lhe tinham afirmado que ele estaria ausente, e por isso se decidira a vir visitar o lugar. Começou, portanto, observando que a sua chegada tinha sido inesperada.
— A sua caseira — acrescentou — nos informou que o senhor não chegaria antes de amanhã. E aliás, antes de sairmos de Bakewell, disseram-nos que o senhor não era esperado imediatamente.
Mr. Darcy reconheceu a verdade do que ela dizia e respondeu que, por causa dos negócios que tinha a tratar com o seu intendente, adiantara-se algumas horas aos seus companheiros de viagem.
— Chegarão amanhã cedo — continuou. — Aliás, virão algumas pessoas que a conhecem: Mr. Bingley e suas irmãs.
Elizabeth respondeu com um leve aceno da cabeça. Seus pensamentos a levaram imediatamente para a ocasião em que o nome de Mr. Bingley fora pronunciado entre eles pela última vez. E se lhe era dado julgar pela expressão do rosto de Mr. Darcy, seus pensamentos tinham tomado um rumo semelhante.
— Existe também outra pessoa no grupo — continuou ele, depois de uma pausa — que deseja particularmente conhecê-la. Se me permite, eu lhe apresentarei a minha irmã, durante a sua estada em Lambton. Ou será que lhe peço demais?
A surpresa que causava a Elizabeth um tal pedido era realmente grande. Na sua perturbação ela concordou, mas sem saber de que maneira o fazia. Compreendeu imediatamente que esse desejo de Miss Darcy só poderia ter sido inspirado pelo seu irmão. E não era preciso fazer muitas indagações para descobrir que isto era bastante satisfatório. Era agradável saber que o ressentimento de Mr. Darcy não o levara a pensar mal a seu respeito. Continuaram a caminhar em silêncio, ambos mergulhados nas suas reflexões. Elizabeth não se sentia muito à vontade. Isto era impossível. Mas sentia-se lisonjeada e contente. O seu desejo de lhe apresentar a irmã era uma homenagem de grande delicadeza. Em pouco eles haviam se distanciado bastante dos outros. E quando chegaram à carruagem, Mr. e Mrs. Gardiner estavam a uns duzentos metros atrás. Mr. Darcy então convidou-a a entrar. Mas Elizabeth declarou que não estava cansada. Eles permaneceram de pé no gramado. Numa ocasião como aquela, muitas coisas podiam ser ditas e o silêncio era embaraçoso. Elizabeth queria conversar, mas parecia haver um obstáculo em quase todos os assuntos. Afinal se lembrou de que estivera viajando e eles falaram de Matlock e de Dove Dale com grande perseverança. No entanto, o tempo e a sua tia caminhavam lentamente. E a sua paciência e as suas ideias estavam completamente esgotadas antes do tête-à-tête terminar. Quando Mr. e Mrs. Gardiner se aproximaram, foram convidados a entrar, mas isto foi recusado e todos se separaram com a maior polidez. Mr. Darcy ajudou as senhoras a entrar na carruagem e quando esta se afastou Elizabeth o viu caminhando lentamente em direção à casa.
As observações dos seus tios tiveram então início. Ambos declararam que o tinham achado infinitamente superior ao que esperavam.
— Ele é perfeitamente cortês e modesto — disse Mr. Gardiner.
— Existe certamente um pouco de dureza nas suas maneiras — replicou Mrs. Gardiner —, mas ela se limita à sua atitude e não lhe vai mal. Agora eu posso dizer como Mrs. Reynolds que, embora muitas pessoas o chamem de orgulhoso, não vi nada disto.
— O que me surpreendeu mais foram as suas maneiras para conosco. Eram mais do que polidas, eram realmente atenciosas. Suas relações com Elizabeth são muito recentes.
— Naturalmente, Lizzy — disse Mrs. Gardiner —, ele não é tão bonito quanto Wickham, embora os seus traços sejam perfeitamente regulares. Mas não entendo por que você nos disse que ele era tão desagradável.
Elizabeth se desculpou da melhor forma possível; disse que o achara mais simpático da última vez que estivera com ele no Kent, e que nunca o vira tão amável quanto naquela manhã.
— Mas talvez ele seja um pouco excêntrico nas suas amabilidades — replicou Mr. Gardiner. — Os homens importantes em geral o são. E portanto não tomarei ao pé da letra o convite que me fez para pescar, pois é possível que mude de ideia amanhã e me expulse do seu parque.
Elizabeth sentiu que eles se tinham enganado redondamente sobre o caráter de Mr. Darcy, mas não disse nada.
— Pelo que vimos dele — continuou Mrs. Gardiner —, eu jamais poderia pensar que fosse capaz de agir tão cruelmente com qualquer pessoa como fez com o pobre Wickham. A sua expressão não revela mau caráter, pelo contrário, tem um modo de mover os lábios, quando fala, que muito me agrada. E há uma dignidade no seu rosto que dificilmente daria a alguém uma ideia desfavorável do seu coração. Aliás, a boa mulher que nos mostrou a casa atribuiu-lhe o mais brilhante dos caracteres. Às vezes eu não podia me impedir de rir alto. Creio que ele deve ser um patrão condescendente e aos olhos de um criado isto resume todas as virtudes.
Elizabeth sentiu então que deveria dizer alguma coisa para justificar o procedimento de Darcy em relação a Wickham. E portanto deu a entender a seus tios, da forma mais reservada que podia, que, pelo que ouvira dos seus parentes no Kent, os seus atos eram susceptíveis de uma interpretação inteiramente diferente. E que o seu caráter nem de longe era tão defeituoso quanto o tinham suposto no Hertfordshire; por outro lado o de Wickham estava longe de ser tão perfeito. E para confirmar o que lhes dizia, relatou os detalhes de todas as transações pecuniárias em que se tinha envolvido, sem dar o nome da pessoa que a informara, porém acrescentando que era digna de todo o crédito. Mrs. Gardiner ficou surpreendida e preocupada. Mas como se aproximavam agora do lugar onde residira na sua mocidade, ela se entregou toda ao encanto das suas recordações, e estava tão preocupada em mostrar ao marido as maravilhas das redondezas, que se esqueceu do resto. Apesar de todas as fadigas da manhã, logo depois do jantar tornaram a sair em procura dos antigos conhecidos de Mrs. Gardiner, e esta passou a noite entregue ao prazer de reatar antigos laços de amizade.
As ocorrências daquele dia eram demasiado interessantes para que Elizabeth pudesse dar muita atenção a esses novos amigos. E ela não podia fazer outra coisa senão pensar e refletir com assombro nas amabilidades de Mr. Darcy e sobretudo no seu desejo de lhe apresentar a irmã.
44
Elizabeth tinha combinado com Mr. Darcy
que ele traria a irmã para visitá-la logo no dia seguinte ao da sua chegada em
Pemberley. E decidiu portanto não se afastar da hospedaria durante toda aquela
manhã. Mas a sua conclusão foi falsa, pois logo na manhã seguinte à sua chegada
em Lambton, surgiram esses visitantes. Elizabeth e seus tios tinham estado
passeando pela cidade com alguns dos seus novos amigos e acabavam de regressar
à hospedaria, a fim de se vestirem para jantar com a mesma família, quando o
ruído de uma carruagem os atraiu para a janela. Elizabeth imediatamente
reconheceu a libré, compreendeu do que se tratava e relatou, com grande
surpresa para seus parentes, a honra que a estava esperando. Seu tio e sua tia
ficaram extraordinariamente surpreendidos, e o embaraço de Elizabeth ao lhes
comunicar aquilo, somado à circunstância em si, e à lembrança de muitas outras
do dia precedente, lhes deu uma nova visão do que se passava. Nada o havia
sugerido anteriormente, mas sentiam que agora não havia outra maneira de
explicar as atenções de Mr. Darcy sem supor um interesse dele pela sua
sobrinha. Enquanto essas novas ideias lhes atravessavam o pensamento, a
perturbação de Elizabeth crescia a cada momento. Ela mesma ficou espantada com
o seu nervosismo. Além de outras inquietações, temia que Mr. Darcy, com a sua parcialidade,
houvesse exagerado as suas qualidades. E ansiosa como nunca por agradar,
desconfiava naturalmente de que todos os seus recursos seriam escassos.
Elizabeth recuou da janela com medo de ser percebida. E enquanto caminhava de um lado para outro, procurando se acalmar, percebeu os olhares curiosos de seus tios, o que tornou tudo ainda pior.
Miss Darcy e seu irmão apareceram. E aquela temível apresentação ocorreu afinal. Com espanto Elizabeth percebeu que a sua nova conhecida estava tanto ou mais embaraçada do que ela. Desde que chegara a Lambton, Elizabeth ouvira dizer várias vezes que Miss Darcy era extremamente orgulhosa. Mas agora, a observação de poucos minutos lhe bastou para constatar que ela era apenas extremamente tímida. Foi muito difícil obter dela outras palavras a não ser simples monossílabos. Miss Darcy era alta e mais corpulenta do que Elizabeth, e embora tivesse pouco mais de 16 anos, suas formas eram bem desenvolvidas e sua aparência graciosa. Seus traços eram menos regulares do que os do seu irmão, mas havia bom senso e cordialidade na sua expressão. E as suas maneiras eram perfeitamente modestas e polidas. Elizabeth, que esperava encontrar nela uma observadora tão aguda e impassível quanto Mr. Darcy, sentiu-se extremamente aliviada ao discernir tamanha diferença de feitio.
Poucos momentos depois de chegar, Darcy avisou que Bingley também viria lhe apresentar os seus cumprimentos, e Elizabeth mal tivera tempo de exprimir a sua satisfação, quando ouviu na escada os passos rápidos de Bingley e no mesmo instante ele apareceu na sala. Há muito já se tinha acalmado todo o ressentimento de Elizabeth contra ele. Mesmo porém que conservasse ainda um resto daqueles sentimentos, teria sido impossível resistir à singela cordialidade com que ele se exprimiu ao tornar a vê-la. Bingley perguntou pela sua família de maneira cordial, embora vaga, falando com a mesma tranquilidade bem-humorada de sempre.
Mr. e Mrs. Gardiner o olharam também com muito interesse. Há muito que desejavam conhecê-lo. O grupo todo, aliás, despertava neles a mais viva curiosidade. As suspeitas que a atitude de sua sobrinha acabara de provocar fez com que observassem cada um dos presentes com curiosidade, embora reservadamente. E chegaram imediatamente à conclusão de que uma daquelas pessoas presentes, pelo menos, sabia o que era o amor. Quanto aos sentimentos de Elizabeth, permaneceram um pouco em dúvida. Mas era evidente que o rapaz tinha por ela uma fervorosa admiração.
Elizabeth, por sua vez, tinha muito o que fazer. Queria se certificar dos sentimentos de cada um dos visitantes. Queria dominar os seus e tornar-se agradável para todos. E neste último ponto, acerca do qual eram maiores as suas apreensões, podia estar mais certa do seu êxito, pois aqueles a quem desejava agradar estavam dispostos a seu favor. Em Bingley encontrou a melhor das disposições, Georgiana ansiava por satisfazê-la e Darcy estava sequioso das suas atenções.
Ao ver Bingley, Elizabeth se lembrou naturalmente da sua irmã e ela teria dado muita coisa para saber se os pensamentos dele tinham tomado o mesmo rumo que os seus. As vezes parecia-lhe que ele falava menos do que antigamente. E outras vezes parecia a Elizabeth que ao olhar para ela, procurava encontrar no seu rosto a semelhança de outra pessoa. Mas embora esta impressão pudesse ser imaginária, Elizabeth não poderia se enganar quanto ao comportamento de Miss Darcy, em quem certas pessoas tinham esperado encontrar uma rival para Jane. Nem de um lado nem de outro, um só olhar deixou transparecer qualquer interesse especial. Nada ocorreu entre eles que pudesse justificar as esperanças de Miss Bingley. Quanto a este ponto, ela poderia ficar inteiramente tranquila. E antes dos visitantes irem embora, ocorreram dois ou três pequenos fatos que, segundo a interpretação ansiosa de Elizabeth, denotavam uma recordação de Jane, não desacompanhada de ternura da parte de Bingley e de um desejo de dizer outras coisas que pudessem conduzir à menção do seu nome, sem que ele o ousasse. No momento em que os outros estavam conversando, Bingley observou para Elizabeth, num tom que denotava uma certa mágoa, que há longo tempo não tinha o prazer de vê-la. E antes que pudesse responder, ele acrescentou:
— Faz mais de oito meses. Não nos vemos desde o dia 26 de novembro, quando estávamos todos dançando juntos em Netherfield.
Elizabeth ficou satisfeita ao ver que a memória de Bingley era exata. E depois, quando os outros estavam distraídos, ele encontrou ocasião de perguntar se todas as irmãs de Elizabeth estavam em Longbourn. A pergunta nada tinha de excepcional, como tampouco a observação precedente. Era o seu olhar e as suas maneiras que lhe emprestavam toda a sua significação.
Elizabeth não teve muitas ocasiões de voltar os seus olhos para Mr. Darcy, mas todas as vezes que o olhava de relance, surpreendia uma expressão de contentamento, e tudo o que ele dizia era num tom tão diferente da sua antiga altivez e desdém que Elizabeth ficou convencida que a melhoria das suas maneiras, que presenciara na véspera, por mais temporária que se mostrasse, durava pelo menos mais do que um só dia. Quando o via assim ocupado em procurar a companhia e a boa opinião de pessoas com as quais há poucos dias passados ele teria julgado desonroso manter relações, quando o ouvia tratar com a maior amabilidade não só a ela, Elizabeth, mas aos próprios parentes que tinha tão abertamente desdenhado, durante aquela cena na reitoria de Hunsford, a mudança parecia tão grande, e a impressionava de tal maneira, que só com o maior esforço ela conseguia esconder a sua surpresa. Nunca o vira tão desejoso de agradar, tão livre de orgulhosas e rígidas reservas como agora, nem mesmo na companhia dos seus queridos amigos de Netherfield, ou de seus importantes parentes em Rosings. E agora, precisamente, nada poderia resultar dos seus esforços, e o simples conhecimento daquelas pessoas para as quais dirigia agora as suas atenções provocaria a censura e o sarcasmo das senhoras de Netherfield e de Rosings.
Os visitantes demoraram cerca de meia hora. E quando se levantaram para partir, Mr. Darcy se dirigiu à sua irmã, pedindo que apoiasse o convite que fazia a Mr. e Mrs. Gardiner e a Miss Bennet para que fossem jantar em Pemberley antes de partirem. Miss Darcy prontamente acedeu, embora com uma timidez que revelava o pouco hábito que tinha de fazer convites. Mrs. Gardiner olhou para a sobrinha, desejosa de saber se Elizabeth, a quem o convite principalmente se dirigia, estava disposta a aceitá-lo. Mas a sua sobrinha desviara a cabeça. Presumindo portanto que esta atitude estudada exprimia mais um momentâneo embaraço do que qualquer desagrado da proposta, e vendo que o seu marido, que apreciava a sociedade, estava disposto a aceitar, ela consentiu, e o jantar foi marcado para daí a dois dias.
Bingley disse então que o seu prazer em tornar a ver Elizabeth seria imenso, pois tinha ainda muito o que lhe dizer e muitas perguntas a lhe fazer sobre os seus amigos de Hertfordshire. Elizabeth, interpretando aquilo tudo como um desejo de ouvir falar em Jane, ficou satisfeita. Graças àquela e a outras coisas, depois que os visitantes partiram, ela se pôs a pensar naquela última meia hora com alguma satisfação, embora tivesse sido pequeno o seu prazer durante todo o decurso da visita. Desejosa de ficar a sós e temerosa das perguntas e alusões dos seus tios, permaneceu em companhia destes apenas o tempo necessário para ouvir as suas opiniões favoráveis sobre Bingley. Em seguida deixou-os apressadamente, sob o pretexto de se vestir.
Elizabeth não tinha razão de temer a curiosidade de Mr. e de Mrs. Gardiner. Eles não desejavam forçar as suas confidências. Compreendiam que Elizabeth conhecia Mr. Darcy muito mais intimamente do que tinham suposto. Era evidente que estava muito apaixonado por ela. Viam naquilo um motivo de interesse porém nada que justificasse indagações.
Quanto a Mr. Darcy, ansiavam por imaginar as melhores coisas a seu respeito. Até onde se estendiam as suas relações, não encontravam nele nenhum defeito. Não podiam deixar de se sentir tocados pela sua polidez. Se tivesse imaginado o caráter de Darcy pelas suas próprias impressões e pelas informações da sua criada, a sociedade do Hertfordshire, onde ele tinha residido, não o teria reconhecido. Havia agora, entretanto, interesse em acreditar nas palavras de Mrs. Reynolds. E em pouco chegaram à conclusão de que a opinião de uma criada que o conhecera desde os quatro anos de idade, e cujas maneiras eram as de uma pessoa respeitável, não poderia ser rejeitada sumariamente. Os seus amigos de Lambton, por outro lado, não sabiam de nenhum fato que pudesse diminuir o valor daquele testemunho. De nada o acusavam senão de orgulho. E orgulho ele tinha certamente. E mesmo se não o tivesse, esse defeito lhe seria imputado pelos habitantes de uma pequena cidade provincial, onde a família não possuía relações. Todos reconheciam no entanto que era um homem generoso, e fazia bem aos pobres.
Quanto a Wickham, os visitantes logo descobriram que não era muito estimado no lugar, pois embora nada de preciso se soubesse sobre as suas relações com o filho do seu protetor, no entanto era sabido que ao sair do Derbyshire deixara muitas dívidas e que Mr. Darcy mais tarde as tivera saldado.
Elizabeth pensou mais em Pemberley naquela noite do que na precedente. E embora as horas lhe parecessem difíceis de passar, não foram suficientes para que chegasse a uma conclusão acerca dos seus sentimentos. E ficou duas horas acordada, tentando ler em seu coração. Certamente não o odiava. Não, o ódio há muito se dissipara e há muito também se envergonhava de ter antipatizado com ele. O respeito que as suas valiosas qualidades lhe inspiravam, embora a princípio admitido com relutância, já há longo tempo cessara de ser repugnante para os seus sentimentos. Ele agora se transformava num sentimento mais cordial, graças aos testemunhos tão altamente a seu favor, e à impressão favorável que Darcy lhe produzira na véspera. Mas acima de tudo, acima do respeito e da estima, encontrava em si mesma um motivo de boa vontade que seria impossível desprezar: era a gratidão. Gratidão não somente porque a amara, mas porque ainda a amava bastante para esquecer toda a acrimônia e petulância com que ela o rejeitara e todas as acusações injustas com que acompanhara essa rejeição. Estivera persuadida de que Darcy a evitaria como a sua maior inimiga. E, no entanto, durante aquele encontro acidental, ele se mostrara ansioso por restabelecer as suas relações, sem qualquer exibição indelicada de sentimentos ou qualquer excentricidade de maneiras, no seu modo de tratá-la a sós. Procurava também a boa opinião dos amigos de Elizabeth, e insistira para apresentá-la à sua irmã. Uma tal mudança num homem tão orgulhoso produzia não somente espanto, mas gratidão. Pois só podia ser atribuída ao amor, e a um amor ardente. E a impressão que sobre ela esse amor produzia não era de modo algum desagradável, embora não pudesse ser exatamente definível. Ela o respeitava e estimava; era-lhe grata, sentia um interesse real pelo seu bem-estar. E queria apenas saber até que ponto desejava que aquele bem-estar dependesse dela, e para felicidade de ambos, até que ponto deveriam empregar o poder que imaginava ainda possuir de fazer com que ele renovasse as suas atenções.
Ficara decidido naquela noite entre a tia e a sobrinha que uma cortesia tão decisiva como a que manifestara Miss Darcy, vindo visitá-los no mesmo dia da sua chegada em Pemberley, deveria ser retribuída por um esforço de polidez da sua parte. Acharam, portanto, que seria altamente conveniente fazer uma visita a Pemberley na manhã seguinte. Elizabeth ficou contente. No entanto, quando perguntou a si mesma o motivo desse contentamento, não encontrou resposta.
Mr. Gardiner saiu logo depois da primeira refeição. O plano da pescaria fora renovado no dia anterior e um encontro marcado com alguns dos cavalheiros em Pemberley, ao meio-dia.
Elizabeth recuou da janela com medo de ser percebida. E enquanto caminhava de um lado para outro, procurando se acalmar, percebeu os olhares curiosos de seus tios, o que tornou tudo ainda pior.
Miss Darcy e seu irmão apareceram. E aquela temível apresentação ocorreu afinal. Com espanto Elizabeth percebeu que a sua nova conhecida estava tanto ou mais embaraçada do que ela. Desde que chegara a Lambton, Elizabeth ouvira dizer várias vezes que Miss Darcy era extremamente orgulhosa. Mas agora, a observação de poucos minutos lhe bastou para constatar que ela era apenas extremamente tímida. Foi muito difícil obter dela outras palavras a não ser simples monossílabos. Miss Darcy era alta e mais corpulenta do que Elizabeth, e embora tivesse pouco mais de 16 anos, suas formas eram bem desenvolvidas e sua aparência graciosa. Seus traços eram menos regulares do que os do seu irmão, mas havia bom senso e cordialidade na sua expressão. E as suas maneiras eram perfeitamente modestas e polidas. Elizabeth, que esperava encontrar nela uma observadora tão aguda e impassível quanto Mr. Darcy, sentiu-se extremamente aliviada ao discernir tamanha diferença de feitio.
Poucos momentos depois de chegar, Darcy avisou que Bingley também viria lhe apresentar os seus cumprimentos, e Elizabeth mal tivera tempo de exprimir a sua satisfação, quando ouviu na escada os passos rápidos de Bingley e no mesmo instante ele apareceu na sala. Há muito já se tinha acalmado todo o ressentimento de Elizabeth contra ele. Mesmo porém que conservasse ainda um resto daqueles sentimentos, teria sido impossível resistir à singela cordialidade com que ele se exprimiu ao tornar a vê-la. Bingley perguntou pela sua família de maneira cordial, embora vaga, falando com a mesma tranquilidade bem-humorada de sempre.
Mr. e Mrs. Gardiner o olharam também com muito interesse. Há muito que desejavam conhecê-lo. O grupo todo, aliás, despertava neles a mais viva curiosidade. As suspeitas que a atitude de sua sobrinha acabara de provocar fez com que observassem cada um dos presentes com curiosidade, embora reservadamente. E chegaram imediatamente à conclusão de que uma daquelas pessoas presentes, pelo menos, sabia o que era o amor. Quanto aos sentimentos de Elizabeth, permaneceram um pouco em dúvida. Mas era evidente que o rapaz tinha por ela uma fervorosa admiração.
Elizabeth, por sua vez, tinha muito o que fazer. Queria se certificar dos sentimentos de cada um dos visitantes. Queria dominar os seus e tornar-se agradável para todos. E neste último ponto, acerca do qual eram maiores as suas apreensões, podia estar mais certa do seu êxito, pois aqueles a quem desejava agradar estavam dispostos a seu favor. Em Bingley encontrou a melhor das disposições, Georgiana ansiava por satisfazê-la e Darcy estava sequioso das suas atenções.
Ao ver Bingley, Elizabeth se lembrou naturalmente da sua irmã e ela teria dado muita coisa para saber se os pensamentos dele tinham tomado o mesmo rumo que os seus. As vezes parecia-lhe que ele falava menos do que antigamente. E outras vezes parecia a Elizabeth que ao olhar para ela, procurava encontrar no seu rosto a semelhança de outra pessoa. Mas embora esta impressão pudesse ser imaginária, Elizabeth não poderia se enganar quanto ao comportamento de Miss Darcy, em quem certas pessoas tinham esperado encontrar uma rival para Jane. Nem de um lado nem de outro, um só olhar deixou transparecer qualquer interesse especial. Nada ocorreu entre eles que pudesse justificar as esperanças de Miss Bingley. Quanto a este ponto, ela poderia ficar inteiramente tranquila. E antes dos visitantes irem embora, ocorreram dois ou três pequenos fatos que, segundo a interpretação ansiosa de Elizabeth, denotavam uma recordação de Jane, não desacompanhada de ternura da parte de Bingley e de um desejo de dizer outras coisas que pudessem conduzir à menção do seu nome, sem que ele o ousasse. No momento em que os outros estavam conversando, Bingley observou para Elizabeth, num tom que denotava uma certa mágoa, que há longo tempo não tinha o prazer de vê-la. E antes que pudesse responder, ele acrescentou:
— Faz mais de oito meses. Não nos vemos desde o dia 26 de novembro, quando estávamos todos dançando juntos em Netherfield.
Elizabeth ficou satisfeita ao ver que a memória de Bingley era exata. E depois, quando os outros estavam distraídos, ele encontrou ocasião de perguntar se todas as irmãs de Elizabeth estavam em Longbourn. A pergunta nada tinha de excepcional, como tampouco a observação precedente. Era o seu olhar e as suas maneiras que lhe emprestavam toda a sua significação.
Elizabeth não teve muitas ocasiões de voltar os seus olhos para Mr. Darcy, mas todas as vezes que o olhava de relance, surpreendia uma expressão de contentamento, e tudo o que ele dizia era num tom tão diferente da sua antiga altivez e desdém que Elizabeth ficou convencida que a melhoria das suas maneiras, que presenciara na véspera, por mais temporária que se mostrasse, durava pelo menos mais do que um só dia. Quando o via assim ocupado em procurar a companhia e a boa opinião de pessoas com as quais há poucos dias passados ele teria julgado desonroso manter relações, quando o ouvia tratar com a maior amabilidade não só a ela, Elizabeth, mas aos próprios parentes que tinha tão abertamente desdenhado, durante aquela cena na reitoria de Hunsford, a mudança parecia tão grande, e a impressionava de tal maneira, que só com o maior esforço ela conseguia esconder a sua surpresa. Nunca o vira tão desejoso de agradar, tão livre de orgulhosas e rígidas reservas como agora, nem mesmo na companhia dos seus queridos amigos de Netherfield, ou de seus importantes parentes em Rosings. E agora, precisamente, nada poderia resultar dos seus esforços, e o simples conhecimento daquelas pessoas para as quais dirigia agora as suas atenções provocaria a censura e o sarcasmo das senhoras de Netherfield e de Rosings.
Os visitantes demoraram cerca de meia hora. E quando se levantaram para partir, Mr. Darcy se dirigiu à sua irmã, pedindo que apoiasse o convite que fazia a Mr. e Mrs. Gardiner e a Miss Bennet para que fossem jantar em Pemberley antes de partirem. Miss Darcy prontamente acedeu, embora com uma timidez que revelava o pouco hábito que tinha de fazer convites. Mrs. Gardiner olhou para a sobrinha, desejosa de saber se Elizabeth, a quem o convite principalmente se dirigia, estava disposta a aceitá-lo. Mas a sua sobrinha desviara a cabeça. Presumindo portanto que esta atitude estudada exprimia mais um momentâneo embaraço do que qualquer desagrado da proposta, e vendo que o seu marido, que apreciava a sociedade, estava disposto a aceitar, ela consentiu, e o jantar foi marcado para daí a dois dias.
Bingley disse então que o seu prazer em tornar a ver Elizabeth seria imenso, pois tinha ainda muito o que lhe dizer e muitas perguntas a lhe fazer sobre os seus amigos de Hertfordshire. Elizabeth, interpretando aquilo tudo como um desejo de ouvir falar em Jane, ficou satisfeita. Graças àquela e a outras coisas, depois que os visitantes partiram, ela se pôs a pensar naquela última meia hora com alguma satisfação, embora tivesse sido pequeno o seu prazer durante todo o decurso da visita. Desejosa de ficar a sós e temerosa das perguntas e alusões dos seus tios, permaneceu em companhia destes apenas o tempo necessário para ouvir as suas opiniões favoráveis sobre Bingley. Em seguida deixou-os apressadamente, sob o pretexto de se vestir.
Elizabeth não tinha razão de temer a curiosidade de Mr. e de Mrs. Gardiner. Eles não desejavam forçar as suas confidências. Compreendiam que Elizabeth conhecia Mr. Darcy muito mais intimamente do que tinham suposto. Era evidente que estava muito apaixonado por ela. Viam naquilo um motivo de interesse porém nada que justificasse indagações.
Quanto a Mr. Darcy, ansiavam por imaginar as melhores coisas a seu respeito. Até onde se estendiam as suas relações, não encontravam nele nenhum defeito. Não podiam deixar de se sentir tocados pela sua polidez. Se tivesse imaginado o caráter de Darcy pelas suas próprias impressões e pelas informações da sua criada, a sociedade do Hertfordshire, onde ele tinha residido, não o teria reconhecido. Havia agora, entretanto, interesse em acreditar nas palavras de Mrs. Reynolds. E em pouco chegaram à conclusão de que a opinião de uma criada que o conhecera desde os quatro anos de idade, e cujas maneiras eram as de uma pessoa respeitável, não poderia ser rejeitada sumariamente. Os seus amigos de Lambton, por outro lado, não sabiam de nenhum fato que pudesse diminuir o valor daquele testemunho. De nada o acusavam senão de orgulho. E orgulho ele tinha certamente. E mesmo se não o tivesse, esse defeito lhe seria imputado pelos habitantes de uma pequena cidade provincial, onde a família não possuía relações. Todos reconheciam no entanto que era um homem generoso, e fazia bem aos pobres.
Quanto a Wickham, os visitantes logo descobriram que não era muito estimado no lugar, pois embora nada de preciso se soubesse sobre as suas relações com o filho do seu protetor, no entanto era sabido que ao sair do Derbyshire deixara muitas dívidas e que Mr. Darcy mais tarde as tivera saldado.
Elizabeth pensou mais em Pemberley naquela noite do que na precedente. E embora as horas lhe parecessem difíceis de passar, não foram suficientes para que chegasse a uma conclusão acerca dos seus sentimentos. E ficou duas horas acordada, tentando ler em seu coração. Certamente não o odiava. Não, o ódio há muito se dissipara e há muito também se envergonhava de ter antipatizado com ele. O respeito que as suas valiosas qualidades lhe inspiravam, embora a princípio admitido com relutância, já há longo tempo cessara de ser repugnante para os seus sentimentos. Ele agora se transformava num sentimento mais cordial, graças aos testemunhos tão altamente a seu favor, e à impressão favorável que Darcy lhe produzira na véspera. Mas acima de tudo, acima do respeito e da estima, encontrava em si mesma um motivo de boa vontade que seria impossível desprezar: era a gratidão. Gratidão não somente porque a amara, mas porque ainda a amava bastante para esquecer toda a acrimônia e petulância com que ela o rejeitara e todas as acusações injustas com que acompanhara essa rejeição. Estivera persuadida de que Darcy a evitaria como a sua maior inimiga. E, no entanto, durante aquele encontro acidental, ele se mostrara ansioso por restabelecer as suas relações, sem qualquer exibição indelicada de sentimentos ou qualquer excentricidade de maneiras, no seu modo de tratá-la a sós. Procurava também a boa opinião dos amigos de Elizabeth, e insistira para apresentá-la à sua irmã. Uma tal mudança num homem tão orgulhoso produzia não somente espanto, mas gratidão. Pois só podia ser atribuída ao amor, e a um amor ardente. E a impressão que sobre ela esse amor produzia não era de modo algum desagradável, embora não pudesse ser exatamente definível. Ela o respeitava e estimava; era-lhe grata, sentia um interesse real pelo seu bem-estar. E queria apenas saber até que ponto desejava que aquele bem-estar dependesse dela, e para felicidade de ambos, até que ponto deveriam empregar o poder que imaginava ainda possuir de fazer com que ele renovasse as suas atenções.
Ficara decidido naquela noite entre a tia e a sobrinha que uma cortesia tão decisiva como a que manifestara Miss Darcy, vindo visitá-los no mesmo dia da sua chegada em Pemberley, deveria ser retribuída por um esforço de polidez da sua parte. Acharam, portanto, que seria altamente conveniente fazer uma visita a Pemberley na manhã seguinte. Elizabeth ficou contente. No entanto, quando perguntou a si mesma o motivo desse contentamento, não encontrou resposta.
Mr. Gardiner saiu logo depois da primeira refeição. O plano da pescaria fora renovado no dia anterior e um encontro marcado com alguns dos cavalheiros em Pemberley, ao meio-dia.
45
Convencida como estava agora Elizabeth de
que a antipatia de Miss Bingley era devido ao ciúme, não podia deixar de sentir
que a sua presença em Pemberley seria muito desagradável para aquela moça. E
estava curiosa para saber em que grau de amabilidade da parte de Miss Bingley
as suas relações seriam agora renovadas.
Ao alcançarem a casa, foram conduzidas através do hall para o salão, que, dando para o lado norte, era muito agradável no verão. Das suas janelas, abrindo-se para o pátio, descortinava-se uma vista encantadora das altas colinas recobertas de árvores e dos belos carvalhos e castanheiros, espalhados sobre o gramado próximo.
Nesse aposento foram recebidas por Miss Darcy e pela senhora com quem ela morava em Londres; Mrs. Hurst e Miss Bingley também estavam presentes. Georgiana as recebeu com toda a amabilidade, embora na sua atitude transparecesse aquele embaraço que provinha da sua timidez e do seu medo de errar e que poderia facilmente ser tomado por orgulho e reserva pelas pessoas que se sentissem inferiores. Mrs. Gardiner e sua sobrinha, no entanto, lhe faziam justiça e tinham pena dela.
Mrs. Hurst e Miss Bingley se limitaram a cumprimentá-las de longe com a cabeça. E depois que se sentaram, seguiu-se uma pausa embaraçosa durante alguns segundos. A pausa foi quebrada por Mrs. Annesly, uma senhora muito gentil e agradável. A tentativa que fez para introduzir um assunto qualquer de conversação provava que ela era mais bem-educada do que as duas outras. Estabeleceu-se uma conversação entre essa senhora e Mrs. Gardiner, com o apoio ocasional de Elizabeth. Miss Darcy parecia desejar apenas um certo encorajamento para entrar na palestra. E às vezes arriscava uma frase curta, quando parecia não haver muito perigo de ser ouvida.
Elizabeth percebeu desde logo que estava sendo atentamente observada por Miss Bingley e que não podia dizer uma só palavra, especialmente para Miss Darcy, sem que a outra não se pusesse a escutar. Esta observação não teria impedido Elizabeth de procurar estabelecer uma conversação com Miss Darcy, se não estivesse sentada a uma distância tão inconveniente desta. Ela esperava a cada momento a entrada dos cavalheiros. Desejava e ao mesmo tempo temia que o dono da casa estivesse entre eles. E não sabia qual dos seus sentimentos era o mais forte, se o seu desejo ou o seu temor. Depois de permanecer desta maneira durante um quarto de hora, sem ouvir a voz de Miss Bingley, Elizabeth teve a sua atenção despertada por uma fria pergunta que aquela lhe dirigia sobre a sua família. Respondeu com igual indiferença e concisão e a outra nada mais disse.
O acontecimento seguinte foi a entrada de criados que traziam travessas de carne fria, bolos e uma grande variedade das melhores frutas da estação. Mas isto não ocorreu senão depois de muitos olhares significativos e sorrisos de Mrs. Annesly, dirigidos a Miss Darcy para lhe lembrar as suas obrigações como dona de casa. Havia agora ocupação suficiente para o grupo inteiro, pois embora nem todos pudessem conversar, no entanto, todos podiam comer. E as pessoas presentes se reuniram em volta da mesa, diante das belas pirâmides de uvas, ameixas e pêssegos.
Assim ocupada, Elizabeth teve uma boa oportunidade para refletir se temia realmente o aparecimento de Mr. Darcy ou se o desejava. E então, embora no momento anterior o seu desejo tivesse predominado, pôs-se agora a recear que ele viesse.
Mr. Darcy estivera durante algum tempo com Mr. Gardiner, que pescava em companhia de outros dois cavalheiros da casa. Mas ao saber que Elizabeth e sua tia tinham resolvido fazer uma visita a Georgiana naquela manhã, ele os deixou para voltar à casa. Assim que apareceu, Elizabeth resolveu ajuizadamente se mostrar perfeitamente desembaraçada. Era uma resolução mais fácil de ser tomada do que de ser cumprida, pois percebeu que as atenções de todo o grupo se dirigiam para eles. Todos os olhos se voltavam para observar a atitude de Mr. Darcy, desde o momento em que entrou na sala. Mas em nenhuma fisionomia se espelhava uma curiosidade tão forte quanto na de Miss Bingley, apesar dos seus sorrisos derramados, cada vez que se dirigia a Darcy, pois o ciúme ainda não a tornara desesperada, e de forma alguma desistira de cumular Mr. Darcy de atenções. Depois da chegada do irmão, Miss Darcy começou a fazer esforços ainda maiores para conversar. E Elizabeth percebeu que ele estava desejoso de que a sua irmã a conhecesse melhor, encorajando todas as tentativas de conversação entre elas. Miss Bingley também observou aquilo e na imprudência da sua cólera, aproveitou a primeira oportunidade para dizer, com um sarcasmo mal-encoberto:
— É verdade, Miss Eliza, que o regimento da milícia foi removido de Meryton? Deve ter sido uma grande perda para a sua família.
Em presença de Darcy ela não ousava mencionar o nome de Wickham. Mas Elizabeth compreendeu imediatamente que era nisto que ela estava pensando. E por um instante as suas tristes recordações lhe produziram uma confusão passageira. Mas esforçando-se para repelir vigorosamente aquele malévolo ataque, respondeu à pergunta num tom bastante indiferente. Enquanto falava, lançando um olhar involuntário para Darcy, percebeu que este, com o rosto alterado, olhava fixamente para ela e que Miss Darcy, cheia de confusão, tinha os olhos baixos. Se Miss Bingley tivesse previsto que ia causar tamanho desconforto à sua amiga, não teria feito aquela alusão. Mas a sua intenção fora apenas perturbar Elizabeth, aludindo a um homem por quem acreditava que Elizabeth nutria afeição, fazendo com que ela mostrasse uma susceptibilidade que a poderia prejudicar aos olhos de Darcy, lembrando-lhe talvez as loucuras e os absurdos de certas pessoas da família de Elizabeth. Miss Bingley nada sabia a respeito do planejado rapto de Miss Darcy. Nenhuma pessoa o sabia, além de Elizabeth. E Darcy desejava particularmente esconder este fato da família de Bingley, devido àquela esperança que Elizabeth há muito lhe atribuía de que um dia aquela família se tornasse a da sua irmã. Ele tinha certamente formado aquele plano. E embora não admitisse que tal intenção tivesse pesado na sua tentativa de separar o seu amigo de Miss Bennet, era provável que aumentasse o seu interesse pelo bem-estar do seu amigo.
No entanto, a atitude digna de Elizabeth em breve acalmou aquela emoção. E como Miss Bingley, contrariada e desapontada, não ousava fazer nenhuma alusão mais direta a Wickham, Georgiana também voltou a si aos poucos, mas não ousou mais dizer uma só palavra. Darcy, cujos olhos Elizabeth temia encontrar, já tinha esquecido quase completamente o interesse que esta tivera por Wickham e aquele ataque, cujo propósito fora afastar os seus pensamentos de Elizabeth, pareceu ter um efeito exatamente contrário.
Pouco depois terminou a visita. Enquanto Mr. Darcy acompanhava as senhoras à carruagem, Miss Bingley dava expansão aos seus sentimentos, criticando a pessoa de Elizabeth, suas maneiras e seu vestido. Mas Georgiana não a encorajava. A recomendação de seu irmão lhe era suficiente. Aos seus olhos, o julgamento dele era infalível. E Darcy tinha falado em Elizabeth em termos tão elogiosos que Georgiana se dispusera a encontrar nela todos os encantos e todas as qualidades imagináveis. Quando Darcy voltou ao salão, Miss Bingley não pôde se impedir de repetir uma parte das coisas que dissera à sua irmã.
— Achei Eliza Bennet muito maldisposta esta manhã — exclamou ela. — Nunca vi uma pessoa mudar tanto em tão pouco tempo. A sua pele está tão escura e tão áspera! Louisa e eu estávamos dizendo que quase não a reconhecemos.
Por muito que estas palavras desagradassem a Mr. Darcy, ele se limitou a responder friamente que não percebera nela nenhuma alteração, a não ser que estava um pouco queimada, fato que nada tinha de milagroso, quando uma pessoa viaja no verão.
— Aliás — continuou Miss Bingley —, devo confessar que nunca encontrei nenhuma beleza nela. Seu rosto é fino demais. Sua pele não tem brilho. E os traços dela não são nada bonitos. Ao nariz falta caráter, não há força nas suas linhas, os dentes são passáveis, mas nada têm de extraordinário. Quanto aos olhos, que eu ouvi algumas vezes dizer que são bonitos, não vejo neles nada de excepcional. Seu modo de olhar é duro e falso. E nas suas maneiras, há uma vaidade sem elegância que eu acho intolerável.
Miss Bingley estava persuadida de que Darcy admirava Elizabeth; aquela não era portanto a melhor maneira de se recomendar aos seus olhos. Mas o ciúme a fazia perder a cabeça. Todo êxito que obteve foi de vê-lo afinal um pouco irritado. No entanto ele permaneceu resolutamente calado. Decidida a fazê-lo falar, prosseguiu:
— Lembro-me, quando a vi pela primeira vez no Hertfordshire, como nós nos surpreendemos de que ela tivesse a fama de ser bonita. Lembro-me especialmente de ouvi-lo dizer, certa noite, depois de um jantar a que foram convidados em Netherfield: “se ela é bonita, então, a mãe é inteligente.” Mas depois parece que mudou um pouco de opinião, pois já o ouvi dizer, uma vez, que a achava bastante bonita.
— Sim — replicou Darcy, incapaz de se conter por mais tempo —, mas isto foi quando eu a vi pela primeira vez, pois há muito tempo já que a considero uma das mais belas mulheres que conheço.
Ele então se afastou, e Miss Bingley ficou com a satisfação de o ter forçado a dizer uma coisa que não magoava a ninguém, a não ser a ela própria.
Mrs. Gardiner e Elizabeth, ao regressarem, conversaram a respeito de tudo o que tinha acontecido durante essa visita, exceto sobre o que lhes interessava particularmente. Discutiram a atitude e a palavra de todos, menos da pessoa que havia mais fortemente atraído a sua atenção. Falaram em sua irmã, seus amigos, sua casa, suas frutas, em tudo a não ser nele próprio. No entanto Elizabeth ansiava por saber o que Mrs. Gardiner pensava dele. E Mrs. Gardiner teria ficado muito satisfeita se Elizabeth tivesse introduzido o assunto.
Ao alcançarem a casa, foram conduzidas através do hall para o salão, que, dando para o lado norte, era muito agradável no verão. Das suas janelas, abrindo-se para o pátio, descortinava-se uma vista encantadora das altas colinas recobertas de árvores e dos belos carvalhos e castanheiros, espalhados sobre o gramado próximo.
Nesse aposento foram recebidas por Miss Darcy e pela senhora com quem ela morava em Londres; Mrs. Hurst e Miss Bingley também estavam presentes. Georgiana as recebeu com toda a amabilidade, embora na sua atitude transparecesse aquele embaraço que provinha da sua timidez e do seu medo de errar e que poderia facilmente ser tomado por orgulho e reserva pelas pessoas que se sentissem inferiores. Mrs. Gardiner e sua sobrinha, no entanto, lhe faziam justiça e tinham pena dela.
Mrs. Hurst e Miss Bingley se limitaram a cumprimentá-las de longe com a cabeça. E depois que se sentaram, seguiu-se uma pausa embaraçosa durante alguns segundos. A pausa foi quebrada por Mrs. Annesly, uma senhora muito gentil e agradável. A tentativa que fez para introduzir um assunto qualquer de conversação provava que ela era mais bem-educada do que as duas outras. Estabeleceu-se uma conversação entre essa senhora e Mrs. Gardiner, com o apoio ocasional de Elizabeth. Miss Darcy parecia desejar apenas um certo encorajamento para entrar na palestra. E às vezes arriscava uma frase curta, quando parecia não haver muito perigo de ser ouvida.
Elizabeth percebeu desde logo que estava sendo atentamente observada por Miss Bingley e que não podia dizer uma só palavra, especialmente para Miss Darcy, sem que a outra não se pusesse a escutar. Esta observação não teria impedido Elizabeth de procurar estabelecer uma conversação com Miss Darcy, se não estivesse sentada a uma distância tão inconveniente desta. Ela esperava a cada momento a entrada dos cavalheiros. Desejava e ao mesmo tempo temia que o dono da casa estivesse entre eles. E não sabia qual dos seus sentimentos era o mais forte, se o seu desejo ou o seu temor. Depois de permanecer desta maneira durante um quarto de hora, sem ouvir a voz de Miss Bingley, Elizabeth teve a sua atenção despertada por uma fria pergunta que aquela lhe dirigia sobre a sua família. Respondeu com igual indiferença e concisão e a outra nada mais disse.
O acontecimento seguinte foi a entrada de criados que traziam travessas de carne fria, bolos e uma grande variedade das melhores frutas da estação. Mas isto não ocorreu senão depois de muitos olhares significativos e sorrisos de Mrs. Annesly, dirigidos a Miss Darcy para lhe lembrar as suas obrigações como dona de casa. Havia agora ocupação suficiente para o grupo inteiro, pois embora nem todos pudessem conversar, no entanto, todos podiam comer. E as pessoas presentes se reuniram em volta da mesa, diante das belas pirâmides de uvas, ameixas e pêssegos.
Assim ocupada, Elizabeth teve uma boa oportunidade para refletir se temia realmente o aparecimento de Mr. Darcy ou se o desejava. E então, embora no momento anterior o seu desejo tivesse predominado, pôs-se agora a recear que ele viesse.
Mr. Darcy estivera durante algum tempo com Mr. Gardiner, que pescava em companhia de outros dois cavalheiros da casa. Mas ao saber que Elizabeth e sua tia tinham resolvido fazer uma visita a Georgiana naquela manhã, ele os deixou para voltar à casa. Assim que apareceu, Elizabeth resolveu ajuizadamente se mostrar perfeitamente desembaraçada. Era uma resolução mais fácil de ser tomada do que de ser cumprida, pois percebeu que as atenções de todo o grupo se dirigiam para eles. Todos os olhos se voltavam para observar a atitude de Mr. Darcy, desde o momento em que entrou na sala. Mas em nenhuma fisionomia se espelhava uma curiosidade tão forte quanto na de Miss Bingley, apesar dos seus sorrisos derramados, cada vez que se dirigia a Darcy, pois o ciúme ainda não a tornara desesperada, e de forma alguma desistira de cumular Mr. Darcy de atenções. Depois da chegada do irmão, Miss Darcy começou a fazer esforços ainda maiores para conversar. E Elizabeth percebeu que ele estava desejoso de que a sua irmã a conhecesse melhor, encorajando todas as tentativas de conversação entre elas. Miss Bingley também observou aquilo e na imprudência da sua cólera, aproveitou a primeira oportunidade para dizer, com um sarcasmo mal-encoberto:
— É verdade, Miss Eliza, que o regimento da milícia foi removido de Meryton? Deve ter sido uma grande perda para a sua família.
Em presença de Darcy ela não ousava mencionar o nome de Wickham. Mas Elizabeth compreendeu imediatamente que era nisto que ela estava pensando. E por um instante as suas tristes recordações lhe produziram uma confusão passageira. Mas esforçando-se para repelir vigorosamente aquele malévolo ataque, respondeu à pergunta num tom bastante indiferente. Enquanto falava, lançando um olhar involuntário para Darcy, percebeu que este, com o rosto alterado, olhava fixamente para ela e que Miss Darcy, cheia de confusão, tinha os olhos baixos. Se Miss Bingley tivesse previsto que ia causar tamanho desconforto à sua amiga, não teria feito aquela alusão. Mas a sua intenção fora apenas perturbar Elizabeth, aludindo a um homem por quem acreditava que Elizabeth nutria afeição, fazendo com que ela mostrasse uma susceptibilidade que a poderia prejudicar aos olhos de Darcy, lembrando-lhe talvez as loucuras e os absurdos de certas pessoas da família de Elizabeth. Miss Bingley nada sabia a respeito do planejado rapto de Miss Darcy. Nenhuma pessoa o sabia, além de Elizabeth. E Darcy desejava particularmente esconder este fato da família de Bingley, devido àquela esperança que Elizabeth há muito lhe atribuía de que um dia aquela família se tornasse a da sua irmã. Ele tinha certamente formado aquele plano. E embora não admitisse que tal intenção tivesse pesado na sua tentativa de separar o seu amigo de Miss Bennet, era provável que aumentasse o seu interesse pelo bem-estar do seu amigo.
No entanto, a atitude digna de Elizabeth em breve acalmou aquela emoção. E como Miss Bingley, contrariada e desapontada, não ousava fazer nenhuma alusão mais direta a Wickham, Georgiana também voltou a si aos poucos, mas não ousou mais dizer uma só palavra. Darcy, cujos olhos Elizabeth temia encontrar, já tinha esquecido quase completamente o interesse que esta tivera por Wickham e aquele ataque, cujo propósito fora afastar os seus pensamentos de Elizabeth, pareceu ter um efeito exatamente contrário.
Pouco depois terminou a visita. Enquanto Mr. Darcy acompanhava as senhoras à carruagem, Miss Bingley dava expansão aos seus sentimentos, criticando a pessoa de Elizabeth, suas maneiras e seu vestido. Mas Georgiana não a encorajava. A recomendação de seu irmão lhe era suficiente. Aos seus olhos, o julgamento dele era infalível. E Darcy tinha falado em Elizabeth em termos tão elogiosos que Georgiana se dispusera a encontrar nela todos os encantos e todas as qualidades imagináveis. Quando Darcy voltou ao salão, Miss Bingley não pôde se impedir de repetir uma parte das coisas que dissera à sua irmã.
— Achei Eliza Bennet muito maldisposta esta manhã — exclamou ela. — Nunca vi uma pessoa mudar tanto em tão pouco tempo. A sua pele está tão escura e tão áspera! Louisa e eu estávamos dizendo que quase não a reconhecemos.
Por muito que estas palavras desagradassem a Mr. Darcy, ele se limitou a responder friamente que não percebera nela nenhuma alteração, a não ser que estava um pouco queimada, fato que nada tinha de milagroso, quando uma pessoa viaja no verão.
— Aliás — continuou Miss Bingley —, devo confessar que nunca encontrei nenhuma beleza nela. Seu rosto é fino demais. Sua pele não tem brilho. E os traços dela não são nada bonitos. Ao nariz falta caráter, não há força nas suas linhas, os dentes são passáveis, mas nada têm de extraordinário. Quanto aos olhos, que eu ouvi algumas vezes dizer que são bonitos, não vejo neles nada de excepcional. Seu modo de olhar é duro e falso. E nas suas maneiras, há uma vaidade sem elegância que eu acho intolerável.
Miss Bingley estava persuadida de que Darcy admirava Elizabeth; aquela não era portanto a melhor maneira de se recomendar aos seus olhos. Mas o ciúme a fazia perder a cabeça. Todo êxito que obteve foi de vê-lo afinal um pouco irritado. No entanto ele permaneceu resolutamente calado. Decidida a fazê-lo falar, prosseguiu:
— Lembro-me, quando a vi pela primeira vez no Hertfordshire, como nós nos surpreendemos de que ela tivesse a fama de ser bonita. Lembro-me especialmente de ouvi-lo dizer, certa noite, depois de um jantar a que foram convidados em Netherfield: “se ela é bonita, então, a mãe é inteligente.” Mas depois parece que mudou um pouco de opinião, pois já o ouvi dizer, uma vez, que a achava bastante bonita.
— Sim — replicou Darcy, incapaz de se conter por mais tempo —, mas isto foi quando eu a vi pela primeira vez, pois há muito tempo já que a considero uma das mais belas mulheres que conheço.
Ele então se afastou, e Miss Bingley ficou com a satisfação de o ter forçado a dizer uma coisa que não magoava a ninguém, a não ser a ela própria.
Mrs. Gardiner e Elizabeth, ao regressarem, conversaram a respeito de tudo o que tinha acontecido durante essa visita, exceto sobre o que lhes interessava particularmente. Discutiram a atitude e a palavra de todos, menos da pessoa que havia mais fortemente atraído a sua atenção. Falaram em sua irmã, seus amigos, sua casa, suas frutas, em tudo a não ser nele próprio. No entanto Elizabeth ansiava por saber o que Mrs. Gardiner pensava dele. E Mrs. Gardiner teria ficado muito satisfeita se Elizabeth tivesse introduzido o assunto.
46
Elizabeth ficara muito desapontada ao
chegar em Lambton, por não encontrar uma carta de Jane. E este desapontamento
fora renovado cada manhã desde que aí se encontrava. Mas no terceiro dia, a sua
expectativa foi recompensada, pois recebeu duas cartas de Jane ao mesmo tempo,
numa das quais estava escrito que tinha sido enviada para outro lugar por
engano. Elizabeth não ficou surpreendida, pois Jane tinha escrito o endereço de
maneira quase ilegível. Estavam se preparando para passear quando as cartas
chegaram. Seu tio e sua tia, querendo que ela ficasse à vontade para ler,
partiram sozinhos. A carta extraviada devia ser lida primeiro. Fora escrita
cinco dias antes. O começo continha um relato de todas as pequenas reuniões e
divertimentos da família com as últimas novidades da região. Mas a segunda
metade, que estava datada do dia subsequente e fora evidentemente escrita em
grande agitação, trazia notícias mais importantes. Dizia assim:
Querida Lizzy, desde que comecei esta
carta, aconteceu um fato inesperado e muito sério. Tenho medo de assustá-la.
Pode ficar certa de que todos estão bem. O que eu tenho a contar diz respeito a
nossa pobre Lydia. Um mensageiro chegou ontem à noite, quando já estávamos
todos deitados. Era do coronel Forster e dizia que Lydia tinha partido para a
Escócia com um dos seus oficiais. Para falar a verdade, foi com Wickham!
Imagina a nossa surpresa. Para Kitty, entretanto, não parece uma coisa tão
inesperada. Estou triste. Acho que é um casamento muito imprudente para ambos.
Mas quero esperar o melhor e fazer o possível para acreditar que o caráter dele
foi malcompreendido. Creio que ele seja leviano e indiscreto. Mas este ato não
me parece revelar um mau coração. Sua escolha por Lydia é desinteressada; pois
ele não deve ignorar que papai nada pode dar à sua filha. Nossa pobre mãe está
muito desgostosa, meu pai suporta as coisas melhor. Que sorte não termos
contado a Lydia nada do que sabíamos contra ele. Precisamos também esquecer
estas coisas. Partiram sábado mais ou menos à meia-noite, ao que parece, mas a
sua ausência não foi notada senão ontem de manhã às oito. O mensageiro foi
mandado imediatamente. Minha querida Lizzy, eles devem ter passado a dez milhas
de distância daqui. O coronel Forster diz que tem motivos para esperar
brevemente o regresso de Wickham. Lydia deixou algumas linhas para Mrs.
Forster, informando-a acerca da sua resolução. E preciso concluir, pois não
posso me afastar muito tempo da minha pobre mãe. Espero que você compreenda
esta carta, pois eu nem sei bem o que escrevi.
Sem tomar tempo para refletir, sem saber
quais eram exatamente os seus sentimentos, Elizabeth, ao acabar esta carta,
abriu imediatamente a outra, com a maior impaciência, e leu o que se segue (a
carta fora escrita um dia depois da conclusão da primeira):
Ao receber esta, minha querida irmã, você
já deve ter recebido a minha primeira carta. Faço votos para que a segunda seja
mais inteligível, pois, embora não esteja premida pelo tempo, minha cabeça está
tão confusa que não me responsabilizo pela coerência das minhas palavras. Minha
querida Lizzy, eu nem sei o que vou escrever; tenho más notícias para você e
não posso adiar esta comunicação. Por imprudente que seja o casamento de Mr.
Wickham com a nossa pobre Lydia, estamos agora ansiosos para obter a confirmação
de que tenha sido realmente realizado, pois existem bons motivos para acreditar
que eles não foram para a Escócia. O coronel Forster chegou aqui ontem, tendo
saído de Brighton no dia anterior, poucas horas depois de ter enviado o
expresso. Embora o bilhete de Lydia para Mrs. Forster desse a entender que eles
tinham ido para Gretna Green, correu que em Brighton Denny dissera que na sua
opinião Wickham não tencionava absolutamente ir para a Escócia nem se casar com
Lydia. Chegando isto aos ouvidos do coronel Forster, ele ficou alarmado e saiu
imediatamente de Brighton, com o intuito de ir no encalço dos fugitivos.
Conseguiu descobrir facilmente o caminho que tinham tomado até Clapham, mas daí
por diante não havia sinais da sua passagem, pois naquele lugar tinham tomado
um coche de aluguel e deixado o carro que os trouxera de Epsom. Tudo o que se
sabe deles depois disso é que foram vistos na estrada de Londres. Não sei o que
pensar. Depois de fazer todas as indagações possíveis daquele lado, o coronel
Forster voltou para o Hertfordshire, detendo-se em todas as encruzilhadas e
hospedarias, em Barnet e Hatfield, mas sem nenhum resultado. Ninguém os tinha
visto passar. Preocupado, por nossa causa, ele veio atenciosamente a Longbourn
e nos revelou as suas apreensões de uma forma muito honrosa para o seu caráter.
Estou sinceramente penalizada por ele e por Mrs. Forster, mas ninguém os poderá
acusar de nada. A nossa aflição é grande, minha querida Lizzy; papai e mamãe
acreditam no pior, mas eu não posso crer que ele seja assim tão perverso. E
muito possível que Lydia e ele tenham julgado mais conveniente realizar o
casamento em segredo em Londres e desistido do seu primitivo projeto; e mesmo
que ele tenha desígnios tão perversos contra uma moça bem-relacionada como Lydia,
o que não é provável, não posso crer que Lydia tenha perdido todo o juízo.
Impossível! Lamento no entanto dizer que o coronel Forster não acredita no
casamento. Ele sacudiu a cabeça quando eu lhe exprimi as minhas esperanças e
disse que temia que Wickham não fosse um homem de confiança. Nossa pobre mãe
está realmente doente, e não pode sair do quarto. Seria melhor se ela fizesse
um esforço, mas isto não é muito provável; quanto a papai, nunca na minha vida
o vi tão perturbado. Ele se zangou muito com a pobre Kitty porque escondeu
aquele namoro, mas como era um segredo, acho essa atitude natural da sua parte.
Estou contente, minha querida Lizzy, que algumas dessas cenas penosas lhe
tenham sido poupadas, mas agora não posso me impedir de dizer que espero com
ansiedade o seu regresso. Não terei entretanto o egoísmo de pedir muita pressa,
se não lhe for conveniente. Até breve. Tomo novamente a minha pena para fazer o
contrário do que acabo de lhe dizer, mas as coisas estão de tal modo que não
posso deixar de lhe suplicar que vocês todos venham o mais cedo possível.
Conheço o meu caro tio e a minha tia tão bem, que não tenho medo de fazer este
pedido. Ao primeiro, tenho outro pedido para fazer. Meu pai vai partir para
Londres com o coronel Forster imediatamente, a fim de procurar os fugitivos.
Numa circunstância como esta, os conselhos e o auxilio do meu tio seriam
inestimáveis. Ele compreenderá imediatamente o que eu sinto. Confio na sua
bondade.
— Oh, onde está meu tio — exclamou
Elizabeth, dando um salto da cadeira, na sua ansiedade de ir ter com ele sem
perda de um minuto; mas ao chegar à porta, esta foi aberta por um criado e Mr.
Darcy apareceu. A palidez do rosto de Elizabeth e os seus gestos agitados o
assustaram. E antes que ele pudesse voltar a si e falar, ela, que tinha em
mente acima de tudo a situação de Lydia, exclamou apressadamente:
— Sinto muito mas tenho que deixá-lo. Preciso encontrar Mr. Gardiner imediatamente. O assunto é urgente, não tenho um instante a perder.
— Meu Deus, que terá acontecido — exclamou ele, com mais inquietude do que polidez. Mas voltando a si, acrescentou:
— Não a deterei um só minuto. Mas deixe-me ir chamar Mr. e Mrs. Gardiner ou mandar o criado. No estado em que está, não pode ir pessoalmente.
Elizabeth hesitou, mas os seus joelhos tremiam tanto que ela compreendeu que não poderia ir muito longe. Chamando o criado, ela o encarregou de ir imediatamente chamar o seu patrão e a sua patroa, e dizer-lhes que voltassem para casa.
Depois que o criado saiu, Elizabeth sentou-se, incapaz de se suster nas pernas. O seu estado era tão lamentável que Darcy compreendeu que era impossível deixá-la. E não pôde se impedir de dizer, num tom de doçura e piedade:
— Deixe-me chamar a sua criada. Quer tomar alguma coisa? Posso lhe oferecer um copo de vinho? Parece que está se sentindo mal.
— Não, obrigada — replicou ela, procurando dominar-se. — Eu não tenho nada. Estou me sentindo bem. Apenas estou muito aflita por causa de más notícias que acabo de receber de Longbourn.
Ao aludir àquele fato, ela começou a chorar e durante alguns minutos não pôde falar. Mr. Darcy, penalizado e aflito, pôde apenas exprimir vagamente a sua preocupação e observá-la num silêncio piedoso. Afinal ela tornou a falar.
— Acabo de receber uma carta de Jane, com terríveis notícias. Não é possível escondê-las de ninguém. Minha irmã mais moça abandonou todos os seus amigos, fugiu, entregou-se a... Mr. Wickham. Partiram juntos de Brighton. Conhece-o bem demais para ter dúvidas quanto ao resto da história. Ela não tem dinheiro, relações, nada que o possa tentar. Está perdida para sempre!
Darcy ficou imobilizado de espanto.
— E quando penso — acrescentou ela, num tom mais agitado — que eu poderia ter evitado isto, eu, que sabia quem ele era; se tivesse apenas revelado à minha própria família uma parte do que vim a saber, se o seu caráter fosse conhecido, nada disto teria acontecido. Mas agora é tarde, demasiado tarde.
— Estou imensamente penalizado — exclamou Darcy, aflito. — Mas isto é certo, absolutamente certo?
— Oh, sim. Eles saíram de Brighton juntos sábado à noite e foram seguidos quase até Londres. Certamente não foram para a Escócia.
— E que é que foi feito, que é que foi tentado para recuperá-la?
— Meu pai foi para Londres e Jane escreveu pedindo o auxílio imediato de meu tio. Partiremos, assim o espero, dentro de meia hora. No entanto, nada mais pode ser feito. Sei muito bem que não há nada a fazer. Como obrigar um homem como aquele a proceder corretamente? Como ao menos descobrir o seu paradeiro? Não tenho a menor esperança. É horrível.
Darcy sacudiu a cabeça, numa silenciosa aquiescência.
— Quando eu descobri qual era o caráter real daquele homem... Oh, se eu soubesse o que deveria fazer! Mas eu não sabia... Tinha medo de ir demasiado longe. Foi um desgraçado engano.
Darcy não respondeu. Ele mal parecia ouvi-la e caminhava de um lado para outro na sala, em profunda meditação. Suas sobrancelhas estavam contraídas, sua expressão sombria. Elizabeth compreendeu imediatamente que a sua ascendência sobre Darcy estava em declínio. Nada podia resistir a uma tal demonstração de fraqueza da parte de sua família a tão grande escândalo. Não podia se surpreender nem condená-lo. Refletiu que ele exercia sobre si mesmo um grande domínio, mas isto não lhe trouxe nenhuma consolação. E nunca Elizabeth sentira tão claramente como naquele momento, quando todo o amor era vão, que poderia tê-lo amado.
Mas as considerações pessoais, embora ocorressem, não a absorviam. Lydia, a humilhação, a desgraça que ela estava causando à família, dominaram logo todos os pensamentos de ordem particular. E cobrindo o rosto com um lenço, Elizabeth esqueceu tudo o mais. Depois de uma pausa de vários minutos, a voz do seu companheiro fê-la voltar à realidade. E no tom daquela voz, embora transparecesse piedade, havia também contenção.
— Creio que há muito está desejando a minha ausência — disse Darcy. — E a não ser a minha compreensão sincera, porém inútil, nada posso lhe oferecer que justifique a minha presença. Oxalá pudesse dizer ou fazer alguma coisa que a consolasse. Mas não a atormentarei mais, exprimindo os meus vãos desejos, como se solicitasse propositadamente a sua gratidão. Creio que este infeliz acontecimento impedirá minha irmã de vê-la hoje à noite em Pemberley.
— Oh, sim, tenha a bondade de apresentar as nossas desculpas a Miss Darcy. Diga que negócios urgentes nos obrigam a voltar imediatamente. Esconda a infeliz verdade o mais tempo que puder. Sei que não pode ser por muito tempo.
Ele lhe assegurou prontamente que poderia contar com a sua discrição. Tornou a exprimir os seus sentimentos pela aflição de Elizabeth. Desejou que o caso tivesse uma conclusão mais favorável do que no momento era possível esperar, deixando os seus cumprimentos para Mr. e Mrs. Gardiner, e com um grave olhar, apenas, de despedida, foi-se embora.
Depois que ele saiu da sala, Elizabeth sentiu que era muito pouco provável que jamais tornassem a se encontrar em termos tão cordiais, como os que tinham marcado os seus vários encontros no Derbyshire. E ao lançar um olhar retrospectivo sobre a história das suas relações com Darcy, história tão cheia de contradições e surpresas, não pôde deixar de suspirar, ao refletir sobre a inconstância dos seus sentimentos e a perversidade das circunstâncias que a levavam agora a desejar prolongar aquelas mesmas relações, quando anteriormente se teria rejubilado com a sua cessação.
Se a gratidão e a estima são fundamentos suficientes para a afeição, a moderação dos sentimentos de Elizabeth seria bastante natural. Mas, ao contrário, se a afeição oriunda de tais motivos é insensata e pouco natural, em comparação com aquela que em geral dizem se originar no instante mesmo do encontro e antes de qualquer palavra ser trocada, nada pode ser dito em defesa de Elizabeth, a não ser que tinha experimentado este último método com Wickham e que o seu fracasso talvez a autorizasse a procurar a outra espécie menos interessante de afeição. Seja como for, viu-o partir com tristeza. E ao refletir sobre aquele infeliz acontecimento, encontrou um motivo adicional de angústia no pensamento de que aquilo era apenas um exemplo dos males que a leviandade de Lydia poderia causar. Nem por um momento, desde que lera a segunda carta de Jane, Elizabeth tivera esperança de que Wickham tencionasse realmente se casar com a sua irmã. Ninguém, a não ser Jane, pensou, poderia alimentar tais esperanças. A surpresa fora o menos que sentira nessa ocasião. Ao ler a primeira carta, ela se surpreendera enormemente de que Wickham quisesse se casar com aquela moça sem fortuna. Parecia-lhe também incompreensível que Lydia estivesse apaixonada por ele. Mas agora achava tudo natural. Para uma aventura daquelas ela poderia ter encantos suficientes. E embora Elizabeth não supusesse que Lydia consentisse deliberadamente numa fuga sem intenção de casamento, tinha razões para acreditar que nem a virtude nem o entendimento a preservariam de se tornar uma presa fácil.
Enquanto o regimento estava no Hertfordshire, nunca percebera que Lydia manifestasse qualquer preferência por Wickham. Mas Elizabeth estava convencida de que Lydia se apegaria a qualquer pessoa que a encorajasse. Entre os oficiais ela mudava constantemente de favorito, segundo as atenções que eles lhe concediam. Seus entusiasmos sofriam contínuas flutuações, mas nunca sem motivo. Agora é que Elizabeth compreendia o mal que havia em confiar excessivamente numa menina como aquela.
Elizabeth estava cada vez mais ansiosa por regressar à sua casa, para ver, ouvir, compartilhar com Jane os cuidados que agora deviam recair inteiramente sobre ela, numa família tão desorganizada, com o pai ausente, a mãe incapaz de um esforço e exigindo constantes cuidados. E embora quase persuadida de que nada poderia ser feito por Lydia, a interferência do seu tio lhe parecia da maior importância e a sua impaciência foi grande enquanto não o viu entrar na sala. Mr. e Mrs. Gardiner tinham voltado apressadamente, alarmados, supondo pelo relato do criado que a sua sobrinha tinha adoecido repentinamente. Depois de tranquilizá-los sobre este ponto, Elizabeth se apressou em lhes revelar a causa do recado que enviara; leu as duas cartas em voz alta, e insistiu no postscriptum da última carta com trêmula veemência, embora Lydia nunca tivesse sido a favorita dos seus tios. Mr. e Mrs. Gardiner ficaram profundamente aflitos. Não era Lydia apenas, todos eles se achavam afetados com aquilo. E depois das primeiras exclamações de surpresa e de horror, Mr. Gardiner prontamente prometeu todo o auxílio de que fosse capaz. Elizabeth, embora não esperasse menos, agradeceu-lhe com lágrimas de gratidão. E como todos três estavam imbuídos pela mesma ideia, os detalhes relativos à viagem foram rapidamente combinados. Resolveram partir o mais depressa possível.
— Mas que faremos com relação a Pemberley? — exclamou Mrs. Gardiner. — John nos contou que Mr. Darcy estava aqui quando você nos mandou chamar. É verdade?
— Sim, e eu disse a ele que não poderíamos cumprir os nossos compromissos. Ficou tudo combinado.
— Tudo o quê? — repetiu a outra para si mesma, enquanto corria para o quarto a fim de se preparar. — Será que já estão em termos tais que ela lhe possa revelar toda a verdade? É isto o que eu desejava saber.
Mas esses desejos eram todos vãos. No máximo poderiam servir para distraí-la durante a confusão dos preparativos apressados. Se Elizabeth tivesse tido tempo diante de si, na aflição em que se encontrava não poderia ter achado nenhuma distração. Ela também tinha a sua parte a fazer nos preparativos. E entre outras coisas, precisava escrever bilhetes para todos os seus amigos em Lambton, apresentando desculpas pela partida tão repentina. Dentro de uma hora tudo estava pronto; e como, entrementes, Mr. Gardiner tivesse pago a conta da hospedaria, nada lhes restava fazer senão partir. E Elizabeth, depois de todas as aflições da manhã, encontrou-se, mais cedo do que esperava, instalada na carruagem, e a caminho de Longbourn.
— Sinto muito mas tenho que deixá-lo. Preciso encontrar Mr. Gardiner imediatamente. O assunto é urgente, não tenho um instante a perder.
— Meu Deus, que terá acontecido — exclamou ele, com mais inquietude do que polidez. Mas voltando a si, acrescentou:
— Não a deterei um só minuto. Mas deixe-me ir chamar Mr. e Mrs. Gardiner ou mandar o criado. No estado em que está, não pode ir pessoalmente.
Elizabeth hesitou, mas os seus joelhos tremiam tanto que ela compreendeu que não poderia ir muito longe. Chamando o criado, ela o encarregou de ir imediatamente chamar o seu patrão e a sua patroa, e dizer-lhes que voltassem para casa.
Depois que o criado saiu, Elizabeth sentou-se, incapaz de se suster nas pernas. O seu estado era tão lamentável que Darcy compreendeu que era impossível deixá-la. E não pôde se impedir de dizer, num tom de doçura e piedade:
— Deixe-me chamar a sua criada. Quer tomar alguma coisa? Posso lhe oferecer um copo de vinho? Parece que está se sentindo mal.
— Não, obrigada — replicou ela, procurando dominar-se. — Eu não tenho nada. Estou me sentindo bem. Apenas estou muito aflita por causa de más notícias que acabo de receber de Longbourn.
Ao aludir àquele fato, ela começou a chorar e durante alguns minutos não pôde falar. Mr. Darcy, penalizado e aflito, pôde apenas exprimir vagamente a sua preocupação e observá-la num silêncio piedoso. Afinal ela tornou a falar.
— Acabo de receber uma carta de Jane, com terríveis notícias. Não é possível escondê-las de ninguém. Minha irmã mais moça abandonou todos os seus amigos, fugiu, entregou-se a... Mr. Wickham. Partiram juntos de Brighton. Conhece-o bem demais para ter dúvidas quanto ao resto da história. Ela não tem dinheiro, relações, nada que o possa tentar. Está perdida para sempre!
Darcy ficou imobilizado de espanto.
— E quando penso — acrescentou ela, num tom mais agitado — que eu poderia ter evitado isto, eu, que sabia quem ele era; se tivesse apenas revelado à minha própria família uma parte do que vim a saber, se o seu caráter fosse conhecido, nada disto teria acontecido. Mas agora é tarde, demasiado tarde.
— Estou imensamente penalizado — exclamou Darcy, aflito. — Mas isto é certo, absolutamente certo?
— Oh, sim. Eles saíram de Brighton juntos sábado à noite e foram seguidos quase até Londres. Certamente não foram para a Escócia.
— E que é que foi feito, que é que foi tentado para recuperá-la?
— Meu pai foi para Londres e Jane escreveu pedindo o auxílio imediato de meu tio. Partiremos, assim o espero, dentro de meia hora. No entanto, nada mais pode ser feito. Sei muito bem que não há nada a fazer. Como obrigar um homem como aquele a proceder corretamente? Como ao menos descobrir o seu paradeiro? Não tenho a menor esperança. É horrível.
Darcy sacudiu a cabeça, numa silenciosa aquiescência.
— Quando eu descobri qual era o caráter real daquele homem... Oh, se eu soubesse o que deveria fazer! Mas eu não sabia... Tinha medo de ir demasiado longe. Foi um desgraçado engano.
Darcy não respondeu. Ele mal parecia ouvi-la e caminhava de um lado para outro na sala, em profunda meditação. Suas sobrancelhas estavam contraídas, sua expressão sombria. Elizabeth compreendeu imediatamente que a sua ascendência sobre Darcy estava em declínio. Nada podia resistir a uma tal demonstração de fraqueza da parte de sua família a tão grande escândalo. Não podia se surpreender nem condená-lo. Refletiu que ele exercia sobre si mesmo um grande domínio, mas isto não lhe trouxe nenhuma consolação. E nunca Elizabeth sentira tão claramente como naquele momento, quando todo o amor era vão, que poderia tê-lo amado.
Mas as considerações pessoais, embora ocorressem, não a absorviam. Lydia, a humilhação, a desgraça que ela estava causando à família, dominaram logo todos os pensamentos de ordem particular. E cobrindo o rosto com um lenço, Elizabeth esqueceu tudo o mais. Depois de uma pausa de vários minutos, a voz do seu companheiro fê-la voltar à realidade. E no tom daquela voz, embora transparecesse piedade, havia também contenção.
— Creio que há muito está desejando a minha ausência — disse Darcy. — E a não ser a minha compreensão sincera, porém inútil, nada posso lhe oferecer que justifique a minha presença. Oxalá pudesse dizer ou fazer alguma coisa que a consolasse. Mas não a atormentarei mais, exprimindo os meus vãos desejos, como se solicitasse propositadamente a sua gratidão. Creio que este infeliz acontecimento impedirá minha irmã de vê-la hoje à noite em Pemberley.
— Oh, sim, tenha a bondade de apresentar as nossas desculpas a Miss Darcy. Diga que negócios urgentes nos obrigam a voltar imediatamente. Esconda a infeliz verdade o mais tempo que puder. Sei que não pode ser por muito tempo.
Ele lhe assegurou prontamente que poderia contar com a sua discrição. Tornou a exprimir os seus sentimentos pela aflição de Elizabeth. Desejou que o caso tivesse uma conclusão mais favorável do que no momento era possível esperar, deixando os seus cumprimentos para Mr. e Mrs. Gardiner, e com um grave olhar, apenas, de despedida, foi-se embora.
Depois que ele saiu da sala, Elizabeth sentiu que era muito pouco provável que jamais tornassem a se encontrar em termos tão cordiais, como os que tinham marcado os seus vários encontros no Derbyshire. E ao lançar um olhar retrospectivo sobre a história das suas relações com Darcy, história tão cheia de contradições e surpresas, não pôde deixar de suspirar, ao refletir sobre a inconstância dos seus sentimentos e a perversidade das circunstâncias que a levavam agora a desejar prolongar aquelas mesmas relações, quando anteriormente se teria rejubilado com a sua cessação.
Se a gratidão e a estima são fundamentos suficientes para a afeição, a moderação dos sentimentos de Elizabeth seria bastante natural. Mas, ao contrário, se a afeição oriunda de tais motivos é insensata e pouco natural, em comparação com aquela que em geral dizem se originar no instante mesmo do encontro e antes de qualquer palavra ser trocada, nada pode ser dito em defesa de Elizabeth, a não ser que tinha experimentado este último método com Wickham e que o seu fracasso talvez a autorizasse a procurar a outra espécie menos interessante de afeição. Seja como for, viu-o partir com tristeza. E ao refletir sobre aquele infeliz acontecimento, encontrou um motivo adicional de angústia no pensamento de que aquilo era apenas um exemplo dos males que a leviandade de Lydia poderia causar. Nem por um momento, desde que lera a segunda carta de Jane, Elizabeth tivera esperança de que Wickham tencionasse realmente se casar com a sua irmã. Ninguém, a não ser Jane, pensou, poderia alimentar tais esperanças. A surpresa fora o menos que sentira nessa ocasião. Ao ler a primeira carta, ela se surpreendera enormemente de que Wickham quisesse se casar com aquela moça sem fortuna. Parecia-lhe também incompreensível que Lydia estivesse apaixonada por ele. Mas agora achava tudo natural. Para uma aventura daquelas ela poderia ter encantos suficientes. E embora Elizabeth não supusesse que Lydia consentisse deliberadamente numa fuga sem intenção de casamento, tinha razões para acreditar que nem a virtude nem o entendimento a preservariam de se tornar uma presa fácil.
Enquanto o regimento estava no Hertfordshire, nunca percebera que Lydia manifestasse qualquer preferência por Wickham. Mas Elizabeth estava convencida de que Lydia se apegaria a qualquer pessoa que a encorajasse. Entre os oficiais ela mudava constantemente de favorito, segundo as atenções que eles lhe concediam. Seus entusiasmos sofriam contínuas flutuações, mas nunca sem motivo. Agora é que Elizabeth compreendia o mal que havia em confiar excessivamente numa menina como aquela.
Elizabeth estava cada vez mais ansiosa por regressar à sua casa, para ver, ouvir, compartilhar com Jane os cuidados que agora deviam recair inteiramente sobre ela, numa família tão desorganizada, com o pai ausente, a mãe incapaz de um esforço e exigindo constantes cuidados. E embora quase persuadida de que nada poderia ser feito por Lydia, a interferência do seu tio lhe parecia da maior importância e a sua impaciência foi grande enquanto não o viu entrar na sala. Mr. e Mrs. Gardiner tinham voltado apressadamente, alarmados, supondo pelo relato do criado que a sua sobrinha tinha adoecido repentinamente. Depois de tranquilizá-los sobre este ponto, Elizabeth se apressou em lhes revelar a causa do recado que enviara; leu as duas cartas em voz alta, e insistiu no postscriptum da última carta com trêmula veemência, embora Lydia nunca tivesse sido a favorita dos seus tios. Mr. e Mrs. Gardiner ficaram profundamente aflitos. Não era Lydia apenas, todos eles se achavam afetados com aquilo. E depois das primeiras exclamações de surpresa e de horror, Mr. Gardiner prontamente prometeu todo o auxílio de que fosse capaz. Elizabeth, embora não esperasse menos, agradeceu-lhe com lágrimas de gratidão. E como todos três estavam imbuídos pela mesma ideia, os detalhes relativos à viagem foram rapidamente combinados. Resolveram partir o mais depressa possível.
— Mas que faremos com relação a Pemberley? — exclamou Mrs. Gardiner. — John nos contou que Mr. Darcy estava aqui quando você nos mandou chamar. É verdade?
— Sim, e eu disse a ele que não poderíamos cumprir os nossos compromissos. Ficou tudo combinado.
— Tudo o quê? — repetiu a outra para si mesma, enquanto corria para o quarto a fim de se preparar. — Será que já estão em termos tais que ela lhe possa revelar toda a verdade? É isto o que eu desejava saber.
Mas esses desejos eram todos vãos. No máximo poderiam servir para distraí-la durante a confusão dos preparativos apressados. Se Elizabeth tivesse tido tempo diante de si, na aflição em que se encontrava não poderia ter achado nenhuma distração. Ela também tinha a sua parte a fazer nos preparativos. E entre outras coisas, precisava escrever bilhetes para todos os seus amigos em Lambton, apresentando desculpas pela partida tão repentina. Dentro de uma hora tudo estava pronto; e como, entrementes, Mr. Gardiner tivesse pago a conta da hospedaria, nada lhes restava fazer senão partir. E Elizabeth, depois de todas as aflições da manhã, encontrou-se, mais cedo do que esperava, instalada na carruagem, e a caminho de Longbourn.
47
— Estive refletindo novamente sobre o
caso — disse Mr. Gardiner, enquanto a carruagem saía da cidade. — E realmente,
pensando bem, estou muito mais inclinado do que estava a julgar as coisas como
a sua irmã mais velha. Parece-me muito pouco provável que um rapaz qualquer
formasse um desígnio desses contra uma moça que não é de forma alguma
desprotegida nem carece de relações, e que além disso residia com a família do
coronel do seu regimento. Por isto estou fortemente inclinado a acreditar no
melhor. Poderia ele supor que os amigos dela não interviriam a seu favor?
Poderia esperar ser novamente aceito pelo regimento depois de uma tal afronta
ao coronel Forster? O risco seria maior do que a tentação.
— Pensa realmente assim? — exclamou Elizabeth, subitamente esperançosa.
— Dou-lhe a minha palavra que eu também começo a ser da opinião do seu tio — disse Mrs. Gardiner. — Este ato é uma tão grande violação da decência, da honra e do bom senso, que não acho que Wickham seja capaz de praticá-lo. E você, Lizzy, será que mudou tanto a respeito de Wickham que agora o julgue capaz disto?
— Não o julgo capaz talvez de se descuidar dos seus próprios interesses. Mas de todos os demais descuidos eu o julgo capaz. Se ao menos eu pudesse acreditar no que vocês acabam de dizer! Mas não ouso esperar. Se isto é verdade, por que não foi para a Escócia?
— Em primeiro lugar — replicou Mr. Gardiner —, não há prova absoluta de que não tenham ido para a Escócia.
— Oh, mas o fato de eles se terem mudado para um coche de aluguel é uma indicação muito clara da sua intenção. E além disso não se achou nenhum sinal da sua passagem na estrada de Barnett.
— Bem, suponhamos então que eles estejam em Londres. Podem ter ido para lá apenas para se esconder. Não é provável que nenhum dos dois tenha muito dinheiro. E é justo que tenham achado mais econômico se casarem em Londres do que na Escócia.
— Mas então por que todo esse mistério? Por que se escondem eles? Por que é que desejam casar secretamente? Oh, não, isto não é provável. O mais íntimo amigo de Wickham, como leram na carta de Jane, está persuadido de que ele nunca teve intenção de se casar com ela. Wickham nunca se casará com uma mulher que não tenha fortuna. Ele não poderá sustentá-la. E que grandes interesses tem Lydia, a não ser os encantos da mocidade, da saúde e um espírito alegre para que ele renuncie por sua causa a um casamento rico? Quanto à ofensa aos brios do regimento que esse atentado contra a honra de uma moça possa produzir, não sei até que ponto isto poderá levá-lo a hesitar, pois não sei também os efeitos que um tal ato possa produzir. Mas quanto à sua outra objeção, não creio que tenha muito peso. Lydia não tem irmãos que a possam defender. E Wickham, que conhece meu pai, julga que, com a sua indolência e com a pouca atenção que parece dar à família, ele pouco faria e pensaria o menos possível no assunto.
— Mas você acha que Lydia está tão perdidamente apaixonada por ele que consinta em viver com um homem sem serem casados?
— É o que parece, e é bem triste — respondeu Elizabeth, com lágrimas nos olhos. — Ter de pôr em dúvida o senso da decência e da virtude de uma irmã! Mas realmente eu não sei o que dizer. Talvez eu esteja sendo injusta. Mas Lydia é muito moça, nunca lhe ensinaram a pensar em coisas sérias. E durante os últimos seis meses, ou melhor, durante todo o último ano, ela nada fez senão se divertir e dar largas à sua vaidade. Deram-lhe a liberdade de dispor do seu tempo da maneira mais frívola e inútil e de adotar as opiniões de todos os que encontrava. Desde que o regimento da milícia ficou aquartelado em Meryton, ela não pensou em outra coisa senão em namoro, amor e oficiais. Fez tudo o que estava em seu poder para aumentar, como direi, a sua susceptibilidade aos seus sentimentos, já por natureza facilmente inflamáveis. Pensou e conversou sobre isto continuamente e todos sabemos que Wickham tem todas as qualidades pessoais para cativar uma mulher.
— Mas você vê — disse a sua tia — que Jane não o julga capaz de um tal atentado.
— De quem é que Jane jamais pensou mal? E qual a pessoa que ela julgaria capaz de um tal atentado, quaisquer que fossem os seus antecedentes, até que o fato tivesse ficado provado? Mas Jane sabe tanto quanto eu o que esse Wickham realmente é. Ambas sabemos que se trata de um dissoluto em todos os sentidos da palavra. Que ele não tem integridade nem honra. Que é tão falso e perigoso como insinuante.
— E você sabe realmente disto tudo? — exclamou Mrs. Gardiner, curiosa.
— Sei realmente — replicou Elizabeth, corando. — Eu já lhes contei no outro dia a sua conduta infame para com Mr. Darcy. E a senhora mesmo, quando esteve em Longbourn na última vez, ouviu em que termos falou de um homem que se mostrou tão generoso para com ele. Existem outras circunstâncias que não vale a pena mencionar. Mas as suas mentiras a respeito da família de Pemberley são inúmeras. Pelo que ele disse de Miss Darcy, eu julgava que ia encontrar uma moça orgulhosa, fechada, desagradável. No entanto, ele sabia a verdade. Wickham deve saber que ela é amável e modesta.
— Mas Lydia nada sabe de tudo isto? Será que ignora tudo o que você e Jane parecem compreender tão bem?
— Oh, sim, isto é que é o pior de tudo. Até eu estar no Kent, e entrar mais intimamente em contato com Mr. Darcy e seu primo, o coronel Fitzwilliam, eu mesma ignorava a verdade. E quando voltei para casa, soube que o regimento ia deixar Meryton dentro de 15 dias. Por isso, nem eu nem Jane, a quem contei todo o caso, julgamos necessário tornar pública a nossa descoberta, pois pensamos que não aproveitaria a ninguém destruir a boa reputação que ele gozava em toda a redondeza. E mesmo quando ficou decidido que Lydia ia com Mrs. Forster, nunca me ocorreu a necessidade de abrir os seus olhos quanto ao caráter de Wickham. Nunca julguei que ela corresse o risco de ser iludida. E naturalmente nem de longe imaginava que pudesse sobrevir esta consequência.
— Quando eles partiram para Brighton, você não tinha motivos para supor então que gostassem um do outro?
— Nem o mais leve motivo. Não me lembro do menor sintoma de afeição de nenhum dos lados. E se alguma coisa fosse perceptível, a senhora bem sabe que a nossa família não deixaria passar o fato sem reparar nele. Quando Wickham entrou no regimento, Lydia estava disposta a admirá-lo, mas todas as moças de Meryton e das redondezas perderam a cabeça por sua causa durante uns dois meses. Mas Wickham nunca distinguiu Lydia com qualquer atenção particular. E por conseguinte, depois de um curto período de extravagante entusiasmo, esqueceu-se dele, e outros oficiais do regimento que a tratavam com mais atenção voltaram a ser os seus favoritos.
— Pensa realmente assim? — exclamou Elizabeth, subitamente esperançosa.
— Dou-lhe a minha palavra que eu também começo a ser da opinião do seu tio — disse Mrs. Gardiner. — Este ato é uma tão grande violação da decência, da honra e do bom senso, que não acho que Wickham seja capaz de praticá-lo. E você, Lizzy, será que mudou tanto a respeito de Wickham que agora o julgue capaz disto?
— Não o julgo capaz talvez de se descuidar dos seus próprios interesses. Mas de todos os demais descuidos eu o julgo capaz. Se ao menos eu pudesse acreditar no que vocês acabam de dizer! Mas não ouso esperar. Se isto é verdade, por que não foi para a Escócia?
— Em primeiro lugar — replicou Mr. Gardiner —, não há prova absoluta de que não tenham ido para a Escócia.
— Oh, mas o fato de eles se terem mudado para um coche de aluguel é uma indicação muito clara da sua intenção. E além disso não se achou nenhum sinal da sua passagem na estrada de Barnett.
— Bem, suponhamos então que eles estejam em Londres. Podem ter ido para lá apenas para se esconder. Não é provável que nenhum dos dois tenha muito dinheiro. E é justo que tenham achado mais econômico se casarem em Londres do que na Escócia.
— Mas então por que todo esse mistério? Por que se escondem eles? Por que é que desejam casar secretamente? Oh, não, isto não é provável. O mais íntimo amigo de Wickham, como leram na carta de Jane, está persuadido de que ele nunca teve intenção de se casar com ela. Wickham nunca se casará com uma mulher que não tenha fortuna. Ele não poderá sustentá-la. E que grandes interesses tem Lydia, a não ser os encantos da mocidade, da saúde e um espírito alegre para que ele renuncie por sua causa a um casamento rico? Quanto à ofensa aos brios do regimento que esse atentado contra a honra de uma moça possa produzir, não sei até que ponto isto poderá levá-lo a hesitar, pois não sei também os efeitos que um tal ato possa produzir. Mas quanto à sua outra objeção, não creio que tenha muito peso. Lydia não tem irmãos que a possam defender. E Wickham, que conhece meu pai, julga que, com a sua indolência e com a pouca atenção que parece dar à família, ele pouco faria e pensaria o menos possível no assunto.
— Mas você acha que Lydia está tão perdidamente apaixonada por ele que consinta em viver com um homem sem serem casados?
— É o que parece, e é bem triste — respondeu Elizabeth, com lágrimas nos olhos. — Ter de pôr em dúvida o senso da decência e da virtude de uma irmã! Mas realmente eu não sei o que dizer. Talvez eu esteja sendo injusta. Mas Lydia é muito moça, nunca lhe ensinaram a pensar em coisas sérias. E durante os últimos seis meses, ou melhor, durante todo o último ano, ela nada fez senão se divertir e dar largas à sua vaidade. Deram-lhe a liberdade de dispor do seu tempo da maneira mais frívola e inútil e de adotar as opiniões de todos os que encontrava. Desde que o regimento da milícia ficou aquartelado em Meryton, ela não pensou em outra coisa senão em namoro, amor e oficiais. Fez tudo o que estava em seu poder para aumentar, como direi, a sua susceptibilidade aos seus sentimentos, já por natureza facilmente inflamáveis. Pensou e conversou sobre isto continuamente e todos sabemos que Wickham tem todas as qualidades pessoais para cativar uma mulher.
— Mas você vê — disse a sua tia — que Jane não o julga capaz de um tal atentado.
— De quem é que Jane jamais pensou mal? E qual a pessoa que ela julgaria capaz de um tal atentado, quaisquer que fossem os seus antecedentes, até que o fato tivesse ficado provado? Mas Jane sabe tanto quanto eu o que esse Wickham realmente é. Ambas sabemos que se trata de um dissoluto em todos os sentidos da palavra. Que ele não tem integridade nem honra. Que é tão falso e perigoso como insinuante.
— E você sabe realmente disto tudo? — exclamou Mrs. Gardiner, curiosa.
— Sei realmente — replicou Elizabeth, corando. — Eu já lhes contei no outro dia a sua conduta infame para com Mr. Darcy. E a senhora mesmo, quando esteve em Longbourn na última vez, ouviu em que termos falou de um homem que se mostrou tão generoso para com ele. Existem outras circunstâncias que não vale a pena mencionar. Mas as suas mentiras a respeito da família de Pemberley são inúmeras. Pelo que ele disse de Miss Darcy, eu julgava que ia encontrar uma moça orgulhosa, fechada, desagradável. No entanto, ele sabia a verdade. Wickham deve saber que ela é amável e modesta.
— Mas Lydia nada sabe de tudo isto? Será que ignora tudo o que você e Jane parecem compreender tão bem?
— Oh, sim, isto é que é o pior de tudo. Até eu estar no Kent, e entrar mais intimamente em contato com Mr. Darcy e seu primo, o coronel Fitzwilliam, eu mesma ignorava a verdade. E quando voltei para casa, soube que o regimento ia deixar Meryton dentro de 15 dias. Por isso, nem eu nem Jane, a quem contei todo o caso, julgamos necessário tornar pública a nossa descoberta, pois pensamos que não aproveitaria a ninguém destruir a boa reputação que ele gozava em toda a redondeza. E mesmo quando ficou decidido que Lydia ia com Mrs. Forster, nunca me ocorreu a necessidade de abrir os seus olhos quanto ao caráter de Wickham. Nunca julguei que ela corresse o risco de ser iludida. E naturalmente nem de longe imaginava que pudesse sobrevir esta consequência.
— Quando eles partiram para Brighton, você não tinha motivos para supor então que gostassem um do outro?
— Nem o mais leve motivo. Não me lembro do menor sintoma de afeição de nenhum dos lados. E se alguma coisa fosse perceptível, a senhora bem sabe que a nossa família não deixaria passar o fato sem reparar nele. Quando Wickham entrou no regimento, Lydia estava disposta a admirá-lo, mas todas as moças de Meryton e das redondezas perderam a cabeça por sua causa durante uns dois meses. Mas Wickham nunca distinguiu Lydia com qualquer atenção particular. E por conseguinte, depois de um curto período de extravagante entusiasmo, esqueceu-se dele, e outros oficiais do regimento que a tratavam com mais atenção voltaram a ser os seus favoritos.
* * *
É fácil compreender que durante toda a
viagem, conquanto nenhum fato novo os viesse esclarecer acerca dos seus
temores, esperanças e conjeturas, nenhum outro tópico os poderia desviar muito
tempo daquele importante assunto. Elizabeth pensava nele continuamente. A mais
aguda de todas as angústias, o remorso, a impedia de encontrar um só minuto de
descanso.
Viajaram o mais rapidamente possível. E dormindo uma noite na estrada, alcançaram Longbourn no dia seguinte, à hora do jantar. Foi um consolo para Elizabeth saber que, pelo menos, Jane não tinha esperado muito tempo. Quando a carruagem entrou no jardim e se aproximou da porta da casa, todos os pequenos Gardiner, atraídos pelo rumor, vieram se colocar nos degraus da escada. E quando o carro parou, manifestaram a sua alegria com muitos pulos e piruetas.
Elizabeth saltou. E depois de dar a cada um deles um rápido beijo, correu para o vestíbulo, onde se encontrou com Jane que estava no quarto da sua mãe e que tinha descido apressadamente a escada. Abraçaram-se afetuosamente, com lágrimas nos olhos. Elizabeth, sem perder um só instante, perguntou se tinham sabido alguma coisa dos fugitivos.
— Ainda não — replicou Jane. — Mas agora que o nosso caro tio chegou, espero que tudo irá melhor.
— Papai está em Londres?
— Está, ele foi na terça-feira, conforme escrevi.
— Já tiveram notícias suas?
— Sim, escreveu uma vez. Escreveu-me umas linhas na quarta-feira, dizendo que tinha chegado bem e dando o seu endereço, coisa que eu tinha pedido a ele particularmente. Acrescentou também que não escreveria mais até que tivesse uma coisa importante a comunicar.
— E mamãe, como está ela? Como vão todos?
— Mamãe vai regularmente, embora esteja muito deprimida. Ela está lá em cima e teria muito prazer em vê-los todos. Não sai ainda do quarto. Mary e Kitty, graças a Deus, vão muito bem.
— E você, como vai você? — exclamou Elizabeth. — Parece pálida! Por quanta aflição não deve ter passado!
Jane, entretanto, perseverou na afirmação de que estava perfeitamente bem. A conversa foi interrompida pela entrada de Mr. e Mrs. Gardiner, que até aquele momento tinham estado com as crianças. Jane correu para os seus tios e os abraçou, agradecendo a ambos com sorrisos e lágrimas. Depois entraram todos na sala. As perguntas que Elizabeth já tinha feito foram naturalmente repetidas pelos outros. Porém, ficaram logo sabendo que Jane não tinha nenhuma notícia a dar.
No entanto, devido ao seu caráter indulgente, Jane ainda não perdera todas as esperanças. Ainda acreditava que tudo acabasse bem, e que uma manhã destas chegaria uma carta, de Lydia ou de seu pai, explicando o procedimento dos fugitivos e anunciando talvez o seu casamento. Em seguida foram todos ao quarto de Mrs. Bennet, que os recebeu exatamente como era de esperar. Com lágrimas, lamentações, invectivas contra a conduta infame de Wickham, queixas pelos padecimentos que lhe infligiam, acusava a todo o mundo, esquecendo-se de que fora ela própria, com a sua insensata indulgência, a causadora principal do que acontecera à filha.
— Se me tivessem feito a vontade — disse ela —, se eu tivesse ido também para Brighton, com toda a família, isto não teria acontecido. Mas a minha pobre Lydia não tinha ninguém para tomar conta dela. Por que é que os Forster a deixaram fora das suas vistas? Estou certa de que houve um grave descuido da parte deles, pois Lydia não seria capaz de fazer isto se alguém tivesse olhado por ela. Sempre pensei que eles não serviam para tomar conta de minha filha. Mas como sempre, ninguém ouviu a minha opinião. Minha pobre filhinha... E agora lá se foi Mr. Bennet. Eu sei que ele vai se bater em duelo com Wickham, quando o encontrar, e na certa será morto. Que é que vai ser de nós depois? Os Collins vão nos expulsar daqui antes do corpo ficar frio. E se você não for bom para nós, meu irmão, não sei o que será.
Todos protestaram contra ideias tão sinistras. E Mr. Gardiner, depois de tranquilizá-la quanto à afeição que sentia por ela e pela sua família, disse que tencionava partir para Londres no dia seguinte, a fim de auxiliar Mr. Bennet nas suas tentativas para encontrar Lydia.
— Não se entregue a receios exagerados. É preciso estar preparada para o pior, mas não há motivo para acreditar que isto seja certo. Ainda não faz uma semana que saíram de Brighton. Daqui a poucos dias devemos ter notícias deles. E até que saibamos positivamente que não estão casados e que não têm intenção de casar, ainda não podemos considerar tudo perdido. Assim que eu chegar a Londres, irei ver o seu marido e o trarei comigo para Gracechurch Street e aí combinaremos o que deve ser feito.
— Oh, meu caro irmão — replicou Mrs. Bennet —, isto é exatamente o que eu mais desejo. E quando chegar a Londres, faça tudo para encontrar minha filha, onde quer que esteja. E se eles não estiverem casados, faça com que se casem. Quanto ao enxoval, diga que não precisam esperar. Diga a Lydia que ela terá todo o dinheiro que quiser para comprá-lo depois que se casar. E sobretudo não deixe Mr. Bennet brigar com Mr. Wickham. Conte a ele o estado em que estou. Fale que me acho horrivelmente assustada, e tenho tremores por todo o corpo, horríveis dores no lado, na cabeça, e tantas palpitações que não posso descansar nem de dia nem de noite. E diga à minha querida Lydia que não tome providências a respeito das roupas até que me tenha visto, pois ela não sabe quais são as melhores lojas. Oh, meu irmão, como você é bonzinho, bem sei que vai arranjar tudo!
Mr. Gardiner, embora lhe assegurasse que faria todos os esforços possíveis, não pôde deixar de lhe recomendar moderação, tanto para as suas esperanças como para os seus receios. E conversou com ela neste tom até a hora do jantar. Em seguida deixaram-na aos cuidados da criada, que tratava dela na ausência das filhas.
Embora Mr. e Mrs. Gardiner estivessem persuadidos de que não havia motivo para uma tal reclusão, acharam melhor não se opor, pois sabiam que ela não tinha prudência suficiente para calar a boca diante dos criados. Era preferível que uma das criadas apenas, aquela em quem mais confiavam, ficasse sabendo de todas as suas mágoas e temores.
Na sala de jantar, Mary e Kitty, que tinham estado ocupadas nos seus respectivos quartos e não tinham aparecido mais cedo, se reuniram afinal aos outros. Uma vinha dos seus livros e a outra da sua toalete. Os rostos de ambas, no entanto, estavam bastante calmos. Apenas Kitty se mostrava mais irritada do que de costume, mas não se sabia se era por causa da perda da sua irmã favorita ou da raiva que sentia por estar envolvida no acontecimento. Quanto à Mary, seu domínio sobre si mesma era perfeito. E com o rosto muito grave ela sussurrou para Elizabeth, pouco depois de se sentar à mesa:
— Isto é um acontecimento bem desagradável. E provavelmente será muito comentado. Mas nós devemos nos opor à maré de maledicência, e derramar sobre os nossos corações feridos o bálsamo dos consolos fraternais.
Em seguida, vendo que Elizabeth não estava disposta a responder, acrescentou:
— Por infeliz que tenha sido Lydia, podemos tirar disto uma lição útil. Que a perda da virtude numa mulher é irremissível. Que um só passo falso acarreta uma série de desgraças sem fim e que a sua reputação não é menos frágil do que a sua beleza. Que uma mulher nunca pode ser cautelosa demais para com as pessoas do outro sexo, especialmente as que não merecem a sua confiança.
Elizabeth levantou os olhos atônitos. Sentia-se oprimida demais para responder. Mary, porém, continuou a se consolar extraindo máximas morais da infelicidade de sua irmã.
De tarde as duas mais velhas conseguiram ficar meia hora sozinhas; e Elizabeth imediatamente aproveitou esta oportunidade para pedir que Jane lhe contasse outros detalhes do acontecimento. Jane estava igualmente ansiosa para conversar sobre o assunto. Primeiro, as duas lamentaram as terríveis consequências daquele fato. Consequências que Elizabeth considerava muito graves. Jane não podia afirmar que os prognósticos de sua irmã fossem de todo impossíveis. Em seguida Elizabeth prosseguiu no assunto, dizendo:
— Conte-me tudo o que eu ainda não sei. Dê-me outros detalhes. Que foi que o coronel Forster disse? Eles desconfiavam de alguma coisa antes da fuga? Devem ter visto os dois frequentemente juntos.
— O coronel Forster confessou que muitas vezes desconfiava que havia alguma coisa. Especialmente do lado de Lydia. Mas nunca se passou nada que inspirasse alarme. Eu sinto muito por ele. Mostrou-se extremamente atencioso e bom. Resolvera vir até cá para nos comunicar as suas preocupações, mesmo antes de saber que eles não tinham ido para a Escócia. Os rumores que começaram a circular apressaram a sua partida.
— E Denny estava convencido que Wickham não ia se casar? Sabia que eles pretendiam fugir? O coronel Forster falou com Denny pessoalmente?
— Falou. Mas, interrogado pelo coronel, Denny negou que soubesse alguma coisa a respeito do plano. E não quis dar a sua verdadeira opinião. Ele não repetiu que estava convencido de que não se casaria. E por isto tenho esperanças de que tenham entendido mal as suas palavras anteriormente.
— E até o coronel Forster chegar, nenhuma de vocês teve alguma suspeita de que não estivessem realmente casados?
— Como é que uma tal ideia nos poderia passar pela cabeça? Eu me senti um pouco temerosa quanto à felicidade de minha irmã com aquele casamento, pois sabia que a conduta dele não fora sempre das melhores. Papai e mamãe nada sabiam a respeito dos antecedentes do rapaz, e sentiam apenas que aquele casamento era imprudente.
Kitty então confessou, triunfante, que sabia mais do que nós. Que Lydia, na sua última carta, lhe deixara entrever as suas intenções. Parece que há muitas semanas ela já sabia que os dois estavam apaixonados.
— Mas sabia disto antes de partirem para Brighton?
— Não, creio que não.
— E o coronel Forster mostrou que desconfiava de Wickham? Ele conhece o seu verdadeiro caráter?
— Devo confessar que não falou tão bem de Wickham como antigamente o fazia. Disse que o achava imprudente e extravagante. E depois desta triste história, soube-se que ele saiu de Meryton muito endividado. Mas espero que isto seja falso.
— Oh, Jane, se nós não tivéssemos sido tão discretas, se tivéssemos dito o que sabíamos a respeito dele, isto não teria acontecido!
— Talvez tivesse sido melhor — replicou Jane. — Mas não parecia justo denunciar os erros passados de uma pessoa, sem saber quais eram os seus sentimentos naquele momento. Agimos com a melhor das intenções.
— E o coronel Forster sabia os termos da carta de Lydia para a sua mulher?
— Ele a trouxe consigo.
Jane então tirou a carta da bolsa e deu-a a Elizabeth. A carta era a seguinte:
Viajaram o mais rapidamente possível. E dormindo uma noite na estrada, alcançaram Longbourn no dia seguinte, à hora do jantar. Foi um consolo para Elizabeth saber que, pelo menos, Jane não tinha esperado muito tempo. Quando a carruagem entrou no jardim e se aproximou da porta da casa, todos os pequenos Gardiner, atraídos pelo rumor, vieram se colocar nos degraus da escada. E quando o carro parou, manifestaram a sua alegria com muitos pulos e piruetas.
Elizabeth saltou. E depois de dar a cada um deles um rápido beijo, correu para o vestíbulo, onde se encontrou com Jane que estava no quarto da sua mãe e que tinha descido apressadamente a escada. Abraçaram-se afetuosamente, com lágrimas nos olhos. Elizabeth, sem perder um só instante, perguntou se tinham sabido alguma coisa dos fugitivos.
— Ainda não — replicou Jane. — Mas agora que o nosso caro tio chegou, espero que tudo irá melhor.
— Papai está em Londres?
— Está, ele foi na terça-feira, conforme escrevi.
— Já tiveram notícias suas?
— Sim, escreveu uma vez. Escreveu-me umas linhas na quarta-feira, dizendo que tinha chegado bem e dando o seu endereço, coisa que eu tinha pedido a ele particularmente. Acrescentou também que não escreveria mais até que tivesse uma coisa importante a comunicar.
— E mamãe, como está ela? Como vão todos?
— Mamãe vai regularmente, embora esteja muito deprimida. Ela está lá em cima e teria muito prazer em vê-los todos. Não sai ainda do quarto. Mary e Kitty, graças a Deus, vão muito bem.
— E você, como vai você? — exclamou Elizabeth. — Parece pálida! Por quanta aflição não deve ter passado!
Jane, entretanto, perseverou na afirmação de que estava perfeitamente bem. A conversa foi interrompida pela entrada de Mr. e Mrs. Gardiner, que até aquele momento tinham estado com as crianças. Jane correu para os seus tios e os abraçou, agradecendo a ambos com sorrisos e lágrimas. Depois entraram todos na sala. As perguntas que Elizabeth já tinha feito foram naturalmente repetidas pelos outros. Porém, ficaram logo sabendo que Jane não tinha nenhuma notícia a dar.
No entanto, devido ao seu caráter indulgente, Jane ainda não perdera todas as esperanças. Ainda acreditava que tudo acabasse bem, e que uma manhã destas chegaria uma carta, de Lydia ou de seu pai, explicando o procedimento dos fugitivos e anunciando talvez o seu casamento. Em seguida foram todos ao quarto de Mrs. Bennet, que os recebeu exatamente como era de esperar. Com lágrimas, lamentações, invectivas contra a conduta infame de Wickham, queixas pelos padecimentos que lhe infligiam, acusava a todo o mundo, esquecendo-se de que fora ela própria, com a sua insensata indulgência, a causadora principal do que acontecera à filha.
— Se me tivessem feito a vontade — disse ela —, se eu tivesse ido também para Brighton, com toda a família, isto não teria acontecido. Mas a minha pobre Lydia não tinha ninguém para tomar conta dela. Por que é que os Forster a deixaram fora das suas vistas? Estou certa de que houve um grave descuido da parte deles, pois Lydia não seria capaz de fazer isto se alguém tivesse olhado por ela. Sempre pensei que eles não serviam para tomar conta de minha filha. Mas como sempre, ninguém ouviu a minha opinião. Minha pobre filhinha... E agora lá se foi Mr. Bennet. Eu sei que ele vai se bater em duelo com Wickham, quando o encontrar, e na certa será morto. Que é que vai ser de nós depois? Os Collins vão nos expulsar daqui antes do corpo ficar frio. E se você não for bom para nós, meu irmão, não sei o que será.
Todos protestaram contra ideias tão sinistras. E Mr. Gardiner, depois de tranquilizá-la quanto à afeição que sentia por ela e pela sua família, disse que tencionava partir para Londres no dia seguinte, a fim de auxiliar Mr. Bennet nas suas tentativas para encontrar Lydia.
— Não se entregue a receios exagerados. É preciso estar preparada para o pior, mas não há motivo para acreditar que isto seja certo. Ainda não faz uma semana que saíram de Brighton. Daqui a poucos dias devemos ter notícias deles. E até que saibamos positivamente que não estão casados e que não têm intenção de casar, ainda não podemos considerar tudo perdido. Assim que eu chegar a Londres, irei ver o seu marido e o trarei comigo para Gracechurch Street e aí combinaremos o que deve ser feito.
— Oh, meu caro irmão — replicou Mrs. Bennet —, isto é exatamente o que eu mais desejo. E quando chegar a Londres, faça tudo para encontrar minha filha, onde quer que esteja. E se eles não estiverem casados, faça com que se casem. Quanto ao enxoval, diga que não precisam esperar. Diga a Lydia que ela terá todo o dinheiro que quiser para comprá-lo depois que se casar. E sobretudo não deixe Mr. Bennet brigar com Mr. Wickham. Conte a ele o estado em que estou. Fale que me acho horrivelmente assustada, e tenho tremores por todo o corpo, horríveis dores no lado, na cabeça, e tantas palpitações que não posso descansar nem de dia nem de noite. E diga à minha querida Lydia que não tome providências a respeito das roupas até que me tenha visto, pois ela não sabe quais são as melhores lojas. Oh, meu irmão, como você é bonzinho, bem sei que vai arranjar tudo!
Mr. Gardiner, embora lhe assegurasse que faria todos os esforços possíveis, não pôde deixar de lhe recomendar moderação, tanto para as suas esperanças como para os seus receios. E conversou com ela neste tom até a hora do jantar. Em seguida deixaram-na aos cuidados da criada, que tratava dela na ausência das filhas.
Embora Mr. e Mrs. Gardiner estivessem persuadidos de que não havia motivo para uma tal reclusão, acharam melhor não se opor, pois sabiam que ela não tinha prudência suficiente para calar a boca diante dos criados. Era preferível que uma das criadas apenas, aquela em quem mais confiavam, ficasse sabendo de todas as suas mágoas e temores.
Na sala de jantar, Mary e Kitty, que tinham estado ocupadas nos seus respectivos quartos e não tinham aparecido mais cedo, se reuniram afinal aos outros. Uma vinha dos seus livros e a outra da sua toalete. Os rostos de ambas, no entanto, estavam bastante calmos. Apenas Kitty se mostrava mais irritada do que de costume, mas não se sabia se era por causa da perda da sua irmã favorita ou da raiva que sentia por estar envolvida no acontecimento. Quanto à Mary, seu domínio sobre si mesma era perfeito. E com o rosto muito grave ela sussurrou para Elizabeth, pouco depois de se sentar à mesa:
— Isto é um acontecimento bem desagradável. E provavelmente será muito comentado. Mas nós devemos nos opor à maré de maledicência, e derramar sobre os nossos corações feridos o bálsamo dos consolos fraternais.
Em seguida, vendo que Elizabeth não estava disposta a responder, acrescentou:
— Por infeliz que tenha sido Lydia, podemos tirar disto uma lição útil. Que a perda da virtude numa mulher é irremissível. Que um só passo falso acarreta uma série de desgraças sem fim e que a sua reputação não é menos frágil do que a sua beleza. Que uma mulher nunca pode ser cautelosa demais para com as pessoas do outro sexo, especialmente as que não merecem a sua confiança.
Elizabeth levantou os olhos atônitos. Sentia-se oprimida demais para responder. Mary, porém, continuou a se consolar extraindo máximas morais da infelicidade de sua irmã.
De tarde as duas mais velhas conseguiram ficar meia hora sozinhas; e Elizabeth imediatamente aproveitou esta oportunidade para pedir que Jane lhe contasse outros detalhes do acontecimento. Jane estava igualmente ansiosa para conversar sobre o assunto. Primeiro, as duas lamentaram as terríveis consequências daquele fato. Consequências que Elizabeth considerava muito graves. Jane não podia afirmar que os prognósticos de sua irmã fossem de todo impossíveis. Em seguida Elizabeth prosseguiu no assunto, dizendo:
— Conte-me tudo o que eu ainda não sei. Dê-me outros detalhes. Que foi que o coronel Forster disse? Eles desconfiavam de alguma coisa antes da fuga? Devem ter visto os dois frequentemente juntos.
— O coronel Forster confessou que muitas vezes desconfiava que havia alguma coisa. Especialmente do lado de Lydia. Mas nunca se passou nada que inspirasse alarme. Eu sinto muito por ele. Mostrou-se extremamente atencioso e bom. Resolvera vir até cá para nos comunicar as suas preocupações, mesmo antes de saber que eles não tinham ido para a Escócia. Os rumores que começaram a circular apressaram a sua partida.
— E Denny estava convencido que Wickham não ia se casar? Sabia que eles pretendiam fugir? O coronel Forster falou com Denny pessoalmente?
— Falou. Mas, interrogado pelo coronel, Denny negou que soubesse alguma coisa a respeito do plano. E não quis dar a sua verdadeira opinião. Ele não repetiu que estava convencido de que não se casaria. E por isto tenho esperanças de que tenham entendido mal as suas palavras anteriormente.
— E até o coronel Forster chegar, nenhuma de vocês teve alguma suspeita de que não estivessem realmente casados?
— Como é que uma tal ideia nos poderia passar pela cabeça? Eu me senti um pouco temerosa quanto à felicidade de minha irmã com aquele casamento, pois sabia que a conduta dele não fora sempre das melhores. Papai e mamãe nada sabiam a respeito dos antecedentes do rapaz, e sentiam apenas que aquele casamento era imprudente.
Kitty então confessou, triunfante, que sabia mais do que nós. Que Lydia, na sua última carta, lhe deixara entrever as suas intenções. Parece que há muitas semanas ela já sabia que os dois estavam apaixonados.
— Mas sabia disto antes de partirem para Brighton?
— Não, creio que não.
— E o coronel Forster mostrou que desconfiava de Wickham? Ele conhece o seu verdadeiro caráter?
— Devo confessar que não falou tão bem de Wickham como antigamente o fazia. Disse que o achava imprudente e extravagante. E depois desta triste história, soube-se que ele saiu de Meryton muito endividado. Mas espero que isto seja falso.
— Oh, Jane, se nós não tivéssemos sido tão discretas, se tivéssemos dito o que sabíamos a respeito dele, isto não teria acontecido!
— Talvez tivesse sido melhor — replicou Jane. — Mas não parecia justo denunciar os erros passados de uma pessoa, sem saber quais eram os seus sentimentos naquele momento. Agimos com a melhor das intenções.
— E o coronel Forster sabia os termos da carta de Lydia para a sua mulher?
— Ele a trouxe consigo.
Jane então tirou a carta da bolsa e deu-a a Elizabeth. A carta era a seguinte:
Minha cara Harriet: você há de rir
bastante quando souber que eu fugi, e eu não posso deixar de rir também, com a
surpresa que você terá amanhã de manhã quando der pela minha falta. Vou para
Gretna Green. E se você não adivinhar com quem, é uma grande tola. Só existe um
homem no mundo que eu amo e ele é um anjo. Nunca poderia ser feliz sem ele, por
isso acho que não faço mal em partir. Não precisa escrever para Longbourn
comunicando a minha partida se você não quiser, pois isto tornará apenas maior
a surpresa quando eu escrever para casa e assinar o meu nome: Lydia Wickham. Há
de ser uma boa piada. Quase não posso escrever de tanto rir. Transmita as
minhas escusas a Pratt por não poder cumprir a minha palavra e dançar com ele
hoje à noite. Diga-lhe que eu espero que me perdoe quando souber o motivo e que
eu terei o maior prazer em dançar com ele no próximo baile em que nos
encontrarmos. Mandarei buscar as minhas roupas quando chegar a Longbourn; mas
queria que você dissesse a Sally para costurar um rasgão no meu vestido de
mousseline usado, antes de pôr as coisas na mala. Até breve. Minhas lembranças
para o coronel Forster. Espero que bebam à nossa saúde, desejando que façamos
uma boa viagem. Sua amiga afetuosa.
Lydia Bennet.
Lydia Bennet.
— Oh, que desmiolada! — exclamou
Elizabeth, depois de ler a carta. — Escrever uma carta destas num tal
momento... Pelo menos mostra que tinha intenções sérias. Não sei se depois ele
a persuadiu a fazer outra coisa, mas pelo menos, da sua parte, a infâmia não
foi premeditada. Pobre papai, como ele deve ter sofrido!
— Nunca vi ninguém ficar tão abalado. Durante bem uns dez minutos ele não pôde dizer nenhuma palavra. Mamãe caiu doente imediatamente e a casa toda ficou na maior confusão.
— Oh, Jane — exclamou Elizabeth —, você acha que um só criado nesta casa não tenha ficado sabendo da história, naquele mesmo dia?
— Não sei, espero que sim. Mas é muito difícil ser discreta numa ocasião destas. Mamãe ficou transtornada. E embora eu procurasse auxiliá-la da melhor maneira, julgo que não fiz tanto quanto devia ter feito. Mas o horror do que poderia acontecer quase me privou do uso das minhas faculdades.
— Os seus cuidados foram demasiados. Você não me parece estar muito bem de saúde. Antes eu tivesse ficado a seu lado. Você teve de suportar tudo sozinha...
— Mary e Kitty foram muito prestativas. E estou certa de que teriam compartilhado das minhas fadigas de boa vontade, mas achei que não convinha a nenhuma das duas. Kitty é muito sensível e Mary estuda tanto que as suas horas de repouso não devem ser interrompidas. Minha tia Philips veio na terça-feira, depois que papai foi embora. E teve a bondade de ficar até quinta comigo. O seu auxilio nos foi precioso. E Lady Lucas também tem sido muito delicada. Ela veio até aqui, a pé, na quarta-feira de manhã, para exprimir os seus sentimentos e oferecer os seus serviços e os de qualquer uma das suas filhas, caso tivéssemos necessidade.
— Seria melhor que ela tivesse ficado em casa — exclamou Elizabeth —; talvez a intenção tenha sido boa, mas numa situação como esta deve-se ver os vizinhos o menos possível. Qualquer auxilio é impossível. Tais manifestações são insuportáveis. Que elas triunfem à distância e se deem por satisfeitas.
Elizabeth perguntou então quais eram os planos do seu pai para a descoberta de Lydia.
— Creio que tencionava ir a Epsom, lugar onde os fugitivos trocaram os cavalos, falar com os postilhões e ver se poderia obter deles alguma informação. O seu objetivo principal era descobrir o número do coche de aluguel que os trouxe de Clapham. Ele tinha trazido um freguês de Londres. É possível que ao trocarem de carro alguém os tivesse visto, por isso papai tencionava fazer indagações em Clapham. Se ele conseguisse descobrir a casa onde o cocheiro foi levar o freguês, faria indagações lá e talvez não fosse impossível descobrir o posto e número do coche. Não sei se papai tem outros projetos em mente. Ele estava com tanta pressa de partir, tão inquieto e deprimido, que tive grande dificuldade em arrancar-lhe o que eu estou agora lhe dizendo.
— Nunca vi ninguém ficar tão abalado. Durante bem uns dez minutos ele não pôde dizer nenhuma palavra. Mamãe caiu doente imediatamente e a casa toda ficou na maior confusão.
— Oh, Jane — exclamou Elizabeth —, você acha que um só criado nesta casa não tenha ficado sabendo da história, naquele mesmo dia?
— Não sei, espero que sim. Mas é muito difícil ser discreta numa ocasião destas. Mamãe ficou transtornada. E embora eu procurasse auxiliá-la da melhor maneira, julgo que não fiz tanto quanto devia ter feito. Mas o horror do que poderia acontecer quase me privou do uso das minhas faculdades.
— Os seus cuidados foram demasiados. Você não me parece estar muito bem de saúde. Antes eu tivesse ficado a seu lado. Você teve de suportar tudo sozinha...
— Mary e Kitty foram muito prestativas. E estou certa de que teriam compartilhado das minhas fadigas de boa vontade, mas achei que não convinha a nenhuma das duas. Kitty é muito sensível e Mary estuda tanto que as suas horas de repouso não devem ser interrompidas. Minha tia Philips veio na terça-feira, depois que papai foi embora. E teve a bondade de ficar até quinta comigo. O seu auxilio nos foi precioso. E Lady Lucas também tem sido muito delicada. Ela veio até aqui, a pé, na quarta-feira de manhã, para exprimir os seus sentimentos e oferecer os seus serviços e os de qualquer uma das suas filhas, caso tivéssemos necessidade.
— Seria melhor que ela tivesse ficado em casa — exclamou Elizabeth —; talvez a intenção tenha sido boa, mas numa situação como esta deve-se ver os vizinhos o menos possível. Qualquer auxilio é impossível. Tais manifestações são insuportáveis. Que elas triunfem à distância e se deem por satisfeitas.
Elizabeth perguntou então quais eram os planos do seu pai para a descoberta de Lydia.
— Creio que tencionava ir a Epsom, lugar onde os fugitivos trocaram os cavalos, falar com os postilhões e ver se poderia obter deles alguma informação. O seu objetivo principal era descobrir o número do coche de aluguel que os trouxe de Clapham. Ele tinha trazido um freguês de Londres. É possível que ao trocarem de carro alguém os tivesse visto, por isso papai tencionava fazer indagações em Clapham. Se ele conseguisse descobrir a casa onde o cocheiro foi levar o freguês, faria indagações lá e talvez não fosse impossível descobrir o posto e número do coche. Não sei se papai tem outros projetos em mente. Ele estava com tanta pressa de partir, tão inquieto e deprimido, que tive grande dificuldade em arrancar-lhe o que eu estou agora lhe dizendo.
48
A família tinha esperança de receber uma
carta de Mr. Bennet no dia seguinte. Mas o correio chegou sem trazer sequer uma
simples linha da sua parte. A família sabia que normalmente ele era um péssimo
correspondente. Mas num momento daqueles, tinham tido esperança de que fizesse
um esforço. Foram obrigados portanto a concluir que ele nada tinha de favorável
a comunicar, mas mesmo quanto a isto, desejavam ter certeza. Mr. Gardiner tinha
esperado pela carta. Como não viesse nenhuma, partiu imediatamente.
Daí por diante, com a chegada de Mr. Gardiner a Londres, tinha pelo menos certeza de receber informações constantes do que se estava passando. E ao despedir-se, Mr. Gardiner prometeu que insistiria com Mr. Bennet para que voltasse a Longbourn o mais cedo possível, coisa que muito consolou Mrs. Bennet. Ela via neste regresso a única possibilidade do seu marido escapar de ser morto em duelo. Mrs. Gardiner e as crianças deveriam permanecer no Hertfordshire mais alguns dias, pois Mrs. Gardiner achou que a sua presença poderia ser de alguma utilidade para as suas sobrinhas. Ela as ajudou a tomar conta de Mrs. Bennet e foi um grande consolo para as moças nas suas horas de liberdade. Sua outra tia também veio frequentemente, e sempre, como dizia, com o propósito de lhes infundir coragem e confiança, embora nunca chegasse sem trazer um novo exemplo da extravagância e da leviandade de Wickham. E raramente partia sem as deixar mais desanimadas do que quando chegara.
Meryton inteira parecia se esforçar por denegrir o homem que três meses antes fora quase como um anjo de bondade. Diziam que ele devia dinheiro a todos os comerciantes do lugar e que as suas aventuras, que receberam todas o título de “seduções”, se tinham estendido às famílias de vários comerciantes. Todo mundo declarou que ele era o rapaz mais perverso do mundo e todos começaram a descobrir que sempre haviam desconfiado dele, apesar da sua aparência de distinção.
Elizabeth, embora só acreditasse em metade do que diziam, achava aquilo suficiente para tornar ainda mais certos os seus antigos prognósticos quanto à desgraça de sua irmã. E até Jane, que acreditava ainda menos do que Elizabeth nas coisas de que falavam, perdeu quase todas as esperanças, sobretudo porque chegara agora o momento de receber notícias ou cartas deles, caso tivessem ido para a Escócia, coisa de que nunca desesperara inteiramente.
Mr. Gardiner saiu de Longbourn no domingo. Na terça-feira, a sua mulher recebeu uma carta dele. Dizia que tinha encontrado imediatamente Mr. Bennet e o tinha convencido a ir para Gracechurch Street.
Mr. Bennet já estivera em Epsom e Clapham, mas não tinha conseguido nenhuma informação satisfatória, Estava decidido agora a fazer indagações em todos os principais hotéis da cidade, pois achava possível que eles se houvessem instalado num daqueles lugares logo depois da sua chegada a Londres, antes de procurar novas acomodações. Mr. Gardiner, pessoalmente, não esperava que este plano obtivesse êxito. Mas como Mr. Bennet insistia naquilo, estava resolvido a ajudá-lo. Acrescentava que Mr. Bennet não se encontrava agora nada disposto a sair de Londres, e prometia escrever de novo muito breve. Havia também um postscriptum que dizia o seguinte:
Daí por diante, com a chegada de Mr. Gardiner a Londres, tinha pelo menos certeza de receber informações constantes do que se estava passando. E ao despedir-se, Mr. Gardiner prometeu que insistiria com Mr. Bennet para que voltasse a Longbourn o mais cedo possível, coisa que muito consolou Mrs. Bennet. Ela via neste regresso a única possibilidade do seu marido escapar de ser morto em duelo. Mrs. Gardiner e as crianças deveriam permanecer no Hertfordshire mais alguns dias, pois Mrs. Gardiner achou que a sua presença poderia ser de alguma utilidade para as suas sobrinhas. Ela as ajudou a tomar conta de Mrs. Bennet e foi um grande consolo para as moças nas suas horas de liberdade. Sua outra tia também veio frequentemente, e sempre, como dizia, com o propósito de lhes infundir coragem e confiança, embora nunca chegasse sem trazer um novo exemplo da extravagância e da leviandade de Wickham. E raramente partia sem as deixar mais desanimadas do que quando chegara.
Meryton inteira parecia se esforçar por denegrir o homem que três meses antes fora quase como um anjo de bondade. Diziam que ele devia dinheiro a todos os comerciantes do lugar e que as suas aventuras, que receberam todas o título de “seduções”, se tinham estendido às famílias de vários comerciantes. Todo mundo declarou que ele era o rapaz mais perverso do mundo e todos começaram a descobrir que sempre haviam desconfiado dele, apesar da sua aparência de distinção.
Elizabeth, embora só acreditasse em metade do que diziam, achava aquilo suficiente para tornar ainda mais certos os seus antigos prognósticos quanto à desgraça de sua irmã. E até Jane, que acreditava ainda menos do que Elizabeth nas coisas de que falavam, perdeu quase todas as esperanças, sobretudo porque chegara agora o momento de receber notícias ou cartas deles, caso tivessem ido para a Escócia, coisa de que nunca desesperara inteiramente.
Mr. Gardiner saiu de Longbourn no domingo. Na terça-feira, a sua mulher recebeu uma carta dele. Dizia que tinha encontrado imediatamente Mr. Bennet e o tinha convencido a ir para Gracechurch Street.
Mr. Bennet já estivera em Epsom e Clapham, mas não tinha conseguido nenhuma informação satisfatória, Estava decidido agora a fazer indagações em todos os principais hotéis da cidade, pois achava possível que eles se houvessem instalado num daqueles lugares logo depois da sua chegada a Londres, antes de procurar novas acomodações. Mr. Gardiner, pessoalmente, não esperava que este plano obtivesse êxito. Mas como Mr. Bennet insistia naquilo, estava resolvido a ajudá-lo. Acrescentava que Mr. Bennet não se encontrava agora nada disposto a sair de Londres, e prometia escrever de novo muito breve. Havia também um postscriptum que dizia o seguinte:
Escrevi igualmente para o coronel Forster
pedindo que ele indagasse, se possível, entre os amigos mais íntimos de
Wickham, no regimento, se este tinha quaisquer parentes ou relações que
pudessem saber em que parte da cidade ele se escondera. E se entre essas
pessoas houvesse alguma de quem se pudesse com alguma probabilidade obter uma
tal informação, isto seria de uma importância talvez essencial. Até o momento
nada temos para nos guiar. Estou certo de que o coronel Forster fará tudo o que
estiver em seu poder para nos ajudar, mas em última análise, talvez Lizzy,
melhor do que qualquer outra pessoa, saiba se ele tem parentes vivos.
Elizabeth compreendeu imediatamente de
onde provinha aquela deferência pela sua autoridade. Infelizmente não possuía
informações que a justificassem.
Nunca ouvira dizer que tivesse parentes, exceto o pai e a mãe, e ambos já falecidos há muitos anos. Era possível, entretanto, que alguns dos seus companheiros do regimento pudessem dar informações mais substanciais. E embora não tivesse grandes esperanças a esse respeito, aquela medida não era para se desdenhar.
Cada dia em Longbourn era agora um dia de ansiedade. Mas o mais angustioso dos momentos era o da chegada do correio. As cartas eram esperadas todas as manhãs, com a maior impaciência. E cada dia aguardavam notícias de importância.
Antes de receberem nova carta de Mr. Gardiner, chegou uma para Mr. Bennet da parte de Mr. Collins. E como Jane tinha recebido instruções para que abrisse toda a correspondência dirigida ao pai na sua ausência, ela leu a carta. E Elizabeth, que sabia como as cartas de Mr. Collins eram curiosas, se debruçou sobre a sua irmã e leu também.
Dizia o seguinte:
Nunca ouvira dizer que tivesse parentes, exceto o pai e a mãe, e ambos já falecidos há muitos anos. Era possível, entretanto, que alguns dos seus companheiros do regimento pudessem dar informações mais substanciais. E embora não tivesse grandes esperanças a esse respeito, aquela medida não era para se desdenhar.
Cada dia em Longbourn era agora um dia de ansiedade. Mas o mais angustioso dos momentos era o da chegada do correio. As cartas eram esperadas todas as manhãs, com a maior impaciência. E cada dia aguardavam notícias de importância.
Antes de receberem nova carta de Mr. Gardiner, chegou uma para Mr. Bennet da parte de Mr. Collins. E como Jane tinha recebido instruções para que abrisse toda a correspondência dirigida ao pai na sua ausência, ela leu a carta. E Elizabeth, que sabia como as cartas de Mr. Collins eram curiosas, se debruçou sobre a sua irmã e leu também.
Dizia o seguinte:
Meu caro senhor: sinto-me obrigado pelo
nosso parentesco e pela minha situação na vida a apresentar-lhe as minhas
condolências pela grande aflição que agora está sofrendo e da qual fomos
informados ontem por uma carta do Hertfordshire. Fique certo, meu caro senhor,
que Mrs. Collins e eu próprio nos solidarizamos sinceramente com o senhor e
toda a sua respeitável família no seu atual sofrimento, que deve ser dos mais
agudos, porque provém de uma causa que o tempo não pode remover. Para lhe
aliviar tão grande infelicidade, não faltarão argumentos da minha parte. Desejo
consolá-lo nesse transe, que deve ser de todos o mais duro para o coração de um
pai. A morte da sua filha seria uma bênção em comparação com o que sucede
agora. E isto é ainda mais para lamentar quando sabemos que existem razões de
supor, como a minha cara Charlotte me informou, que esta licenciosidade de
conduta da parte de sua filha foi devida a uma excessiva e culposa indulgência;
ao mesmo tempo, para o seu próprio consolo e o de Mrs. Bennet, estou inclinado
a acreditar que as tendências da sua filha devem ser naturalmente perversas.
Sem o que, ela jamais seria capaz de cometer tão grande crime com tão pouca
idade. Seja como for, o senhor nos merece a maior compaixão, e nisto sou
acompanhado não só por Mrs. Collins, como igualmente por Lady Catherine e sua
filha, a quem eu contei a história e que são da mesma opinião. Elas concordam
comigo quanto às apreensões que sinto, que este mau passo de uma das suas
filhas será prejudicial para o futuro de todas as outras; na verdade, quem,
como Lady Catherine pessoalmente condescende em dizer, quem quererá se
relacionar com uma tal família? E esta consideração me conduz além disso a
refletir com a maior satisfação num certo acontecimento do mês de novembro passado,
pois de outro modo eu estaria envolvido em todas estas tristezas e desgraças.
Permita que o aconselhe, pois, meu caro senhor, a se consolar a si próprio o
mais que puder, a expulsar para sempre a sua filha indigna da sua afeição, e
deixá-la colher os frutos do seu odioso crime. Seu, caro senhor, etc.
Mr. Gardiner não tornou a escrever senão
depois que recebeu uma resposta do coronel Forster; e quando o fez, nada tinha
de agradável a comunicar. Não se sabia de um só parente com quem ele mantivesse
relações e era certo que Wickham não tinha nenhum parente próximo que estivesse
vivo. Seus conhecimentos antigos eram numerosos, mas desde que entrara na
milícia parecia que já não mantinha relações com nenhum deles. Não havia
ninguém portanto a quem se pudesse dirigir e obter notícias a seu respeito. No
estado precário das suas finanças, o casal tinha um motivo poderoso para a sua
reclusão, além do medo que Wickham tinha de ser descoberto pelos parentes de
Lydia. Haviam sabido que ele tinha deixado grandes dívidas no jogo; o coronel
Forster acreditava que seria preciso mais de mil libras para cobrir todas as
despesas que o oficial deixara em Brighton. Ele devia muito na cidade, mas suas
dívidas de honra ainda eram muito maiores. Mr. Gardiner não procurou esconder
esses detalhes da família de Longbourn. Jane os ouviu com horror.
— Um jogador! — exclamou ela. — Isto eu não esperava...
Mr. Gardiner acrescentava na sua carta que eles podiam contar com o regresso de seu pai no dia seguinte, que era um sábado. Abatido pelos insucessos dos seus esforços, ele se rendera às persuasões do cunhado, para que voltasse para junto da família e deixasse a seu cargo tudo o que parecesse aconselhável para continuação das pesquisas. Ao ser informada do fato, Mrs. Bennet não exprimiu toda a satisfação que as suas filhas esperavam, dada a ansiedade que manifestara pela vida do marido.
— O quê? — exclamou. — Então ele vai voltar sem trazer a nossa Lydia? Decerto Mr. Bennet não vai sair de Londres antes de ter encontrado os fugitivos... Quem vai brigar com Wickham e forçá-lo a se casar com ela?
Mrs. Gardiner começou a ter saudades de casa. Ficou combinado que ela e as crianças voltariam para Londres enquanto Mr. Bennet viria para Longbourn. A carruagem levou-as portanto até metade da jornada, e trouxe de volta Mr. Bennet a Longbourn. Mrs. Gardiner partiu, tão perplexa a respeito do caso de Elizabeth e de Mr. Darcy, como viera desde o Derbshire. O nome dele não fora mencionado voluntariamente nem uma vez pela sobrinha. E a vaga esperança que tinha Mrs. Gardiner de que Elizabeth receberia logo uma carta de Darcy não fora correspondida. Desde o seu regresso, Elizabeth não tinha recebido nenhuma carta que parecesse vir de Pemberley. Os atuais dissabores da família tornavam desnecessária outra escusa para a depressão de Elizabeth. Ninguém podia portanto desconfiar de coisa alguma. Mas Elizabeth, que conhecia regularmente os seus sentimentos, sabia bem que se não tivesse renovado as suas relações com Darcy teria suportado a mágoa pela infâmia de Lydia com muito maior facilidade. E não perderia uma noite de sono em cada dois dias.
Mr. Bennet chegou e todos repararam que aparentemente conservava toda a sua serenidade filosófica. Falou muito pouco, como era seu hábito. Não mencionou o assunto que o levara a Londres e só muito tempo depois as suas filhas tiveram coragem de se referir a isto.
Foi só à tarde, à hora do chá, que Elizabeth se aventurou a falar sobre o assunto. Começou exprimindo os seus sentimentos pelas aflições que o pai deveria ter passado. Ele respondeu:
— Não fale mais nisto. Quem deveria sofrer senão eu mesmo? Foi tudo por minha culpa, sou obrigado a reconhecê-lo.
— Não deve ser severo demais para consigo próprio — replicou Elizabeth.
— É bom que você me previna contra este erro. A natureza humana tem tendência a cair nele. Não, Lizzy, deixe que por uma vez na vida eu sinta o peso da minha responsabilidade. Não tenho medo de ser esmagado pela impressão. Tudo isto não tardará a passar.
— Acha que eles estão em Londres?
— Sim, em que outro lugar poderiam se esconder?
— E Lydia sempre desejou ir para Londres — acrescentou Kitty.
— Então ela deve estar contente — acrescentou o pai, secamente.
— Provavelmente residirá lá muito tempo.
Em seguida, depois de curto silêncio, continuou:
— Lizzy, eu não lhe guardo rancor pelo conselho que você me deu no mês de maio passado; considerando o que aconteceu, isto mostra a largueza da sua visão.
Foram interrompidos por Jane, que vinha buscar o chá da sua mãe.
— Isto é uma demonstração que conforta a gente — exclamou ele. — Dá um ar elegante ao infortúnio. Um dia desses eu farei o mesmo. Ficarei sentado na minha biblioteca, de camisola e touca de dormir, e darei aos outros o maior trabalho possível. Ou melhor, vou deixar isto até que Kitty também se resolva a fugir.
— Eu não vou fugir, papai — disse Kitty, inquieta. — Se me deixassem ir a Brighton, eu me comportaria melhor do que Lydia.
— Você ir a Brighton? Eu não a deixarei ir nem a Eastborn aqui ao lado. Nem por cinquenta libras. Não, Kitty, pelo menos aprendi a ser prudente e você há de sentir os efeitos disso. Nenhum oficial tornará jamais a entrar na minha casa, nem mesmo para atravessar a aldeia. Os bailes serão absolutamente proibidos a não ser que você fique de pé o tempo todo, com uma das suas irmãs. E nunca sairá por esta porta até me provar, todos os dias, que passou dez minutos de maneira sensata.
Kitty, que levara todas aquelas ameaças a sério, começou a chorar.
— Deixe disso — ralhou ele —, não fique triste. Se for uma boa menina nesses próximos dez anos, levarei você para ver uma parada.
— Um jogador! — exclamou ela. — Isto eu não esperava...
Mr. Gardiner acrescentava na sua carta que eles podiam contar com o regresso de seu pai no dia seguinte, que era um sábado. Abatido pelos insucessos dos seus esforços, ele se rendera às persuasões do cunhado, para que voltasse para junto da família e deixasse a seu cargo tudo o que parecesse aconselhável para continuação das pesquisas. Ao ser informada do fato, Mrs. Bennet não exprimiu toda a satisfação que as suas filhas esperavam, dada a ansiedade que manifestara pela vida do marido.
— O quê? — exclamou. — Então ele vai voltar sem trazer a nossa Lydia? Decerto Mr. Bennet não vai sair de Londres antes de ter encontrado os fugitivos... Quem vai brigar com Wickham e forçá-lo a se casar com ela?
Mrs. Gardiner começou a ter saudades de casa. Ficou combinado que ela e as crianças voltariam para Londres enquanto Mr. Bennet viria para Longbourn. A carruagem levou-as portanto até metade da jornada, e trouxe de volta Mr. Bennet a Longbourn. Mrs. Gardiner partiu, tão perplexa a respeito do caso de Elizabeth e de Mr. Darcy, como viera desde o Derbshire. O nome dele não fora mencionado voluntariamente nem uma vez pela sobrinha. E a vaga esperança que tinha Mrs. Gardiner de que Elizabeth receberia logo uma carta de Darcy não fora correspondida. Desde o seu regresso, Elizabeth não tinha recebido nenhuma carta que parecesse vir de Pemberley. Os atuais dissabores da família tornavam desnecessária outra escusa para a depressão de Elizabeth. Ninguém podia portanto desconfiar de coisa alguma. Mas Elizabeth, que conhecia regularmente os seus sentimentos, sabia bem que se não tivesse renovado as suas relações com Darcy teria suportado a mágoa pela infâmia de Lydia com muito maior facilidade. E não perderia uma noite de sono em cada dois dias.
Mr. Bennet chegou e todos repararam que aparentemente conservava toda a sua serenidade filosófica. Falou muito pouco, como era seu hábito. Não mencionou o assunto que o levara a Londres e só muito tempo depois as suas filhas tiveram coragem de se referir a isto.
Foi só à tarde, à hora do chá, que Elizabeth se aventurou a falar sobre o assunto. Começou exprimindo os seus sentimentos pelas aflições que o pai deveria ter passado. Ele respondeu:
— Não fale mais nisto. Quem deveria sofrer senão eu mesmo? Foi tudo por minha culpa, sou obrigado a reconhecê-lo.
— Não deve ser severo demais para consigo próprio — replicou Elizabeth.
— É bom que você me previna contra este erro. A natureza humana tem tendência a cair nele. Não, Lizzy, deixe que por uma vez na vida eu sinta o peso da minha responsabilidade. Não tenho medo de ser esmagado pela impressão. Tudo isto não tardará a passar.
— Acha que eles estão em Londres?
— Sim, em que outro lugar poderiam se esconder?
— E Lydia sempre desejou ir para Londres — acrescentou Kitty.
— Então ela deve estar contente — acrescentou o pai, secamente.
— Provavelmente residirá lá muito tempo.
Em seguida, depois de curto silêncio, continuou:
— Lizzy, eu não lhe guardo rancor pelo conselho que você me deu no mês de maio passado; considerando o que aconteceu, isto mostra a largueza da sua visão.
Foram interrompidos por Jane, que vinha buscar o chá da sua mãe.
— Isto é uma demonstração que conforta a gente — exclamou ele. — Dá um ar elegante ao infortúnio. Um dia desses eu farei o mesmo. Ficarei sentado na minha biblioteca, de camisola e touca de dormir, e darei aos outros o maior trabalho possível. Ou melhor, vou deixar isto até que Kitty também se resolva a fugir.
— Eu não vou fugir, papai — disse Kitty, inquieta. — Se me deixassem ir a Brighton, eu me comportaria melhor do que Lydia.
— Você ir a Brighton? Eu não a deixarei ir nem a Eastborn aqui ao lado. Nem por cinquenta libras. Não, Kitty, pelo menos aprendi a ser prudente e você há de sentir os efeitos disso. Nenhum oficial tornará jamais a entrar na minha casa, nem mesmo para atravessar a aldeia. Os bailes serão absolutamente proibidos a não ser que você fique de pé o tempo todo, com uma das suas irmãs. E nunca sairá por esta porta até me provar, todos os dias, que passou dez minutos de maneira sensata.
Kitty, que levara todas aquelas ameaças a sério, começou a chorar.
— Deixe disso — ralhou ele —, não fique triste. Se for uma boa menina nesses próximos dez anos, levarei você para ver uma parada.
49
Dois dias depois da chegada de Mr.
Bennet, Jane e Elizabeth estavam passeando juntas no pequeno bosque atrás da
casa quando viram a criada que se aproximava em direção a elas. E concluindo
que vinha a mandado de Mrs. Bennet a fim de chamá-las, foram ao seu encontro.
— Desculpe interrompê-las, mas creio que chegaram boas notícias da cidade e por isto tomei a liberdade de vir chamá-las.
— Que é que você quer dizer, Hill? Não recebemos nenhuma carta da cidade...
— Minha querida senhora — exclamou Mrs. Hill, espantada —, então não sabe que chegou um expresso da parte de Mr. Gardiner para o patrão? Ele está aqui há meia hora e trouxe uma carta para Mr. Bennet.
As meninas não perderam tempo em responder e saíram correndo. Atravessaram o vestíbulo, a sala de almoço e foram desse modo até a biblioteca. Mas não encontraram o pai. Estavam a ponto de subir para procurá-lo no quarto de Mrs. Bennet, quando o mordomo se dirigiu a elas e disse:
— Se estão procurando o patrão, ele está caminhando em direção ao pequeno bosque.
Tendo recebido esta informação, as meninas tornaram a passar pelo hall e atravessaram o gramado em busca do pai, que se dirigia para um dos pequenos bosques que havia de um dos lados do jardim.
Jane, que não era tão leve nem tinha tanta prática de correr, ficou para trás, enquanto sua irmã alcançava Mr. Bennet e exclamava, quase sem fôlego:
— Oh, papai, que foi que aconteceu, recebeu uma carta do tio?
— Sim, recebi uma carta dele pelo expresso.
— E que notícias traz, boas ou más?
— Que é que se pode esperar de bom? — disse ele, tirando a carta do bolso. — Mas talvez você queira ler.
Elizabeth tomou a carta, impaciente, enquanto Jane se aproximava.
— Leia em voz alta — disse Mr. Bennet. — Pois eu mesmo não sei de que se trata.
— Desculpe interrompê-las, mas creio que chegaram boas notícias da cidade e por isto tomei a liberdade de vir chamá-las.
— Que é que você quer dizer, Hill? Não recebemos nenhuma carta da cidade...
— Minha querida senhora — exclamou Mrs. Hill, espantada —, então não sabe que chegou um expresso da parte de Mr. Gardiner para o patrão? Ele está aqui há meia hora e trouxe uma carta para Mr. Bennet.
As meninas não perderam tempo em responder e saíram correndo. Atravessaram o vestíbulo, a sala de almoço e foram desse modo até a biblioteca. Mas não encontraram o pai. Estavam a ponto de subir para procurá-lo no quarto de Mrs. Bennet, quando o mordomo se dirigiu a elas e disse:
— Se estão procurando o patrão, ele está caminhando em direção ao pequeno bosque.
Tendo recebido esta informação, as meninas tornaram a passar pelo hall e atravessaram o gramado em busca do pai, que se dirigia para um dos pequenos bosques que havia de um dos lados do jardim.
Jane, que não era tão leve nem tinha tanta prática de correr, ficou para trás, enquanto sua irmã alcançava Mr. Bennet e exclamava, quase sem fôlego:
— Oh, papai, que foi que aconteceu, recebeu uma carta do tio?
— Sim, recebi uma carta dele pelo expresso.
— E que notícias traz, boas ou más?
— Que é que se pode esperar de bom? — disse ele, tirando a carta do bolso. — Mas talvez você queira ler.
Elizabeth tomou a carta, impaciente, enquanto Jane se aproximava.
— Leia em voz alta — disse Mr. Bennet. — Pois eu mesmo não sei de que se trata.
Gracechurch Street, segunda-feira, 2 de
agosto.
Meu caro irmão:
Afinal posso lhe enviar notícias da minha sobrinha. Notícias que, em suma, acho que lhe agradarão. Pouco depois de sua partida no sábado, tive a boa sorte de descobrir em que parte de Londres o casal estava. Quanto aos detalhes, deixo para quando nos encontrarmos. Basta que saiba agora que eles estão descobertos. Já estive com ambos.
Meu caro irmão:
Afinal posso lhe enviar notícias da minha sobrinha. Notícias que, em suma, acho que lhe agradarão. Pouco depois de sua partida no sábado, tive a boa sorte de descobrir em que parte de Londres o casal estava. Quanto aos detalhes, deixo para quando nos encontrarmos. Basta que saiba agora que eles estão descobertos. Já estive com ambos.
— Então tudo se passou como eu esperava —
exclamou Jane —: eles estão casados!
Elizabeth continuou:
Elizabeth continuou:
Estive com ambos. Eles não estão casados
e não encontrei neles a menor intenção de fazê-lo. Mas se estiver disposto a
cumprir o compromisso que eu tomei a liberdade de aceitar por você, espero que
se casarão muito breve. Tudo o que é exigido da sua parte é assegurar à sua
filha, por acordo, parte das cinco mil libras destinadas a serem repartidas
entre as suas filhas depois da sua morte e da da sua mulher. E além disso,
comprometer-se a dar à sua filha, enquanto viver, a quantia de cem libras por
ano. Estas são as condições que, pensando bem, não hesitei em aceitar,
sentindo-me autorizado a fazê-lo. Enviarei esta carta por expresso para que a
sua resposta me chegue sem perda de tempo. Você compreenderá facilmente por
estes detalhes que a situação de Mr. Wickham não é tão má quanto se supunha.
Quanto a isto, os rumores que corriam eram falsos. E alegra-me dizer que
sobrará ainda um pouco de dinheiro, mesmo depois de pagas todas as dívidas do
marido para instalação do casal, sem falar no dinheiro de Lydia. Se você me
delegar plenos poderes para agir em seu nome, coisa da qual não tenho a menor
dúvida, darei instruções imediatamente a Haggerston para preparar um contrato.
Não há a menor necessidade de você tornar a vir a Londres. Portanto, fique
sossegado em Longbourn e conte com os meus cuidados e diligências. Mande a sua
resposta o mais breve possível e tenha o cuidado de escrever claramente. Nós
achamos melhor que a minha sobrinha se casasse em minha casa, coisa que espero
você aprovará. Ela virá hoje. Tornarei a lhe escrever assim que houver novas
decisões. Seu, etc.
Edw. Gardiner.
Edw. Gardiner.
— Será possível? — exclamou Elizabeth,
assim que terminou a carta. — Será possível que se case com ela?
— Wickham não é tão mau então como nós pensávamos — disse Jane. — Meu pai, eu lhe dou os parabéns.
— E o senhor já respondeu à carta? — perguntou Elizabeth.
— Não, mas é coisa que precisa ser feita imediatamente.
Elizabeth suplicou então que não perdesse mais tempo.
— Oh, papai — exclamou ela —, volte e escreva sem demora! Pense na importância que cada momento tem num caso desses...
— Deixe-me escrevê-la para o senhor — disse Jane —, este trabalho lhe desagrada.
— Desagrada-me muito — replicou ele —, mas precisa ser feito.
E dizendo isto virou-se e voltou com as moças em direção à casa.
— E posso saber qual é a resposta? — perguntou Elizabeth. — Suponho que os termos devem ser aceitos.
— Aceitos? Só tenho vergonha que ele peça tão pouco.
— E é preciso que eles se casem. No entanto Wickham é um homem tão ordinário...
— Sim, sim, é preciso que se casem. Não há outra alternativa. Mas há duas coisas que eu desejaria muito saber: uma delas é quanto dinheiro o seu tio deve pagar para arranjar isto. E a segunda é como poderei reembolsá-lo.
— Dinheiro? Meu tio? — exclamou Jane. — Que é que quer dizer com isto?
— Quero dizer que nenhum homem, no seu juízo perfeito, se casaria com Lydia recebendo em troca uma compensação tão pequena. Cem libras por ano durante a minha vida e cinquenta depois que eu morrer!
— É verdade — disse Elizabeth. — Não me tinha ocorrido antes. Havia as suas dívidas a serem pagas e devia ainda sobrar dinheiro. Deve ter sido meu tio quem arranjou isto. É homem generoso e bom. Mas tenho medo que ele se tenha posto em situação difícil. O dinheiro que gastou não deve ter sido pouco.
— Não — disse Mr. Bennet. — Wickham seria um idiota se a aceitasse com menos de dez mil libras. De outro modo, sentiria ter de pensar mal dele logo no começo das nossas relações.
— Dez mil libras? Deus não permita tal. Como poderíamos pagar uma tal soma?
Mr. Bennet não respondeu. E todos, mergulhados nas suas reflexões, continuaram em silêncio até chegarem em casa. Mr. Bennet foi então até à biblioteca para escrever e as moças entraram na sala de almoço.
— Então eles vão se casar? — exclamou Elizabeth, assim que se viu sozinha com Jane. — Como isto é estranho! Ainda por cima, temos de nos considerar muito felizes! Temos de dar graças a Deus que tal aconteça, embora sejam tão diminutas as possibilidades de Lydia ser feliz, e Wickham tenha um caráter tão ruim... Oh, Lydia!
— Eu me consolo pensando que decerto ele não se casaria com Lydia se não tivesse afeição por ela — replicou Jane. — Embora acredite que nosso tio tenha feito alguma coisa por ele, não posso crer que tenha gasto dez mil libras nem coisa parecida. Ele tem os seus próprios filhos e ainda pode ter outras preocupações. Como poderia gastar dez mil libras?
— Se pudéssemos saber quais eram as dívidas de Wickham... E com quanto ele dotou nossa irmã... Saberia exatamente o que Mr. Gardiner fez, pois Wickham não tem um tostão de seu. A bondade dos nossos tios é uma coisa que nunca poderá ser paga. Eles a levaram para casa e lhe deram toda a sua proteção e apoio moral. Isto é um sacrifício que anos de gratidão não podem compensar. Nesse momento, ela está em casa deles. Se uma tão grande bondade não lhe der a consciência da falta que praticou, é que ela não merece nunca ser feliz. Imagina a sua cara quando chegar diante da minha tia!
— Devemos nos esforçar para esquecer tudo o que se passou — disse Jane. — Confio e espero que serão felizes. Creio que o fato dele consentir em se casar com ela é uma prova de que tomou juízo. A afeição que têm um pelo outro lhes dará estabilidade. E eu tenho a esperança de que se estabeleçam tranquilamente na sua nova vida, e vivam de uma maneira tão ajuizada que com o tempo a imprudência que fizeram seja esquecida.
— A conduta deles foi de tal ordem — replicou Elizabeth — que nem você, nem eu e nem ninguém poderá jamais esquecê-la. É inútil falar nisto.
As meninas então se lembraram que sua mãe provavelmente ainda ignorava tudo o que se passava. Dirigiram-se, pois, à biblioteca e perguntaram a seu pai se não desejava que elas lhe fossem transmitir a notícia. Ele estava escrevendo. E sem levantar a cabeça respondeu, friamente:
— Como quiserem.
— Podemos levar a carta do meu tio e ler para ela?
— Levem o que vocês quiserem e vão embora.
Elizabeth tomou a carta de cima da mesa e as irmãs subiram juntas. Mary e Kitty estavam ambas com Mrs. Bennet. A mesma comunicação serviria portanto para todas. Depois de uma ligeira preparação para as notícias que traziam, a carta foi lida em voz alta. Mrs. Bennet não pôde conter os seus sentimentos. Assim que Jane leu o trecho em que Mr. Gardiner exprimia a esperança de que Lydia em breve se casasse, Mrs. Bennet começou a manifestar a sua alegria, e cada frase subsequente a tornava ainda mais expansiva. A sua alegria era tão ruidosa e violenta como anteriormente os seus receios e o seu desespero. Bastava saber que a sua filha se casaria. Nenhum receio quanto à felicidade de Lydia, nenhuma lembrança da sua falta a perturbava.
— Oh, minha querida Lydia — exclamou ela. — Isto é realmente estupendo! Ela se casará! Eu tornarei a vê-la! Ela se casa com 16 anos! Que bom irmão eu tenho! Bem sabia que ele ia arranjar tudo! Que vontade de vê-la! E o meu querido Wickham também! Mas as roupas, o enxoval! Vou escrever para minha irmã Gardiner imediatamente! Lizzy, meu bem, corra lá embaixo e pergunte a seu pai quanto ele dará à Lydia para o enxoval. Não, fique, fique, irei eu mesma! Toque a campainha, Kitty, chame Hill, eu me vestirei num instante. Oh, minha querida Lydia! Como nos sentiremos felizes quando estivermos todos juntos!
Jane procurou abrandar a violência das suas expansões, lembrando-lhe quantas obrigações deviam a Mr. Gardiner pelo que ele tinha feito.
— Devemos atribuir a feliz conclusão desta história em grande parte à bondade do nosso tio — acrescentou Jane. — Estamos convencidas de que ele se empenhou para auxiliar Mr. Wickham com dinheiro.
— Bem — exclamou Mrs. Bennet —, está certo, quem o faria se não fosse o seu tio? Se ele não tivesse família, nós é que seriamos os seus herdeiros. E é a primeira vez que recebemos qualquer coisa dele, a não ser alguns presentes. Sinto-me tão feliz, em breve terei uma filha casada! Mrs. Wickham! Como soa bem... E ela fez apenas 16 anos em junho! Jane, estou tão nervosa que não posso escrever. Vou ditar e você escreve por mim. Mais tarde combinaremos com seu pai a respeito do dinheiro. Mas é preciso encomendar as coisas imediatamente.
Mrs. Bennet começou então a fazer uma lista de todas as peças de tecidos estampados, mousseline e cambraia, e teria feito dentro em pouco uma grande encomenda, se Jane não a tivesse persuadido, com alguma dificuldade, que esperasse até poder consultar o seu pai. Um dia de atraso, observou ela, seria de pouca importância. E Mrs. Bennet sentia-se feliz demais para ser obstinada como de costume. Outros planos vieram ocupar os seus pensamentos.
— Assim que estiver vestida, irei a Meryton e darei as boas novas a minha irmã Philips. E na volta irei à casa de Lady Lucas e de Mrs. Long. Kitty, corra lá embaixo e peça a carruagem. Um pouco de ar me faria muito bem. Meninas, querem que eu traga alguma coisa para vocês de Meryton? Oh, aí vem Hill. Minha cara Hill, você já ouviu as boas novidades? Miss Lydia vai se casar. Você terá que preparar um jarro de punch para o casamento.
Mrs. Hill começou imediatamente a exprimir a sua alegria. Elizabeth, com as outras, recebeu os seus parabéns. Em seguida, cansada de tanta loucura, foi se refugiar no seu quarto para poder refletir à vontade.
Coitada da Lydia, a sua situação, mesmo assim, era bastante ruim. Mas ainda tinha de dar graças a Deus por não ser pior. E embora pensando no futuro, não via para a sua irmã grandes possibilidades de felicidade nem de prosperidade; e ao se lembrar do passado, dos seus temores há duas horas apenas, Elizabeth sentiu, entretanto, todas as vantagens que tinham adquirido.
— Wickham não é tão mau então como nós pensávamos — disse Jane. — Meu pai, eu lhe dou os parabéns.
— E o senhor já respondeu à carta? — perguntou Elizabeth.
— Não, mas é coisa que precisa ser feita imediatamente.
Elizabeth suplicou então que não perdesse mais tempo.
— Oh, papai — exclamou ela —, volte e escreva sem demora! Pense na importância que cada momento tem num caso desses...
— Deixe-me escrevê-la para o senhor — disse Jane —, este trabalho lhe desagrada.
— Desagrada-me muito — replicou ele —, mas precisa ser feito.
E dizendo isto virou-se e voltou com as moças em direção à casa.
— E posso saber qual é a resposta? — perguntou Elizabeth. — Suponho que os termos devem ser aceitos.
— Aceitos? Só tenho vergonha que ele peça tão pouco.
— E é preciso que eles se casem. No entanto Wickham é um homem tão ordinário...
— Sim, sim, é preciso que se casem. Não há outra alternativa. Mas há duas coisas que eu desejaria muito saber: uma delas é quanto dinheiro o seu tio deve pagar para arranjar isto. E a segunda é como poderei reembolsá-lo.
— Dinheiro? Meu tio? — exclamou Jane. — Que é que quer dizer com isto?
— Quero dizer que nenhum homem, no seu juízo perfeito, se casaria com Lydia recebendo em troca uma compensação tão pequena. Cem libras por ano durante a minha vida e cinquenta depois que eu morrer!
— É verdade — disse Elizabeth. — Não me tinha ocorrido antes. Havia as suas dívidas a serem pagas e devia ainda sobrar dinheiro. Deve ter sido meu tio quem arranjou isto. É homem generoso e bom. Mas tenho medo que ele se tenha posto em situação difícil. O dinheiro que gastou não deve ter sido pouco.
— Não — disse Mr. Bennet. — Wickham seria um idiota se a aceitasse com menos de dez mil libras. De outro modo, sentiria ter de pensar mal dele logo no começo das nossas relações.
— Dez mil libras? Deus não permita tal. Como poderíamos pagar uma tal soma?
Mr. Bennet não respondeu. E todos, mergulhados nas suas reflexões, continuaram em silêncio até chegarem em casa. Mr. Bennet foi então até à biblioteca para escrever e as moças entraram na sala de almoço.
— Então eles vão se casar? — exclamou Elizabeth, assim que se viu sozinha com Jane. — Como isto é estranho! Ainda por cima, temos de nos considerar muito felizes! Temos de dar graças a Deus que tal aconteça, embora sejam tão diminutas as possibilidades de Lydia ser feliz, e Wickham tenha um caráter tão ruim... Oh, Lydia!
— Eu me consolo pensando que decerto ele não se casaria com Lydia se não tivesse afeição por ela — replicou Jane. — Embora acredite que nosso tio tenha feito alguma coisa por ele, não posso crer que tenha gasto dez mil libras nem coisa parecida. Ele tem os seus próprios filhos e ainda pode ter outras preocupações. Como poderia gastar dez mil libras?
— Se pudéssemos saber quais eram as dívidas de Wickham... E com quanto ele dotou nossa irmã... Saberia exatamente o que Mr. Gardiner fez, pois Wickham não tem um tostão de seu. A bondade dos nossos tios é uma coisa que nunca poderá ser paga. Eles a levaram para casa e lhe deram toda a sua proteção e apoio moral. Isto é um sacrifício que anos de gratidão não podem compensar. Nesse momento, ela está em casa deles. Se uma tão grande bondade não lhe der a consciência da falta que praticou, é que ela não merece nunca ser feliz. Imagina a sua cara quando chegar diante da minha tia!
— Devemos nos esforçar para esquecer tudo o que se passou — disse Jane. — Confio e espero que serão felizes. Creio que o fato dele consentir em se casar com ela é uma prova de que tomou juízo. A afeição que têm um pelo outro lhes dará estabilidade. E eu tenho a esperança de que se estabeleçam tranquilamente na sua nova vida, e vivam de uma maneira tão ajuizada que com o tempo a imprudência que fizeram seja esquecida.
— A conduta deles foi de tal ordem — replicou Elizabeth — que nem você, nem eu e nem ninguém poderá jamais esquecê-la. É inútil falar nisto.
As meninas então se lembraram que sua mãe provavelmente ainda ignorava tudo o que se passava. Dirigiram-se, pois, à biblioteca e perguntaram a seu pai se não desejava que elas lhe fossem transmitir a notícia. Ele estava escrevendo. E sem levantar a cabeça respondeu, friamente:
— Como quiserem.
— Podemos levar a carta do meu tio e ler para ela?
— Levem o que vocês quiserem e vão embora.
Elizabeth tomou a carta de cima da mesa e as irmãs subiram juntas. Mary e Kitty estavam ambas com Mrs. Bennet. A mesma comunicação serviria portanto para todas. Depois de uma ligeira preparação para as notícias que traziam, a carta foi lida em voz alta. Mrs. Bennet não pôde conter os seus sentimentos. Assim que Jane leu o trecho em que Mr. Gardiner exprimia a esperança de que Lydia em breve se casasse, Mrs. Bennet começou a manifestar a sua alegria, e cada frase subsequente a tornava ainda mais expansiva. A sua alegria era tão ruidosa e violenta como anteriormente os seus receios e o seu desespero. Bastava saber que a sua filha se casaria. Nenhum receio quanto à felicidade de Lydia, nenhuma lembrança da sua falta a perturbava.
— Oh, minha querida Lydia — exclamou ela. — Isto é realmente estupendo! Ela se casará! Eu tornarei a vê-la! Ela se casa com 16 anos! Que bom irmão eu tenho! Bem sabia que ele ia arranjar tudo! Que vontade de vê-la! E o meu querido Wickham também! Mas as roupas, o enxoval! Vou escrever para minha irmã Gardiner imediatamente! Lizzy, meu bem, corra lá embaixo e pergunte a seu pai quanto ele dará à Lydia para o enxoval. Não, fique, fique, irei eu mesma! Toque a campainha, Kitty, chame Hill, eu me vestirei num instante. Oh, minha querida Lydia! Como nos sentiremos felizes quando estivermos todos juntos!
Jane procurou abrandar a violência das suas expansões, lembrando-lhe quantas obrigações deviam a Mr. Gardiner pelo que ele tinha feito.
— Devemos atribuir a feliz conclusão desta história em grande parte à bondade do nosso tio — acrescentou Jane. — Estamos convencidas de que ele se empenhou para auxiliar Mr. Wickham com dinheiro.
— Bem — exclamou Mrs. Bennet —, está certo, quem o faria se não fosse o seu tio? Se ele não tivesse família, nós é que seriamos os seus herdeiros. E é a primeira vez que recebemos qualquer coisa dele, a não ser alguns presentes. Sinto-me tão feliz, em breve terei uma filha casada! Mrs. Wickham! Como soa bem... E ela fez apenas 16 anos em junho! Jane, estou tão nervosa que não posso escrever. Vou ditar e você escreve por mim. Mais tarde combinaremos com seu pai a respeito do dinheiro. Mas é preciso encomendar as coisas imediatamente.
Mrs. Bennet começou então a fazer uma lista de todas as peças de tecidos estampados, mousseline e cambraia, e teria feito dentro em pouco uma grande encomenda, se Jane não a tivesse persuadido, com alguma dificuldade, que esperasse até poder consultar o seu pai. Um dia de atraso, observou ela, seria de pouca importância. E Mrs. Bennet sentia-se feliz demais para ser obstinada como de costume. Outros planos vieram ocupar os seus pensamentos.
— Assim que estiver vestida, irei a Meryton e darei as boas novas a minha irmã Philips. E na volta irei à casa de Lady Lucas e de Mrs. Long. Kitty, corra lá embaixo e peça a carruagem. Um pouco de ar me faria muito bem. Meninas, querem que eu traga alguma coisa para vocês de Meryton? Oh, aí vem Hill. Minha cara Hill, você já ouviu as boas novidades? Miss Lydia vai se casar. Você terá que preparar um jarro de punch para o casamento.
Mrs. Hill começou imediatamente a exprimir a sua alegria. Elizabeth, com as outras, recebeu os seus parabéns. Em seguida, cansada de tanta loucura, foi se refugiar no seu quarto para poder refletir à vontade.
Coitada da Lydia, a sua situação, mesmo assim, era bastante ruim. Mas ainda tinha de dar graças a Deus por não ser pior. E embora pensando no futuro, não via para a sua irmã grandes possibilidades de felicidade nem de prosperidade; e ao se lembrar do passado, dos seus temores há duas horas apenas, Elizabeth sentiu, entretanto, todas as vantagens que tinham adquirido.
50
Mr. Bennet muitas vezes se arrependera de
nunca ter posto de lado uma soma anual para garantia do futuro das suas filhas
e da sua mulher, em vez de gastar toda a sua renda. Agora se arrependia mais do
que nunca. Se tivesse feito o dever nesse ponto, Lydia não estaria devendo
agora tanto ao seu tio, uma soma tão grande em dinheiro, honra e bom nome. E a
satisfação de obrigar um dos piores rapazes da Grã-Bretanha a se casar com ela
lhe teria cabido como de direito.
Ele estava seriamente preocupado que uma coisa de tão poucas vantagens para qualquer pessoa tivesse sido conseguida unicamente a expensas do seu cunhado e resolvera, caso fosse possível, averiguar a importância exata do seu auxílio e lhe pagar o mais depressa possível.
Quando Mr. Bennet se casou, julgara que era perfeitamente inútil fazer economia, pois naturalmente ele haveria de ter um filho. Este filho entraria no direito de herdar a propriedade e desse modo a viúva e as crianças menores ficariam garantidas. Cinco filhas sucessivamente vieram ao mundo, mas o filho ainda estava para vir. Muitos anos depois do nascimento de Lydia, Mrs. Bennet acreditava que o filho viesse a nascer. Mas afinal tivera que renunciar a essa esperança. Mrs. Bennet não tinha jeito para economia e os gostos morigerados do marido foram a única coisa que os impediu de gastarem além da renda que possuíam.
Pelo contrato de casamento, cinco mil libras deviam ser deixadas para Mrs. Bennet e seus filhos. Mas a partilha devia ser feita de acordo com a vontade dos pais. Em relação a Lydia, este era um ponto que agora devia ser decidido. E Mr. Bennet não podia hesitar em aceitar os termos da proposta que lhe tinha sido feita. Em termos precisos, porém cordiais, ele exprimiu a sua gratidão pela bondade do cunhado. Em seguida declarou a sua plena aprovação a tudo o que tinha sido feito, e a sua aceitação aos compromissos que Mr. Gardiner tomara em seu nome. Nunca tinha suposto que fosse possível convencer Wickham a se casar com a sua filha em termos tão convenientes. As cem libras que deveria pagar anualmente não representavam um deficit real de mais de dez libras; pois as despesas com o sustento de Lydia, o dinheiro que lhe dava para as suas despesas e os presentes que lhe chegavam continuamente às mãos por intermédio de Mrs. Bennet não somavam ao todo muito menos do que aquelas cem libras.
Outra surpresa agradável fora a facilidade com que tudo se arranjara sem lhe dar quase trabalho. Seu desejo agora era preocupar-se com aquilo o menos possível. O afã com que se lançara à procura da sua filha tinha sido apenas um efeito da cólera. Cessada esta, Mr. Bennet recaiu na sua habitual indolência. A carta foi logo despachada, pois embora lento na elaboração dos seus projetos, ele era rápido na sua execução. Pedia a Mr. Gardiner que detalhasse as despesas que tinha feito, porém não enviou nenhum recado para Lydia, porque ainda estava ressentido com ela.
As boas notícias espalharam-se rapidamente pela casa e pelas redondezas. A vizinhança as acolheu filosoficamente. Decerto teria sido mais interessante se Miss Lydia tivesse regressado. Ou então se ela se encontrasse em reclusão nalguma fazenda distante. Mas o casamento era um tópico suficiente para a conversação.
As velhas invejosas de Meryton continuaram a enviar os seus votos de felicidade com o mesmo secreto contentamento com que anteriormente exprimiam as suas condolências, pois com um tal marido, a desgraça de Lydia era considerada certa.
Mrs. Bennet passara 15 dias sem sair do quarto. Naquela grande data, tornou a assumir o seu lugar à cabeceira da mesa. Sua satisfação era extrema. Nenhum sentimento de vergonha atenuava o seu triunfo. Desde que Jane completara 15 anos, o seu maior desejo fora ver uma das suas filhas casadas. E agora este desejo estava a ponto de se realizar. Todos os seus pensamentos giravam em torno dos acessórios de um casamento elegante, tais como musselines finas, novas carruagens e criados. Procurava lembrar-se de uma casa das redondezas que servisse para a sua filha e, sem saber qual seria a renda do casal, recusava muitas das que lhe sugeriam porque seriam demasiado modestas e acanhadas.
— Haye-Park talvez sirva, se os Gouldings consentirem em sair. Aquela casa espaçosa em Stoke também não é má. Mas a sala de estar é muito pequena. Ashworth é muito distante. Não quero que ela more a mais de dez milhas de distância daqui, no máximo. Quanto a Pulvis Lodge, as mansardas são horríveis.
Mr. Bennet deixou que ela falasse sem interrupção, enquanto havia criados na sala. Mas depois que eles saíram, disse:
— Mrs. Bennet, antes que você tome uma destas casas ou todas elas para a sua filha, é bom chegar já a um acordo quanto a este ponto. Numa determinada casa desta redondeza eles nunca serão admitidos. Eu não encorajarei a imprudência daqueles dois, recebendo-os em Longbourn.
A esta declaração seguiu-se uma longa disputa. Mas Mr. Bennet se mostrou firme. E o assunto logo os conduziu a outro. Mrs. Bennet descobriu com espanto e horror que o seu marido não adiantaria uma só libra para as despesas do enxoval. Ele declarou que ela não receberia o menor sinal da sua estima por ocasião do casamento. Mrs. Bennet não podia compreender aquela atitude. Parecia-lhe impossível que ele levasse o ressentimento ao ponto de recusar à sua filha um dos privilégios sem o qual o casamento não pareceria válido. Mrs. Bennet era muito mais sensível à vergonha de ter casado a sua filha sem roupas novas do que à desonra causada pela sua fuga e pelo fato dela ter vivido 15 dias com Wickham sem ser casada.
Elizabeth se arrependeu mais do que nunca por se ter deixado levar pela aflição do momento e revelado a Mr. Darcy os seus temores quanto ao futuro da sua irmã; pois como o casamento se realizaria em breve, poderiam talvez esconder o fato vergonhoso a todos aqueles que não estavam diretamente relacionados com a família.
Ela não tinha receio de que o caso se espalhasse por intermédio de Mr. Darcy; havia poucas pessoas atualmente em cuja discrição tivesse mais confiança. Por outro lado não havia ninguém cujo conhecimento da leviandade da sua irmã a mortificasse tanto. No entanto não se sentia mortificada porque temesse qualquer desvantagem para si própria, pois de qualquer modo parecia haver um abismo intransponível entre eles. Mesmo que o casamento de Lydia tivesse sido concluído da forma mais respeitável, não era crível que Mr. Darcy quisesse se relacionar com uma família contra a qual tinha tantas objeções; agora, a estas objeções se acrescentava outra. Uma aliança que ele, com tanta razão, considerava desprezível.
Não era pois de estranhar que hesitasse. O desejo de obter a consideração de Elizabeth, desejo que ele lhe havia manifestado no Derbyshire, não poderia sobreviver a um tal golpe. Elizabeth se sentiu humilhada e ferida. Tinha remorsos sem saber bem de quê. Invejava a estima dele quando não tinha mais esperança de que essa estima a beneficiasse. Queria saber notícias suas e não tinha a menor esperança que ele lhe escrevesse. E agora, que não havia mais probabilidades de encontrá-lo, estava convencida de que poderia ter sido feliz com ele.
Que triunfo para Mr. Darcy se pudesse saber que as propostas que ela tinha rejeitado tão orgulhosamente há quatro meses seriam recebidas agora com alegria e gratidão. Ele era generoso, disto Elizabeth não tinha a menor dúvida. Havia poucos homens mais generosos. Para não triunfar agora, entretanto, era preciso que não fosse humano.
Elizabeth começou a compreender então que Mr. Darcy era o homem que mais lhe convinha, tanto pelo seu temperamento como pelas suas qualidades. O seu gênio, embora diverso do seu, correspondia a todos os seus desejos. Essa união teria sido vantajosa para ambos. A espontaneidade e a naturalidade de Elizabeth contribuiriam para suavizar o seu espírito, e melhorar também as suas maneiras. Ela, por sua vez, receberia um benefício ainda maior com a segurança do seu julgamento e a sua experiência do mundo.
Porém, esse modelo dos casamentos felizes não mais se realizaria. Mas em breve, uma união de caráter diferente e que excluía a possibilidade do outro seria formada na sua família.
Não sabia como Lydia e Wickham conseguiriam viver em relativo conforto. Aliás, um casal que se tinha unido por paixões mais fortes do que a sua virtude tinha diminutas possibilidades de felicidade duradoura.
Ele estava seriamente preocupado que uma coisa de tão poucas vantagens para qualquer pessoa tivesse sido conseguida unicamente a expensas do seu cunhado e resolvera, caso fosse possível, averiguar a importância exata do seu auxílio e lhe pagar o mais depressa possível.
Quando Mr. Bennet se casou, julgara que era perfeitamente inútil fazer economia, pois naturalmente ele haveria de ter um filho. Este filho entraria no direito de herdar a propriedade e desse modo a viúva e as crianças menores ficariam garantidas. Cinco filhas sucessivamente vieram ao mundo, mas o filho ainda estava para vir. Muitos anos depois do nascimento de Lydia, Mrs. Bennet acreditava que o filho viesse a nascer. Mas afinal tivera que renunciar a essa esperança. Mrs. Bennet não tinha jeito para economia e os gostos morigerados do marido foram a única coisa que os impediu de gastarem além da renda que possuíam.
Pelo contrato de casamento, cinco mil libras deviam ser deixadas para Mrs. Bennet e seus filhos. Mas a partilha devia ser feita de acordo com a vontade dos pais. Em relação a Lydia, este era um ponto que agora devia ser decidido. E Mr. Bennet não podia hesitar em aceitar os termos da proposta que lhe tinha sido feita. Em termos precisos, porém cordiais, ele exprimiu a sua gratidão pela bondade do cunhado. Em seguida declarou a sua plena aprovação a tudo o que tinha sido feito, e a sua aceitação aos compromissos que Mr. Gardiner tomara em seu nome. Nunca tinha suposto que fosse possível convencer Wickham a se casar com a sua filha em termos tão convenientes. As cem libras que deveria pagar anualmente não representavam um deficit real de mais de dez libras; pois as despesas com o sustento de Lydia, o dinheiro que lhe dava para as suas despesas e os presentes que lhe chegavam continuamente às mãos por intermédio de Mrs. Bennet não somavam ao todo muito menos do que aquelas cem libras.
Outra surpresa agradável fora a facilidade com que tudo se arranjara sem lhe dar quase trabalho. Seu desejo agora era preocupar-se com aquilo o menos possível. O afã com que se lançara à procura da sua filha tinha sido apenas um efeito da cólera. Cessada esta, Mr. Bennet recaiu na sua habitual indolência. A carta foi logo despachada, pois embora lento na elaboração dos seus projetos, ele era rápido na sua execução. Pedia a Mr. Gardiner que detalhasse as despesas que tinha feito, porém não enviou nenhum recado para Lydia, porque ainda estava ressentido com ela.
As boas notícias espalharam-se rapidamente pela casa e pelas redondezas. A vizinhança as acolheu filosoficamente. Decerto teria sido mais interessante se Miss Lydia tivesse regressado. Ou então se ela se encontrasse em reclusão nalguma fazenda distante. Mas o casamento era um tópico suficiente para a conversação.
As velhas invejosas de Meryton continuaram a enviar os seus votos de felicidade com o mesmo secreto contentamento com que anteriormente exprimiam as suas condolências, pois com um tal marido, a desgraça de Lydia era considerada certa.
Mrs. Bennet passara 15 dias sem sair do quarto. Naquela grande data, tornou a assumir o seu lugar à cabeceira da mesa. Sua satisfação era extrema. Nenhum sentimento de vergonha atenuava o seu triunfo. Desde que Jane completara 15 anos, o seu maior desejo fora ver uma das suas filhas casadas. E agora este desejo estava a ponto de se realizar. Todos os seus pensamentos giravam em torno dos acessórios de um casamento elegante, tais como musselines finas, novas carruagens e criados. Procurava lembrar-se de uma casa das redondezas que servisse para a sua filha e, sem saber qual seria a renda do casal, recusava muitas das que lhe sugeriam porque seriam demasiado modestas e acanhadas.
— Haye-Park talvez sirva, se os Gouldings consentirem em sair. Aquela casa espaçosa em Stoke também não é má. Mas a sala de estar é muito pequena. Ashworth é muito distante. Não quero que ela more a mais de dez milhas de distância daqui, no máximo. Quanto a Pulvis Lodge, as mansardas são horríveis.
Mr. Bennet deixou que ela falasse sem interrupção, enquanto havia criados na sala. Mas depois que eles saíram, disse:
— Mrs. Bennet, antes que você tome uma destas casas ou todas elas para a sua filha, é bom chegar já a um acordo quanto a este ponto. Numa determinada casa desta redondeza eles nunca serão admitidos. Eu não encorajarei a imprudência daqueles dois, recebendo-os em Longbourn.
A esta declaração seguiu-se uma longa disputa. Mas Mr. Bennet se mostrou firme. E o assunto logo os conduziu a outro. Mrs. Bennet descobriu com espanto e horror que o seu marido não adiantaria uma só libra para as despesas do enxoval. Ele declarou que ela não receberia o menor sinal da sua estima por ocasião do casamento. Mrs. Bennet não podia compreender aquela atitude. Parecia-lhe impossível que ele levasse o ressentimento ao ponto de recusar à sua filha um dos privilégios sem o qual o casamento não pareceria válido. Mrs. Bennet era muito mais sensível à vergonha de ter casado a sua filha sem roupas novas do que à desonra causada pela sua fuga e pelo fato dela ter vivido 15 dias com Wickham sem ser casada.
Elizabeth se arrependeu mais do que nunca por se ter deixado levar pela aflição do momento e revelado a Mr. Darcy os seus temores quanto ao futuro da sua irmã; pois como o casamento se realizaria em breve, poderiam talvez esconder o fato vergonhoso a todos aqueles que não estavam diretamente relacionados com a família.
Ela não tinha receio de que o caso se espalhasse por intermédio de Mr. Darcy; havia poucas pessoas atualmente em cuja discrição tivesse mais confiança. Por outro lado não havia ninguém cujo conhecimento da leviandade da sua irmã a mortificasse tanto. No entanto não se sentia mortificada porque temesse qualquer desvantagem para si própria, pois de qualquer modo parecia haver um abismo intransponível entre eles. Mesmo que o casamento de Lydia tivesse sido concluído da forma mais respeitável, não era crível que Mr. Darcy quisesse se relacionar com uma família contra a qual tinha tantas objeções; agora, a estas objeções se acrescentava outra. Uma aliança que ele, com tanta razão, considerava desprezível.
Não era pois de estranhar que hesitasse. O desejo de obter a consideração de Elizabeth, desejo que ele lhe havia manifestado no Derbyshire, não poderia sobreviver a um tal golpe. Elizabeth se sentiu humilhada e ferida. Tinha remorsos sem saber bem de quê. Invejava a estima dele quando não tinha mais esperança de que essa estima a beneficiasse. Queria saber notícias suas e não tinha a menor esperança que ele lhe escrevesse. E agora, que não havia mais probabilidades de encontrá-lo, estava convencida de que poderia ter sido feliz com ele.
Que triunfo para Mr. Darcy se pudesse saber que as propostas que ela tinha rejeitado tão orgulhosamente há quatro meses seriam recebidas agora com alegria e gratidão. Ele era generoso, disto Elizabeth não tinha a menor dúvida. Havia poucos homens mais generosos. Para não triunfar agora, entretanto, era preciso que não fosse humano.
Elizabeth começou a compreender então que Mr. Darcy era o homem que mais lhe convinha, tanto pelo seu temperamento como pelas suas qualidades. O seu gênio, embora diverso do seu, correspondia a todos os seus desejos. Essa união teria sido vantajosa para ambos. A espontaneidade e a naturalidade de Elizabeth contribuiriam para suavizar o seu espírito, e melhorar também as suas maneiras. Ela, por sua vez, receberia um benefício ainda maior com a segurança do seu julgamento e a sua experiência do mundo.
Porém, esse modelo dos casamentos felizes não mais se realizaria. Mas em breve, uma união de caráter diferente e que excluía a possibilidade do outro seria formada na sua família.
Não sabia como Lydia e Wickham conseguiriam viver em relativo conforto. Aliás, um casal que se tinha unido por paixões mais fortes do que a sua virtude tinha diminutas possibilidades de felicidade duradoura.
* * *
Em breve Mr. Gardiner tornou a escrever
para o cunhado. Aos pedidos de Mr. Bennet, respondeu apenas que estava sempre
disposto a fazer o máximo do seu esforço para o bem de qualquer pessoa da
família, e concluiu pedindo que nunca mais se mencionasse o assunto. A
finalidade principal da carta era anunciar que Mr. Wickham tinha resolvido sair
da milícia.
Eu desejava muito que ele o fizesse assim
que o casamento fosse marcado. E acho que você pensará, como eu, que esse passo
é muito vantajoso, tanto para ele como para minha sobrinha. Mr. Wickham
tenciona entrar no Exército Regular; e alguns dos seus antigos amigos estão
dispostos a apoiá-lo. Prometeram-lhe um posto de tenente no regimento do
general ***, aquartelado agora no Norte. Há vantagem em que ele fique longe
daqui. Promete alguma coisa e espero que, entre pessoas estranhas, onde poderão
fazer nova reputação, ambos se mostrarão mais prudentes. Escrevi para o coronel
Forster, a fim de informá-lo da nossa atual situação e pedindo que tranquilize
os vários credores de Mr. Wickham em Brighton e redondezas, com promessas de
rápido pagamento, pois assumi o compromisso de pagá-las. Peço que faça o mesmo
com os seus credores em Meryton, dos quais lhe envio a lista, de acordo com as
informações de Mr. Wickham. Ele confessou todas as suas dívidas. Espero ao
menos que não nos tenha enganado. Haggerton já recebeu as nossas instruções e
tudo ficará pronto dentro de uma semana. Eles partirão em seguida para a sede
do regimento, a não ser que você os convide primeiro a ir a Longbourn. Mrs. Gardiner
me disse que minha sobrinha está muito desejosa de vê-los a todos, antes de
partir para o Norte. Ela está bem e pede que eu lhe transmita os seus
respeitos, bem como a Mrs. Bennet. Seu, etc.
E. Gardiner.
E. Gardiner.
Mr. Bennet e suas filhas compreenderam
logo as vantagens da saída de Mr. Wickham do regimento da milícia, não menos
claramente do que Mr. Gardiner. Mas Mrs. Bennet, de modo algum ficou tão
satisfeita. Lydia ia morar no Norte, exatamente quando teria maior prazer e
orgulho na sua companhia, pois ela não tinha absolutamente desistido do seu
plano de instalar a sua filha no Hertfordshire. Seu desapontamento foi grande.
Além disso era uma pena que Lydia fosse afastada de um lugar onde tinha tantas
relações.
— Lydia gosta tanto de Mrs. Forster! — disse ela. — É uma pena mandá-la embora. E além disso há muitos rapazes lá que ela aprecia. Os oficiais do regimento do general *** podem não ser tão amáveis.
A insinuação de Mr. Gardiner podia ser tomada como um pedido formal para Lydia tornar a ser admitida entre os seus antes da sua partida para o Norte; a princípio Mr. Bennet recusou terminantemente este pedido. Mas Jane e Elizabeth, que eram da mesma opinião, desejavam ambas, para bem da sua irmã, que ela recebesse o apoio de seus pais. Pediram-lhe de um modo tão insistente, e ao mesmo tempo com tanta doçura, que os recebesse em Longbourn assim que estivessem casados, que conseguiram demover o pai da sua intenção primitiva. E Mrs. Bennet teve a satisfação de saber que ela poderia exibir nas redondezas a sua filha casada, antes dela ser banida para o Norte. Quando Mr. Bennet tornou a escrever para o seu cunhado, transmitiu afinal a sua permissão. Elizabeth, entretanto, ficou surpreendida por Wickham ter concordado com este plano. E se ela tivesse consultado apenas as suas preferências, um encontro com ele seria a última coisa no mundo que ela própria desejaria.
— Lydia gosta tanto de Mrs. Forster! — disse ela. — É uma pena mandá-la embora. E além disso há muitos rapazes lá que ela aprecia. Os oficiais do regimento do general *** podem não ser tão amáveis.
A insinuação de Mr. Gardiner podia ser tomada como um pedido formal para Lydia tornar a ser admitida entre os seus antes da sua partida para o Norte; a princípio Mr. Bennet recusou terminantemente este pedido. Mas Jane e Elizabeth, que eram da mesma opinião, desejavam ambas, para bem da sua irmã, que ela recebesse o apoio de seus pais. Pediram-lhe de um modo tão insistente, e ao mesmo tempo com tanta doçura, que os recebesse em Longbourn assim que estivessem casados, que conseguiram demover o pai da sua intenção primitiva. E Mrs. Bennet teve a satisfação de saber que ela poderia exibir nas redondezas a sua filha casada, antes dela ser banida para o Norte. Quando Mr. Bennet tornou a escrever para o seu cunhado, transmitiu afinal a sua permissão. Elizabeth, entretanto, ficou surpreendida por Wickham ter concordado com este plano. E se ela tivesse consultado apenas as suas preferências, um encontro com ele seria a última coisa no mundo que ela própria desejaria.
continua
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