olá!
Faz tempo que eu não posto pensamentos e análises aqui, meus dias parecem que estão ficando mais curtos e me falta tempo. Mas esse ano comemoramos 250 anos de nascimento de Jane Austen e eu gostaria de lançar um romance Janeite (As anáguas de Lizzy Darcy), me aprofundar em outras obras como fiz Persuasão e Lady Susan, assim como fazer uns diários de leitura de livros inspirados/estudos sobre a vida e obra de Jane.
Na Bienal do livro do Rio eu ganhei o livro 'All Roads Lead to Austen - a yearlong journey with Jane' de Amy Elizabeth Smith. Uma tradução livre seria 'Todos os caminhos levam a Austen - uma viagem anual com Jane', um diário de viagem pareceu bem sugestivo para o meu intuito de um diário de leitura. É uma edição bem levinha, brochura com folhas de papel jornal, bem grosso - 365 páginas. Um ano!Esse é um ótimo começo para os diários de leitura, certo?
Então, para organizar meus pensamentos e o vídeo no meu perfil Jane Austen para Iniciantes no instagram não ficar muito longo, resolvi postar aqui antes. Me fale o que acha desta viagem com Austen.
Informações básicas primeiro
A autora Amy Elizabeth Smith é membro da JASNA, professora de literatura, solteira aos 42 anos (quando tirou o ano sabático em 2012), descrevendo sua aventura de viajar pela América Latina aprendendo espanhol e discutinho Austen com pessoas locais de 6 países: Guatemala, México, Equador, Chile, Paraguai e Argentina.
Pelo que entendi no início da leitura, ela conseguiu montar pequenos grupos de leitores em cada um desses países para discutir Orgulho e Preconceito, Razão e Sensibilidade e Emma duas vezes cada romance. Cadê Persuasão, né?
O livro é divido em partes:
- Getting started (introdução),
1 para cada país dividida em capítulos
- Guatemala: papo de mulher
- México: razão na terra de sentimentos
- Equador: orgulho, preconceito e iguanas mansas
- Chile: Austen nos Andes
- Paraguai: suposições e Asunción
- Argentina: último tango em Highbury
- The end and the beginning (conclusão)
Cada parte tem um desenho fofo de Lucia Mancilla Prieto com detalhes do que será discutido ao redor de uma bonequinha que obviamente é a Jane da aquarela que Cassandra fez na juventude. Adorei a ideia! A capa também tem desenhos por dentro, mesmo sendo paperback (verso da capa). Também adorei.
Me parece também que seguiremos o love story a autora como seguimos Elizabeth Bennet - encantada por Wickham e acabando com Mr. Darcy. Ela começa falando de um motorista de taxi bonito e simpático do México e depois, na mesma introdução, diz 'meu noivo - talvez o taxista'... Não sei, vamos ver. A própria autora gosta da expressão "vamos a ver" em espanhol que é o mesmo em português.
Vibes de Comer, rezar, chatear
Logo de início, eu senti vibes de Comer, rezar, amar - um franquia que eu odeio! Acho chata, uma pessoa listando uma série de desculpas para as consequências de suas escolhas na vida o invés de enfrentar e construir algo melhor. Eu parei de ler quando ela chegou no 'rezar' porque não aguentava mais o mimimi infinito. Nunca vi o filme.
E agora caí neste livro que tem bem essas vibes. Aff. Se tivesse percebido isso antes, nem tinha mostrado interesse neste livro o que levaria meu lindo filho a me presentear com uma das maravilhosas edições de Austen disponíveis na Bienal ao invés deste volume. Mas, aqui estamos...
Jane Austen ultrapassa páginas
A autora começa a INTRODUÇÃO contando da experiência de ensinar Austen para jovens de faculdade e como eles sempre montam uma lista de personagens que merecem uns tapas. Emma, John Thorpe, Sra. Bennet. É, concordo... mas isso já vale um papo de mil horas.
E aí ela faz uma observação boa: com Austen, a gente mergulha naquela vidinha que ela está contando diferente das Brönté que a gente observa de fora. Parei e pensei... concordo também! Que análise interessante. Tenho pouca intimidade com as B, muito menos do que tenho com Austen que é minha companheira quase que diária, e talvez por isso sempre pensei em Jane Eyre ou Morro dos ventos uivantes como obras para reverenciar. Mas e se for uma qualidade, um estilo?
Guardei isso para elocubrar mais tarde.
Contando sua história com Austen, a autora fala como introduziu um amigo em Austen Nation por O&P - eu sempre indico Lady Susan. Acho que as fofocas e mudanças de ponto de vista são encantadoras, até empolgantes. Quem não conhece Austen, certamente fica fã. Mas aqui é um homem adulto passando por um divórcio (de novo eu pensei, cadê Persuasão?).
A indicação de Austen como cura para um coração partido é como ela fala da MAGIA DE JANE AUSTEN que eu já reconheci e até fiz uma agenda com 365 quotes diferentes - um para cada dia do ano. A pergunta da autora eu posso responder desde já: a conexão especial que as pessoas sentem ao ler Austen consegue ser traduzida?
Quando ela descreve os lugares que escolheu visitar e morar por uns meses para tocar esse projeto (de vida ou acadêmico?), ela diz que o Paraguai é misterioso e perigoso e que Buenos Aires é a 'capital literária da América do Sul'. Vixi, doeu!Ela também se prepara para entrar na experiência de coração aberto dizendo que Austen 'não era fã de prejulgamentos e evitava preconceitos e sempre fazia questão de ler o ambiente ou a pessoa com quem conversava', mas Austen também nunca saiu da Inglaterra, nem foi muito longe de casa.
Aí eu discordo.
Não das viagens, Austen nunca foi muito longe mesmo. Mas ela adorava um estereótipo. Todas as suas obras tinham uns grupinhos de bad boys com um cafajeste, uma piriguete, um negligente e o mesmo com grupinhos de certinhos com mocinhas ingênuas e rapazes bons de doer. Ela sempre dava lição em quem fazia prejulgamentos, mas sempre usava desse artifício.
Ao final da introdução, eu estava curiosa com o livro, apesar de ver algumas red flags. Uma professora universitária americana com certeza ia querer encaixar pessoas da América Latina em seus moldes de ideologia marxista e isso eu não perdoo em Austen Nation.
Mas bora lá.
Guatemala com Mr. Darcy
A primeira parte é Antigua na Guatemala onde a autora já havia passado umas semanas antes aprendendo espanhol em uma escola de idiomas com imersão. Ao invés de escolher as professoras que ela já havia conhecido antes, ela pede especificamente um professor homem que fala pouco, é sério e carrancudo. Ela o chama de misantropo, eu logo vi Mr. Darcy.
Desconfio que ela vai descobrir que o tal taxista mexicano é um embuste e vai voltar à Guatemala para os braços desse Darcy que não dá mole para ela - nem flertando, nem facilitando nas discussões em espanhol. Oh, como isso me deu vibes do livro chato...
Tem uma coisa bem interessante na detalhada descrição que ela faz deste homem udando uma descrição que vizinhos faziam de Austen: Jane era como um atiçador de lareira! Um objeto sempre presente e útil, mas silencioso, rígido e tenso, afiado e perigoso.
Ela descreve o sentimento de familiaridade melancólica de andar por Antigua como reler um Austen, voltar à Meryton de O&P ou HIghbury de Emma. Esse sentimento eu conheço bem, sempre me sinto visitando amigos quando releio Austen...
O grupo de leitura de Antigua é formado pelas professoras que ela já tinha conhecido antes mais algumas da mesma escola. São 5 mulheres adultas, casadas/divorciadas/solteiras com filhos/netos ou sem, para quem ela deu uma cópia de O&P em espanhol e mostrou o filme de 2005. A autora justifica a escolha de O&P como a obra mais popular de Austen, mas que ela não considera a melhor. Ai, doeu de novo!...
A coisa que mais gosto em livros inspirados/estudos são as análises. Sempre gosto de elocubrar sobre Austen. Olhe este trecho quando a autora tenta explicar Emma ao professor Darcy:
"Emma tem uma amiga mais nova, bem, que não é exatamente uma amiga porque é pobre, para quem Emma quer encontrar um marido de qualquer maneira, e quando ela encontra um homem que pode ser um marido para a amiga, esse homem se apaixona por Emma. Nossa! Resumindo, a trama parece bem piegas!...
Não se trata apenas do que Austen diz no romance, é a maneira como ela diz isso, é a maneira como ela vê as coisas, a maneira como ela as diz, é ela, sua... voz.
Não se trata das tramas, trata-se do comentário sutil da perspectiva narrativa, das inflexões cortantes, dos sorrisos linguísticos! É sobre aqueles golpes da faca satírica que você ignora se não for atencioso. É sobre a inocência do diálogo que direciona como a interpretação através de um enquadramento perfeitamente inteligente."
Perfeito!
Sempre imagino Jane como uma pessoa que esconde o que pensa, e sempre pensa mal dos outros, julgando e imaginando segundas intenções em todo mundo. Por isso gostei tanto da Jane de Patsy Ferran em 'Miss Austen' - feinha, esperta, mousy.Durante a estadia, ela se interessa por escritores do país, compra livros, fala de alguns enrredor e narrativas, mas não os inclui na sua jornada que em certo momento, se volta muito para a condição feminina na Guatemala naquele momento. E lá vem feminismo aguado.Sra. Bennet é muito criticada, Charlotte também por fazer um casamento por interesse. Há uma discussão sobre a situação de Jane (solteira ou solteirona) e se ela se ressentia pelos irmãos terem tido mais educação do que ela. Acabam por decidir que O&P é sobre amor, sobre como o amor realmente é.
Eu sempre achei que fosse sobre amadurecimento.
Quando perguntadas se uma história como O&P poderia acontecer em Antigua, todas as mulheres do grupo disseram que sim. Bem, podeira e pode e acontece em qualquer lugar! Todos nós, seres humanos bichos sociais, falamos sem pensar e acreditamos na mentira mais bem contada até que a verdade e as consequências de nossos atos venham explodir na nossa cara.
o PREÇO de Austen
Quando a autora vai mais fundo na dureza da vida da mulher adulta de Antigua, ela culpa a sociedade, como as meninas são criadas, as tradições, as raças, os preconceitos e isso e aquilo para dizer que essas 5 mulheres pagaram caro para ler O&P porque são muito ocupadas trabalhando e cuidando de casa/família. Eu pergunto: faz diferença o lugar ou o gênero da pessoa que tem responsabilidades?
Por fim, ela termina a Guatemala falando algo bonito sobre Jane:
uma mulher que escreveu um futuro incrível para si mesma, página a página
No todo, estou gostando e continuo curiosa.
Próximo destino é o México onde ela vai cair nos braços do taxista (acho que será um Wickham).
Leia minhas impressões aqui.
Está gostando da análise? Me conta!
Leia All roads lead to Austen também.
Leia meu livro novo As anáguas de Lizzy Darcy.
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