Olá!
Faz um tempinho que dei uma entrevista para a fofa Mayara do Portal Protagonista. Falamos de Jane Austen, de fanfics, de interpretação e cultura básica em Austen Nation.
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Jane Austen é mais atual do que você imagina
Os ensinamentos que a romancista do século XIX deixou no mundo, por meio de ótimas histórias e grandes protagonistas, serão sempre lembrados como revolucionários. POR MAYARA PEREIRA, que jura solenemente não fazer nada de bom, postado no dia do aniversário da minha mãe, 23 de outubro de 2020
É uma verdade universalmente conhecida que Jane Austen possuía uma mente muito à frente de seu tempo. A autora tinha um pensamento bem progressista em relação a mulheres, comportamento e casamento, assuntos esses pouco discutidos de forma tão opinativa na época. Seus ideais e suas frases poderiam ser facilmente colocados no século XXI e suas protagonistas femininas são discutidas e analisadas com admiração até hoje.
Se você gosta de Jane Austen, se interessa por literatura ou simplesmente quer saber mais sobre o assunto, confira essa matéria especial que o Portal Protagonista fez sobre a grande romancista do século XIX.
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Quem foi Jane Austen
Jane Austen foi uma escritora inglesa, que nasceu em Steventon, na Inglaterra, em dezembro de 1775. Ela se destacou na literatura por escrever sobre assuntos rotineiros e até considerados monótonos por alguns, em uma época que livros sobre aventuras e ação estavam em alta. Seus livros, que falavam sobre amor, casamento e sociedade, se tornaram cada vez mais famosos e até hoje fazem sucesso, são estudados e discutidos, além de possuírem centenas de adaptações diferentes.
Adriana Sales Zardini é Docente do CEFET-MG, possui Doutorado em Estudos Linguísticos pela Faculdade de Letras, UFMG. Além disso, é editora da Revista Literausten, participa do Podcast Café com Jane Austen, é presidente da Jane Austen Sociedade do Brasil desde 2009, escreve no blog Jane Austen Brasil desde 2008, é autora de diversos capítulos de livros e artigos sobre a escritora, além de ter traduzido Emma, Mansfield Park e Razão e Sensibilidade. Atualmente é membro da JASNA (Jane Austen Society of North America) e JASA (Jane Austen Society of Australia). A mesma relata que “Jane Austen recebeu uma educação simples em internatos, mas foi na casa dos pais que recebeu a instrução mais valiosa. Austen é filha do Reverendo George Austen, conhecido por seus sermões e, principalmente, por receber alunos que desejam se preparar para os estudos universitários. Assim, Jane tinha à sua disposição uma vasta biblioteca. Foi ali entre os livros que a escritora ‘colheu’ inspiração para tantas histórias maravilhosas como as que ela escreveu. Na época de Austen, não era comum uma moça escrever livros, muito menos com o objetivo de ganhar dinheiro. A família de Jane pertencia à ‘gentry class’, pessoas educadas, porém sem título de nobreza ou grandes heranças.”
Usando o pseudônimo By a Lady, sua primeira obra foi Razão e Sensibilidade, publicada em 1811. Em 1813, veio a publicação de seu livro mais famoso, Orgulho e Preconceito, que foi quase intitulado como First Impressions (Primeiras Impressões). Em 1814 publicou Mansfield Park, seguido de Emma, em 1815. Jane Austen também havia começado a escrever Persuasão em 1815, mas teve que parar um ano depois ao sentir mal de saúde. A autora faleceu em 18 de julho de 1817, aos 41 anos de idade. Acredita-se que a causa de sua morte foi Doença de Addison. Em uma de suas biografias, escritas por seu irmão Henry Austen, o mesmo relata que suas últimas palavras foram: “Não quero nada mais que a morte”. Henry preparou os romances da irmã, Persuasão e A Abadia de Northanger (escrito entre 1798 e 1799), para serem publicados em 1817.
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Revolucionária
Alguns dos fatores mais importantes para que Jane Austen seja considerada uma escritora tão revolucionária e a frente de seu tempo se deve aos seus diferenciais, se comparada a outros autores da época. Por exemplo, a romancista tinha a ironia como uma marca registrada. Ela conseguia retratar a sociedade, os costumes e os diálogos de uma forma muito bem humorada e até ácida, que talvez alguns não tenham reparado. Ela também fazia algumas críticas sociais, de aspectos que, pelo visto, não incomodavam as outras pessoas. Ou até incomodavam, mas esses detalhes eram abordados de uma forma banal por outros. Claro que essas críticas não ficavam muito explícitas e talvez nem fosse esse seu objetivo, mas ainda assim elas estavam presentes.
Seus personagens e suas motivações eram extremamente reais. Suas atitudes poderiam ser executadas por qualquer ser humano. Isso foi um diferencial. Austen não precisou criar climas muito melancólicos ou personalidades perfeitas, seus livros possuem pessoas indo à festas e jantares, tendo problemas familiares e outras situações rotineiras. Mas até mesmo o mais simples diálogo nos prende e faz com que a gente se identifique com as atitudes de algum personagem ou torça para que tudo se resolva a tempo.
“Austen muito provavelmente desejava apenas expressar suas opiniões e visão do mundo ao escrever. A importância de Austen na literatura universal é marcada, principalmente, pela escolha de temáticas simples, porém, que são factíveis em qualquer sociedade, inclusive no Brasil. O olhar certeiro de Austen para questões do foro íntimo é o que a escritora traz de revolucionário em suas obras. Naquela época, as mulheres viviam quase que exclusivamente para o lar. Eram raros os casos de mulheres com educação formal e que tinham como objetivo o trabalho fora de casa”, descreve Adriana Sales.
Até mesmo o amor e afeição eram abordados de forma distinta por Jane Austen. Para ela, o amor não era assim tão fácil e vaidoso, conquistado apenas com alguns poemas e um pedido de casamento. O amor poderia vir de um velho amigo que sempre te corrige, mas quer te ajudar a ser uma pessoa melhor, como é o caso de Mr. Knightley para com Emma (Emma). Em algumas situações o afeto pode não ser imediato e começar com uma rejeição, demorando anos para ser conquistado, como acontece com Marianne Dashwood e o Coronel Brandon (Razão e Sensibilidade). Enquanto em outras pode haver uma conexão em questão de dias, mas as circunstâncias também influenciam para que não dê certo imediatamente, como é o caso de Elinor Dashwood com Edward Ferrars (Razão e Sensibilidade) e Jane Bennet com Mr. Bingley (Orgulho e Preconceito). Não eram necessários grandes feitos entre os amantes, grandes atos de bravura. As motivações e personalidades são tão bem exploradas, que não é preciso um grande discurso para que o leitor demore muito a se apaixonar.
O amor, segundo Austen, também poderia nascer lentamente entre duas pessoas que não se dão bem de cara, já possuem opiniões formadas sobre o outro e tem certeza de que vão se odiar para sempre. Elizabeth Bennet e Mr. Darcy são, com certeza, o casal mais famoso de Jane Austen e um dos casais mais queridos na literatura. Criando duas pessoas complexas, teimosas, orgulhosas e preconceituosas, Austen pode não ter inventado a famosa representação do “Enemies to Lovers” (inimigos que se apaixonam), mas com certeza ajudou a torná-lo popular.
Orgulho e Preconceito é o romance preferido da maioria dos fãs da autora, e boa parte se deve ao seu casal principal e o enredo que os envolve, já que Austen faz questão de mostrar o gênio forte de Lizzie(sic. No original é Lizzy), ironizar a importância superestimada que o casamento e a riqueza possuem e aprofundar questões como a vaidade, os maus hábitos e a sociedade daquela época, fazendo com que tudo isso influencie na relação do casal principal muito mais do que imaginamos.
Mesmo Darcy e Elizabeth se entendendo, se perdoando e se apaixonando com o tempo, ainda há dificuldades para que o casal possa ficar junto. Uma delas é o fato de Lizzie não ter uma boa condição social, ter outras quatro irmãs, mas nenhum irmão e uma de suas irmãs mais novas estar envolvida em um escândalo. Darcy está tão aficionado por ela que já não se importa mais com “a inferioridade de seu berço”, porém sua tia, Lady Catherine de Bourgh, não pensa do mesmo jeito e humilha Lizzie de todas as formas imagináveis.
“Orgulho e Preconceito é um clássico que diz muito sobre quem podemos ser. Apesar de ser muito fora dos nossos padrões, a obra tem ensinamentos sobre ser quem se é, sobre ir contra o habitual, de uma forma mais contida e em alguns momentos até cômica. As adaptações e as milhares de tiragens diferentes provam que ele é um clássico atemporal. Apesar de ser um romance, mostra mais como uma moça “fora dos padrões” pode ser desejada. Mas também mostra que por ela ser assim nada é tão simples, porque ela tem opinião. Acho que a Lizzie é o ponto fora da curva no texto e ao mesmo tempo é a mocinha que depois é retratada em milhares de livros. A ideia de ser diferente, estranha as vezes, e ser vista. Mas torna a ideia de ser único sempre divertida”, conta Gabrielle Batista, que possui especialização em Literatura Inglesa e comanda o Podcast literário Terminei.
É claro que, como sendo uma história de amor, tudo termina bem para o casal, mas não é difícil notar que Jane Austen tinha o objetivo de mostrar que, naquela época, até mesmo o maior dos amores poderia ser prejudicado por questões sociais. Por mais inteligente, interessante e até mesmo por mais bonita que uma jovem fosse, caso ela não possuísse boas condições financeiras, ela não poderia se dar ao luxo de não depender de uma figura masculina (seja um marido, um pai ou um irmão).
É impossível não notar a forma como o universo feminino é visto, opinado e transmitido por Jane Austen. Suas heroínas possuíam personalidades, condições de vida e experiências completamente diferentes em cada uma de suas obras, embora todas se passassem em cenários domésticos e no cotidiano da nobreza e burguesia agrária. As experiências de vida das mulheres se resumiam a conversas durante o chá, cartas trocadas e noites em bailes. Elas não possuíam grandes aspirações para o futuro, pois não podiam se dar a esse luxo. Para terem uma boa vida, elas precisavam ter um casamento vantajoso.
Moira Bianchi é autora de diversos livros – alguns inspirados em Jane Austen – tanto em português, quanto em inglês. Possui um blog literário e também participa do Podcast Café com Jane Austen. Moira nos conta que “Ela escrevia o que conhecia. Por isso ela quase não falava da vida na cidade, ou levava seus personagens em viagens ao continente, por exemplo. Vamos lembrar que não havia internet ou Google, as comunicações eram difíceis e lentas, alguém tinha que viver uma situação ou ao menos ouvir alguém contar diretamente. Ela tinha acesso à biblioteca do pai e depois à vida do irmão, mas o trabalho dela é basicamente a vidinha do interior, visitando amigos e parentes, idas e vindas.”
Moira continua: “De novo, em uma visão deslocada do contexto histórico da época, a vida feminina parece fútil comparada à vida que vivemos hoje. Mas tudo era muito relevante, Mrs Bennet (Orgulho e Preconceito) tinha mesmo que ser louca com o casamento das filhas, já que as via morrendo de fome quando o marido morresse. Casar bem era questão de sobrevivência feminina em uma era em que irmãos tinham prevalência em relação às irmãs, mesmo que mais velhas. Assim, se uma família rica tivesse duas filhas e um filho caçula, ele herdaria quase tudo e seria responsável pelo sustento das irmãs solteiras, poderia as tratar com migalhas e ficava por isso mesmo… O capítulo inicial de Razão e Sensibilidade conta isso com detalhes – é enervante!”
Se analisarmos as heroínas de Austen com atenção, vamos notar que todas elas, por mais diferentes que sejam, possuem pelo menos uma coisa em comum: o fato de serem contidas apenas por serem mulheres e reprimidas por suas personalidades, opiniões e comportamentos.
Começando por Emma Woodhouse, “bonita, inteligente e rica”, como a própria Jane Austen descreve na primeira página do livro. Emma, por mais privilegiada e mimada que fosse, teve que se tornar a mulher da casa muito cedo, por conta da morte precoce de sua mãe e o casamento de sua irmã mais velha. Por um lado era uma jovem de 20 anos muito madura, que cuidava do pai e tinha uma amizade duradoura com o crítico, mas bondoso, Mr. Knightley. Por outro lado ela era um pouco manipuladora e casamenteira, cometendo muitos erros de ação e julgamento que poderiam ocasionar na infelicidade de outras pessoas, por melhor que fossem suas intenções. Emma, por ser rica, não se preocupava com um casamento e até mesmo achava que era incapaz de se apaixonar, sem pensar muito sobre o assunto. Porém, por mais bondosa que fosse, era vista como superficial e vazia. Isso aponta bastante para o fato de que até mesmo as jovens mais ricas e favorecidas não possuíam muitas opções de entretenimento e distrações. Emma não tinha a oportunidade de se divertir senão tentando juntar casais.
Em contrapartida, se fosse um homem no lugar de Emma, que possuísse uma ótima condição financeira e quisesse apenas cuidar da vida de outras pessoas, ele seria visto como diferente e raro. Por exemplo, o Mr. Bingley, que é rico e amigável, assim como Emma, nunca seria visto socialmente como vazio e superficial. Até mesmo o Mr. Darcy, que é um homem muito rico e reservado, por vezes até arrogante, nunca seria reprimido por seu jeito como acontece com Emma. Esse já é um grande exemplo de como mulheres e homens recebiam tratamentos bem diferentes por suas atitudes.
É válido lembrar que os privilégios de uma boa vida que Emma possuía eram uma grande exceção. “Poucas mulheres, mesmo sendo filhas únicas, herdavam heranças, principalmente propriedades como Emma Woodhouse.”, Relata Raquel Sallaberry Brião, responsável pelo blog Jane Austen em Português (desde 2008), diagramadora e restauradora de livros.
Em Orgulho e Preconceito, temos Elizabeth Bennet, a segunda filha mais velha entre cinco irmãs. Por mais que sua mãe se preocupasse unicamente em casar suas cinco filhas – já que todas vão perder a casa e os bens quando o pai morrer -, Lizzie diz que só se casará por amor. Isso já mostra bastante da personalidade da heroína, que possui um gênio forte, é alegre, engraçada, sincera e muito inteligente. Um verdadeiro espírito livre. Mas, por maior que seja sua sede de expandir seus horizontes e por mais culta que seja, possui a limitação de não poder ser mais do que lhe é incumbido como mulher. Lizzie é mal vista socialmente por ter fortes opiniões sobre a sociedade, comportamento e até mesmo o sexo feminino. Ela não se importa de ser vista como tola por rir demais ou como sabichona por saber exatamente o que quer, e é exatamente isso o que nos encanta nela.
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Elizabeth e Miss Bingley sobre o ideal de uma mulher perfeita.
Segundo Adriana Sales, “O universo feminino é apresentado em diversas nuances. Desde as mocinhas que nasceram em famílias ricas até as que passam por situações vexatórias por serem pobres. Ao descrever os hábitos e comportamentos da sociedade em que viveu, Austen nos dá um panorama sobre como era ser mulher naquele período. Se fizermos uma leitura mais detalhada de suas obras, podemos perceber inúmeros exemplos de regras de etiqueta, comportamento em público e privado, formas de se vestir e se arrumar, protocolos para fazer e receber visitas, cotidiano da vida rural da classe média inglesa, entre outros.”
Razão e Sensibilidade mostra ainda mais sobre a injustiça que era ser uma mulher no passado. O livro já se inicia com a morte do pai das duas jovens protagonistas, Elinor e Marianne Dashwood. Elas também tinham uma irmãzinha mais nova, Margaret, e viviam com a mãe. O Sr. Dashwood já havia sido casado antes e possuía um filho deste primeiro casamento, John, que como sendo o único filho homem, herda tudo após a morte do pai. Influenciado por sua mulher, John acaba deixando suas meias-irmãs – e madrasta – sem nenhum sustento e por isso elas se mudam para uma casa muito mais simples e sem muitos recursos de vida.
Elinor, a mais velha das irmãs, é uma moça forte, porém muito reservada, já Marianne é uma jovem romântica e comunicativa. Enquanto Elinor representa a razão, Marianne representa a sensibilidade. Mesmo ambas sendo completamente diferentes, são julgadas por suas personalidades. Elinor é vista como uma mulher fria, indiferente e até rígida, enquanto Marianne é vista como sensível demais, exagerada e por vezes imatura. É claro que ao longo da história as duas irmãs mudam bastante e aprendem qualidades uma com a outra, mas ainda há o ponto de que uma mulher, independentemente do seu jeito, será sempre criticada.
Moira Bianchi diz que Austen nunca quis ser revolucionária, como Mary Wollstonecraft, já que era uma moça do interior, curiosa, ligada à família e que foi genial na forma como contava sobre o mundinho que vivia. “Aliás, essa foi a crítica mais feroz que ela recebeu na época.” Em sua opinião Austen criticava, não revolucionava. “Sinto como se ela fosse uma amiga próxima me contando uma fofoca: ‘Amiga, tenho um caso pra te contar, você vai adorar! Um cara rico, mas boboca, falou mal da garota e ela ouviu! Foi um vexame! E ele fingiu que nem ligou, mas depois passou meses tentando se desculpar até que acabou apaixonado! Bem feito, mordeu a língua!’ (risos) Sempre que releio O&P, imagino que estou visitando meus amigos queridos nesses termos de intimidade.” Ela continua dizendo que o “protofeminismo de Jane Austen” é um assunto muito discutido entre os fãs. “Acontece que por ser tão acessível nos assuntos mundanos, tão delicada na ironia, ela alcançou muita gente e deu fomento para analisar a vidinha daquelas mulheres naquela época. Eu sempre tomo cuidado com o anacronismo histórico.”
“Um exemplo, em Razão e Sensibilidade, está na oferta impetuosa de Marianne com Willoughby. Ela fica felizinha em ceder aos apelos dele e deixar que ele corte ‘uma longa mecha de cabelo que estava solta do penteado, caída nas costas dela’ (cap 12). Veja, presentear cabelo era algo muito pessoal, significava uma relação muito íntima, um laço já bem apertado. E Austen faz questão de nos contar como fofoca da irmãzinha Margaret fazendo tudo ainda mais arriscado. Ela (Margaret) viu o casal trocando sussurros e risos, viu o rapaz implorando e mexendo na tal ‘longa mecha solta’ e viu que a irmã deixou que ele próprio cortasse. Quem pesquisou a importância histórica dessa sequência de sem-vergonhice explícita – ainda mais na frente da irmã caçula – viu nisso já um ‘ihhh, só faltam se trancar em um quarto!’. Mas quem, como eu quando li pela primeira vez, não sabe o valor histórico, passa batido e acha Marianne exagerada quando tem o coração partido.”, Moira conclui.
“Sobre as personagens femininas, cada uma tem sua função em ‘abrir’ os olhos do leitor para questões que mereciam ser discutidas naquela época e continuam atuais até hoje.”, diz Adriana Sales. “As heroínas de Austen se mostram revolucionárias por terem um comportamento diferente, não rebelde, do que era esperado para mocinhas naquela época. Isso, por si só, já traz uma importância enorme para esse hall de personagens Austeneanas. Em graus diferentes, elas não se conformaram em viver a vida estabelecida para mulheres daquela época. Obviamente, Austen não é uma escritora feminista, o termo nem existia naquela época. Porém, podemos considerar as discussões presentes em seus livros como discussões acaloradas sobre a posição da mulher na sociedade no século XIX.”
É claro que há muitas outras heroínas e personagens secundárias abordadas profundamente nos livros de Jane Austen, mas não podemos analisar cada uma delas. Até mesmo os homens em seus livros podem abrir espaço para discussões voltadas ao universo feminino. A romancista fazia questão de criar personagens com uma grande profundidade emocional, psicológica e comportamental. Há espaço para discutir todo tipo de questões em seus livros, desde a educação da mulher até qual idade uma moça pode ter até ser considerada velha demais para se casar. As pessoas, os lugares e as atitudes criadas por Jane são até hoje muito discutidas por fãs.
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Os Fãs
Mais de duzentos anos depois da sua morte e das publicações de suas obras, Jane Austen continua no auge. Os tempos mudaram e agora é a internet que domina, mas isso não quer dizer que as pessoas estão lendo menos ou que a nova geração não conheça a autora. Não importa a idade do leitor ou como essa pessoa faz para ler – por e-books ou livros físicos -, os fãs de Jane Austen continuam se conhecendo e se encontrando em eventos ou grupos de redes sociais.
Raquel Sallaberry nos conta de sua trajetória ao conhecer a autora, além de mostrar que não tem idade para conhecer Jane Austen e que nunca é tarde demais para virar fã. “Minha admiração por Austen começou – creio que como a maioria de seus admiradores no Brasil -, lendo Orgulho e Preconceito na tradução de Lúcio Cardoso. Lembro de ler Emma, Persuasão e A Abadia de Northanger primeiro em inglês. Em 2008 quando iniciei o Jane Austen em Português do Brasil ganhei Emma e Razão e Sentimento, ambos na tradução do poeta Ivo Barroso. Por fim li Mansfield Park, traduzido por Rachel de Queiróz. As novelas inacabadas, Os Watsons e Sanditon, tive não só o prazer de ler como também escrever a introdução para a primeira tradução no Brasil, feita também por Ivo Barroso e publicada pela editora Nova Fronteira. Comecei a ler Austen depois dos trinta anos e o que me cativou foi o humor e a sua perspicácia ao mostrar com sutileza o comportamento humano nas mais comezinhas situações.”
Adriana Sales relata como Jane Austen influenciou em sua vida, carreira e em como ela ajudou outros fãs a se encontrarem e terem referências: “Eu comecei a ler Austen na graduação em Letras e quando fui estudar nos Estados Unidos comprei todos os livros da autora. Durante a minha graduação pude assistir várias adaptações das obras de Austen, algumas inclusive no cinema, como Emma (1995). Eu fui me envolvendo com Austen aos poucos, até que em 2005 assisti uma nova adaptação de Orgulho e Preconceito para o cinema e ao chegar em casa já fui entrando no Orkut para ver se havia uma comunidade brasileira do livro/filme. Ao longo da minha participação nesse grupo no Orkut, que em 2005 já possuía mais de 10 mil membros, percebi que as pessoas tinham muita dificuldade de encontrar informações sobre Austen em língua portuguesa. Assim, em fevereiro de 2008, criei o primeiro blog/site referência sobre a escritora com o objetivo de divulgar a vida e obra de Austen, além de atualizar os leitores sobre notícias e lançamentos de adaptações e livros traduzidos.”
“No ano seguinte, em 2009, eu e mais algumas amigas fundamos a Jane Austen Society of Brazil, primeira sociedade da escritora em língua latina, com o propósito de organizar eventos e publicações semelhantes às que ocorrem na Inglaterra, Estados Unidos, Canadá e Austrália. Até o momento, já traduzi três obras de Austen: Mansfield Park, Sense and Sensibility e Emma. Nossa sociedade já realizou inúmeros eventos, inclusive em outros estados do Brasil, para reunir leitores e fãs. Nesses eventos, temos roda de leitura, exibição de filmes ou séries de TV, apresentação de pesquisas e artigos científicos, entre outros. Nosso trabalho é reconhecido pelas Jane Austen Societies ao redor do mundo e, constantemente, somos convidados para eventos em outros países ou on-line.”
Ela continua: “Desde 2017, publicamos a Revista Literausten, primeira revista acadêmica totalmente dedicada à escritora, cujo objetivo é promover a discussão e divulgação dos trabalhos e pesquisas acerca de Austen aqui no Brasil. Atualmente, por causa da pandemia, estamos realizando lives no nosso perfil no Instagram e depois publicamos também no Youtube. Vamos completar, agora em outubro, nossa 60ª live, que faz parte do projeto #janeaustenlives, cujo objetivo é entrevistar pesquisadores que fazem ou já concluíram pesquisas sobre os mais variados assuntos relativos à Austen e suas obras. Além disso, temos também um projeto chamado #RelendoAusten que proporciona a leitura coletiva e discussão das obras de Austen.”
Além dos projetos de leitura, Adriana possui uma trajetória de 12 anos de dedicação exclusiva ao universo da autora e diz ter “muita satisfação em falar da escritora e suas obras”. Como acadêmica, ela diz sempre encontrar um ‘jeitinho’ de falar Austen em suas aulas. “Em 2011, realizei um curso na Universidade de Oxford sobre Jane Austen e em 2018 defendi minha tese de doutorado sobre o universo dos fãs Austeneanos aqui no Brasil.”
Já Moira Bianchi diz que conheceu Jane Austen há bastante tempo, quando trabalhava em um lugar estressante e sempre levava um livro para ler no ônibus e no intervalo do almoço. Ela diz que uma amiga do escritório a desafiou a ler vários clássicos da literatura mundial, incluindo Razão e Sensibilidade. “Achei uma chatice! Queria que Elinor desse uma decisão naquele povo, que virasse a mesa, que mandasse ver. Me arrastei pelos 50 capítulos reclamando e aí minha amiga falou: ‘Você precisa de Elizabeth Bennet.’ Ah, foi amor à primeira linha, paixão desde que Austen me disse ‘…Darcy nunca havia estado tão enfeitiçado por nenhuma mulher quanto estava por ela’. Fiquei eu enfeitiçada. Alguns anos depois, essa mesma amiga me disse com cara de pena: ‘Querida, você está desenvolvendo uma fixação doentia por um personagem literário…’ Eu ri e respondi: ‘Culpa sua!’”
Moira possui uma publicação sobre o poder do casting e sua influência nas adaptações de Jane Austen, e outra publicação sobre o poder das fanfics e como esse estilo de escrita atual ajuda a fomentar e popularizar o nome e as obras de Austen. Para ela, a relação entre fanfics e Jane Austen é primordial. “Fanfic é o que mantém a obra dela viva e pulsante até hoje, dois séculos depois de lançados. Shakespeare não é tão pop. Fanfic proporciona intimidade com o canon (oficial), melhor entendimento, vontade de ler o original – esse é o elogio que mais gosto, quando alguém diz que pegou O&P pela primeira vez porque gostou de um livro meu.”
É importante que sempre haja livros atuais que façam referências às obras de Austen, para que as novas gerações continuem a propagar seu nome e seu legado. Muitas vezes, as pessoas só conhecem a obra original porque leram um headcanon (não oficial, porém uma crença dos fãs) ou tiveram acesso a um livro com ligação direta à autora. “Não consigo deixar Darcy e Lizzie em paz! (risos)”, diz Moira. “Tenho uma versão contemporânea linear com todos os detalhes de Orgulho e Preconceito chamada ‘45 dias na Europa com Sr. Darcy’ em que Lizzie é carioca. Tenho uma dúzia auto publicados e dezenas para leitura gratuita no meu blog.”
É válido ressaltar que, em 2017, o site de notícias The Guardian fez as contas e organizou Jane Austen em números e fatos gráficos. Moira Bianchi traduziu os infográficos e os disponibilizou. Por isso, os créditos das imagens abaixo vão totalmente ao site The Guardian e a Moira Bianchi, que os traduziu.
Seja no século XIX ou no século XXI, Jane Austen continua encantando uma legião de fãs ao redor do mundo, fazendo com que pessoas de todas as idades se apaixonem pela leitura. Com toda a certeza, a autora nunca imaginou o quanto seria famosa, mesmo séculos depois de sua morte, e que seu nome serviria como referência e admiração entre muitos.
Seu nome está entre as maiores autoras (e também autores) de todos os tempos, como Agatha Christie, Clarice Lispector, Virginia Woolf e J.K. Rowling. Sua escrita inspirou relacionamentos, declarações, relações familiares, empoderamento feminino e comportamento – entre várias outras coisas. “Nesses últimos duzentos anos, os costumes e leis mudaram bastante sobre os direitos das mulheres: o casamento, o trabalho, a divisão de bens, o cuidado com os filhos etc. Mas os sentimentos e questões de caráter são os mesmos e neste quesito podemos nos guiar por suas heroínas, heróis e até mesmo personagens secundários.”, diz Raquel Sallaberry. O que não podemos negar é que Jane Austen foi e continuará sendo uma grande protagonista na literatura mundial.
“O olhar para tantas questões sociais que a cercavam possibilitou a Austen escrever histórias fascinantes e que, aos olhos de hoje, podem ser consideradas revolucionárias. Como o caso das discussões a respeito da mulher não ter direito aos estudos ou à herança do pai, apenas por pertencer ao sexo feminino; mulheres escolherem se casar quando houvesse sentimento entre os parceiros, e não apensar uma ‘transação comercial’ entre as famílias; entre outros. Austen inova por trazer os assuntos do privado para o enredo de seus livros. Mostra que as discussões entre mulheres e homens, a vida em sociedade e experiências de pessoas ‘comuns’ valia a pena ser escrito e lido. Essas histórias continuam ‘vivas’ até hoje por serem universais, ou seja, podemos conhecer uma história de vida ou pessoa na vida real que possuem características presentes nas obras de Austen.”, conta Adriana Sales.
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Bacana, né?
O artigo indica ainda:
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- 20 adaptações da vida e obras de Jane Austen na TV e no cinema,
- 10 adaptações de Orgulho e Preconceito,
- 10 escritores britânicos para ler o quanto antes,
- 10 importantes escritoras famosas,
- 5 livros feministas, de Jane Austen à Virginia Woolf,
- Por que Orgulho e Preconceito é a melhor história de amor de todos os tempos e a desconstrução do amor à primeira vista,
- Obras clássicas e populares de três autoras inspiradoras,
- Uma crítica de Emma,
- A imortalidade das heroínas de Jane Austen,
- A biblioteca fundamental de Jane Austen,
- Despertando o hábito da leitura com clássicos da literatura,
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É muito conteúdo, Darcy friend!
Vamos mergulhar nisso tudo!
bj
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