olá,
com este, pelo menos por enquanto, eu encerro os estudos de Persuasão. Quando comecei, não achei que renderia tanto!
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tenor |
Como foi por conta do lançamento do filme da Netflix, é justo terminar com ele.Já te falei o que achei dele aqui, até gravamos podcast exclusivo, mas o que quero falar aqui neste post é sobre o HATE que ele levantou. Me surpreendeu, fiquei mexida mesmo. Foram discussões acaloradas, brigas e xingamentos em Austen Nation. Credo!
Para montar esse post, eu usei as respostas que me deram nas redes sociais e 14 artigos que achei em uma simples pesquisa no Google. Digitei 'Persuasion Netflix' e peguei os hits das duas primeiras páginas. Foram eles: Vox, Glamour, The Independent, Cinema Blend, The NY Times, The Daily Utah Chronicle, Mammamia, NPR, Cosmopolitan, Harper's Bazaar, O Globo, Le Monde, CNN e The Conversation.
Vou dividir em tópicos porque as críticas e avaliações se repetem. Acho que assim vai ser mais fácil para você ler e para minha organização.
Aviso que é CHUVA DE SPOILERS. Siga por sua conta e risco.
Vamos lá!
PERSUASÃO NETFLIX & SEU HATE
FIRST THINGS FIRST
O ponto básico é entender a diferença entre OBRA e PRODUTO.
Por que isso?
Porque Netflix é uma empresa que quer agradar seus clientes e tem uma agenda a cumprir. Por isso ela força a barra com 'elenco daltônico', mensagens progressistas e produções mastigadas para distrair mais que educar.
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Veja Bridgerton, 365 dias, Emily em Paris, The crown, Enola Holmes, You e Narcos, por exemplo. Todas essas produções são bonitas de ver, entretêm, mas têm erros históricos ou de narrativa que você até percebe, mas não liga porque está 'só se divertindo'.Neste raciocínio fica fácil entender o croquete que fizeram com o filé mignon que é Persuasão.
PRODÍGIO DE MARKETING
Esse filme é um pastiche americanizado da Inglaterra Regencial perfeitamente feito para atrair espectadores da Grã-Bretanha (país que viveu essa era) e fãs de Austen de qualquer lugar do mundo, até aqui no Brasil.
É um trabalho de gênio do marketing e, em muitos aspectos, também é a conclusão natural de uma visão caricaturizada da Inglaterra Real que vem sendo construída há décadas.
Depois de Bridgerton, cujo golpe de mestre foi entregar uma versão da Regência para Instagram que fez de suas inconsistências históricas uma virtude (tsk,tsk), a plataforma decidiu repetir essa fórmula com um clássico em domínio público acreditando que o apetite aparentemente inesgotável para essa época nos livros de romances ia dar audiência depois do boost inicial garantido por Austen Nation. Janeites são conhecidas por consumir de um tudo, desde bandaid até vela perfumada - por que não uma nova adaptação?
Muita gente que tem intimidade com um romance de Jane Austen estava decidido a odiar o filme. No entanto, todos assistiram nas primeiras 12 horas de lançamento. Um sucesso estrondoso!
Foi dito que era inovador, empoderador para mulheres, feminista, empático e outros gatilhos de marketing que são marca e qualidade da plataforma.
Antes dessa, Persuasão foi tema de duas séries e dois filmes de TV entre 1960 e 2007 – muito pouco. Assim, a Netflix preencheu um relativo vazio, oferecendo uma versão cinematográfica para toda a família.
Em um nível puramente superficial, “Persuasão” é capaz de fornecer alguns dos prazeres estéticos de uma época passada, o que cumpre com o padrão Netflix.
MODERNIZAÇÃO
Uma adaptação não precisa ser uma cópia do original, mas deve ao menos reproduzir a 'alma' da obra. No caso de Persuasão, tem 12 posts aqui no blog para você se esbaldar nessa análise.
Nisso, o filme age como uma fanfic OoC - out of character - ou seja, é o mesmo enredo com os mesmos personagens, mas esses têm personalidades diferentes dos originais.
Para criar rapport, Anne Elliot foi moldada como Bridget Jones e Fleabag, uma desbocada, quase alcóolatra, desastrada e ainda assim, adorável por ser quase como uma criança. Essa Anne poderia ser Emily (em Paris), Bella (Crepúsculo), Eloise (Bridgerton), tanto faz, é uma fórmula que tem variações, que nem macarons.
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O problema é que Anne Elliot é muito diferente disso. A dor dela é aguda, misturada com o medo de estar em um ponto na vida onde perdeu todas as oportunidades, principalmente por amor. No filme ela suspira de forma teatral depois que derruba um pote de molho na cabeça e se gaba de dançar ao som de Beethoven sozinha em seu quarto com uma garrafa de vinho.
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No romance, a tensão entre o Sr. Elliott e o capitão Wentworth se resume ao fato de Anne ainda ser persuadida a valorizar a posição de sua família acima de seu próprio caráter e julgamento. No filme Elliott e Wentworth são dois galãs em duelo e nós mal sabemos porquê.
Para os leitores que desconhecem Austen, há uma impressão de frivolidade, melodrama e falta de seriedade – como Bridgerton ou Sanditon: as coisas quase fazem sentido, sóque não. A razão pela qual a Persuasão na Netflix parece tão insultante é que ela se encaixa diretamente nesse estereótipo da mocinha moderna feminista infeliz romanticamente.
A Anne do filme é arrastada até que sua decisão seja tomada por ela depois que é revelado que Wentworth a ama, ao invés do desenvolvimento sofrido do arco original.
Persuasão é geralmente considerado o romance mais maduro de Austen, e Anne sua heroína mais complicada. A fleuma e o humor característicos da narrativa compensam a desolação da protagonista.
Ao fazer Anne soar mais como a imitação amarga de Fleabag, o filme trai sua própria leitura superficial da personagem, que na verdade é mesmo um pouco solitária, insatisfeita e fora de sincronia com a sociedade.
PREGUIÇA DE PENSAR
Mas a questão é que o roteiro desta versão de Persuasão de Austen faz pouco sentido no século 21 porque as mudanças descaracterizaram muito as personalidades e as razões para as ações deles na tentativa de fazer Austen mais modernizada.
Clueless, por exemplo, não estava explicando Emma para um público burro demais para entender, estava se divertindo. Parece que o filme pensa que o expectador é estúpido demais para entender Austen por conta própria, então, em vez de tentar dar vida ao trabalho dela, decidiu dar-lhe um resumo bem mastigadinho.
Como temos visto na dificuldade que as novas gerações de bookstans e booktoks têm de entender a sutileza da caneta de Austen, talvez essa regurgitação seja mesmo necessária...
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O filme aparentemente trata os fãs de Austen com desdém enquanto tenta agradá-los. Não é o elenco daltônico, o enredo abreviado ou os anacronismos que incomodam as pessoas - elas vêem isso, mas em face de coisa mais aguda, mal notam isso.
O filme atrai os jovens porque é liberalmente temperado com expressões contemporâneas.
A implicação é que esse público – presumivelmente em sua maioria mulheres jovens – estaria desinteressado ou incapaz de compreender um diálogo de época mais fiel. Este pressuposto é mais do que evidente.
O filme parece não confiar que seu público vai entender fatos mais básicos da vida do início do século 19, então explica, por meio de diálogos desajeitados, que as mulheres nesta época não tinham meios de se sustentar fora do casamento, nem tenta explorar os vários tons de hierarquia e mobilidade dentro da sociedade de classe alta da era Regencial.
Os roteiristas, na melhor das hipóteses, mostram um desinteresse. Na pior das hipóteses, eles mostram um desprezo ardente pelo romance e pelas discussões que Austen fez tão pungentes.
Uma crítica disse que 'nunca antes uma adaptação de Austen me deixou tão vazia emocionalmente. Ao insistir que cada aspecto da vida moderna tem um corolário do século 19, o filme descentraliza o que torna os filmes de época tão confiáveis: não importa a década, as emoções humanas não evoluem e o amor não fica mais fácil.' É verdade...
O filme então despoja o trabalho de Austen de tudo o que era rico e maravilhoso no cânon e apresenta, em vez disso, um romance fraco da Regência. Porque isso é o que é popular, certo? Como um romance de banca de jornal.
Em nenhum mundo faz sentido que essa Anne não diga a esse Wentworth que ela gosta dele. Não há literalmente nada que os mantenha separados. No entanto, é disso que trata o filme inteiro. Mas também, por que eles gostam um do outro, já que não parecem ter nenhuma química ou qualquer coisa em comum?
Os criadores parecem ter notado seu buraco gigante na trama, e então tentam preenchê-lo deixando NADA para a imaginação. Sim, este enredo pode não fazer sentido, mas se continuarmos a explicá-lo, teremos um longa-metragem. Definitivamente, o roteiro é literalmente... paternalista
ANACRONISMO
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O filme parece totalmente inconsciente por supor que todos os seus anacronismos trarão vida ao velho e mofado Austen - o que na verdade é desnecessário porque quem procura uma adaptação está esperando... bem, um Austen.
Neste ponto, o filme é uma pálida imitação do sucesso de Bridgerton (que satisfaz em seus anacronismos atrevidos porque vem de uma série de livros sobre o século 19 escritos no século 21 por uma mulher do século 21 para ser lido por mulheres do século 21. Diferença ENORME das obras de Austen que era uma mulher do século 18, escrevendo no século 19 e que AINDA é lida no século 21.).
Persuasão faz piadas fracas, é uma decepcionante vitrine para Dakota Johnson (que salvou muitos filmes ruins antes deste. Tsk,tsk.) flertando com a câmera imitando Jim de The Office, e Fleabag.
Ao menos os anacronismos de Bridgerton parecem cuidadosamente escolhidos (eu discordo), aqui, é puro caos e despertam um ar de absurdo.
- Anne bebe vinho sozinha,
- chora na banheira
- se joga de bruços na cama.
Não que as pessoas em 1800 não fizessem essas coisas, mas é o jeito Bridget Jones que ela faz, como se ela estivesse representando suas emoções para o Instagram. Tudo o que está faltando são lenços amassados e Sleepless in Seattle tocando em uma TV ao fundo.
Na tentativa de criar rapport tornando Anne moderna e relacionável, ela foi deixada delicada e irreverente. Seria uma boa Lydia Bennet ou Frederica Vernon, mas não Anne Elliot.
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Os diálogos anacrônicos são constrangedores e sarcásticos:
- discutem “autocuidado”,
- dizem que “muitas vezes se diz que se você é um '5' em Londres, você é um '10' em Bath”,
- fala que tem um ex,
- faz 'um grande upgrade' na companhia para o jantar,
- Mary é 'empática'
É sempre decididamente sem graça e constrangedor. O desejo de modernizar e atualizar Jane Austen é fácil de entender, mas é tão equivocado....
DAKOTA JOHNSON
Parece ser unanimidade que o talento e a beleza dela são capazes de salvar tudo, até o aquecimento global, no entanto falhou nesse filme. Discordo, para mim ela é fraquinha.
Reclamaram da franja, mas já estava em O&P 1995.
Falaram do sotaque, mas é bonitinho.
Não há como negar que ela sorri demais para ser Anne, é bela demais para quem 'murchou sua beleza' e, para minha surpresa, fez o pecado de ler a carta para o expectador. Isso é considerado hediondo.
Eu entendi que ela lia para si própria, que eu estava na cabeça dela, mas, bem, toda Janeite é excessivamente mordaz nas críticas do que considera digno de Austen Nation.
NINGUÉM...
Nas minhas pesquisas, ninguém falou do coelho, presença que eu achei bizarra. Talvez porque já havia tanto para comentar, então o animalzinho feito fiel e domado como um labrador, passou desapercebido.
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Ninguém também comparou com as outras adaptações de Persuasão, será que seria covardia?
Tivemos atores muito mais velhos que os personagens do cânon, muito mais bonitos, decididamente mais competentes, mas ninguém se ligou em comparar. Achei curioso.
RESUMINDO
O hate veio de
1. descaracterização do enredo que trata de arrependimento, amadurecimento e amor duradouro. Sabendo quando e em que estado de saúde Austen escreveu Persuasão, dá mesmo um dó de perder isso;
2. modernização desastrada e diálogos destemperados (apesar de alguns serem bem bons);
3. desrespeito com a inteligência do consumidor que nem sempre tem 12 anos e é viciado em A barraca do beijo.
Encerro com esse trecho da crítica da Cosmopolitan:
'Os livros não vão para a cama à noite sonhando em virar filmes quando crescerem.
Eles já estão crescidos. Se você é uma Janeite purista e não consegue passar por cima de tudo isso, então não veja. Escolha outra adaptação Releia o livro. '
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Concorda?
Me fala aqui nos comentários.
fontes: meus arquivos pessoais, study.com, schmoop, reddit, spark notes, post anteriores, wikipedia e artigos listados acima (todos em links clicáveis).
E também solta o verbo sobre o que achou desta maratona de Persuasão.
Aqui você acha minhas PESQUISAS SOBRE JANE AUSTEN ,
inclusive os outros posts de Persuasão
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LINKS para o romance de Jane Austen
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Livro físico
Leia no original gratuitamente (domínio público, vários formatos)
Veja o filme de 1995
Veja o filme de 2007
Veja o filme de 2022
Leia a JUVENÍLIA para uma boa dose de Jane Austen raiz!