& Moira Bianchi: Persuasão é o titulo certo para o romance de Jane Austen?

domingo, 19 de junho de 2022

Persuasão é o titulo certo para o romance de Jane Austen?

 Olá!

Seguimos no mergulho por Persuasionverso!


O novo filme da Netflix está cada vez mais próximo e com isso, nosso hype vai aumentando.

Trago agora uma discussão muito recorrente em Austen Nation: o título!

Sabia que isso era um assunto?

Te conto com a ajuda da minha amiga Janeite FRANCIELLE do Adaptações de Jane Austen.


“PERSUASÃO” É O TÍTULO CERTO?

Com base em um artigo de MONICA FAIRVIEW para a Jane Austen Literacy Foundation.

A escolha de um título para livro é muito complicada, podemos apenas imaginar a responsabilidade que Henry Austen sentiu quando decidiu mudar o título da publicação póstuma de Jane Austen de “The Elliots” [Os Elliots] (título deixado por Jane no manuscrito) para “Persuasão”

Contando superficialmente quantas vezes as palavras “persuasão/persuadir” são mencionadas (aproximadamente 225 vezes) no romance revela que Henry Austen – que não teve acesso a textos eletrônicos pesquisáveis – fez uma escolha justificável. Ele deve ter lido com atenção e notado a relevância do tema na trama.

Entretanto, toda Janeite não consegue se livrar da especulAUSTEN em torno da saga de Anne. Você também já deve ter achado que Jane romanceou seu ‘caso’ com o Lefroy. Ou pensado se alguém persuadiu Jane a desistir de algo e ela se arrependeu depois. É intrigante especular, dada a sensação do pesar que permeia o romance.

Para leitores do século XX, a ‘persuasão’ do título parece escolha óbvia, 

carrega conotações de discussões perdidas e vencidas, de submeter-se à influência de alguém. 

O título, em nosso entendimento moderno, coloca Anne Elliot como vítima das circunstâncias, quase a eximindo de culpa por seu erro no passado. Como uma jovem de dezenove anos, Anne deixou-se convencer a não se casar com o homem que amava e a partir da negativa, teve que lidar com as consequências. Com o passar dos anos, o peso dessa (culpa? arrependimento?) a fez resignar-se ao rótulo de solteirona e a conhecemos aos vinte e sete vivendo à margem da vida dos outros, reduzida a ser “ninguém…  Sua palavra não tinha nenhum peso; sua conveniência era sempre ceder— era somente Anne” (cap 1) 

Um preço alto a pagar por muito tempo. 

Estar aberta à Persuasão é uma falha tão grande da personagem Anne, 

que ela merece uma vida tão trágica?

Num primeiro olhar, pode parecer que Jane está usando Anne para criticar a posição infeliz das mulheres solteiras da Inglaterra Regencial. No entanto, ela introduz deliberadamente uma personagem que não se encaixa no estereótipo. A irmã mais velha de Anne, Elizabeth, não sofre o destino de uma “solteirona”. A sua posição no círculo familiar está assegurada. Não se espera que ela esteja à disposição de qualquer pessoa de sua família que precise de assistência.  Não só isso, mas ela está na posição de escolher a Sra. Clay como sua companhia. (nem vamos falar desta Falsiane...)

Na comparação, Anne fica ainda mais em desvantagem. É desagradável vê-la indefesa e servil é como observar uma vida de escravidão auto-inflingida, penitência por seu erro juvenil – uma espécie de justiça poética. Ela parece ter se convencido de que é isso que merece.

Neste caso o título seria CASTIGO ao invés de PERSUASÃO. 

Ou quem sabe, ARREPENDIMENTO.

Há outra maneira de olhar para a “persuasão”, como um reflexo da 'firmeza' do caráter de Anne, em vez de uma fraqueza. Anne estava convencida – da persuasão – de que o casamento com Wentworth não era uma boa escolha e seus sentimentos de arrependimento não vieram daquele momento de ‘persuasão‘ externa, mas porque ela não tinha fé suficiente na sua escolha dele como marido. Assim, ela precisava só de um empurrãozinho para se decidir. 

Temos que olhar a trama de Jane pelo olhar que ela tinha no início do século XIX enfrentando os problemas daquela época sem nos deixar contaminar pela visão moderna que temos hoje no século XXI, por mais difícil que seja. 

Na verdade, essa é a CHAVE para ENTENDER & APRECIAR a obra de Jane Austen.

Casamento hoje em dia não é primordial para a subsistência feminina como naquela época. Sensatez na escolha foi um assunto que Jane usou e abusou (os casais Bennet e Wickham de Orgulho & Preconceito e todos os Bertram de Mansfield Park, por exemplo, gritam o peso de más escolhas). Em Persuasão vemos o caso da  mãe de Anne, que sacrificou sua felicidade a uma ‘paixão juvenil’ e sofreu com a falta as bobeiras e gastanças de Sir Walter. Imagine ser uma jovenzinha de dezenove anos apaixonada pelo bonitão pobretão e vendo no que dá agir pelo coração!... Não foi preciso muito da parte de Lady Russell para convencer Anne de que era uma má ideia ser “arrastada por ele [Wentworth] a um estado de dependência desgastante, ansiosa e destruidora de juventude” (cap 4). Aquele tinha sido o destino da sua mãe, um destino que a levou precocemente à sepultura. Como curiosidade, vale marcar que Jane só usou a expressão ‘sunk by’ nesta frase de Persuasão, dentre toda sua obra e cartas.

Sunk, passado de sink, afundar. Passar por sérios problemas ou ser incapaz de resolvê-los.

Sunk by: ato involuntário. Ser afundada, ser arrastada, ser envolvida em problemas.

Poucas falas podem ser mais persuasivas que esta.

O retrato que Austen nos dá do jovem Wentworth é muito claro. Em algumas sentenças, ela desenha as razões pelas quais Anne não poderia ter se casado com ele naquela época. Quando se conheceram, ele estava desempregado e “não tinha nada para fazer” (cap 4. Ele estava de folga depois de ter sido feito comandante em ação). Para piorar as coisas, o “Capitão Wentworth não tinha fortuna. Ele tivera sorte em sua profissão; mas gastando livremente o que veio sem esforço, não realizou nada.” (também Cap 4) O descuido com que ele gastou sua renda não era um bom presságio e não interessou a ninguém imaginar que ele não guardava porque não tinha que sustentar ninguém a não ser a si mesmo, fica subentendido que ele era perdulário. Na época, com Sir Walter se recusando a apoiar o jovem casal, a situação de Wentworth não inspirou fé. O narrador continua: ele “não tinha nada além de si mesmo para recomendá-lo, e nenhuma esperança de alcançar riqueza, além das chances de uma profissão mais incerta, e nenhuma conexão para garantir até mesmo sua ascensão futura nessa profissão” (ainda cap 4. No artigo anterior foram mencionados o perigo da vida na Marinha). A repetição da palavra “nada” aqui indica o desamparo do jovem casal. Apesar de seu amor por Wentworth, Anne era muito “sensata” para não perceber que não ter “nada” não era uma receita para a felicidade.

Sensatez feminina era tema recorrente na obra de Jane. 

Veja Elizabeth x Lydia em O&P, 

Jane x Emma em Emma, 

Elinor x Marianne em R&S.


Ironicamente, a rejeição de Anne foi, na verdade, a força motriz construção de Wentworth, seja por mágoa ou necessidade de ser digno do amor dela, como ele próprio admite no jantar em Uppercross. “Foi um grande objetivo naquela época, estar no mar: um objetivo muito grande; eu queria estar ocupado.” (cap 8) 

Em retrospectiva, é claro, é fácil para Anne lamentar não ter acreditado nele, agora que ele retornou um homem rico, mas ele teria sido tão bem-sucedido se eles tivessem se casado? Sobrecarregado com esposa e filhos, ele seria capaz de suportar a distância por tempo suficiente para ganhar recompensa em dinheiro e ser capaz de sustentá-la?

A reflexão para nós fica no fato de que, no momento que conhecemos Anne e Wentworth

 (oito anos depois do coração partido) 

a situação toda pode ser reexaminada com a perspectiva de quem já conhece o futuro. 

O romance, em grande parte, é sobre eles entendendo que o fardo da culpa não é só dela. Um momento particularmente revelador acontece no fim, quando Wentworth percebe que a responsabilidade por sua infelicidade também recai sobre ele.

“Injusto eu posso ter sido, fraco e ressentido eu fui, mas nunca inconstante. Só por você eu vim a Bath. Somente por você eu penso e faço planos.” (cap 23, parte da maravilhosa carta)

“... pode ter havido uma pessoa mais minha inimiga do que aquela senhora [Lady Russell]? Eu mesmo. Diga-me se, quando voltei para a Inglaterra, no ano oito, com alguns milhares de libras, e fui enviado para o (navio) Laconia, se eu tivesse então escrito a você, você teria respondido à minha carta? Você teria renovado o noivado comigo?... Eu fui orgulhoso, orgulhoso demais para perguntar novamente. Não compreendi você.” (também cap 23)

Neste momento de introspecção, o próprio Wentworth assume parte da culpa de sua infelicidade reconhecendo que poderia tê-la compreendido melhor e até entrado em contato antes.

Olhando uma cena central no romance - a cena no Cobb (cap 12), onde Louisa cai pelos degraus - podemos ver as desvantagens de ser jovem e inexperiente.  Simbolicamente, Louisa aos vinte anos é Anne aos dezenove – impetuosa, obstinada e flertando com Wentworth.  Eis que o desastre vem na forma da queda de Louisa representando o que  poderia ter acontecido a Anne se ela não tivesse firmeza de caráter para pôr fim ao relacionamento e perceber que casar com Wentworth não era financeiramente viável. Naquele momento, ele está sendo terrivelmente imprudente ao dar corda a Louisa apesar de não ter intenção de forjar relacionamento com a garota (coisa que ele admite no cap 23).

Em conclusão, ao chamar o romance de “Persuasão”, Henry Austen colocou muita ênfase no início do romance — no “erro” esquecendo o arco monumental que Anne e Wentworth fazem de  compreensão e aceitação, na prudência de avaliações mais cuidadosas do amor juvenil. 

Há outras palavras que aparecem com mais frequência do que “persuasão” no romance, palavras como “felicidade/feliz”, “certo”, “esperança”, bem como o tema abrangente de vaidade e orgulho. Talvez o título escolhido por Jane Austen, “The Elliots”, embora mais simples, teria sido mais representativo e teria nos fornecido uma visão mais complexa do que o título “Persuasão” jamais pôde.

--



Monica Fairview é autora de diversas reimaginações de Orgulho e Preconceito como A Longbourn entanglement, The other Mr. Darcy e Mysterious Mr. Darcy. Para ela, Persuasão deveria ser ‘Only Anne’ ou ‘Somente Anne’.

Este artigo foi traduzido por Francielle Souza do Adaptações de Jane Austen e adaptado por Moira Bianchi do Jane Austen para Iniciantes e autora de diversas versões de Orgulho e Preconceito – mais do que pode ser considerado saudável

E para você, tem título mais apropriado que ‘Persuasão’?

Me conta nos comentários!


Leia o artigo original aqui.


Aqui você acha minhas PESQUISAS SOBRE JANE AUSTEN

Tem muita coisa de Persuasão!


leia agora mesmo 45 dias na Europa com Sr. Darcy



4 comentários:

  1. 🥰🥰🥰🥰🥰🥰🥰🥰 ótimo texto, não vejo a hora de assistir essa belezura, e pelo visto têm várias cenas que eu sentir falta na última versão.

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    1. Estou bema animada também. Mas acho que neste ponto, Anne vai ser diferente. Pelo trailer não me parece que ela sofre de culpa... só arrependimento

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  2. Ahh eu acho o título perfeito. E creio que todas passamos por momentos na vida que somos convencida que determinada escolha e boa pra nós mas, nem sempre é.

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  3. Aff! Todo dia, né? Acho que Persuasão é sobre aprender a dizer não. Não para a opinião dos outros, para favores inconvenientes, para toda situação que nos colocam em segundo plano.

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